efdeportes.com
O processamento de informação e a cognição social.
A nossa construção da realidade

   
Escola Superior de Desporto de Rio Maior
Departamento de Psicologia e Ciências Sociais do Desporto
 
 
Luís Cid
luiscid@esdrm.pt
(Portugal)
 

 

 

 

 
Resumo
    No contexto desportivo, para fazer face às exigências das prestações motoras e tomar decisões num curto espaço de tempo, é necessário responder com um elevado grau de rapidez aos estímulos que nos são apresentados. Na maioria das situações, este factor assume um papel delimitador entre o sucesso e o fracasso, sendo de extrema importância o estudo da velocidade com que o sujeito processa a informação (PI). Por outro lado, são estas estruturas/mecanismos que vão permitir ao sujeito a transformação da realidade factual na realidade pessoal, aferindo-lhe assim uma enorme carga subjectiva na forma como constrói a sua visão do mundo Este facto pode acarretar alguns perigos relacionados com a avaliação que fazemos dos comportamentos dos outros e que irão condicionar as futuras relações interpessoais.
    Palavras-Chave: Processamento Informação, Tempo Reacção, Cognição
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 92 - Enero de 2006

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"O ser humano é um animal social..." (Davidoff, 2001, pp.632),
"...podendo considerar-se a uma caixa negra na qual entra a informação,
que por sua vez é tratada de diversas formas até
traduzir-se num comportamento"
(Godinho, 1985, pp.15).

1. Introdução

    Sendo o desporto um fenómeno social onde interagem diversos agentes, não é de estranhar que esta dimensão tenha assumido uma importância essencial no âmbito da psicologia (Serpa, 1991). Manifestando-se pela forma como tenta explicar os comportamentos, pensamentos e sentimentos do sujeito nos contextos desportivos, valoriza o papel essencial das relações inter-pessoais (Cruz e Antunes, 1996).

    Se por um lado, a psicologia social visa a compreensão dos processos e princípios sociais, através do estudo sobre a interacção entre as pessoas e a forma como se influenciam mutuamente (Davidoff, 2001), por outro, a psicologia cognitiva procura entender os processos, estruturas e funções mentais que permitem desvendar os mistérios da caixa-negra (Eysenck e Keane, 1994).

    Ao associar estas duas jovens áreas da ciência, estamos a contribuir para uma compreensão mais abrangente do fenómeno desportivo uma vez que a interacção entre os sujeitos é altamente influenciada pela nossa visão pessoal do mundo. Os processos cognitivos que estão subjacentes ao modo como recebemos, interpretamos e analisamos a informação do mundo exterior pode condicionar a relação que estabelecemos com os nossos pares.

    Desde o desenvolvimento das teorias de Bandura nos anos 70/80, que o comportamento do sujeito passa a ser visto como uma consequência da coexistência entre factores ambientais e os processos cognitivos pessoais de cada individuo (Escartí, 2002). Na sua última forma, a teoria social cognitiva destaca a importância da cognição no comportamento humano, sendo este um resultante da interacção entre as capacidades individuais e a informação que recebe do exterior.

    Nesta perspectiva, torna-se pertinente compreender o modo como o ser humano trata a informação e qual a influência dos diversos factores cognitivos neste processo, nomeadamente daqueles que mais são referenciados pela literatura da especialidade: percepção, atenção e memória. 2. A importância do seu estudo

    O ser humano, em constante interacção com o meio envolvente, está exposto a um bombardeamento massivo de estímulos. Destes, só uma pequena parte, depois de previamente seleccionados, são tratados ao nível do sistema nervoso central (SNC), e conduzem a uma resposta por parte do sujeito.

    Fazendo face a determinadas exigências do dia-a-dia, em especial no contexto desportivo, somos impelidos a responder com um elevado grau de rapidez aos estímulos que nos são apresentados. Na maioria das situações, este factor assume um papel preponderante e decisivo que define o sucesso ou o fracasso. Desta forma, a importância da velocidade no processamento da informação (PI), conduziu os investigadores a concederem-lhe um lugar de destaque no campo das suas preocupações, em especial a partir dos anos 60/70 (Alves e Brito, 1995).

