efdeportes.com
O jogo como meio, o 'tecnicismo' de
cara nova: o caso do judô
El juego como medio, el "tecnicismo" de nuevo cuño: el caso del judo
The game as a middle, the new face of the "technicism": the case of judo

   
Prof. Fabiano Filier Cazetto
Licenciado em Educação Física (FEF-Unicamp)
Bacharelando em Educação Física (FEF-Unicamp)
fabianocazetto@yahoo.com.br

Prof. Pablo Christiano Lollo
Bacharel em Educação Física (FEF-Unicamp)
Mestrando em Nutrição (FEA-Unicamp)
pablo@fea.unicamp.br

Prof. Dr. Alcides José Scaglia
Doutor em pedagogia do movimento (FEF-UNICAMP)
Mestre em pedagogia do esporte (FEF-UNICAMP)
Bacharel e Licenciado em Educação Física (FEF-UNICAMP)
Coordenador do curso de Educação Física das
Faculdades Integradas Módulo - Caraguatatuba - SP
Docente do curso de Educação Física do UNASP - Hortolândia - SP
ascaglia@terra.com.br
 
 
Prof. Dr. Roberto Rodrigues Paes
Professor Livre Docente em Educação Física (FEF-Unicamp)
Doutor em Metodologia do Ensino (FEF-Unicamp)
Mestre em Filosofia da Educação (Unimep)
Licenciado em Educação Física (FAEF-PUCC)
Diretor da Faculdade de Educação Física - Unicamp
robertopaes@fef.unicamp.br

Prof. Dr. Paulo César Montagner
Doutor em Educação Motora (FEF - Unicamp)
Mestre em Filosofia da Educação (Unimep)
Coordenador de Graduação Faculdade de Educação Física
pcesarm@fef.unicamp.br
 

 

 

 

 
Resumo
    O Jogo e o Judô são fenômenos sócio-culturais, componentes da complexa teia de relações humanas. A Pesquisa de Campo foi realizada no começo de 2005, se constituindo pela totalidade dos responsáveis pela modalidade filiados a Federação Paulista na região de Campinas. No processo docente, o professor pode construir junto às crianças, especialistas em Jogo, uma percepção diferenciada, que permita "enxergar" o Jogo do Judô, "ler" a luta de maneira diferenciada. Encontramos a presença do Jogo através do instrumento de escala atitudinal, porém ele ainda representa um MEIO e não um FIM. O Jogar pode ser um aspecto, uma percepção, um significado atribuído ao Judô, o Jogo como fim pode representar a busca pela equidade nas relações sociais, o deixar de ser peça para ser Jogador.
    Unitermos: Esporte. Jogo. Judô.
 
Resumen
    El Juego y el Judo son fenómenos socio-culturales. Esta investigación de campo fue realizada a comienzos de 2005, y se incluyó a la totalidad de los responsables de la modalidad afiliados la Federación Paulista en la región de Campinas. En el proceso docente, el profesor puede construir junto a los niños, especialistas en Juego, una percepción diferenciada, que permita "ver" el Juego del Judo, "leer" la lucha de manera diferenciada. Encontramos la presencia del Juego a través del instrumento de escala actitudinal, sin embargo él aún representa un MEDIO y no un FIN. El Jugar puede ser un aspecto, una percepción, un significado atribuido al Judo, el Juego como fin puede representar la búsqueda por la equidad en las relaciones sociales, el dejar de ser una pieza para ser Jugador.
    Palabras clave: Deporte. Juego. Judo.
 
Abstract
    The Game and the Judo are cultural phenomena. The Research was accomplished at the beginning of 2005, constituting the totality of the responsible for the modality in the Federação Paulista in the Campinas's region. In the educational process, teacher's can build with the children, specialists in Game, a differentiated perception, that allows to "see" the Game of the Judo, to "read" the fight in a differentiated way. We found the presence of the Game through the instrument of "atitudinal scale", however he still represents a MIDDLE and no an END. Playing can be an aspect, a perception, a meaning attributed to the Judo, the Game as end can represent the search for the justness in the social relationships, leaving of being Piece to be Player.
    Keywords: Sport. Game. Judo.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 92 - Enero de 2006

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Introdução

    O Judô e o Jogo enquanto fenômenos sociais são os focos principais deste estudo. Personagens como crianças, dirigentes, árbitros, técnicos, pais, professores, são assim elementos que constituem esses fenômenos dentro do ambiente sócio-cultural brasileiro.

