Os aspectos psicológicos da personalidade e da motivação no voleibol masculino de alto rendimento The psychological aspects of personality and motivation in high level male volleyball |
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*Faculdade de Educação Física da Universidade de Ribeirão Preto, São Paulo **Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo, São Paulo |
Silvia Regina Deschamps* Dante de Rose Junior** sdchamps@usp.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 92 - Enero de 2006 |
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Introdução
O desempenho de atletas de alto nível caracteriza-se pela combinação de muitos fatores, dos quais se destacam a preparação física, a preparação técnico/tática e a preparação psicológica.
A preparação psicológica é um instrumental eficiente para trabalhar o atleta, em nível psíquico, para o enfrentamento de situações estressantes do ambiente esportivo e utilizar dessa estrutura pessoal para a obtenção de seu potencial máximo na competição. Ela pode incluir modificação de processos e estados psíquicos como pensamento, motivação, emoção, percepção e estados de humor, componentes das bases psíquicas da regulação do movimento.
O tipo de treinamento psicológico que é utilizado no esporte varia muito e as habilidades mentais e atributos psicológicos que geralmente são trabalhados com atletas de alto rendimento são: aumento de autoconfiança, atenção e concentração, organização de objetivos, autocontrole da ativação e relaxamento, utilização de visualização e imagem, estratégias de rotinas e competitividade, elevação de motivação e comprometimento.
Os aspectos psicológicos são, sem dúvida, um dos principais componentes da preparação do atleta de alto rendimento e eles abrangem uma série de fatores que, combinados, podem influenciar negativa ou positivamente no seu desempenho. Este estudo teve como objetivo identificar os aspectos psicológicos da personalidade e da motivação que influenciam diretamente o comportamento de atletas de alto rendimento.
Para um melhor entendimento sobre o tema estudado foram levantados conceitos e considerações a respeito de personalidade e motivação e suas influências no comportamento do indivíduo participante do meio esportivo.
À medida que se analisam os acontecimentos que envolvem a ação esportiva existe uma tendência em olhá-la como um resultado de planejamento racional e raciocínio consciente na direção de um objetivo. A ação pode ser definida como um comportamento consciente e dirigido a um objetivo, portanto, possui razões e efeitos cognitivos. O que regula o comportamento é justamente o pensamento, e quando não tem essa regulação cognitiva, ele é considerado perturbador e não planejado, e o que acompanha o processo do raciocínio são as ocorrências emocionais (sentimentos) que também são atuantes sobre o comportamento (THOMAS, 1983).
A relação pensamento-sentimento-ação no esporte é evidente e marcante, e qualquer problema que ocorra tanto a nível cognitivo quanto a nível emocional terá consequências no comportamento do atleta. Normalmente observam-se dificuldades cognitivas, justamente no que diz respeito a um planejamento racional de ações, e também com relação à forma de lidar com o fator emocional, com as emoções que surgem no decorrer das competições.
A fim de corrigir o comportamento e melhorar a personalidade, é preciso saber inicialmente quem cada ser humano realmente é. Eric Berne, criador da Análise Transacional, formulou conceitos que auxiliam a retratar e a ter uma visão do modo de agir de cada indivíduo. Para KERTESZ (1987), seguidor da teoria de Eric Berne, comportamento se define como: "o que se sente, pensa, diz e faz. O que se pensa e sente é o comportamento subjetivo, interior, e o que se diz e faz é o comportamento objetivo, exterior, observável (p. 23)."Através da observação do comportamento objetivo se torna possível grande parte da compreensão do comportamento subjetivo, que, por ser interno, não é acessível diretamente aos nossos sentidos.
A personalidade "é o modo habitual pelo qual o indivíduo pensa, sente, fala e atua para satisfazer suas necessidades no meio físico e social." (KERTESZ, 1987, p. 23). Para BERNE (1957, citado por KERTESZ, 1987, p. 27) ela é formada pelos estados de ego Pai, Adulto e Criança. Como estado de ego compreende-se "um sistema de emoções e pensamentos, que segue determinados padrões de comportamento."
