Saberes docentes e formação continuada de professores de Educação Física: a perspectiva da investigação-ação |
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*Professora do curso de Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia Doutora em Ciência da Educação pela Universidade de Barcelona - Espanha **Professora do curso de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá Doutora em Ciência da Educação pela Universidade de Barcelona - Espanha |
Dinah Vasconcellos Terra* dv.terra@terra.com.br Alda Lúcia Pirolo** alda@nuriafornas.com (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 93 - Febrero de 2006 |
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Introdução
As temáticas escolhidas nas atividades de formação continuada em educação física geralmente são desenvolvidas através de cursos onde conteúdos específicos e especializados são apresentados como receituários descontextualizados da realidade da prática cotidiana dos professores. Refletindo sobre esta problemática, Molina Neto (1996) apresenta que os cursos geralmente acontecem de três maneiras, o que em síntese, para nós, podem estar indicando a ineficácia do sistema de formação: normalmente são cursinhos ministrados por especialistas que enfocam um tema específico; apresentam-se em forma de congressos científicos entre professores universitários e pesquisadores que expõem seus temas que são debatidos entre eles, onde os professores das escolas se limitam a aprender com estes intelectuais; acontecem em forma de seminários entre professores de determinada área específica, limitando a possibilidade de ampliação dos conhecimentos e trocas de experiências.
A preocupação com uma formação descontextualizada também é compartilhada por autores da área da educação física de outros países como Argentina (1) e Espanha. Molina Alventosa e Devis Devis (2001, p. 325) chamam a atenção para o fato de que os programas de "formação continuada deveriam focalizar-se a partir da própria prática como fonte de conhecimento (...) e não em cursinhos dirigidos a explicar a reforma e ensinar como se deve fazer as coisas".
Esse tipo de formação, organizada em cursinhos, expressa uma fragmentação do conhecimento que supervaloriza os aspectos técnico e instrumental e "que vê o professor como objeto de transmissão de "saberes produzido por outros", mantendo assim uma relação linear entre conhecimento teórico e prático. Este foi o modelo que muito tempo orientou, e que de certa maneira ainda orienta, algumas práticas pedagógicas, tanto nos cursos de formação de professores como nas escolas" (TERRA, 2004, p. 81).
Apesar de que muitas práticas ainda se limitam a atuar nessa perspectiva, Monteiro (2001) explica que foi somente a partir das críticas realizadas a esse tipo de enfoque, que emergiram no cenário nacional diversas investigações pretendendo superar tal relação, tornando-se possível pensar em questionar a insuficiência da racionalidade técnica para responder a complexidade de ações encontradas na prática educativa.
Para Imbernon (2000, p.59), uma formação continuada que se pretende superadora desta perspectiva tem o "papel de descobrir a teoria para ordená-la, fundamentá-la, revisá-la e combatê-la, caso seja preciso. Seu objetivo é remover o sentido pedagógico comum, para recompor o equilíbrio entre os esquemas práticos e os esquemas teóricos que sustentam a prática educativa".
Molina Neto (1997) ao discutir especificamente o assunto da formação continuada dos professores de educação física na perspectiva daquilo que denomina de "cultura docente", afirma que esta formação "implica considerar (...) elementos como o da experiência acumulada dos professores, sua prática cotidiana nas escolas, o conhecimento elaborado nessa experiência e nesta prática, o processo de formação e suas crenças desenvolvidas a partir da articulação destes elementos em contextos determinados e da interação dos professores em seu lugar de trabalho" (p.36).
Com isso, pretendemos dizer que os autores acreditam que uma formação não se faz exclusivamente da experiência, senão da relação desta com as referencias teóricas existentes, considerando que os saberes são produzidos na medida em que se reflete e se problematiza o fazer pedagógico e que se investiga sobre ele.
A distância entre investigadores e professoresA partir das observações feitas entendemos que um projeto de formação continuada deve considerar o cotidiano dos professores de educação física somente na medida em que este seja, de fato, o espaço onde se discuta, delibere sobre as situações problemas para enfrentar e superar os dilemas referentes a seu cotidiano.