    O Jogo é para Freire, J. (2002) um fenômeno complexo, assim estudos que o fragmentaram para o entender não traduzem a realidade ao somar as partes, uma vez que em fenômenos dessa natureza a soma das partes nem sempre traduzem o todo. Ao estudarmos o Jogo devemos entender que sua complexidade está nas partes, no todo, e nas inter-relações entre as partes e parte e todo. Segundo Morin (1995) a parte é menor que o todo, pois, ao olharmos a parte perdemos de vista do todo, o todo é menor que a parte, pois ao olharmos o todo perdemos de vista as partes e a soma das partes também é menor que o todo, existem ainda as inter-relações entre as partes e entre parte e todo. Para Daolio (2002) a Educação Física também foi refém dos paradigmas cientificistas, preso a um modo positivista de fazer ciência.

    Jogo é um fenômeno que aparece em diferentes ambientes sociais com diferentes "personagens", estudaremos as crianças como "jogadores", ainda que possam ser atribuídos outros significados à palavra e que a idade cronológica possa não traduzir a realidade maturacional - seja do ponto de vista biológico, afetivo, social, ou qualquer outro "olhar" que possa se dar ao ser humano - o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) defini criança como o indivíduo menor de dez anos. Para Freire, J. (1989) a criança é um especialista em jogo, autor coloca ainda em outra obra (2002) que ao contrário de outros animais o ser humano nasce com seu desenvolvimento incompleto, nasce assim carente, para este autor brincar é uma evidência tão gritante que chega mesmo a ser difícil flagrar uma criança deixada livre que não esteja brincando.

    Na criança as mudanças em decorrência do desenvolvimento são mais acentuadas (Tani et al, 1988), porém esse processo acontece ao longo de toda a vida, Freire, J. (2002) coloca que nos jovens é mais evidente o Jogo, este poderia ser uma habilidade particular de adaptação, não ao ambiente natural, mas ao ambiente cultural, nossa segunda mãe.

    Dentro deste mesmo ambiente sócio cultural em que "vemos" o Jogo podemos "olhar" para um outro fenômeno: O Judô. Cazetto (2004) ao investigar o Judô da/na infância constatou a presença do Jogo nas aulas de Judô.

    O Judô se constitui de um elemento de múltiplos significados da cultura corporal brasileira. Sua origem se dá no Japão em 1882, sob principal influência de Jigoro Kano, de lá se espalhou pelo mundo, em especial nos moldes esportivos (CAZETTO, 2004).

    Os fenômenos sócio-culturais que podemos observar hoje têm sua história, não surgiram do nada, mas sim dentro de um momento histórico, sobre influências, políticas, culturais, e sociais. No momento histórico em que o Judô foi idealizado a partir do Jiu-Jitsu, o Japão passava pela Era Meiji.

    A abertura dos portos japoneses em 1865 provocou intensas transformações do ponto de vista político-social, marcando a era "Meiji", quando foi abolido o sistema feudal, com rejeição da cultura e das instituições antiquadas, introduzindo-se os conhecimentos dos países ocidentais, ocorrendo acentuado declínio das artes marciais, em completo desuso no país. O Jiu-Jitsu não foi exceção, pois as escolas ficaram privadas das subvenções dos clãs e, ainda a modernização das forças armadas levaram essa arte marcial a ser considerada parte do passado e em total decadência. (FEDERAÇÃO PAULISTA DE JUDÔ, 2005).

    A manifestação esportiva, ou seja, a criação de uma modalidade, que mais tarde se tornaria olímpica, somado a uniformização e difusão do Método Kano de Jiu-Jitsu propiciou que o Judô se espalha-se pelo mundo. A esportivização do Judô trás por um lado a possibilidade de intercâmbios internacionais, a re-significação da arte marcial, e a possibilidade de Esporte Espetáculo. Por outro lado ao esquecermos que o Judô não é sinônimo de modalidade esportiva podemos deixar de trabalhar o Judô na sua integralidade. O esporte deve ser mais um dos significados do Judô, e não o único. (CAZETTO, 2004).