O estado de ego Pai contém normas, valores e modelos de conduta dos pais ou substitutos. O estado de ego Adulto está dirigido para uma avaliação objetiva da realidade, recebe informações internas e externas, analisa-as e toma as decisões. O estado de ego Criança é o primeiro a existir e apresenta os conteúdos da primeira infância e é nele que se incluem as emoções, desejos, criatividade e intuição. O ser humano que está em equilíbrio com os seus estados de ego e possui uma posição básica de auto-estima, terá um comportamento ajustado ao meio social e caso isso não se dê, o comportamento irá refletir repetidamente a imaturidade, ressentimentos e preconceitos dessa pessoa.
As diferenças individuais entre esportistas são óbvias e são elas que refletem a personalidade e, não só se reconhecem estas diferenças individuais existentes no esporte, como se avalia informalmente a personalidade quando se julgam oponentes ou se avaliam as próprias forças e fraquezas. Estas determinações de personalidade afetam o comportamento no esporte. A personalidade pode ser descrita como a soma total ou padrão global de características e tendências (GILL, 1986).
Num estudo realizado por OGILVIE e TUTKO (1971) esportistas são caracterizados por alguns traços de personalidade:
Motivados para o rendimento e colocam-se a si e a outras pessoas objetivos elevados, porém realistas;
Ordenados e disciplinados, dispostos para a liderança e respeito às autoridades;
Elevada capacidade de auto-confiança, resistência psíquica, auto-domínio, baixo nível de ansiedade e alta capacidade para ter comportamentos agressivos.
Neste mesmo estudo foram encontrados esportistas com problemas, apresentando características de comportamentos neuróticos como: super-ansiedade, receio do sucesso, tendência a atitudes depressivas, sensibilidade exacerbada em relação ao insucesso ou crítica externa.
No que diz respeito a motivação, ela se caracteriza por um processo ativo, que é dirigido a uma meta, e depende da interação de fatores pessoais (intrínsecos) e ambientais (extrínsecos). Portanto, baseada neste modelo, a motivação tem um determinante energético (nível de ativação) e um determinante de direção do comportamento (intenções, interesses, motivos e metas) (SAMULSKI, 1992).
Segundo WILLIAM BEAUSAY (citado por CLARKSON, 1999), existem muitas motivações para os atletas, cada uma é influenciada pela combinação de muitas do passado:
Dinheiro: Isto é um bom motivador precoce na carreira, principalmente se tem que ajudar a família;
Ego: Existe uma necessidade de sentir-se importante, e a maior de nossas necessidades é satisfazer o ego;
Coleguismo: É bom se sentir pertencendo a um grupo;
Expectativas: Vivem de acordo com as expectativas dos outros;
Realização: Alguns atletas têm a necessidade de ter coisas para fazer;
Excelência: Necessidade de se superar;
Amor ao jogo: Alguns amam o que fazem.
A motivação de cada desportista é passível de mudança, a partir do momento que haja mudança de interesses, necessidades, motivos; em todo o processo que está implicado na motivação, o atleta não precisa manter-se apegado a influências de motivações passadas, ele pode decidir por um caminho novo a seguir.
MetodologiaAmostra
Foram avaliados seis atletas de equipe de voleibol adulta masculina, pertencente a um clube que disputou o Campeonato Paulista de Voleibol. O clube era da cidade de São Paulo e os atletas escolhidos foram aqueles considerados titulares da equipe no momento da pesquisa. A escolha da equipe foi não-aleatória devido a facilidades administrativas e técnicas junto a ela.
