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O governo Vargas e o desenvolvimento
do lazer no Brasil
The government Vargas and the development of the leisure in the Brazil
El gobierno Vargas y el desarrollo del ocio en el Brasil

   
*Doutorando do Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação Física da Unicamp
** Professor Livre-docente da Faculdade de Educação Física da Unicamp
 
 
Marco Antonio Bettine de Almeida*
Gustavo Luis Gutierrez**

marcobettine@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este artigo trata de relacionar o desenvolvimento urbano e industrial no Estado Novo (1937-1945) com as atividades de tempo livre do mesmo período. Primeiramente cabe lembrar que há uma relação do desenvolvimento urbano com o surgimento de atividades de lazer. Neste período o governo lança as bases políticas, econômicas, sociais e ideológicas para o controle das atividades de tempo livre como o rádio, o cinema, o teatro e as festas populares, ao mesmo tempo possibilitando um desenvolvimento do setor privado neste setor. Este texto trabalhará com estas discussões, o papel do Estado na criação de órgãos de controle das atividades de tempo livre; a formação de políticas do lazer; o início de investimento privado no lazer; e a formação de uma base política, econômica e social para o desenvolvimento e ampliação do lazer brasileiro.
    Unitermos: Lazer; Estado Novo. Brasil.
 
Abstract
    This article treats to relate the urban and industrial development in the New State (1937-1945) with the activities of free time of the same period. First it fits to remember that it has a relation of the urban development with the sprouting of activities of leisure. In this period the government launches the bases politics, economic, social and ideological for the control of the activities of free time as the popular radio, cinema, theater and parties, at the same time making possible a development of the private sector in this sector. This text will work with these quarrels, the paper of the State in the creation of agencies of control of the activities of free time; the formation of politics of the leisure; the beginning of private investment in the leisure; e the formation of a base politics, economic and social for the development and magnifying of the Brazilian leisure.
    Keywords: Leisure. State New. Brazil.
 
Resumen
    Este artículo va a relacionar el desarrollo urbano e industrial en el Estado Novo (1937-1945) con las actividades de tiempo libre en el mismo período. En principio, cabe recordar la relación del desarrollo urbano con el inicio de actividades del ocio. En este período el gobierno lanza la política de las bases, el económico, social e ideológico para el control de las actividades del tiempo libre como la radio, el cine, el teatro y los partidos populares, al mismo tiempo haciendo posible un desarrollo del sector privado en este campo. Este texto trabajará con estos conflictos, el papel del estado en la creación de agencias del control de las actividades del tiempo libre; la formación de la política del ocio; el principio de la inversión privada en el ocio; y la formación de una base política, económico y social para el desarrollo y ampliación del ocio brasileño.
    Palabras clave: Ocio. Estado Novo. Brasil
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 92 - Enero de 2006

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Introdução

    Este trabalho procurou estudar o Governo Getulio Vargas e sua importância para o desenvolvimento do lazer brasileiro. Este período fora privilegiado pela perspectiva de desenvolvimento urbano em detrimento do setor agrário-exportador da República Velha. Durante estes oito anos houve a formação de uma classe urbana, o desenvolvimento tecnológico e a consolidação das bases políticas e sociais da industrialização brasileira. O lazer começa a ser delineado a partir das perspectivas anteriores, principalmente com o surgimento do proletariado, da separação trabalho e não trabalho, fortalecimento da burguesia urbana e a ampliação da classe média.

    Dois pontos devem ser destacados na consolidação do lazer brasileiro. O primeiro foi o crescimento da urbanização. O segundo foi o investimento na comunicação de massa com o rádio. Estes foram os passos necessários para o nascimento do lazer como prática dos operários, classe média e burguesia ou como forma de investimento econômico, isto é, surgimento do setor privado como produtor de cultura e a cultura como objeto de lucro.