    Transportando esta realidade para o âmbito da Psicologia Social, podemos dizer que são estas estruturas/mecanismos que vão permitir ao sujeito a transformação da realidade factual na realidade pessoal, aferindo-lhe assim uma enorme carga subjectiva na forma como constrói a sua visão do mundo.

    De acordo com Paéz e Marques (2000), este facto pode acarretar alguns perigos relacionados com a avaliação que fazemos dos comportamentos dos outros e que certamente irão condicionar a relação que iremos estabelecer com as pessoas. 3. Breve perspectiva histórica do estudo do PI

    O interesse pelo estudo das fases pelas quais a informação flui, através do sistema nervoso até chegar à estrutura muscular, remonta há mais de um século atrás, quando Donders criou o método subtractivo, com o objectivo de medir a duração dos processos mentais.

    Segundo Meyer et al. (1989), que se baseou nos registos de vários autores, a história do processamento de informação poderá estar dividida em quatro fases fundamentais, que passamos a caracterizar de forma sucinta. 3.1. Período Pré-Histórico (até 1850)

    Numa época dominada pelo conhecimento na área da astronomia, um astrónomo alemão do observatório de Konisberg (Brebner e Welford, 1980), de seu nome Bessel, chamou, em 1823, equação pessoal (fórmula correctiva aplicada para corrigir as observações) aos diferentes tempos de registo de passagem dos mesmos corpos celestes, sendo considerado o primeiro autor a investigar nesta área.

    No entanto, foi Heltmotz, em 1850, o primeiro a usar o tempo de reacção quando pretendia medir a velocidade de condução nervosa, marcando assim o início de um período dourado neste domínio. Este investigador alemão conseguiu, de uma forma mais sistemática e científica, medir o impulso nervoso humano através da estimulação de um nervo em dois locais distintos (Jensen, 1982 e Meyer et al., 1989). 3.2. Idade do Ouro (1850-1900)

    Depois de construir, em 1866, dois instrumentos que usou nas suas experiências - o nomatografo e o nomatocrometro - o fisiologista holandês (Posner e Mitchell, 1967), Donders estudou, em 1868, vários tipos de reacção que deram origem ao seu método subtractivo e impulsionou definitivamente o desenvolvimento do método do tempo de reacção (Jensen, 1982 e Alves, 1990). De origem extremamente simples, permite obter o tempo gasto pelo sistema nervoso central, entre o input (entrada) da informação e o output (saída) da resposta, ou seja, o tempo de decisão.

    Segundo vários autores, o termo - tempo de reacção - na altura definido como "o intervalo de tempo que separa uma estimulação de uma reacção voluntária" (Amaral, 1967, pp.65), é introduzido na literatura pela primeira vez em 1873, por Sigmund Exner (Jensen, 1982).

    Este método passa a ser preferencial dos investigadores, em especial de Wundt, fundador na Universidade de Leipzig em 1879, do primeiro laboratório de psicologia experimental (Freeman, 1976, Anastasi, 1977). Segundo Alves (1995), é a partir desse laboratório que são feitos diversos esforços para descobrir as etapas do processamento de informação, recorrendo principalmente a "métodos fisiológicos e à introspecção" (Freeman, 1976, pp.6). Alguns anos mais tarde, o biólogo inglês Galton seguiu os passos de Wundt e estabeleceu um laboratório antropométrico em Londres, onde também eram utilizadas medidas de reacciometria. 3.3. Idade Negra (1900-1950)

    Apesar das pesquisas na área da cronometria mental, não terem cessado completamente (Meyer et al., 1989), este foi um período negro. Foram duas as principais razões que acentuaram o abandono desta metodologia na primeira metade do século XX (Alves, 1995): o início da psicometria e as teorias behavioristas.

    Por um lado, a psicometria conduziu os investigadores a preocuparem-se mais com a avaliação das capacidades intelectuais (veja-se como exemplo, os contributos sobre a avaliação da inteligência de Binet, em 1905, posteriormente continuados por Raven e Bonardel). Por outro, as teorias behavioristas, impulsionadas por Watson, centradas essencialmente no comportamento humano (estímulo-resposta), contribuiriam para colocar de lado a cronometria mental.

