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O professor de Educação Física e sua cultura

   
Graduando do Departamento de Educação Física da
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
 
 
Thiago Luis Di Foggi
tldfoggi@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Carecemos de um maior conhecimento da realidade escolar em toda a sua amplitude porém, há uma necessidade maior em conhecer a realidade a qual passa a educação física escolar de ensino infantil hoje. Este trabalho caracteriza o início de um projeto que busca averiguar o trabalho do professor de educação física infantil explorando a princípio como se dão suas aulas em uma visão mais global do processo por meio de entrevistas com os mesmo e exploração de seus relatos. Com o presente estudo pretendo resgatar a visão do professor de educação física sobre o corpo e o verdadeiro significado da educação física em sua prática. Ressalvo que o mais importante neste estudo é a justificativa utilizada para sustentar o sentido desta prática realizada dia a dia juntamente com os objetivos almejados pelos professores. Esta prática podendo ser atribuída pela formação cultural a qual tiveram inicialmente acesso para formar sua personalidade suas concepções. Resgato também neste estudo, um breve histórico dos diferentes significados atribuídos ao longo da historia ao nosso corpo.
    Unitermos: Educação física. Concepções de corpo. Educação física escolar.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 92 - Enero de 2006

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Introdução

    O corpo sempre esteve presente na arte e em vários momentos serviu de inspiração para sentimentos nobres que realçavam a beleza não em formas harmônicas mas em seu poder enigmático com abertura a dubiedade em seu significado.

    Durante a história da educação física foram sendo construídas varias concepções que foram inicialmente ao encontro das necessidades da sociedade em cada época. Passando pela concepção construída pelas escolas oitocentistas, especialmente pelo imperial Colégio de Pedro II, e chegando a sua difusão mais recente segundo os moldes higienistas. Este último século foi de grande avanço para educação física que ganha a partir de 1930 uma metodologia e estruturação procedimental. Com seus avanços no campo científico esta concebe novos entendimentos tanto de sua área como do corpo a ser trabalhado. Algumas destas parecem ter sido reformuladas, surgindo com uma nova roupagem necessária a nova situação social e mantendo em suas raízes pontos que identificam um discurso já sustentado por outras concepções anteriores. E outras concepções mais recentes, a partir da detecção de suas maiores falhas que reformulam suas idéias iniciais para se enquadrarem nas exigências que o conhecimento científico produzido nas mais diversas áreas faz sobre a mesma.

    A educação física através desta diversidade de entendimento, do que seria seu papel de formação, gera várias afirmações partindo que esta tem sua base nas áreas Biológicas e outras afirmando sua base ser na educação.

    Todas as mudanças no direcionamento da educação física foram realizadas muito rapidamente não dando condições para que a transição fosse assimilada sem que conflitos de idéias fossem causados em seus docentes. Um possível resultado desta mudança acelerada pode ser a falta de fundamentação da prática de ensino e o não entendimento dos reais objetivos almejados por cada concepção e pela educação física.

    Em estudos como de Daolio (1995) entre outros, encontramos em grade parte dos professores, uma prática docente que limita a formação de seus alunos ao desenvolvimento biológico. Porém não é explicitado a formação objetivada pelo professor com esta prática e quais os fundamentos que este se embasa para sustentar sua intervenção. Não sabemos qual modelo de formação o professor objetiva e os porquês da escolha do mesmo.

    Nem sempre o trabalho docente vai ao encontro dos objetivos formulados pelas instâncias superiores de educação, limitando-se a um mero documento no qual faz um planejamento dentro de condições impostas, que maioria das vezes é incompatível a real necessidade da população trabalhada devido ao distanciamento ainda existente entre o conhecimento produzido e os professores das escolas.

    Em seu discurso os objetivos da educação física são muito claros, mas ninguém até o momento foi capaz de solucionar e viabilizar sua aplicação integral na escola frente as condições fornecidas atualmente. Porém esta afirmação não pode servir de base para seu abandono, realizado por vários docentes hoje, mostrando um total descaso dos mesmos para com seus alunos. Não sendo este objetivo viável em sua totalidade cabe ao professor abrangê-lo o máximo possível através de sua competência e habilidade.

