Contribuição do ângulo de flexão do joelho e do pico máximo de força normalizado no tempo de virada no nado crawl |
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Universidade do Estado de Santa Catarina Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos Laboratório de Pesquisas em Biomecânica Aquática (Brasil) |
Luciana Gassenferth Araujo | Suzana Matheus Pereira Roberta Gabriela Oliveira Gatti | Elinai dos Santos Freitas Caroline Ruschel | Helio Roesler lugassen@yahoo.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 94 - Marzo de 2006 |
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Introdução
A performance de um nadador é medida pelo tempo gasto para percorrer uma determinada distância[1]. O tempo total de uma prova de natação é o resultado da soma dos tempos de saída, nado, virada e chegada[2]. Segundo Maglischo[3], o tempo de virada influencia significativamente no tempo total de prova de um nadador, percentual que pode atingir de 20% a 38%.
A maioria dos treinadores e nadadores tem dado reduzida importância às viradas na preparação competitiva, tratando-as, apenas, como pequenos "detalhes". Sabe-se que no nível técnico em que se encontra a natação competitiva, muitas provas são decididas por "detalhes", como décimos e até centésimos de segundos, que determinam quem ficará com a medalha de ouro[4]. Os Jogos Pan-Americanos que aconteceram em Santo Domingo - Republica Dominicana, em 2003, são um excelente exemplo, onde a vitória e a quebra de recordes foram decorrentes de pequenas diferenças no tempo, visto que nas provas de 50m e 100m livre (masculino) a diferença do tempo de chegada do segundo colocado para o primeiro, foi de apenas 0,02s e 0,34s, respectivamente[5].
A avaliação biomecânica da virada pode proporcionar, através de seus resultados, o desenvolvimento de um programa de treinamento específico para este fundamento, melhorando a performance do nadador de alto nível. Através de estudos sobre a virada no nado Crawl, realizados pelo Laboratório de Pesquisas em Biomecânica Aquática, foram identificadas as variáveis pico máximo de força normalizado aplicado pelo nadador na parede na fase de impulsão na virada, tempo de contato que o nadador mantém com a plataforma de força durante a virada e tempo de virada medido em 15m como as mais importantes no processo da virada. Durante o processo de desenvolvimento dessas pesquisas surgiu o interesse em estudar a variável "ângulo de flexão do joelho" durante a fase de impulsão na virada no nado Crawl. Há controvérsias entre os autores da área em relação a esta variável, principalmente na determinação de um ângulo ótimo de flexão do joelho durante a fase de impulsão da virada. Takahashi[6] sugere um ângulo de flexão dos joelhos de 120º graus. Para Maglischo[3] este ângulo deve ser maior que 90º graus. Counsilman[7] afirma que ângulos de flexão entre 50º e 60º graus aumentam significativamente a força dos extensores do quadril.
As dúvidas em relação a esta variável impulsionaram ao objetivo principal desta pesquisa: investigar a contribuição das variáveis ângulo de flexão do joelho (AJ) e pico máximo de força normalizado (PMn) para o tempo de virada dos nadadores (TV).
Materiais e métodosParticiparam da pesquisa 38 nadadores federados de nível estadual, nacional e internacional com idade mínima de 13 anos e máxima de 26 anos, escolhidos de forma intencional, tendo domínio da técnica de execução da virada no nado Crawl. Estes apresentam média de idade de 18,2 anos, média de massa corporal de 63,8Kg e média de estatura de 1,70m.
Para a aquisição da variável PMn foi utilizada uma plataforma extensométrica subaquática construída por Roesler[8], cuja superfície é de 500 X 500 mm, sensibilidade de 2 N, erro menor que 1%, acoplamento entre solicitações menor que 3% e freqüência natural de 60 Hz. A plataforma é conectada a uma placa CIO-EXP-BRIDGE da empresa Computer Boards de 16 canais com ponte de Wheatstone e condicionamento de sinais. Como conversor A/D foi utilizado o CIO-DAS-16Jr com capacidade para 16 canais e limite máximo de 60 KHz, também da Computer Boards. Para esta coleta foi utilizado um canal para a plataforma que mediu a componente de força normal (Fy). A taxa de aquisição foi de 800 pontos/segundo. A plataforma foi acoplada a um suporte para sua fixação dentro da piscina no plano vertical, apoiada na parede, no lado contrário aos blocos de partida, na raia 4, na seqüência da marca "T" para a virada. Como a superfície da plataforma fica a 20 cm da parede da piscina, as raias pretas no fundo da piscina foram modificadas para se adaptarem à nova configuração encontrando-se à mesma distância oficial para a realização das viradas.
Para a obtenção da variável TV em 15 m foi utilizada uma câmera de vídeo VHS com freqüência de aquisição de 60 Hz posicionada fora da água com vista lateral direita da piscina. Foi colocada uma corda azul de nylon, em toda a extensão lateral da piscina, 3 m acima da superfície da água, exatamente nos 17,5m da borda lateral direita em relação aos blocos de partida (Figura 1). A contagem do tempo de virada iniciou-se no momento em que a cabeça do nadador passou sob a corda em direção a parede da piscina para a virada e terminou quando a cabeça do nadador passou, novamente, sob a corda, após a virada. Optou-se pela distância de 15m por ser a distância padrão utilizada pela Federação Internacional de Natação Amadora (FINA).
