O governo Vargas e o desenvolvimento do lazer no Brasil The government Vargas and the development of the leisure in the Brazil El gobierno Vargas y el desarrollo del ocio en el Brasil |
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*Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação Física da Unicamp ** Professor Livre-docente da Faculdade de Educação Física da Unicamp |
Marco Antonio Bettine de Almeida* Gustavo Luis Gutierrez** marcobettine@yahoo.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 92 - Enero de 2006 |
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Introdução
Este trabalho procurou estudar o Governo Getulio Vargas e sua importância para o desenvolvimento do lazer brasileiro. Este período fora privilegiado pela perspectiva de desenvolvimento urbano em detrimento do setor agrário-exportador da República Velha. Durante estes oito anos houve a formação de uma classe urbana, o desenvolvimento tecnológico e a consolidação das bases políticas e sociais da industrialização brasileira. O lazer começa a ser delineado a partir das perspectivas anteriores, principalmente com o surgimento do proletariado, da separação trabalho e não trabalho, fortalecimento da burguesia urbana e a ampliação da classe média.
Dois pontos devem ser destacados na consolidação do lazer brasileiro. O primeiro foi o crescimento da urbanização. O segundo foi o investimento na comunicação de massa com o rádio. Estes foram os passos necessários para o nascimento do lazer como prática dos operários, classe média e burguesia ou como forma de investimento econômico, isto é, surgimento do setor privado como produtor de cultura e a cultura como objeto de lucro.
a. Bases para a revolução de 1930Destaca-se a crise do setor agrícola e o refluxo econômico internacional como fatores que forjaram as bases da Revolução de 1930, no qual faria de Vargas o presidente do Brasil. Já o Estado Novo constituiu-se após diversos conflitos políticos e sociais, principalmente entre a esquerda (comunista) e a direita (fascista). As crises sociais a partir destes conflitos geraram um desconforto das elites que com medo de uma contra-revolução da esquerda ou direita se aliaram a Getulio para o golpe de Estado em 1937, implantando o Estado Novo. Com o apoio necessário para desenvolver o programa de governo, Vargas inicia o processo de substituição das importações, através do investimento da industria local, e, também, o controle do Estado das industrias de base, possibilitando investimentos em setores como transporte, construção civil, siderurgia, petróleo e bens de produção. Por isso da afirmativa que as políticas econômicas adotadas no Estado Novo foram caracteristicamente nacionalistas, como exemplo a Companhia Siderúrgica Nacional e o Conselho Nacional do Petróleo. A intenção de Vargas e dos militares era construir uma nação forte e independente, para isso era importante ter às mãos os recursos minerais, hidrelétricos, bem como, a produção de aço, máquinas e equipamentos. Estes elementos são importantíssimos para a Segurança Nacional e, por conseqüência, constituiria a base do desenvolvimento econômico, industrial e social brasileiro (SKIDMORE, 1975, p. 120).
b. A utilização política do lazerGetulio Vargas representa o populismo brasileiro, a emergência de grandes estadistas, de líderes carismáticos ocorreu em grande parte da Europa e América Latina, Vargas foi o político brasileiro com o maior apelo carismático, tinha nas massas sua força política.
Para um país continental como o Brasil era necessário uma grande estrutura de mídia de massa, Getulio desenvolveu todo uma estrutura ideológica política, através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e o início do Cine-Jornal (curtas metragens que abordavam as obras e feitos do presidente), como propaganda política, sedimentando o populismo por todo o território nacional (CAPELATO, 1999, p. 169). Desse modo as comemorações relativas ao dia do trabalho, à semana da pátria, aos aniversários do presidente e à instauração do Estado Novo foram momentos importantes no lazer do trabalhador que foram utilizados ideologicamente. O Cine-Jornal foi o veículo comunicativo do Estado Novo que pôde registrar as suas principais festividades (SANTOS, 2004, p.40-45).
No momento do lazer do trabalhador, que a muito custo obtiveram através de significativas lutas políticas, foi inserida atividade para reforçar o regime e evitar a ociosidade. Vargas utilizou-se do lazer como propaganda e controle da população. Associado a essa necessidade de controle, Getulio Vargas estava igualmente preocupado com alguns elementos da nação, como a valorização da terra, do homem e das instituições nacionais (GOMES, 1999, p.45). Neste caso, o cinema do governo atuava como um instrumento informativo que contribuía para a formação do povo brasileiro em novas bases. As bases que propunha Getulio estavam relacionadas às mensagens de cunho nacional-patriótico de forma a enaltecer a nação e despertar na população o orgulho pela sua brasilidade.
O Estado Novo foi um período muito fértil no que se refere à produção cultural e de comunicação, como, livros, revistas, folhetos, cartazes, programas de rádio com noticiários e números musicais, além de rádionovelas, fotografias, cine-jornal e documentários cinematográficos. Todas atividades que tratam diretamente do tempo de não trabalho tiveram papel ativo na formação da consciência do trabalhador.