    O fenômeno esporte é uma representação simbólica da vida, de natureza educacional, podendo mover no praticante modificações tanto na compreensão de valores como de costume e modo de comportamento, interferindo no desenvolvimento individual, aproximando pessoas que tem, neste fenômeno, um meio para estabelecer e manter um melhor relacionamento social. (PAES, 1998 apud BALBINO E PAES, 2005). Ainda que haja inúmeras críticas ao fenômeno esportivo, que este possa ser considerado um instrumento reacionário da classe dominante ou um aparelho ideológico do Estado, servindo de compensação na sociedade capitalista (PRONI, 2002), o esporte é o que fazemos dele, parafraseando Damatta cada sociedade tem o Judô que merece (1982), o autor coloca que o esporte faz parte da sociedade tanto quanto a sociedade faz parte do esporte, suas relações são como duas faces da mesma moeda e não como o telhado e o alicerce de uma casa. Devemos ainda lembrar que a manifestação esportiva não deve excluir os outros possíveis significados do fenômeno sócio-cultural Judô.

[...] o Judô é uma prática de múltiplos significados, sendo que a prática esportiva é importante e relevante para o desenvolvimento global do indivíduo, no entanto os outros possíveis significados devem ter igual relevância num processo de desenvolvimento global. Entendemos que a prática de significados diferentes para o Judô, tais como a defesa pessoal ou o jogo, devem constar de um projeto pedagógico que vise desenvolver o ser humano integralmente, além disso, contribui para que os indivíduos não se especializem precocemente, experimentando assim maior número de possibilidades mesmo dentro de uma mesma manifestação da cultura corporal. (CAZETTO, 2004).

    Entendemos assim que os conteúdos da cultura corporal não são por si só, não estão soltos no universo, mas sim estão dentro de um momento histórico, em algum ambiente sócio-cultural, são assim o que nós em sociedade fazemos dele, dependem de como são trabalhados. Nesta ótica cabe entender quais as influências que o esporte e por conseqüência o Judô vem sofrendo.

    Uma questão a ser colocada são as principais correntes da Educação Física, Soares (1996) coloca que a partir de 1940 o pensamento da Educação Física tem predomínio esportivo. E que dos anos 70 até os dias de hoje temos o movimento da Psicomotricidade, que se preocupa com as questões ligadas às condutas motoras. A partir de 80 a predominância biológica passa a ser questionada (DAOLIO, 2002). Nesta década, também, começa a ser discutida a importância da construção do gesto junto ao aluno (PAES E BALBINO, 2005).

    Outra questão a ser levantada é a Corrente Tecnicista na Educação Nacional. Ao falar sobre a Pedagogia Tecnicista, Kuenzer e Machado (1986) colocam que esse sistema representa a racionalização do sistema de ensino em todas suas formas e níveis, tendo em vista sua "eficiência", medida por critérios internos de economia de recursos escassos, e sua eficácia medida pela adequação de seu produto às necessidades do modelo de desenvolvimento vigente. O autor coloca ainda que o modelo é a absorção do sistema empresarial pelo sistema educacional, assim a racionalização visa uma maior produção. Este discurso desenvolvimentista do fim da década de 60 "vê" a Escola como um meio necessário para o desenvolvimento econômico com segurança, seguindo a lógica da ideologia chefe do Estado Revolucionário. Tal modelo visa à preparação de mão-de-obra e não de seres humanos.

    O ensino centrado na técnica, na ideologia do homem máquina, também chegou a Educação Física, dentro e fora do ensino formal, Paes e Balbino (2005) colocam que no basquete num passado recente a iniciação esportiva tinha como foco principal o gesto técnico específico, os fundamentos da modalidade eram ensinados através das "seqüências pedagógicas". Os gestos eram decompostos e treinados através de inúmeras repetições. No Judô o gesto é decomposto e treinado por repetições, como previa o método Kano, através do uchi-komi e do naguiai (VIRGILIO, 1994), Franchine (2001) também cita essas atividades em sua obra, coloca também que é necessária uma abordagem cinemática e cinética para a melhoria do "desempenho" e da "eficiência mecânica". Fica clara aqui a idéia de rendimento, o Judô não é o Judô possível, da criança, mas a busca pela melhoria do rendimento.