Para que isto ocorra, é necessário que o especialista não seja alguém que apresente soluções às dificuldades enfrentadas no âmbito do trabalho de docência, criando uma situação de dependência e submissão em relação ao conhecimento dos professores. Ao contrário, o especialista deve entender o professor como um sujeito intelectual que constrói saberes no confronto com sua prática pedagógica.
Entretanto, admitir que os professores de escolas são produtores de saberes não tem sido visto de uma forma tão simples no campo acadêmico. Aqui se apresenta um impasse, considerando que os professores das universidades sempre foram vistos como especialistas que detêm conhecimentos para serem aplicados na prática, e os professores das escolas como aqueles que aplicam os conhecimentos produzidos pelos especialistas.
Com esse entendimento dois mundos foram se cristalizando e reforçando ainda mais a conhecida distancia entre teoria e prática e originando o que estamos denominando de "cultura da queixa". Como exemplo, podemos perceber que é comum encontrar professores universitários dizendo que as pesquisas dos professores das escolas não são científicas e por isso são irrelevantes para o trabalho que eles desenvolvem; que esse tipo de trabalho é uma forma de desenvolvimento profissional e não de produção de conhecimento; que suas pesquisas não têm rigor metodológico e científico.
Da mesma forma, os professores das escolas costumam dizer que a pesquisa educacional conduzida pelos professores das universidades é irrelevante para suas vidas nas escolas e não ajuda a melhorar a prática; que os resultados se apresentam de uma maneira negativa, insensíveis às complexas circunstâncias vivenciadas no trabalho cotidiano; que se sentem explorados pelos pesquisadores, e que a linguagem utilizada na academia os excluem do diálogo (TERRA, 2004).
A situação na verdade demonstra a dificuldade enfrentada para avançar na implementação de projetos educacionais que tenham como objetivo a melhoria e a qualidade do ensino (a escola, o professor e o aluno). Cada vez mais, vem se reforçando a distância entre universidade e escola, afastando esses coletivos de conseguirem efetivar projetos colaborativos.
Investigação-ação como possibilidade/alternativa para mudança na prática pedagógicaTratando-se de um projeto de formação continuada em que o cotidiano pedagógico e o conhecimento construído nesse contexto tenham o trabalho colaborativo como princípio fundamental, consideramos que a referência metodológica da investigação-ação pode ser significativamente relevante para impulsionar o processo de formação (Bracht, 2003; Imbernón, 2000) e para promover a reflexão e atitude de modificação do trabalho docente.
Segundo Imbernón (2000, p. 112) a investigação-ação
(...) abre um caminho para que a formação continuada consista em algo mais, que não se limite à atualização profissional realizada por alguns "especialistas" (que iluminam os professores com seus conhecimentos pedagógicos para que sejam reproduzidos) se não que ao contrário, passe pela criação de espaços de reflexão e participação, dos quais o profissional da educação faça surgir à teoria subjacente a sua prática, com o objetivo de recompô-la, justificá-la ou destruí-la.
Neste caso, o professor deve ser o protagonista vital para gerar conhecimentos pedagógicos e, conseqüentemente, promover as modificações necessárias no ensino. A investigação-ação e a reflexão na ação vêm se apresentando como um processo significativo e essencial para colaborar na consolidação de mudanças de caráter qualitativo no trabalho pedagógico. Isso permite que o professor elabore e re-elabore criticamente sua própria prática. Assim sugerem Carr e Kemmis (1988) quando dizem que os saberes dos docentes são essenciais para consolidar outra atitude frente ao ensino pois, para os autores,
O saber do professor proporciona um ponto de partida para reflexão crítica. Simplesmente, não pode dar-se por sentado e sistematizado na teoria, nem voltar-se definitivamente para a prática. E isto não ocorre porque o saber do professor seja menos exigente que os outros, se não porque os atos educativos são atos sociais, e portanto reflexivos, historicamente localizados, e submergidos em contextos intelectuais e sociais concretos.