    Foi necessário esperar quase 50 anos pelas teorias da informação de Shannon e Weaver, em 1949 (Alves, 1990), para que a investigação psicológica, na área dos processos cognitivos, voltasse às luzes da ribalta e "começassem a brilhar uma vez mais" (Meyer et al., 1989, pp.10). 3.4. Renascimento (depois de 1950)

    Depois das teorias da informação, postuladas por Shannon e Weaver em 1949, nas quais se explica que em todo o processo comunicativo há a intervenção de um emissor, um receptor informação e um canal de transmissão da informação, surgiram ao longo do tempo vários modelos de processamento. Estas teorias, que começaram a surgir na década de 60, marcam um período de desenvolvimento da psicologia cognitiva (Alves, 1990). No entanto, o ponto alto acontece quando, em 1969 (data do centenário da publicação do método de Donders), Sternberg revela ao mundo a revisão técnica do método subtractivo e propõe o método dos factores aditivos (o tempo de reacção total é igual à soma dos tempos gastos em cada uma das suas fases). Desta forma, assiste-se a mais uma revolução no estudo do PI, voltando as atenções dos psicólogos cognitivos definitivamente para a cronometria mental e, consequentemente, para o estudo dos processos mentais e a sua duração (Meyer et al., 1989). 3.5. Evolução em Portugal

    Um dos primeiros trabalhos efectuados no nosso país é da autoria de Rodrigues do Amaral, publicado na Revista Portuguesa de Psicologia, em 1967. Realizado com uma amostra notável de 3000 sujeitos, teve como objectivo principal avaliar os tempos de reacção de condutores de veículos motores.

    As primeiras provas académicas realizadas nesta área, intituladas "Relação entre o tempo de reacção simples, de escolha e de decisão e o tipo de desporto praticado (individual ou colectivo)", datam do ano de 1985 e são da autoria de José Alves. Segundo Araújo (2002), estas provas de aptidão pedagógica e capacidade científica (equiparável à dissertação de mestrado), foram mesmo uma das primeiras no âmbito da Psicologia do Desporto.

    O estudo do processamento de informação, através dos métodos do tempo de reacção, entrou no campo desportivo há cerca de 20 anos atrás, com a necessidade de estudar e/ou avaliar o sujeito, na tentativa de conseguir distinguir as suas características específicas (Alves e Araújo, 1996). A importância dada aos factores cognitivos que influenciam a velocidade de processamento, em especial nos anos 90, culminou com inúmeros trabalhos e publicações (Brito, 1990 e 1991). Neste campo é obrigatório salientar o trabalho desenvolvido por José Augusto Alves que é uma referência incontornável para quem se dedica ao estudo nesta área. 4. Processamento de informação e o tempo de reacção 4.1. Conceito

    Todo o processo de transformações e de tempo, pelo qual a informação atravessa o sistema nervoso, é chamado de cronometria mental (Posner e Rogers, 1978). O tempo de reacção, metodologia frequentemente adoptada para o estudo dos mecanismos envolvidos no processamento humano, em especial na tomada de decisão, traduz a rapidez com que o sujeito trata a informação (Pachella, 1974, Welfford, 1980 e Alves, 1990). Também conhecida, na perspectiva de Alves (1982), por reaciometria, é um método de medição da velocidade de reacção, entendida como a resposta a um estímulo, traduzindo-se por um movimento voluntário (acção motora passível de ser modificada pela vontade) de resposta a um estímulo exterior, passando pelos centros de decisão do sistema nervoso central (SNC).