Desta forma, nas décadas de 1930 e 1940 as relações de trabalho ganharam o centro das atenções do governo. Foram elaborados os princípios da legislação trabalhista que ampliou bastante os benefícios sociais, aplicando e fiscalizando leis que haviam sido promulgadas pelo governo anterior. A mesma legislação que garantia os benefícios, também restringia a autonomia sindical e a luta independente dos trabalhadores. Portanto, trata-se de um período chave na relação entre Estado e classe operária, onde o Estado estaria se apropriando do processo de elaboração da legislação do trabalho, pretendendo através dela desenvolver uma série de contatos com empregados e empregadores, ajustando os interesses em confronto, fazendo-os participar da dinâmica social.
Neste momento de transformações sociais o próprio momento de lazer fora utilizado estrategicamente para o exercício de poder, este fato é típico dos regimes totalitários, vide exemplo do nazismo. O governo forte e centralizador detêm os meios de comunicação exercendo uma censura rigorosa sobre as informações, ao fazê-lo mantém para si a divulgação dos temas relevantes para a manutenção do próprio sistema.
É interessante notar que deve haver um tempo em que a propaganda política se instaura, deve inserir-se em algum momento que possibilite a apreensão da população. Getulio Vargas utilizou o tempo livre das obrigações sociais, já que seu público alvo era a classe trabalhadora, para a sua propaganda política. O meio de comunicação privilegiado foi o rádio. Vargas preocupa-se diretamente com as classes urbanas, percebendo que estão nelas os apoios políticos necessários para a manutenção do poder. Então o rádio que passou a fornecer informações oficiais à imprensa, além de ter a responsabilidade da produção e edição do programa "A Hora do Brasil", foi o grande veículo de Getulio. No Estado Novo o rádio passa de um público elitizado, desde sua inauguração em 1922 que tinha como programação concertos, recitais de poesia e palestras culturais, para um público mais amplo. O fator mais importante deste acontecimento é o investimento estatal na aquisição de receptores, anteriormente importados. Segundo Avancini (1996) o rádio, antes de Getulio, tinha uma finalidade cultural, educativa e altruísta - cabe lembrar que os anúncios pagos eram proibidos. Somente no Estado Novo é que o governo autoriza os comerciais nos rádios, deste modo há uma profissionalização das emissoras com artistas e produtores. A própria competição para atrair anunciantes leva ao desenvolvimento técnico, bem como à popularidade do veículo.
"O rádio foi um veiculo de importância significativa no empenho para a popularização do regime, pois fazia chegar às zonas rurais, não incorporadas pela política populista, o projeto de legitimação do Estado Novo. O rádio foi imprescindível como meio de integração e uniformização política e cultural, contribuindo para minimizar as diferenças regionais, de acordo com o projeto nacionalizador estadonovista. Em seu discurso Vargas anunciou o propósito de instalar em todo interior do país receptores providos de alto-falantes em praças, logradouros públicos e vias de movimento. Este projeto foi levado a efeito, contribuindo para disseminar modelos culturais urbanos na zona rural e constituindo importante meio de transmissão da mensagem da comunicação populista." (GOULART, 1990, p. 19-20).
Ainda no Estado Novo, viveríamos a chamada época de "Ouro do Rádio" (AVANCINI, 1996), o impacto do rádio sobre a sociedade brasileira nesta época foi muito profundo, com uma grande abrangência, público e aproximação da população. A primeira rádio-novela ocorre em 1942: "Em busca da felicidade" (GASSNER, 1974). Getulio Vargas soube articular o poder de alcance do rádio, com sua política centralizadora e populista.
"Marcando presença nas cidades, o DIP passou a ter voz ativa no lazer, na vida intelectual e na saúde do homem urbano. Assim, passaram ao controle ou ao incentivo do DIP as associações esportivas e recreativas, as diversões públicas, tais como circos, bilhares, bailes, congressos pagos, espetáculos de variedades, registro de artistas e a observância dos seus contratos de trabalho, a fiscalização dos teatros e peças, a concessão de prêmios literários, cinematográficos, teatrais e musicais. Na década de 40, o Estado, por intermédio do DIP e ao lado do Ministério da Educação, era o maior produtor e animador cultural do país." (SANTOS, 2004, p.78)
O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) deixava transparecer sua concepção totalitária de um órgão de poder destinado a abranger um grande número de atividades. O DIP centralizava, coordenava e supervisionava a propaganda nacional interna e externa, servindo como porta-voz do sistema político nacional. Outras atribuições cabiam ao DIP, como supervisionar o turismo, censurar o teatro, cinema, atividades esportivas ou recreativas de todos os tipos, bem como os rádios, a literatura social ou política e a imprensa. Tinha como função especial, o estímulo tanto da produção de filmes nacionais como selecionar filmes educacionais e nacionalistas para benefício do governo. (GOMES, 1996).
c. Setor privado e seu investimento no lazerCabe uma atenção especial para o teatro que, nas décadas de 1930 e 1940, também participa do movimento revolucionário de construção da urbanidade. Jaime Costa, Procópio Ferreira, Abigail Maia e Dulcina de Moraes fundam suas companhias, ativas até o fim dos anos 1950, construindo espaços que se inserem na própria revolução urbana iniciada por Vargas (MAGALDI, 1989). O Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), marco na história do teatro brasileiro, também é deste período, sendo uma referência nas atividades de lazer para um público intelectualizado.