Para a aquisição da variável ângulo de flexão do joelho (AJ) foi utilizada uma câmera digital Mini-Dv Mega Pixel 3 CCD acoplada a uma caixa estanque, posicionada dentro da água com vista de baixo para cima da plataforma de força (Figura 1). Para determinar o AJ foram usados marcadores em pontos antropométricos (trocanter maior, epicôndilo lateral e maléolo lateral), confeccionados com fita Super Tape de cor preta e vermelha, de maneira que fossem reconhecidos na análise das imagens.
Figura 1. Esquema da piscina durante a coleta de dados (1 - filmadora submersa; 2 - câmera filmadora; 3 - plataforma de força;
4 - sistema de aquisição de dados; 5 - remarcação da raia no fundo da piscina; 6 - corda para marcação dos 15 m.A coleta de dados foi realizada nas dependências da piscina do Clube Doze de Agosto (Florianópolis/SC). A data, o horário e o procedimento de coleta de dados foram estabelecidos pelo técnico da equipe, de acordo com o seu planejamento de treino, sendo realizada dentro da sessão de treinamento estabelecida pelo técnico para aquele dia, procurando manter uma situação real de treino à qual os nadadores já estavam familiarizados. Após a instrução, os nadadores fizeram o aquecimento estabelecido pelo técnico (300m nado Crawl), impulsionando com os pés na plataforma, a fim de se adaptarem. Após a adaptação, teve início a coleta de acordo com o comando do técnico. Os nadadores foram numerados de 1 a 38, sendo esta ordem estabelecida para a realização das viradas. Ao comando do técnico, o nadador iniciava o percurso individualmente, nadando Crawl de dentro da piscina, em baixo do bloco de partida, devendo atingir velocidade máxima nos 12 m, realizar a virada e manter a velocidade máxima até os 12 m, diminuindo até chegar ao local de partida. Cada nadador realizou 8 tiros de 49,8m (diferença dos 20 cm da superfície da plataforma de força) com o intervalo de, aproximadamente, 12 minutos entre cada tiro.
Os dados obtidos através da plataforma de força foram calibrados e filtrados através do Filtro Transformada Rápida de Fourier (FFT) tipo Butterworth de zero a 30 Hz, ordem 3. A normalização foi feita dividindo-se o arquivo de força pela força peso dos nadadores. Ambos foram realizados através da utilização do sistema SAD 32 Bits versão 2.61.05mp[9]. A massa dos nadadores foi medida diretamente com uma balança digital, Plenna, modelo MEA-08128 escala de 0,1kg. Após o processamento dos dados, os ensaios resultaram em gráficos fornecendo a variável PMn, a qual equivale ao maior valor registrado da força aplicada pelo nadador na plataforma durante a execução da virada. A Figura 2 ilustra a curva de força no instante da realização da virada.
Figura 2. Representação da curva de força adquirida pela plataforma de força.Os dados obtidos para a análise da variável TV foram gravados em duas fitas S-VHS e posteriormente convertidos para duas fitas mini-DV, sendo analisados e tratados no programa de edição de imagens Adobe Premiere 6.5. As viradas foram arquivadas em uma seqüência de quadro a quadro, sendo considerado o primeiro e o último quadro o instante em que a cabeça do nadador passa sob a corda de marcação dos 15 m.
Os dados obtidos para a análise da variável AJ foram gravados em duas fitas mini-DV, sendo analisados e tratados, primeiramente, pelo programa de edição de imagens Adobe Premiere 6.5. Foi selecionado o quadro em que o nadador realiza a máxima flexão do joelho ao impulsionar na plataforma de força e, em seguida, estes arquivos foram exportados e analisados pelo programa de edição de imagem Corel Photo-Paint versão 10. O ângulo de flexão de joelho está representado na Figura 3.
Figura 3. Foto ilustrativa do ângulo de flexão de joelho durante a virada do nado crawl.
ResultadosForam analisadas 304 viradas. Porém em algumas variáveis, este número está reduzido pela virada ser considerada falha, em algumas circunstâncias, para a obtenção da variável requerida. A Tabela 1 apresenta o número de viradas analisadas para cada variável, média, desvio padrão e coeficiente de variação. Observa-se que a maior variabilidade foi para o AJ (31,4%) e a menor variabilidade para o TV (12,1%). A alta variabilidade do AJ expressa a individualidade entre as execuções do mesmo nadador e, principalmente, entre um nadador e outro.
Tabela 1. Média, desvio padrão e coeficiente de variação das variáveis da pesquisa.