    Todas as definições apresentadas na literatura têm este pressuposto em comum. A única discrepância encontrada situa-se ao nível do tempo motor, ou seja, o intervalo de tempo acima referido pode ser contabilizado até ao início da resposta motora ou até à execução da mesma: · Intervalo de tempo que decorre entre a aparição de um estímulo e o início da resposta motora adequada (Welford, 1980, Roca, 1983 e Alves, 1990); · Intervalo de tempo que decorre entre o surgimento de um estímulo e a execução da resposta motora apropriada (Mayer et al, 1989, Tavares, 1991, Cid, 2002). 4.2. Tipos de Tempo de Reacção

    De acordo com a literatura da especialidade, podemos distinguir dois tipos de tempo de reacção: TRS e TRE.

    No tempo de reacção simples (TRS), apenas existe a aplicação de um único estímulo, para o qual existe apenas uma resposta pré-determinada, por outras palavras, o estímulo e a resposta são sempre os mesmos (Tavares, 1993). Alves (1985, pp.19) caracteriza-o pela "resposta medida por um movimento pré-determinado a um estímulo pré-estabelecido, isto é, o estímulo é sempre o mesmo e a resposta também".

    No que diz respeito ao tempo de reacção de escolha ou complexo (TRE), os estímulos apresentados são dois ou mais, cada um com uma resposta específica, devendo o sujeito seleccionar a resposta adequada, de entre os estímulos apresentados (Tavares, 1993), por isso, quanto maior for o número de estímulos associados ao mesmo número de resposta, maior será o tempo de reacção.

    Segundo Keele (1986 cit. por Tavares, 1993, pp.10), o tempo de reacção de escolha pode ser definido pelo "tempo que decorre entre o aparecimento de um estímulo, de entre vários possíveis, e a resposta adequada a esse estímulo", ou seja, "o indivíduo terá que seleccionar a resposta adequada, de entre as possíveis, para o estímulo que lhe surge" Alves (1985, pp.23).

    Convém ainda referir que utilizando o método subtractivo de Donders (1969) se pode obter o tempo de decisão (TD). O que este método nos propõe não é mais do que a subtracção do tempo de reacção simples ao tempo de reacção de escolha (TRE-TRS=TD), obtendo-se desta forma, o tempo gasto nos processos de decisão (face mais importante e longa do processamento, sobre a qual actuam diversos factores cognitivos que a influenciam e condicionam). 4.3. Compromisso Velocidade/Exactidão

    No período de tempo que medeia a entrada de informação e a saída da resposta, "o mecanismo cognitivo-perceptual organiza e analisa a informação, com o propósito de tomar a decisão de forma a resolver uma situação" Araújo e Serpa (1999, pp.37), sendo fundamental a "rapidez no processamento de informação" (Tavares, 1999, pp.119), em especial nas situações desportivas onde são colocadas grandes exigências.

    Uma decisão é uma escolha de entre muitos actos possíveis. Para que tal aconteça é necessário que se desenrolem delicados processos mentais. O contexto onde o sujeito se insere exige-lhe que seja capaz de analisar e interpretar a situação, de forma a executar uma rápida resposta com um elevado grau de precisão. No entanto, "quanto mais rápido uma pessoa responde, numa situação de tempo de reacção de escolha, maior tendência há a cometer erros" (Alves, 1995, pp.42). Para obviar esta questão, os sujeitos assumem um determinado grau de preparação ou atitude que levam os indivíduos a adoptar uma postura em função da fonte potencial de estímulo.

    De acordo com Proteau e Girouard (1987), existem dois tipos de preparação ou estratégias: uma para reagir, onde o tempo de reacção de escolha é modificado em função das expectativas, da probabilidade de ocorrência de um estímulo e do espaço de tempo, e outra para executar, que envolve essencialmente o tempo de movimento e a precisão espacial do mesmo. Ambos os níveis de preparação estão relacionados com a probabilidade de ocorrência dos acontecimentos, ou seja, quanto maior for a probabilidade de um estímulo aparecer, mais rápido será a resposta. Por outro lado, se uma tarefa, que envolva um tempo de reacção de escolha, ocupar uma grande parte do tempo total de resposta, o sujeito adoptará uma estratégia de antecipação, que originará um maior número de erros.