    Com o presente estudo pretendo resgatar a visão do professor de educação física sobre o corpo e o verdadeiro significado da educação física em sua prática. Ressalvo que o mais importante neste estudo não é o modo como o ensino acontece durante as aulas, mas, a justificativa utilizada para sustentar o sentido desta prática realizada dia a dia juntamente com os objetivos almejados pelos professores. Será que a sua intervenção ocorre de forma consciente?

    Através do discurso apresentado pelos professores analisarei neste artigo se é clara a visão de corpo que trabalham e se a vertente da educação física que utiliza é compatível com sua visão de corpo, fundamentando-me no material teórico produzido na área para uma analise sólida.

    Tentarei traçar qual o modelo de sociedade sustenta-se na sua prática e qual as relações sociais esperadas, sejam estas relações, ações conscientes e explicitas, ou sejam, camufladas e construídas sem sua percepção através de atitudes, conceitos e preconceitos já interiorizados pelo professor.


A trajetória de um corpo abandonado

    As culturas instaladas nas escolas atualmente parecem convergir para uma mesma questão, a do descaso com a história construída pelo próprio aluno durante a edificação de sua vida. É necessário lembrar os professores que este "corpo bruto" já traz consigo uma simbologia em sua expressão e particularmente nos movimentos básicos de técnica rudimentar. É este corpo bruto, desenvolvido em uma dada realidade sócio-cultural historicamente arquitetada, que deve servir de origem para o desenvolvimento do trabalho docente. Através do conhecimento da construção inicial do corpo é que o professor de educação física começa seu trabalho de lapidamento, para num momento futuro de sua aula inserir outros elementos históricos e culturais os quais objetiva atingir com seu ensino. Neste aspecto reservo um espaço para retomarmos como surgem os corpos e quais as concepções que estiveram mais presentes em nossa história.

    Por mais que tenhamos vários estudos realizados sobre as condutas na vida pré-histórica, vamos concentrar nossos esforços para imaginar como seria a vida de nossos ancestrais.

    Éramos um povo nômade que precisava de um corpo ágil e resistente. Por conviverem com predadores e estarem em ambientes pouco conhecidos, seus corpos deviam estar preparados para a fuga e para resistirem às longas jornadas de um lugar ao outro. A partir do momento em que aprendemos que podíamos cultivar e caçar, começamos a deixar de sermos nômades e com estas mudanças nosso corpo passou a ter novas exigências. O corpo devia ser um corpo forte e resistente. Torna-se necessário defender-se de seus predadores e outros grupos de humanos alem de estar apto a realizar as tarefas de cultivo.

    As principais necessidades do dia a dia moldavam os corpos de formas diferentes segundo a função desempenhada por cada pessoa do grupo.

    Mais adiante, mas ainda dentro do período pré-histórico, temos além da sobrevivência, os ritos e os cultos como complementares na formação de um corpo.

    Segundo Ramos (1983) a educação física no período pré-histórico era praticada de forma espontânea e ocasional objetivando sobre tudo a luta pela vida, os ritos e os cultos. Neste contexto observamos um corpo musculoso e ágil com finalidade de sobrevivência, mas ao mesmo tempo temos um corpo presente dos deuses, identificado no texto "o homem primitivo considerava sua sobrevivência como favor dos deuses" (RAMOS, 1983, p.16). assim como acontecia durante as preparações das guerras romanas e das cruzadas, aqui encontra-se um ser maior pelo qual se justifica cada momento. Estes corpos não pertenciam a si mesmos, mas sim, aos planos e projetos divinos limitando seus gestos a uma entidade que os manipulam em todas as suas decisões.

    Já na Grécia, encontramos duas influências para a formação do corpo que se complementam, uma proveniente do helenismo e condutora na formação espiritual e moral de um cidadão integral e outra de origem mitológica. O exercício era tido como agente de educação na formação do cidadão e a celebração em honra de Zeus e outros deuses marca o contraste entre o cristianismo e o paganismo (RAMOS, 1983). Essa inter-polaridade entre diferentes culturas em um mesmo cenário, resulta num corpo ambíguo e conflitante que quando preparado para a guerra e suas competições ganha uma forma pagã a qual tem de negar frente ao surgimento do cristianismo. O que era corpo torna-se agora um anti-corpo.