InstrumentosForam realizadas entrevistas semi-estruturadas, valorizando o conteúdo qualitativo da fala dos entrevistados. As entrevistas tiveram como base questões referentes a pensamentos, sentimentos e atitudes em relação a si mesmo e ao ambiente esportivo. Também houve questões referentes às variáveis dos aspectos psicológicos da personalidade e da motivação tais como: Personalidade: apresentação e explicação do diagrama estrutural da personalidade (formada pelos estados de ego Pai, Adulto e Criança) e perguntar quais destes estados de ego são mais dominantes; Motivação: apresentação sobre o comportamento do indivíduo que é baseado na motivação intrínseca, extrínseca ou na desmotivação seguida da questão: - O seu comportamento está mais vinculado ao prazer e satisfação na sua atividade ou em razões fora dela, como reconhecimento social, premiação e remuneração?
Outro instrumento utilizado foi a observação direta e não-participante para verificar o comportamento dos atletas durante a competição. Derivando de KERTESZ (1987), foram observados os sinais do comportamento verbal (palavras e frases) e do comportamento não-verbal (gestos e movimentos). Foram feitas observações completas destes itens escolhidos.
ProcedimentosAs entrevistas foram registradas através de gravador e realizadas individualmente, no próprio clube em ambiente reservado. As observações foram feitas em 15 jogos pertencentes ao Campeonato Paulista de Voleibol Masculino, nos clubes e fora deles também, registradas através de anotações a respeito do comportamento (verbal - palavras e frases audíveis; não-verbal - gestos e movimentos) de cada atleta, analisando-se a cada set três atletas simultaneamente. Além da investigadora, mais dois observadores contribuíram para a pesquisa.
Resultados e discussãoCom a análise feita do comportamento dos atletas na competição foram registradas atitudes, palavras e frases mais frequentes. Dentre as primeiras, foram observadas alterações e algumas até intensificaram-se ao longo dos jogos. Quanto às segundas, mantiveram-se constantes do início ao fim. As atitudes mais observadas foram: comemoração dos pontos com a equipe; troca de informações com os companheiros; interação com o técnico; reclamar com o árbitro; olhar para o adversário; fazer careta nos seus erros e da equipe; olhar o placar e armar jogo. Quanto às palavras e frases apareceram: "Vamos embora"; "Vamos lá"; "Eheh" e muitos palavrões.
Os pensamentos, sentimentos e atitudes levantados dos atletas sobre si mesmo e o ambiente esportivo evidenciaram a forma como realmente eles tem se comportado, e houve uma compatibilidade entre esses fatores relatados por todos os sujeitos investigados. A forma de avaliar e até estimular certo comportamento também determinou maneiras futuras de agir. O modo como estavam consigo mesmo e na relação com os outros (incluem-se aqui comissão técnica, companheiros de equipe, adversários) refletiu muito nas suas atitudes. Um estudo realizado por CRUZ e CASEIRO (1997) confirma essas questões, detectando dificuldades psicológicas com relação à autoconfiança em atletas de voleibol, além de problemas relacionados ao nível de preparação mental para a competição (e apoio psicológico, em geral), ao relacionamento interpessoal (conflitos entre atletas, técnicos e dirigentes) e os referentes ao controle de stress e ansiedade competitiva, sendo que alguns atletas consideraram importantes problemas ligados a motivação, concentração e recuperação psicológica de lesões.
Através deste estudo, foi possível detectar a influência direta dos aspectos psicológicos da personalidade e da motivação no comportamento de cada atleta, e em diferentes momentos, dependendo da variação destes, obteve-se uma repercussão positiva ou negativa no desempenho individual, e consequentemente, grupal. Além disso, estes aspectos psicológicos relacionaram-se entre si e apresentaram dimensões variadas em cada fase da competição, existindo uma forte tendência de nos períodos de maior pressão, em especial nas fases finais, o aspecto da motivação elevar-se, e o da personalidade, demonstrar o padrão de funcionamento mais conhecido do indivíduo.