a. Bases para a revolução de 1930

    Destaca-se a crise do setor agrícola e o refluxo econômico internacional como fatores que forjaram as bases da Revolução de 1930, no qual faria de Vargas o presidente do Brasil. Já o Estado Novo constituiu-se após diversos conflitos políticos e sociais, principalmente entre a esquerda (comunista) e a direita (fascista). As crises sociais a partir destes conflitos geraram um desconforto das elites que com medo de uma contra-revolução da esquerda ou direita se aliaram a Getulio para o golpe de Estado em 1937, implantando o Estado Novo. Com o apoio necessário para desenvolver o programa de governo, Vargas inicia o processo de substituição das importações, através do investimento da industria local, e, também, o controle do Estado das industrias de base, possibilitando investimentos em setores como transporte, construção civil, siderurgia, petróleo e bens de produção. Por isso da afirmativa que as políticas econômicas adotadas no Estado Novo foram caracteristicamente nacionalistas, como exemplo a Companhia Siderúrgica Nacional e o Conselho Nacional do Petróleo. A intenção de Vargas e dos militares era construir uma nação forte e independente, para isso era importante ter às mãos os recursos minerais, hidrelétricos, bem como, a produção de aço, máquinas e equipamentos. Estes elementos são importantíssimos para a Segurança Nacional e, por conseqüência, constituiria a base do desenvolvimento econômico, industrial e social brasileiro (SKIDMORE, 1975, p. 120).


b. A utilização política do lazer

    Getulio Vargas representa o populismo brasileiro, a emergência de grandes estadistas, de líderes carismáticos ocorreu em grande parte da Europa e América Latina, Vargas foi o político brasileiro com o maior apelo carismático, tinha nas massas sua força política.

    Para um país continental como o Brasil era necessário uma grande estrutura de mídia de massa, Getulio desenvolveu todo uma estrutura ideológica política, através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e o início do Cine-Jornal (curtas metragens que abordavam as obras e feitos do presidente), como propaganda política, sedimentando o populismo por todo o território nacional (CAPELATO, 1999, p. 169). Desse modo as comemorações relativas ao dia do trabalho, à semana da pátria, aos aniversários do presidente e à instauração do Estado Novo foram momentos importantes no lazer do trabalhador que foram utilizados ideologicamente. O Cine-Jornal foi o veículo comunicativo do Estado Novo que pôde registrar as suas principais festividades (SANTOS, 2004, p.40-45).

    No momento do lazer do trabalhador, que a muito custo obtiveram através de significativas lutas políticas, foi inserida atividade para reforçar o regime e evitar a ociosidade. Vargas utilizou-se do lazer como propaganda e controle da população. Associado a essa necessidade de controle, Getulio Vargas estava igualmente preocupado com alguns elementos da nação, como a valorização da terra, do homem e das instituições nacionais (GOMES, 1999, p.45). Neste caso, o cinema do governo atuava como um instrumento informativo que contribuía para a formação do povo brasileiro em novas bases. As bases que propunha Getulio estavam relacionadas às mensagens de cunho nacional-patriótico de forma a enaltecer a nação e despertar na população o orgulho pela sua brasilidade.

    O Estado Novo foi um período muito fértil no que se refere à produção cultural e de comunicação, como, livros, revistas, folhetos, cartazes, programas de rádio com noticiários e números musicais, além de rádionovelas, fotografias, cine-jornal e documentários cinematográficos. Todas atividades que tratam diretamente do tempo de não trabalho tiveram papel ativo na formação da consciência do trabalhador.

    Desta forma, nas décadas de 1930 e 1940 as relações de trabalho ganharam o centro das atenções do governo. Foram elaborados os princípios da legislação trabalhista que ampliou bastante os benefícios sociais, aplicando e fiscalizando leis que haviam sido promulgadas pelo governo anterior. A mesma legislação que garantia os benefícios, também restringia a autonomia sindical e a luta independente dos trabalhadores. Portanto, trata-se de um período chave na relação entre Estado e classe operária, onde o Estado estaria se apropriando do processo de elaboração da legislação do trabalho, pretendendo através dela desenvolver uma série de contatos com empregados e empregadores, ajustando os interesses em confronto, fazendo-os participar da dinâmica social.

     Neste momento de transformações sociais o próprio momento de lazer fora utilizado estrategicamente para o exercício de poder, este fato é típico dos regimes totalitários, vide exemplo do nazismo. O governo forte e centralizador detêm os meios de comunicação exercendo uma censura rigorosa sobre as informações, ao fazê-lo mantém para si a divulgação dos temas relevantes para a manutenção do próprio sistema.