    Durante a idade média dos séc. XI, XII e XIII ressurgiram as práticas de atividades físicas devido a indispensável preparação militar das cruzadas (RAMOS, 1983), surgindo com a mesma um corpo símbolo de nobreza. Ter um corpo fisicamente apto era o mesmo que pertencer a uma classe mais nobre pois somente a nobreza e a classe média tinham, desde o nascimento, acesso as praticas de atividades físicas. O corpo forte e apto o eleva a nobreza quando este ganha as justas e os torneios, que a priori eram elaborados para aprimorar técnicas e habilidades de guerra. Por ultimo ser um cavaleiro era ser moralmente e espiritualmente correto, pois através deste corpo poderia ser defendidas a vontade de Deus e a conduta moral cristã.

    Durante a Renascença, a educação física torna-se uma filosofia do auto-conhecimento com o homem sendo o centro de tudo. Aqui surge com grande força, questões sobre a formação do corpo e como sentir este corpo através dele mesmo, usando os sentidos naturais para aprender a enxergá-lo. Porém tudo devia ser apoiado pela razão, já que o homem é concebido neste momento sobre a ótica de Descartes como sendo razão e corpo. Este corpo natural e fonte de conhecimento, passa a ser no renascimento subordinado então a razão humana guia dos procedimentos deste conhecer. Durante o renascimento "o foco sai do mundo ideal para o mundo da diversidade, da eternidade para a temporalidade, da universalidade para a individualidade" (SOUZA NETO, 1996. p. 23).

    Um dos primeiros corpos do início do séc. XIX surge como moeda de troca e sustenta o início do capitalismo como aparece em Soares (1992), "a forca física, a energia física, transformava-se em forca de trabalho e era vendida como mais uma mercadoria, pois era a única coisa que o trabalhador dispunha para oferecer no mercado" (p. 51), era a esperança do corpo e do seu rendimento em detrimento da sobrevivência e esperança de ascensão. Este corpo torna-se o corpo de um bom animal adequado e necessário ao sistema. A educação física aqui está concebida meramente nas atividades físicas, canto e na formação moral, cabendo a mesma adestrar o corpo e modelar suas condutas sob a ótica capitalista que na visão de Rubem Alves nada mais é que uma educação do corpo, onde este é ensinado a esquecer de todos os seus sentidos, tornando a vida um único sentido de posse (BRUHNS, 1994. p.42).

    Segundo a idéia de Foucault, colocada por Pich (2002), ocorre um investimento no corpo sob forma de 'controle estimulação'. Neste século encontraremos um corpo único objetivado pela sociedade, os corpos alienados, que a partir das regras sociais comete uma violência contra seu corpo, pois o acha um objeto que deve ser moldado na sociedade. O produto objetivado através da alienação é diferente de acordo com o momento analisado, mas o mais marcante é o corpo harmoniosamente esculpido para gerar uma boa impressão social. Onde este torna-se uma fonte de prestígio, "um corpo bem cuidado pode garantir ao individuo melhor performance e atuação social" (DE CASTRO, 2003, p.71) ou como se refere Iwanowics, "com certeza a nossa aparência externa condizente com atuais normas nos leva a uma aproximação com outros" (BRUHNS, 1996. p. 71).

    Após a introdução do capitalismo surge como fruto do mesmo um corpo que poderia ser comparado com o corpo da idade média que Foucault expõe como sendo um corpo reprimido que poderia ser levado ao sacrifício. Por sua vez com a roupagem do capitalismo poderíamos compará-lo ao corpo disciplinado à produção onde o corpo não condizente as diretrizes também seria condenado, mas em vez do sacrifício, seria colocado a margem. Os corpos então teriam inscritos neles as leis e trariam em sua memória as suas marcas.

    O corpo gênero consagrado através de atribuições e signos diferentes a homens e mulheres expressos, entre outras, na proibição da prática de algumas modalidades de maior contato físico ou esforço e no Decreto-lei nº 705/69 onde deixa transparecer a educação da prole como responsabilidade exclusiva das mães (CASTELLANI FILHO, 1994).