Com os avanços tecnológicos cria-se uma infra-estrutura para a produção cultural com investimento privado, exemplo disso é o Teatro Brasileiro de Comédia e os estúdios cinematográficos. A instalação do primeiro estúdio cinematográfico no país foi o da companhia Cinédia, posteriormente fora criada a Atlântida e a Vera Cruz (BERNARDET, 1985). A Cinédia produz dramas populares e comédias musicais, que ficaram conhecidas pela denominação genérica de chanchadas. Humberto Mauro assina o primeiro filme da companhia, Lábios sem beijos. Em 1933 o filme "A voz do carnaval", estréia da cantora Carmem Miranda. Mas foram com as comédias musicais - "Alô, alô, Brasil, alô, alô, Carnaval" e "Onde estás, felicidade?" -, que tiveram grande repercussão nacional, lançando atores como Oscarito e Grande Otelo. A Atlântida, fundada em 1941 por Moacir Fenelon, Alinor Azevedo e José Carlos Burle, estréia com Moleque Tião, filme que já dá o tom das primeiras produções, a procura de temas brasileiros, que seria explorado no período JK. Este gênero domina o mercado até meados de 1950, promovendo comediantes como Oscarito, Zé Trindade, Grande Otelo e Dercy Gonçalves (BERNARDET, 1985).
ConclusãoFica claro, portanto, que o desenvolvimento urbano e industrial no Estado Novo (1937-1945) foi primordial para forjar as bases políticas, econômicas, sociais e culturais do lazer brasileiro, a urbanização influenciou sobremaneira as atividades de tempo livre. Vargas e seu projeto centralizador de governo promoveram o desenvolvimento das atividades de tempo livre, como o rádio, o cinema, o teatro e as festas populares, ao mesmo tempo possibilitou a ascensão do setor privado no controle da produção cultural e investimento no lazer. Por outro lado, foi sim o Estado o grande produtor de cultura do período com a criação dos mecanismos de controle como o Departamento de Imprensa e Propaganda e a formação de políticas do lazer.
Outro ponto fundamental para o desenvolvimento do lazer brasileiro foi a formação de uma classe urbana, conjuntamente com o desenvolvimento tecnológico promovido pela política econômica de Vargas. Este foi um caminho trilhado para a consolidação das bases políticas e econômicas do lazer enquanto prática social. O lazer começou, portanto, a ser delineado a partir do desenvolvimento urbano: (a) com o surgimento de classes sociais; (b) da consolidação do tempo livre pelas conquistas trabalhistas e (c) da exigência dos grupos para a diversificação das atividades de lazer e conseqüentemente a participação do setor privado como investidor no lazer. A urbanização promovida por Vargas e ao mesmo tempo seu investimento na comunicação, como forma de controle ideológico, foram os passos necessários para a consolidação do lazer como prática dos operários, classe média e burguesia ou como forma de investimento econômico, isto é, surgimento do setor privado como produtor de cultura e a cultura como objeto de alienação.
Sintetizando o período, na era Vargas houve: o nascimento do rádio popular; investimento nacional e privado no cinema com grandes empresas cinematográficas; preocupação do Estado em incentivar atividades artísticas, folclóricas e físicas para os trabalhadores, no intuito de cuidar da saúde da população; surgimento de grandes companhias de teatro e de uma dramaturgia de renome, como Nelson Rodrigues; a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda; programas das rádios com músicas e shows de calouros; e o esporte como veículo de fortalecimento do nacionalismo.
Referências Bibliográficas
AVANCINI, Maria M. P. Nas tramas da fama: as estrelas do radio em sua época áurea, Brasil, anos 40 e 50. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas-SP, 1996.
BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Brasiliense, 1985.
CAPELATO, Maria H. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. In: PANDOLFI, Dulce C. (org.). Repensando o Estado Novo. Rio De Janeiro: Editora FGV, 1999.
GASSNER, John. Mestres do teatro I. São Paulo: Perspectiva, 1974.
GOMES, Ângela Maria C. História e Historiadores: a Política Cultural do Estado Novo. RJ: FGV, 1996.
GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero/CNPQ, 1990.
MAGALDI, Sabato. O texto do teatro. São Paulo: Perspectiva: EDUSP, 1989.
SANTOS, Ana. A Estética Estadonovista: um estudo acerca das principais comemorações oficiais sob o prisma do Cine-Jornal Brasileiro. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Campinas: Unicamp, 2004.
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getulio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
revista
digital · Año 10 · N° 92 | Buenos Aires, Enero 2006 |