Por outro lado, sabemos que estas proposições (investigação-ação, professor reflexivo, reflexão na ação) sofreram e sofrem diferentes tipos de alterações conceituais, criando o que Pimenta (2002) chamou de um "mercado de conceitos" com muitos equívocos de interpretações e de ações. É peculiar a apropriação dos termos sem contudo aprofundar no seu sentido teórico e metodológico, principalmente naqueles momentos de pressões oriundas das reforma educativa em função de interesses políticos ideológicos. Sabemos que as reformas educativas e seus derivados (regulamentos, parâmetros curriculares, etc.) vêm respondendo a interesses particulares e apresentando uma mescla de conceitos que não se pretendem esclarecedor. Além do mais, Veiga (2001) e Taffarel (1992; 1993) explicam que estes são mecanismos de pressões externas que, intimamente relacionados com os de ordem interna, põe a escola e seus professores em cheque e em posição de constante pressão para responder os desafios que vão surgindo: por um lado estão as exigências legais, sociais, econômicas, culturais, científicas e tecnológicas e por outro as relacionadas com os conhecimentos sobre o processo educativo e os dilemas vividos no cotidiano.
Para Terra (2004) qualquer proposta de mudança deve ser orientada a perceber os condicionantes ideológicos que a cerca, realizando uma leitura crítica das proposições, para evitar reforçar modismos pedagógicos ou atender a princípios legais que surgem de forma verticalizada (de cima para baixo), pois segundo Pirolo (2004) estes, longe de prestarem esclarecimentos e ajudarem na construção de propostas criativas e críticas, acabam confundindo e influenciando negativamente no trabalho docente.
Aqui vale destacar também o alerta de Bracht et al. (2003) para pensar seriamente nas condições objetivas em que atuam os professores para não corrermos "o risco de propor uma formação de professores reflexivos, utilizando o recurso da investigação-ação como a panacéia para males da educação brasileira" (p. 121).
Entender a investigação-ação como uma metodologia possível no desenvolvimento de uma formação continuada que supere a perspectiva da racionalidade técnica é garantir, entre outras coisas, que esta metodologia:
considera, através do processo curricular, o desenvolvimento do docente;
valoriza e considere que o saber que os professores constroem no cotidiano de sua prática pedagógica é relevante e o permitirá definir proposições pedagógicas concretas que estejam mais perto do contexto em que atua;
tem como princípio o trabalho coletivo, buscando manter uma relação de diálogo.
No campo da educação física segundo Fraile (1995, p. 59) a investigação-ação se justifica pela "necessidade de que o professor desenvolva o papel de investigador, já que o ensino exige um conhecimento contínuo da realidade e um estudo em profundidade do que acontece na aula, considerando que o conhecimento que possui é imperfeito e incompleto, e que se encontra num contínuo estado de compromisso estratégico de sobrevivência".
Existe um outro elemento presente na discussão sobre a investigação-ação que passa pela questão do que se concebe como investigação e o que se reconhece como sua validade científica. Autores como André (2001), Lüdke (2001) e Zeichner (1998) expõem que o ponto forte desse debate centra-se principalmente no aspecto do status e, conseqüentemente, do financiamento para o seu desenvolvimento. Isto tem desencadeado compreensões que ora se apóiam na idéia do professor investigador na ação, ora não. O que está implícito simbolicamente neste contexto é a questão de que a investigação científica, entendida como aquela realizada na universidade, é a que tem o status necessário para dizer e determinar o que é válido ou não como produção para a educação.
Para Contreras (1993) o problema é que a palavra investigação normalmente está associada a determinado tipo de atuação dirigida a obter conhecimento sobre a realidade e sobre as atuações de outros com objetivo de saber mais sobre o assunto. Assim, quando se fala em professor investigador de sua ação, logo se pensa na pesquisa convencional com a utilização de instrumento tais como entrevistas, questionários, tratamento de dados e demais procedimentos.
Diferentemente se fala quando se pensa em investigar as próprias atuações. Devemos pensar que quando os professores se interessam por verificar o que os alunos estão entendendo de uma aula, como interagir a escola e a família na construção do projeto pedagógico e cuidam em aprofundar sobre outras tantas questões que são de preocupação fundamental no trabalho que desenvolve, estes professores estão investigando.