    O corpo status como vontade divina surge do discurso: "a boa constituição do corpo acompanha a nobreza da alma ... aqueles que tem tato delicado são mais nobres de alma e mais perspicazes de espírito" (CASTELLANI, 1994 p.51). este conceito a princípio parece ser fruto de uma herança religiosa, mas trata-se do preconceito ocorrido com a atividade física advinda da estrutura criada pela escravidão onde as atividades com maior esforço físico eram atribuídas a uma classe inferior, os escravos. O privilégio do intelecto leva a um corpo delicado e socialmente identificado com o da elite. Este é o corpo intelectual de status oriundo da herança do catolicismo e do período colonial.

    Deste corpo pularemos a um culto ao corpo mais atual o qual acompanhamos seu reforçamento, a corpolatria, que é facilitada pelos meios de comunicação que guardam espaços em seus meio de expressão cultural para assuntos que garantem sua lucratividade, tais como, esoterismo, disca de saúde e alimentação, estética e padrões de beleza entre outros assuntos ligados ao corpo como vitrine de consumo. Esta corpolatria teve sua origem com a eugenia dos anos trinta e ganha mais forca com a introdução do fisiculturismo no Brasil. (SOUZA NETO, 1996)

    Relembramos varias concepções de corpos surgidos ao longo à história, apesar de que muitos outros não foram citados. No corpo estariam transfiguradas todas as regras e valores de uma sociedade num dado momento específico. Para Daolio (1995), "o corpo é fruto da interação natureza/cultura". A educação física como protagonista desta dança entre culturas e interesses vem sendo reformulada de acordo com a simbologia construída nesta cultura específica a qual está inserida e o objetivo de formação humana que se deseja obter.


Metodologia

    Foi contatada previamente a direção da escola requisitando permissão para a realização da pesquisa, que sem nenhum problema autorizou a mesma.

    Foi elaborado um conjunto de perguntas as quais um professor de educação física da rede pública municipal de ensino infantil foi entrevistado. Esta entrevista foi semi-estruturada e partiu das seguintes questões: como são suas aulas de educação física? qual a sua definição de corpo? como a educação física vem ao encontro da construção deste corpo? qual a sua opinião sobre os objetivos colocados nos PCNs? É possível trabalhar sua concepção de corpo e atingir estes objetivos?

    A entrevista foi efetivada após o fim de suas aulas diárias na própria escola com o auxilio de um gravador para a transmissão na integra de seu discurso. Realizei durante a mesma uma tentativa de entender as relações entre suas concepções sobre o que deveria ser uma aula de educação física e a articulação da mesma com os propósitos traçados pelo governo.


Análise e discussão dos dados

    Foi constatado que as aulas de educação física da escola em questão são padronizadas por idade em relação aos procedimentos, os conteúdos são os mesmos e sem muita variação.

    A professora em seu discurso diz "meus conteúdos são os jogos que se vê bastante em outras escolas ... meus alunos são tão quietinhos que quase não converso com eles e quando converso, eles não me dizem nada aproveitável". Este discurso demonstra também uma atitude totalmente mecânica em que o fato de conversar com os alunos é quase que uma obrigação e lembra a rigidez das aulas de educação física escolar, ministradas por instrutores físicos do exército, que traziam para essas instituições os rígidos métodos militares de disciplina e de hierarquia mecanizando os procedimentos e as condutas. Constrói-se nesse sentido um projeto de homem disciplinado, obediente, submisso, profundo respeitador da hierarquia social em que não havia preocupação com o ensino de conceitos de qualquer espécie.

    Suas aulas são bem fragmentadas começando com um alongamento onde a mesma demonstra o movimento e cobra dos alunos a sua imitação; passa para a parte principal da aula em que desenvolve algum jogo do tipo amarelinha, pular corda ou elefantinho amarelinho e sua parte final é a liberação dos alunos para irem beber água e lavar as mãos. Estas atitudes de preocupação com a higiene pessoal e com um corpo biologicamente estruturado, nos remete a educação física higienista ocorrida durante as décadas de vinte e trinta. Movimento este que caracterizava-se por afirmar que qualquer individuo devia adquirir saúde. Neste contexto encontrava-se a educação física como precursora de padrões de higiene e moral, mas principalmente de um corpo forte e sadio, sendo reprodutora de movimentos acabados e ministrada por instrutores de movimento segundo padrões tidos como únicos e perfeitos. Esta afirmação traduz um pouco da concepção de educação física que encontramos no ensino infantil analisado.