    É interessante notar que deve haver um tempo em que a propaganda política se instaura, deve inserir-se em algum momento que possibilite a apreensão da população. Getulio Vargas utilizou o tempo livre das obrigações sociais, já que seu público alvo era a classe trabalhadora, para a sua propaganda política. O meio de comunicação privilegiado foi o rádio. Vargas preocupa-se diretamente com as classes urbanas, percebendo que estão nelas os apoios políticos necessários para a manutenção do poder. Então o rádio que passou a fornecer informações oficiais à imprensa, além de ter a responsabilidade da produção e edição do programa "A Hora do Brasil", foi o grande veículo de Getulio. No Estado Novo o rádio passa de um público elitizado, desde sua inauguração em 1922 que tinha como programação concertos, recitais de poesia e palestras culturais, para um público mais amplo. O fator mais importante deste acontecimento é o investimento estatal na aquisição de receptores, anteriormente importados. Segundo Avancini (1996) o rádio, antes de Getulio, tinha uma finalidade cultural, educativa e altruísta - cabe lembrar que os anúncios pagos eram proibidos. Somente no Estado Novo é que o governo autoriza os comerciais nos rádios, deste modo há uma profissionalização das emissoras com artistas e produtores. A própria competição para atrair anunciantes leva ao desenvolvimento técnico, bem como à popularidade do veículo.

"O rádio foi um veiculo de importância significativa no empenho para a popularização do regime, pois fazia chegar às zonas rurais, não incorporadas pela política populista, o projeto de legitimação do Estado Novo. O rádio foi imprescindível como meio de integração e uniformização política e cultural, contribuindo para minimizar as diferenças regionais, de acordo com o projeto nacionalizador estadonovista. Em seu discurso Vargas anunciou o propósito de instalar em todo interior do país receptores providos de alto-falantes em praças, logradouros públicos e vias de movimento. Este projeto foi levado a efeito, contribuindo para disseminar modelos culturais urbanos na zona rural e constituindo importante meio de transmissão da mensagem da comunicação populista." (GOULART, 1990, p. 19-20).

    Ainda no Estado Novo, viveríamos a chamada época de "Ouro do Rádio" (AVANCINI, 1996), o impacto do rádio sobre a sociedade brasileira nesta época foi muito profundo, com uma grande abrangência, público e aproximação da população. A primeira rádio-novela ocorre em 1942: "Em busca da felicidade" (GASSNER, 1974). Getulio Vargas soube articular o poder de alcance do rádio, com sua política centralizadora e populista.

"Marcando presença nas cidades, o DIP passou a ter voz ativa no lazer, na vida intelectual e na saúde do homem urbano. Assim, passaram ao controle ou ao incentivo do DIP as associações esportivas e recreativas, as diversões públicas, tais como circos, bilhares, bailes, congressos pagos, espetáculos de variedades, registro de artistas e a observância dos seus contratos de trabalho, a fiscalização dos teatros e peças, a concessão de prêmios literários, cinematográficos, teatrais e musicais. Na década de 40, o Estado, por intermédio do DIP e ao lado do Ministério da Educação, era o maior produtor e animador cultural do país." (SANTOS, 2004, p.78)

    O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) deixava transparecer sua concepção totalitária de um órgão de poder destinado a abranger um grande número de atividades. O DIP centralizava, coordenava e supervisionava a propaganda nacional interna e externa, servindo como porta-voz do sistema político nacional. Outras atribuições cabiam ao DIP, como supervisionar o turismo, censurar o teatro, cinema, atividades esportivas ou recreativas de todos os tipos, bem como os rádios, a literatura social ou política e a imprensa. Tinha como função especial, o estímulo tanto da produção de filmes nacionais como selecionar filmes educacionais e nacionalistas para benefício do governo. (GOMES, 1996).


c. Setor privado e seu investimento no lazer

    Cabe uma atenção especial para o teatro que, nas décadas de 1930 e 1940, também participa do movimento revolucionário de construção da urbanidade. Jaime Costa, Procópio Ferreira, Abigail Maia e Dulcina de Moraes fundam suas companhias, ativas até o fim dos anos 1950, construindo espaços que se inserem na própria revolução urbana iniciada por Vargas (MAGALDI, 1989). O Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), marco na história do teatro brasileiro, também é deste período, sendo uma referência nas atividades de lazer para um público intelectualizado.