    No estudo do processamento de informação este facto não pode ser ignorado, sob pena de os resultados obtido serem pouco fiáveis e consequentemente conduzirem a interpretações pouco correctas (Pachella, 1974), dado que a mínima modificação na percentagem de erros pode conduzir a alterações significativas no TR. 4.4. Modelo de Processamento de Informação

    As teorias do processamento da informação (PI) procuram respostas sobre o modo como o ser humano, e aquele que pratica desporto em particular, processa a informação mentalmente. A grande preocupação centra-se na compreensão dos "fenómenos que se passam no interior da caixa negra" (Alves, 1995, pp.32), sendo analisados todos os fenómenos que ocorrem entre a entrada da informação no SNC, a tomada de decisão e a resposta motora (Singer, 1986).

    Desta forma, é geralmente aceite que toda a informação flui, por impulso nervosos, desde a captação/recepção dos estímulos até à execução motora, passando pelas seguintes fases e estruturas (Welford, 1980, Massaro, 1989 e Alves, 1990):

  1. Recepção do Estímulo - a informação que o estímulo contém é detectada pelo órgão sensorial (visão, audição, tacto, olfacto, paladar), sob a forma de energia física (luz, som, pressão, odor, gosto);

  2. Transmissão ao SNC - depois de transduzida (passagem a energia eléctrica), a informação é encaminhada pelos nervos aferentes para a respectiva zona sensorial do SNC;

  3. Análise e decisão do SNC - quando chega ao SNC, o estímulo é detectado pelos mecanismos de percepção, analisado (as características), comparado com a informação existente na memória e identificado (este processo é impossível sem o recurso à memória). Uma vez identificado, os mecanismos associativos entram em acção, num processo de escolha da resposta possível. Após seleccionada, o respectivo código passa aos mecanismos efectores que se encarregam de o interpretar e programar a resposta motora;

  4. Transmissão da decisão ao músculo executor - logo que a resposta é programada, é enviada pelos nervos eferentes ao sistema muscular, nomeadamente ao(s) músculo(s) responsável(is) pela execução motora;

  5. Execução motora - estimulação do músculo e início do movimento, conduzindo assim à resposta motora/comportamento motor.

    O chamado processo sensorial, que engloba as duas primeiras fases, é de duração extremamente curta: "poucos milésimos de segundo" (Welford, 1980, pp.73), segundo Jensen (1982) na ordem dos 15 a 40 (ms).

    Igualmente rápido é o processo de execução, que engloba as duas últimas fases. Segundo Alves (1990), o tempo de execução da resposta deverá situar-se na casa dos 60 a 80 ms. Corroborando estes valores, Welford (1980, pp.73) alerta para o facto de que apesar de curta, esta fase tende a ser um pouco mais longa, quando a resposta motora é mais complexa.

    A fase central ou da tomada de decisão, onde ocorre os processos inerentes à interpretação e análise da informação contida no estímulo, a escolha da resposta e a sua programação motora, é a fase mais longa, complexa e importante de todo o processo (Welford, 1980 e Alves, 1990). Dela dependem inúmeros factores e operações cognitivas, das quais se destacam a percepção, a atenção e a memória (Singer, 1986).

    Apesar de todos os modelos colocarem em evidência os factores atrás mencionados, o que melhor traduz os mecanismos de tratamento da informação é o proposto por Alves (1985). Alicerçado no modelo de Welford de 1968, e posteriormente adaptado do modelo de Whiting de 1979, é composto por cinco fases desde o aparecimento do estímulo até à resposta motora podem ser esquematizadas da seguinte forma.



Modelo de PI de Alves (1985, adaptado de Whiting, 1979) (retirado de Alves e Araújo, 1996, pp.363)

    De acordo com o autor, as razões fundamentais que deram origem ao presente modelo podem resumir-se a: 1) dar resposta às limitações encontradas na investigação dos processos cognitivos, que pouco ou nada elucidavam sobre os mecanismos subjacentes à prestação motora do sujeito; 2) as teorias behavioristas, dominantes nesta área do conhecimento, apenas se interessavam pelo comportamento como resultado de um estímulo, sem tentar explicar o que se passava na "caixa negra" (Alves e Araújo, 1996, pp.363).