    As crianças em sua concepção são consideradas "corpos mortos" em que devem ser saudáveis e capazes de realizar os movimentos relativos a sua idade. Sobre tal concepção biológica de homem, cabe à Educação Física um papel fundamental na formação de homens e mulheres sadios, fortes, dispostos à ação. Com isso uma das razoes da existência da Educação Física perante os interesses do professor é desenvolver e fortalecer física e motoramente os indivíduos.

O ideal é que todas as crianças possuíssem uma boa saúde e fossem aptas para executar todos os movimentos esperados nesta faixa etária a que se encontram. Pois não são capazes de criar nada devido ao seu estágio cognitivo.

    Quando questionada a forma como trabalha os conteúdos nas aulas de educação física, percebe-se uma imposição de atos alienados e mecânicos,

Em minhas aulas eu formo as crianças com atividades em que elas devem pular paradas em um pé só, com os dois pés juntos, dando voltas ao redor da quadra disputando corridas. Dou condições para que eles sejam fortes e resistentes e consequentemente se machuquem com maior dificuldade.

    Quando norteamos a entrevista para sua visão dos PCNs (parâmetros curriculares nacionais), observamos que esta é radicalmente contra a inserção de seu entendimento de corpo no ensino infantil.

É totalmente inadmissível que tal proposta seja colocada para crianças que tem o interesse de vir aqui somente para brincar. Uma criança se desenvolve através dos estímulos físicos aos quais tem contato, ela não entende o que é não, o que seu pai ser desempregado acarreta, nem o porque de uma pessoa gostar mais dela do que de outro. Seu universo é fantasiado e não concreto

    Diz da dificuldade em se trabalhar coisas que não são do entendimento da criança e que ela não enxerga conexão no porque fazer aquilo com crianças que não conhecem se quer o ambiente em que vivem.

Meu estilo de aula é útil para ela se tornar uma pessoa forte capaz de realizar qualquer serviço. Não se faz de um abandono onde tudo pode e tudo é certo. Devemos impor limites e regras sociais as quais elas tem que aprender a conviver.

    Em relação ao conteúdo analisado da entrevista foi possível aferir que seu conteúdo predominante é a dança e que todas as brincadeiras citadas pela professora possuíam alguma especificidade que era possível ser transferida para a mesma. Porém a vasta possibilidade advinda da mesma não é explorada pois esbarra na concepção de corpo da professora. Todos os movimentos e expressões culturais que poderiam ser vivenciados na expressão corporal são tolhidos.


Conclusão

    São culturas diferentes e concepções diversas ainda presentes na educação física no Brasil hoje. Pelo que pudemos perceber trata-se de uma concepção, um entendimento que é fruto de suas experiências e que já está saturado sem chance de mudança na compreensão particular desta professora. Assim torna-se improvável a mudança desta sólida cultura adquirida no decorrer de sua vida por mais que esta escute argumentos, realize cursos gratuitos ou aperfeiçoamentos.

    É necessária uma atenção maior durante a formação inicial de nossos alunos no ensino infantil, pois alunos que vivenciaram um processo coercivo dificilmente se libertarão dos moldes que o tornaram passivos. Somente se o professor a trabalhar com estes alunos for detentor de uma concepção que priorize e estimule a ruptura com tal passividade e forneça ferramentas necessárias para a manipulação de seus símbolos interiorizados, haverá uma ruptura dos padrões assimilados.