Segundo Contreras (1993, p. 85),
O que provavelmente ocorre é que não se reconhece publicamente como tal, porque não se assemelha à imagem oficial da pesquisa, nem tão pouco privadamente, porque não é algo que obedece a um método de busca. Mas é provável que sejam este tipo de interrogações e necessidades as que constituem a autêntica preocupação investigadora de um professor, e não limitar procedimentos que aparentemente servem para saber mais, porém não para resolver seus autênticos problemas profissionais.
A investigação-ação é contrária à idéia da produção de um conhecimento e sua aplicação na prática, por isso assume como princípio básico a experiência prática do professor, suas dificuldades e problemas como elemento inicial de reflexão e análise, buscando dessa forma uma resposta para superá-los. Seria equivocado pensar que a pesquisa tenha que ser algo fora e longe de nós, tendo em vista que pesquisar a própria prática é aprender a partir dela e investigar a ação; é obter respostas para o processo de nossa intervenção intencional num determinado contexto social. Ou seja, ela nos envolve e somos parte dela porque nossa intervenção também está influenciada pelo contexto no qual ela se desenvolve. Por isso, a investigação-ação também investiga "sobre a forma em que as circunstâncias e seus contextos estão afetados pela maneira em que atuamos neles, e investiga sobre a forma em que essas situações também nos afetam" (CONTRERAS, 1993, p. 85).
Nesse sentido, vai se evidenciado que num processo de investigação-ação existe à necessidade de romper com aquelas linhas que dividem investigadores acadêmicos e professores. "É preciso que os investigadores entendam e admitam que os professores produzem conhecimento e que não existe uma 'única' forma de gerar conhecimento" (TERRA, 2004, p. 116). Além do mais existe a necessidade de ser compreendido que o princípio básico da investigação-ação está diretamente relacionado ao trabalho coletivo e colaborativo porque é quase impossível encontrar respostas para os problemas educativos na perspectiva individual.
É nessa perspectiva que Zeichner (1998, p. 229-230) propõe três condições para que esta linha seja superada:
Comprometer com os professores em realizar uma ampla discussão sobre o significado e a relevância da investigação que conduzimos.
Empenhar nos processos de investigação a serem desenvolvidos uma colaboração legítima com os professores, rompendo com os velhos padrões de dominação acadêmica.
Procurar oferecer apoio e suporte às investigações realizadas por professores ou aos projetos de investigação-ação e defender seriamente os resultados desde trabalhos como conhecimento produzido.
Construindo outros diálogosTanto Zeichner (1998) como André (2001) e Lüdke (2001) propõem um diálogo mais restrito entre universidade e escola, articulando o ensino e a investigação na formação e na prática docente (2). Eles defendem a investigação colaborativa como um importante caminho para superar a divisão entre acadêmicos e professores, mas especificam que não se trata de qualquer investigação colaborativa. Aqui também é possível encontrar equívocos de conceitos se não forem observados os aspectos da crítica a seus fundamentos ideológicos.
Especificando as investigações colaborativas como um caminho possível para superar os problemas da prática pedagógica e também como um processo de formação continuada dos professores, André (2001) ainda considera um "fenômeno raro" que necessita ser expandido e valorizado, tanto no meio acadêmico como pelas agências de apoio financeiro às investigações. Na expressão da autora existem poucas iniciativas que vêm sendo desenvolvidas mesmo que a literatura aponte, com certa freqüência, alguns estudos realizados nesta perspectiva (3). O fato é que devemos estar atentos aos modismos ou falsos conceitos a respeito do que seja uma investigação colaborativa conforme já mencionou Zeichner (1998), pois vista de forma equivocada dificulta e não contribui para superar a divisão entre os dois mundos e tão pouco com a melhoria da formação de professores e da própria educação.