    Este modelo vem sublinhar a importância que assumem os processos da memória - que influencia tanto a fase de identificação do estímulo (fase perceptiva), como a da escolha (fase associativa) e a selecção da resposta (fase efectora), por comparação com o leque de respostas possíveis armazenadas no sistema; e os mecanismos da atenção - essencial na fase da detecção do estímulo (sensorial) e na fase perceptiva, possibilitando a recepção da informação Marteniuk (1976, cit. por Veiga, 1995).


4.5. Factores cognitivos que mais influenciam o Processamento de Informação


Percepção

    Numa abordagem do ponto de vista cognitivo a percepção pode ser definida pela "entrada na consciência de uma impressão sensorial" (Greco, 2002, pp.56), através da qual o sujeito forma uma imagem de si próprio e do ambiente que o rodeia. Desta forma, ao filtrar e analisar as informações estamos a criar uma imagem do mundo para que nos possamos adaptar a ele. De acordo com Eysenck e Keane (1994), este processo de transformação da realidade factual (objectiva) em realidade pessoal (subjectiva), envolve uma mobilização e operacionalização dos mecanismos cerebrais centrais.

    Os processos perceptivos, que se estabelecem na interacção do sujeito com o meio envolvente, diferenciam-se conforme a tarefa a ser realizada. O sujeito acredita e aceita os que as suas impressões sensoriais recebem, porém a sua percepção poderá ser influenciada pela sua realidade pessoal (experiências e vivências anteriores). Segundo (Greco, 2002), nem sempre a percepção do sujeito (interpretação subjectiva) corresponde à realidade objectiva, mesmo quando o indivíduo pensa que é assim. Este facto pode ser justificado pela acção do sistema da memória, nomeadamente no processo de codificação e armazenamento distorcido das informações obtidas (Paéz e Marques, 2000).

    No entanto, é fundamental não confundir a percepção com a atenção ou com a memória. A percepção, segundo Magill (1984), é a capacidade de conhecimento e interpretação dos estímulos sensoriais que entram no sistema de processamento da informação. Para tal, é necessário recorrer aos mecanismos da atenção de modo a que o sujeito tome consciência dos estímulos que o envolvem (Viana e Cruz, 1996), e que os reconheça e/ou compare com as informações contidas na memória (Greco, 2002). Só assim poderá processar a informação, tomar as decisões e agir em função do que considera mais adequado para a situação e das suas convicções pessoais.

    Segundo Greco (2002), esta escolha e interpretação da informação depende da estrutura cognitiva do sujeito e das relações da situação (pessoal e ambiental). Desta forma, o processo de percepção resulta da interacção entre o sujeito (auto-percepção - que abrange informações sobre si próprio) e o meio envolvente (percepção externa - forma como as informações sobre o que se passa à sua volta são percebidas).


Atenção

    Em primeiro lugar, é importante clarificar e delimitar os conceitos de atenção e concentração, que normalmente andam sempre de mãos dadas. Desta forma, aceitamos as definições propostas por Dosil (2004, pp.178): Atenção - "forma de interacção com o meio, na qual o sujeito estabelece contacto com os estímulos relevantes para a situação do presente momento"; Concentração - "manutenção das condições atencionais ao longo de um determinado período de tempo".

    Como se sabe, na maioria das ocasiões não somos capazes de fazer mais do que uma tarefa de cada vez (Magill, 1984). Esta incapacidade está directamente ligada aos mecanismos de atenção como capacidade limitada de processar a informação num determinado momento (Abernethy, 1993, Summers e Ford, 1995). Para obviar esta situação e atenuar os seus efeitos, protegendo o sujeito de uma sobrecarga de estimulação, existe o processo de selectividade, que leva o sujeito a dirigir os seus esforços mentais, no sentido de identificar e seleccionar a informação mais pertinente para a tarefa em execução (Samulski, 1995). É esta incapacidade de dirigir e manter a atenção em mais do que um estímulo, que dá origem e suporte teórico à capacidade limitada do ser humano em processar informação.