    Com os avanços tecnológicos cria-se uma infra-estrutura para a produção cultural com investimento privado, exemplo disso é o Teatro Brasileiro de Comédia e os estúdios cinematográficos. A instalação do primeiro estúdio cinematográfico no país foi o da companhia Cinédia, posteriormente fora criada a Atlântida e a Vera Cruz (BERNARDET, 1985). A Cinédia produz dramas populares e comédias musicais, que ficaram conhecidas pela denominação genérica de chanchadas. Humberto Mauro assina o primeiro filme da companhia, Lábios sem beijos. Em 1933 o filme "A voz do carnaval", estréia da cantora Carmem Miranda. Mas foram com as comédias musicais - "Alô, alô, Brasil, alô, alô, Carnaval" e "Onde estás, felicidade?" -, que tiveram grande repercussão nacional, lançando atores como Oscarito e Grande Otelo. A Atlântida, fundada em 1941 por Moacir Fenelon, Alinor Azevedo e José Carlos Burle, estréia com Moleque Tião, filme que já dá o tom das primeiras produções, a procura de temas brasileiros, que seria explorado no período JK. Este gênero domina o mercado até meados de 1950, promovendo comediantes como Oscarito, Zé Trindade, Grande Otelo e Dercy Gonçalves (BERNARDET, 1985).


Conclusão

    Fica claro, portanto, que o desenvolvimento urbano e industrial no Estado Novo (1937-1945) foi primordial para forjar as bases políticas, econômicas, sociais e culturais do lazer brasileiro, a urbanização influenciou sobremaneira as atividades de tempo livre. Vargas e seu projeto centralizador de governo promoveram o desenvolvimento das atividades de tempo livre, como o rádio, o cinema, o teatro e as festas populares, ao mesmo tempo possibilitou a ascensão do setor privado no controle da produção cultural e investimento no lazer. Por outro lado, foi sim o Estado o grande produtor de cultura do período com a criação dos mecanismos de controle como o Departamento de Imprensa e Propaganda e a formação de políticas do lazer.

    Outro ponto fundamental para o desenvolvimento do lazer brasileiro foi a formação de uma classe urbana, conjuntamente com o desenvolvimento tecnológico promovido pela política econômica de Vargas. Este foi um caminho trilhado para a consolidação das bases políticas e econômicas do lazer enquanto prática social. O lazer começou, portanto, a ser delineado a partir do desenvolvimento urbano: (a) com o surgimento de classes sociais; (b) da consolidação do tempo livre pelas conquistas trabalhistas e (c) da exigência dos grupos para a diversificação das atividades de lazer e conseqüentemente a participação do setor privado como investidor no lazer. A urbanização promovida por Vargas e ao mesmo tempo seu investimento na comunicação, como forma de controle ideológico, foram os passos necessários para a consolidação do lazer como prática dos operários, classe média e burguesia ou como forma de investimento econômico, isto é, surgimento do setor privado como produtor de cultura e a cultura como objeto de alienação.

    Sintetizando o período, na era Vargas houve: o nascimento do rádio popular; investimento nacional e privado no cinema com grandes empresas cinematográficas; preocupação do Estado em incentivar atividades artísticas, folclóricas e físicas para os trabalhadores, no intuito de cuidar da saúde da população; surgimento de grandes companhias de teatro e de uma dramaturgia de renome, como Nelson Rodrigues; a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda; programas das rádios com músicas e shows de calouros; e o esporte como veículo de fortalecimento do nacionalismo.


Referências Bibliográficas

  • AVANCINI, Maria M. P. Nas tramas da fama: as estrelas do radio em sua época áurea, Brasil, anos 40 e 50. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas-SP, 1996.

  • BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Brasiliense, 1985.

  • CAPELATO, Maria H. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. In: PANDOLFI, Dulce C. (org.). Repensando o Estado Novo. Rio De Janeiro: Editora FGV, 1999.

  • GASSNER, John. Mestres do teatro I. São Paulo: Perspectiva, 1974.

  • GOMES, Ângela Maria C. História e Historiadores: a Política Cultural do Estado Novo. RJ: FGV, 1996.

  • GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero/CNPQ, 1990.

  • MAGALDI, Sabato. O texto do teatro. São Paulo: Perspectiva: EDUSP, 1989.

  • SANTOS, Ana. A Estética Estadonovista: um estudo acerca das principais comemorações oficiais sob o prisma do Cine-Jornal Brasileiro. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Campinas: Unicamp, 2004.

  • SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getulio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

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