Isto significa dizer que existem investigações que se dizem colaborativas que acabam faltando com o respeito mútuo tanto com os professores quanto com os investigadores acadêmicos; que dificultam a que os acadêmicos rompam e abandonem velhos padrões hierárquicos impostos pelo sistema de regras organizadas pela academia deixando, assim, os professores num segundo plano nesta hierarquia (4). É neste sentido que Zeichner (1998, p. 223) explica que "é preciso olhar de perto o caráter e a qualidade destas colaborações em investigação para determinar se há realmente alguma mudança nos padrões usuais dominantes na academia".
Desenvolver investigações colaborativas é criar uma maior interação entre as vozes dos professores e dos acadêmicos; é reconhecer a voz própria dos professores quando anunciam suas investigações; é respeitar o saber dos professores e é considerar que os professores são autores e não somente co-autores (5). Para Cochran-Smith e Lytle (2002, p.17)
(...) a investigação dos docentes é uma forma de transformação social através da qual os indivíduos e grupos colaboram para compreender e transformar suas aulas, suas escolas e suas comunidades educativas e que este projeto tem implicações e conseqüências muito importantes para a investigação sobre o ensino, para a formação inicial e continuada de professores. (...) E precisamente devido a que esta investigação feita por docentes penetra nos pressupostos tradicionais sobre quem há de conhecer, sobre o conhecimento e sobre o ensino, tem a potencialidade de redefinir a noção de conhecimento pedagógico do professor questionando assim a hegemonia da universidade na hora de produzir conhecimento especializado.
Desafios para a educação físicaAceitar estas idéias requer mudanças nas regras que regem as carreiras dos investigadores, nos conceitos e nas atitudes das pessoas. No campo educativo o trabalho intelectual deve ser mais incentivado e valorizado na medida em que exista uma intenção e definição em atuar conjuntamente com os professores e com as escolas. Pensamos que é possível desenvolver uma linguagem comum e compartilhar significados sobre o "sentido da investigação quando o fim é provocar mudanças no cenário da prática pedagógica e do ensino de forma geral" (Zeichner, 1998, p. 230).
Apesar dos aspectos problemáticos apontados a respeito da formação continuada baseada na investigação-ação, da construção de saberes dos professores e da dificuldade do trabalho coletivo/colaborativo, é preciso reconhecer que existem investigadores que tentam superar divisões, padrões antigos de investigação, discursos e práticas instrumentais, buscando uma melhor formação de professores e do ensino. Contudo, é sabido que toda iniciativa de mudança leva tempo de dedicação dos envolvidos e acabam acontecendo desgastes. Por isso, Zeichner (1998, p. 230-231) expõe que
(...) é necessário uma dose de coragem e compromisso, por parte dos acadêmicos, na construção desses caminhos. Isso pede integrar os produtos das investigações dos professores no ensino com os programas de formação de professores. Em muitas universidades, quanto mais próxima está uma investigação dos professores e das escolas, mais baixo é seu status e menor é a oportunidade de obter financiamento, um problema permanente para os educadores de professores de muitos países. A idéia de tratar seriamente o conhecimento produzido pelos professores como um conhecimento educacional para ser analisado e discutido, é uma idéia que todavia ofende a muitos e que trás sérias conseqüências para quem procede assim na academia. (...) devemos tomar a iniciativa e ter coragem para enfrentar estes e outros riscos, formando novas alianças com os professores. Se não iniciamos estas mudanças, as investigações educacionais acadêmicas continuarão sendo ignoradas pelos professores e pelos planejadores de políticas educacionais. Acredito que nós, da academia, temos uma importante contribuição a fazer na produção de conhecimentos educacionais que suporte a reformas escolares e a política de desenvolvimento profissional de professores. Mas só seremos capazes de o fazer se perseguirmos e desenvolvermos um interesse genuíno pelos professores.
Pensando numa formação continuada, onde o principio metodológico seja a investigação-ação colaborativa, onde o saber dos professores seja valorizado e representativo na construção de projetos político-pedagógicos que de fato forneçam as bases para a melhoria do ensino e da qualidade de trabalho do professor, entendemos que não tem mais sentido estabelecer diretrizes ou parâmetros sem conhecer os professores e sem que haja uma participação efetiva destes, no processo de construção de sua formação.