Para a variável tempo de virada (TV) foram consideradas 4 viradas falhas, pelos nadadores terem reduzido a velocidade antes de atingir os 12m na volta. O menor valor de TV foi de 7,08s, obtido pelo nadador n° 13 que é da categoria Sênior (20 anos ou mais) e tem como principais provas os 50m e 100m nado Livre. O maior valor de TV foi de 11,24s, obtido pelo nadador n° 24, da categoria Juvenil I (16 anos), que tem como principal prova os 100m nado Costas.
Para a variável pico máximo de força normalizado (PMn) foram consideradas 11 viradas falhas, por um dos arquivos apresentar erro na gravação dos dados, impossibilitando a análise. O maior valor de PMn foi de 2,78N/N, obtido pelo nadador n° 8, da categoria Sênior (20 anos ou mais) especialista nas provas 50m e 100m nado Peito. O menor valor foi de 0,61N/N obtido pelos nadadores n° 27, da categoria Júnior I (18 anos) e n° 36, da categoria Infantil I (14 anos), ambos tem como principais provas os 50 m e 100m nado Livre.
Para a variável ângulo de flexão do joelho (AJ) foram analisadas as 304 viradas. O maior valor para AJ foi de 161 graus foi obtido pelo nadador n° 13. O menor valor do ângulo foi de 29 graus foi obtido pelo nadador nº 7, da categoria Juvenil I (16 anos) e tem como principais provas os 400m e 800m nado Livre. Para a discussão dos dados adotou-se a denominação ângulos maiores os valores iguais ou acima de 100 graus e como ângulos menores os valores iguais ou abaixo de 99 graus.
A Tabela 2 apresenta o nível de correlação entre o tempo de virada e as outras duas variáveis analisadas. Verifica-se que a relação entre os três pares testados foi estatisticamente significativa para um valor de p <0,05.
Tabela 2. Relação das variáveis analisadas.
DiscussãoDe acordo com os resultados apresentados, o melhor TV encontrado nesse estudo foi de 7,08s, obtido por um nadador especialista nas provas de 50 e 100m nado Livre. Os melhores TVs para as provas de 100m e 200m nado Livre em piscina longa (50m), são de 6,86s e 7,54s, obtidos pelos nadadores Alexander Popov (Russia) e Maximiliano Rosolino (Itália), respectivamente[10]. O TV de 7,08s pode ser equiparado com o TV de 6,86s, justificando-se a diferença pelo nível técnico dos atletas e pela metragem diferente da piscina onde se realizou a coleta. Pode-se considerar que os valores de TV encontrados nesse estudo assemelham-se aos melhores TVs dos melhores nadadores do mundo.
Verificou-se que o maior valor encontrado para PMn foi de 2,78N/N, o qual difere do encontrado por Hubert et al[11] que foi de 2,5N/N. Tal diferença justifica-se pelo número de sujeitos analisados não ter sido o mesmo, pois este pesquisador realizou um estudo de caso.
As características da flexão de joelho no instante da virada apresentaram bastante variação angular, mas observou-se que ângulos entre 110 e 120 foram os que resultaram em viradas mais rápidas.
Através dos resultados de correlação foi possível identificar uma relação significativa, porém inversamente proporcional entre PMn x TV (r = -0,42) indicando que quanto maior o PMn mais rápida a virada e que o PMn colabora em até 17,7% no tempo dessa virada.
A relação entre TV x AJ (r = -0,22) foi significativa e também expressa uma relação inversamente proporcional o que indica que a virada mais rápida decorre de ângulos maiores, os quais colaboram em até 4,8% com o tempo de virada.
Já a correlação entre as varáveis AJ x PMn, apresentou uma relação positiva (r = 0,384), significando que maiores ângulos tendem a uma maior aplicação de força na parede durante a virada e, conseqüentemente, a viradas mais rápidas, confirmando os resultados da investigação da contribuição da variável PMn na performance da virada no nado Crawl, que apresentou uma colaboração de 17,7%.
Estes resultados confirmam a teoria de Wiktorin e Nordin[12] , em que o torque máximo de extensão dos joelhos é obtido com 110 a 120 graus de flexão dos joelhos e de Takahashi[6], que sugere que ângulos de flexão de joelho durante a virada devem ser de 120 graus, e contrariam a teoria de Counsilman[7], que sugere ângulos de flexão entre 50 e 60 graus.
ConclusãoConclui-se, a partir da análise dos resultados, que ângulos de flexão de joelho entre 110 e 120 graus atingem picos de força intermediários o que proporciona viradas mais rápidas e, conseqüentemente, a melhora da performance da virada no nado Crawl.
Os resultados obtidos poderão promover o desenvolvimento de programas de treinamento com planejamentos voltados ao aperfeiçoamento da técnica de virada, atingindo a melhor performance de execução através da diminuição dos tempos de virada em uma prova de competição.
Referências
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WIKTORIN, Christina V. H.; NORDIN, Margareta. Introduction to problem solving in biomechanics. New York, USA: Lea & Febiger, 1986. p.177.
revista
digital · Año 10 · N° 94 | Buenos Aires, Marzo 2006 |