"o homem vive num universo simbólico... O homem não pode se defrontar com a realidade sem intermediários... as coisas vem a uma criança vestidas pela linguagem, não em sua nudez física, e esta roupagem de comunicação faz com que ela se transforme em alguém que participa das mesmas crenças que aqueles ao seu redor" (BRUHNS, 1994. p.21)

    O universo da criança não pode ser reduzido, pelo contrário, deve ser o mais amplo e variado possível, construído dentro de suas possibilidades e sempre deve haver uma figura a qual possa recorrer para entender a simbologia das informações que chegam a ela e a confundem. Assim "cada pessoa que entra em contato com uma criança é um professor que incessantemente lhe descreve o mundo, até o momento em que a criança é capaz de perceber o mundo tal como foi descrito" (BRUHNS, 1994. p.20). Devemos ter muito cuidado com nossa visão sobre o conhecimento e interpretação da realidade, pois é fundamentado neste enxergar que transmitiremos a informação assimilada e processada para nossos alunos.

    Cabe assim aos professores com concepção mais aberta e aos futuros professores enxergarem seus alunos segundo o dizer de Newton Duarte

O individuo se forma , apropriando-se dos resultados da historia social e objetivando-se no interior dessa historia, ou seja, sua formação se realiza através da relação entre objetivação e apropriação. Essa relação se efetiva sempre no interior das relações concretas com outros indivíduos, que atuam como mediadores entre ele e o mundo humano, o mundo da atividade humana objetivada. A formação do individuo é portanto sempre um processo educativo, mesmo quando não há uma relação consciente (tanto de parte de quem se educa, quanto de parte de quem age como mediador) como o processo educativo que está se efetivando no interior de uma determinada prática social. (Duarte 1993, p.47-48)

    Todas as informações sejam elas internas ou externas sempre passam por um processo de filtragem, organização, estruturação e tem seus produtos mediados pela linguagem, gestos, atitudes, imagem corporal e outras formas de expressão as quais o professor não deve deixar que passem desapercebidas. Penso ser necessário evitar que os professores reincidam no erro da privação a cultura ou privilegio de conteúdos aos quais seus alunos tem mais afinidade, esquecendo que individuo em todos os momentos de sua vida estão em continua aprendizagem e estar pode levar a mudanças futuras que se tornarão permanentes. Não tornando nossos alunos seres mecânicos e desumanizados.

    Para ser capaz de propiciar isto o professor, antes de qualquer coisa, deve ser capaz de se comunicar transitar por diversas linguagens e símbolos pertencentes a diversidade de cultura a qual está lidando.

    Vejo que devemos estar sempre em constante transformação pois a aprendizagem em uma análise mais simplista é esta constante modificação do conhecimento.

Quando atingimos um estágio de desenvolvimento tal que paramos de nos transformar e achamos que já aprendemos tudo o que devíamos saber, atingimos tal estado de ignorância que nos impede de reconhecer nossa própria falta de humildade.

    Por ultimo se faz necessário citar as palavras de Anaruma onde a falta de conhecimento do corpo "pode levar a perda de identidade, quando não a alienação. Essa alienação possibilita que outro tenha o controle do meu corpo" (Souza Neto, 1996). Esta falta de conhecimento nos faz acreditar nos mais diversos discursos que através da eloqüência e amarração de idéias, camuflam suas verdadeiras falhas e fraquezas.


Referência

  • BRUHNS, H. T. et all. Conversando sobre o corpo. 5ª ed.campinas: Papirus, 1994. 107p.

  • CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: a Historia que não se conta. 4ª ed. Campinas: Papirus, 1994. 225p.

  • DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995. 105p.

  • DE CASTRO, A. L. Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo. 1ª ed. São Paulo, Annablume: FAPESP, 2003. 136p.

  • DUARTE, N. Educação Escolar, Teoria do Cotidiano e a Escola de Vigotski - polêmicas do nosso tempo (cap. 1). Ed. Autores Associados.

  • PICH, S. et all. As relações necessárias entre a educação física e as ciências sociais. Revista eletrônica EFDEPortes - Buenos Aires, ano 8, n. 55, dez. de 2002.

  • RAMOS, J. J. Os exercicios fisicos na historia e na arte: do homem primitivo aos nossos dias. São Paulo: IBRASA, 1983. p. 348

  • SOARES, C. L. et all. Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas: Autores Associados, 1994. 167p.

  • SOUZA NETO, S. et all. Corpo para malhar ou para comunicar? São Paulo: Cidade nova, 1996. 79p.

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revista digital · Año 10 · N° 92 | Buenos Aires, Enero 2006  
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