Finalizando, apresentamos um dado ao mesmo tempo importante e preocupante para que se reflita sobre a educação física nesse processo. Marin et al. (2003), após mapearem e analisarem as tendências das dissertações em educação no Brasil que utilizaram a escola como campo de investigação no período de 1981 a 1998 (6), localizaram um total de 8.587 trabalhos. Frente a outros que fazem parte do "chamado núcleo comum como a história e a geografia", a educação física foi considerada o quarto componente que mais tem investigado sobre o assunto (MARIN et al. 2003, p. 46).
Consideramos este dado relevante para a área, pois representa que tivemos boa iniciativa com a escola, entretanto, fica a preocupação a respeito do tipo de investigação que estão realizando, uma vez que a educação física continua com as mesmas dificuldades na relação teoria e prática e carente de conhecer, mais de perto, quem são e como são os professores, como e o que fazem e que dificuldades e necessidades possuem no trabalho que realizam. Estar dentro da escola e imbuir-se com uma investigação em seu interior pode não estar significando muita coisa para avançar no sentido transformar a realidade investigada; pode não significar que se conheçam os professores ou que favoreçam a sua formação.
Entendendo que a educação física tem se mostrado bastante tímida no que se refere ao entendimento e à ação de investigação nesta perspectiva colaborativa, entre outras coisas, entendemos que seja necessário que a área se aproxime, efetiva e qualitativamente, do cotidiano dos professores buscando um diálogo crítico entre os aspectos externos e internos que interferem no trabalho docente; que se procure legitimar e reconhecer a autoria dos saberes produzidos pelos professores; que se crie espaços colaborativos e reflexivos que efetivamente ajudem na melhora da educação e do desenvolvimento profissional dos docentes; que se procure auxiliar no processo de participação crítica e autônoma dos professores.
Notas
Remetemos a leitura de BRACHT, V. e CRISORIO, R. (Orgs.). A Educação Física no Brasil e na Argentina: identidade, desafios e perspectivas. Campinas: Autores Associados; Rio de Janeiro: PROSUL, 2003.
Como explica Lüdke (2001, p. 52), "nos encontramos numa fértil encruzilhada: por um lado, o reconhecimento da importância da investigação para o professor, por outro, o desafio de assegurar-lhes as condições e abertura necessária a todas as formas de investigar, para buscar soluções aos problemas, sem comprometer o próprio estatuto da investigação."
Mesmo sendo a investigação em colaboração um "fenômeno raro", segundo a autora, o reconhecimento deste tipo de trabalho tem ultrapassado o âmbito acadêmico, pois desde 1996 a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo vem apoiando financeiramente os grupos que trabalham com essa perspectiva. Nos Anais do Congresso do Endipe de 1998 e na publicação de Marin (2000) "Educação Continuada: reflexiones, alternativas" da editora Papirus, é possível encontrar vários destes estudos. Ainda que estas iniciativas tenham ficado limitadas no estado de São Paulo elas são importantes e servem de referencia nesse campo de atuação.
Consideramos relevante o destaque de Zeichner (1998) quando diz que de fato existe uma pressão muito grande sobre os investigadores acadêmicos para que publiquem suas obras. Exigência esta que não recai sobre os professores das escolas e que os silenciam, principalmente se as situações de investigação se intitularem como colaborativas.
Repensando estas questões, destacamos que os investigadores acadêmicos deveriam pensar um pouco mais se suas pesquisas têm ajudado os professores nas escolas e se estas contribuem para um debate profícuo entre universidade-escola.
A pesquisa de Marin et al. (2003) foi desenvolvida pelo "Grupo de Pesquisa Institucional Escolar e Prática Pedagógica" do Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política e Sociedade da PUC-São Paulo, financiada pelo CNPq sob o título de: "Escola: entre saberes, professores e alunos". Os três primeiros componentes curriculares que estão à frente da educação física por ordem crescente são: matemática, português e ciências. A educação artística vem em quinto lugar, logo após a educação física.
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digital · Año 10 · N° 93 | Buenos Aires, Febrero 2006 |