    A atenção é o processo que nos "leva a dirigir e manter a consciência nos estímulos percebidos" (Viana e Cruz, 1996) vindos do meio com o qual interagimos e/ou do nosso organismo. Este mecanismo é igualmente crucial na determinação da informação que deve ou não ser retida na memória, afectando deste modo a quantidade e extensão a ser armazenada para posterior utilização. O processo de guardar a informação na memória é um dos aspectos mais importantes do processamento de informação humana, uma vez que este sistema depende da interacção da informação nova, que é apresentada ao sujeito, com a informação retida anteriormente (Godinho et al., 1999).


Memória

    Ao contrário do que se pensa no senso comum, a memória não envolve apenas a capacidade de recordação (Magill, 1984) ou um espaço físico onde se guarda a informação (Eysenck e Keane, 1994). Os processos de memória vão muito além da capacidade de fixar e reproduzir acontecimentos (Oliveira, 1992). A memória é uma faculdade que os seres humanos possuem para separar e organizar as informações dos estímulos recebidos, sendo um processo indispensável ao comportamento/aprendizagem (Godinho et al., 1999) que permite evocar e reconhecer as experiências passadas, confrontando-as com outras mais recentes. E é desta associação de informações que resulta a dinâmica das nossas relações sociais e a formação das impressões acerca das outras pessoas.

    De acordo com Gobbi (1991, pp.627), a memória pode ser definida como "um sistema de acção no qual as informações são conservadas e utilizadas em momento oportuno". Sendo por isso um sistema de "armazenamento e de recuperação de informação" (Amido e Godinho, 1997, pp.70) baseado em etapas diferenciadas.

    Sob o ponto de vista processual, a memória é um "conjunto de processos de codificação, retenção e recuperação da informação" (Albuquerque, 1998, pp.18). O processo de codificação deriva de uma selecção da informação sensorial, que será retida consoante as suas características e significado e posteriormente utilizada através do processo de recuperação. Assim sendo, o ser humano pode processar a informação quer a partir da presença do estímulo, quer a partir da memória que dele possuímos, o que facilmente se compara a mente humana a uma biblioteca (Pinto, 1992), ou a um computador (Eysenck e Keane, 1994) onde estão guardadas todas as informações e vivências pessoais (atitudes estereotipadas) que irão condicionar as nossas relações inter-pessoais.


5. Conclusão

    As teorias cognitivas, ou de processamento de informação, designação pela qual são conhecidas, pressupõem que a cognição humana pode ser amplamente compreendida "em termos do modo como os indivíduos processam a informação mentalmente" (Alves, 1995, pp.17). Esta abordagem pode ser considerada como uma forma de interpretação sobre a maneira como o sujeito interage com o ambiente. O mesmo é dizer que o ser humano tem que executar um determinado número de operações mentais para realizar um determinado comportamento/acção motora, utilizando a informação disponível do exterior e processando-a de distintas maneiras através de vários estádios/fases de tratamento Estes intervêm entre a presença de um estímulo/informação e o desencadeamento de uma resposta/comportamento.

    Segundo Escartí (2002), são estas estruturas cognitivas que constituem a base do comportamento humano e que influenciam a conduta social do sujeito e as suas respostas emocionais e afectivas perante um grupo. Desta forma, o objecto de estudo da Cognição Social é a análise dos comportamentos humanos tendo em conta as condições pessoais e da situação. Se por um lado, a parte social, reconhece a importância do envolvimento no comportamento humano, por outro, a parte cognitiva, realça a influencia que tem os processos de pensamento e as estruturas mentais que possibilitam o processamento de informação e interferem na construção da nossa realidade do mundo.

    De acordo com Paéz e Marques (2000), são estas estruturas (que contêm os nossos conhecimentos e expectativas), que determinam os nossos julgamentos e avaliações acerca dos grupos e dos membros que os constituem. E no caso de se produzirem deficientes percepções do outro, não só não é favorável à relação interpessoal que se estabelece, como também, pode gerar situações distorcidas da realidade (Pereira, 1999).


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revista digital · Año 10 · N° 92 | Buenos Aires, Enero 2006  
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