Com relação à personalidade e segundo a abordagem da análise transacional, a maior parte dos atletas apresentou como estados de ego mais dominantes o Pai e a Criança, o Adulto apareceu, mas não tão marcante, com a exceção de um atleta que teve o Adulto e a Criança mais presentes. O estado de ego Pai denota sua atuação tanto em estímulos e motivação à equipe, como também em críticas e cobranças em relação aos erros próprios e dos outros. A Criança reflete sua criatividade e muita emoção, em especial, nas comemorações dos pontos, só que demonstra em alguns momentos, descontrole emocional e limitações quanto à ousadia e a estar confiante para um melhor desempenho, nas situações de maior pressão ela se destaca. A ausência do Adulto, em determinadas situações, é muito prejudicial para cada um e para o time, pois é ele quem faz uma avaliação objetiva da realidade, interna e externa, tomando as decisões e agindo de acordo com ela. Muitas vezes, ficou claro que o emocional falou mais alto na atuação do grupo e isto teve consequências negativas para o desempenho.
Na motivação, o que prevaleceu foi a motivação extrínseca, o reconhecimento social e a premiação tiveram um peso maior do que o prazer na atividade nos sujeitos pesquisados. Dois atletas apresentaram motivação intrínseca forte, no entanto, tiveram os que apresentaram as duas, mas ainda assim a extrínseca foi mais marcante. O tempo de carreira e a idade podem influenciar nesta questão, pois os atletas mais maduros têm uma preocupação maior com o dinheiro. Com a motivação intrínseca menor, o que ocorreu foi que nos momentos em que a equipe ganhava e tinha destaque no campeonato, tudo estava bem e a motivação em alta, porém, nos jogos difíceis e situações de derrota, observou-se em alguns atletas a desmotivação e em outros uma queda na motivação, comportamento comum e observável também, em outras modalidades esportivas.
Algumas conclusões obtidas através deste estudo merecem ser consideradas:
A importância de o atleta estar consciente dos seus processos de pensamentos, sentimentos e atitudes, tanto em relação a si mesmo quanto ao ambiente que o cerca, sendo este o primeiro passo para qualquer mudança necessária em si mesmo e nas suas relações;
Mais do que estar consciente, se comprometer em estabelecer objetivos que o ajudem efetivamente a mudar, porque muitas vezes, apesar de estar consciente e mesmo com larga experiência no esporte, o atleta não consegue agir diferente, e perde em alguns momentos seu controle emocional e mental;
Os aspectos psicológicos estudados demonstraram uma influência marcante no comportamento. Eles se relacionam entre si e para terem uma contribuição mais positiva no comportamento de cada um, parecem necessitar de um certo equilíbrio, que vai ser individual, cada atleta vai apresentar o seu e poderá trabalhar no sentido de estar o mais próximo possível dele, refletindo assim em seu desempenho.
Referências
Cabral, A. (1979) Dicionário de psicologia e psicanálise. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura.
Clarkson, M. (1999) Competitive fire. Champaign: Human Kinetics.
Cruz, J.; Caseiro, J.P.(1997) Competências psicológicas e sucesso desportivo no voleibol de alta competição. In: Cruz, J.; Gomes, A.R. (Eds.). Psicologia aplicada ao desporto e à actividade física: teoria, investigação e intervenção. Braga: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian e C.E.E.P./ Universidade do Minho, p. 203-219.
Gill, D.L. (1986) Psychological dynamics of sport. Champaign: Human Kinetics.
Kertesz, R. (1987) Análise transacional ao vivo. São Paulo: Summus.
Martens, R. (1990) Successful coaching: United States tennis association special edition. Illinois: Human Kinetics.
Ogilvie, B. C.; Tutko, T. A. (1971) Problem athletes and how to handle them. London: Pelham.
Samulski, D. (1992) Psicologia do esporte: teoria e aplicação. Belo Horizonte: Imprensa Universitária/UFMG.
Stratton, P.; Hayes, N. (1994) Dicionário de psicologia. São Paulo: Pioneira.
Thomas, A. (1983) Introdução à psicologia. Rio de Janeiro: Livro Técnico.
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digital · Año 10 · N° 92 | Buenos Aires, Enero 2006 |