    Bayer (1994), se referindo ao método sueco, coloca que exercícios de cunho analítico foram extremamente utilizados na década de 50, os "exercícios educativos", elementos afastados do contexto da realidade deveriam favorecer a aquisição de determinado gesto. Tais exercícios, não viam a Educação como uma busca de autonomia, como aquisição de ferramentas para o convívio social, mas sim o "adestramento" do gesto técnico. A seleção se dá por um modelo distante, seja por tempos mais baixos, por movimentos mais próximos da perfeição biomecânica, ou qualquer outra realidade distante dos iniciantes. Assim seus corpos e movimentos começam a partir do momento de seu ingresso na atividade a serem moldados, esculpidos segundo o modelo futuro. Daolio cita um momento histórico que reflete uma visão de lapidação do movimento:

[...] Considerava-se técnico aquele movimento preciso, econômico, correto, quase sempre imitativo dos movimentos de atletas de esporte de alto rendimento. Por oposição, os outros movimentos são tidos como não técnicos, errôneos, espontâneos, naturais, merecendo, por parte da Educação Física tradicional, intervenção no sentido de corrigi-los, aperfeiçoá-los e padronizá-los [...] (DAOLIO, 2002, p. 10).

    A influência do alto-nível pode gerar incoerências no trabalho com os iniciantes, preferimos entender que o iniciante tem características próprias que fazem com que para ele o jogo e tudo que o cerca, tomem características peculiares. Daolio (2002) apoiado em Marcel Mauss (Antropólogo francês que viveu entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX) coloca que técnica corporal como maneira pelas quais os homens de forma tradicional e específica, utilizam seus corpos. Assim, todo gesto corporal pode ser considerado uma técnica, pois atende aos critérios de tradição e eficácia. O gesto deixa de ser somente aquele do esporte de alto-nível1, ou do esporte espetáculo, para ser aquele que serve de resolução de problemas de maneira coerente com o entendimento do iniciante. Lembramos ainda que podem existir mais de uma maneira de resolver os mesmo problemas, as próprias modalidades poderiam se articular para incluir e não para excluir. Dessa maneira cabe questionar o Jogo como possibilidade de mudança social, Lino de Macedo ao apresentar o livro de João Freire Jogo entre o riso e o choro coloca:

"....só podemos ser, muitas vezes, peças de um tabuleiro muito injusto e desigual. Mas, se somos peças, não podemos também ser jogadores e, quem sabe, reivindicar regras e desafios para os quais temos também, pelas nossas qualidades e pela eqüidade das relações em jogo, ter chances de jogar e talvez ganhar? Por que é o lado terrível de nossa sociedade, tão consumista, individualista e insensata: somos peças e não podemos jogar, apenas ser jogados; e se conquistamos o direito de ser jogadores, as regras, as metas e as condições não são claras e são reformuladas segundo interesses que desequilibram o jogo em favor de outra parte." (MACEDO, 2002, p.2 e 3).

    Neste sentido o jogar passa a ser um fim, um conteúdo possível nas aulas de Judô e na sua relação dialética com a sociedade podendo se tornar um instrumento de liberdade.

[...] O ser humano se diferencia dos outros animais pelo fato de ter um tele-encéfalo altamente desenvolvido, pelo polegar opositor e por ser livre. Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda. [...] (FURTADO, 1989).

    Lembrando que nossos alunos não são peças a serem lapidadas no nosso jogo de vaidades no universo competitivo, no jogo social do poder e do dinheiro, mas sim jogadores livres a serem antes do que treinados, educados, num processo que os leve a autonomia.

    Quando o Jogo começa o Jogador para de pensar e começa a jogar (JAKSON, 1999). Seria então um momento em que deixamos de pensar no passado ou no futuro para viver o momento presente, paramos de viver nas partes para viver integrados ao todo, não somos apenas pensamento, a mente deixa de ser vista como proprietária do corpo, deixamos de ter, passamos a ser, ser corpo, mente, emoção, tudo num só e de uma vez só. O jogo tem ainda uma característica individual, "[...] é aquilo que minha percepção diz que é Jogo (Freire, J., 2002). Segundo Freire, P. (1998), quem ensina, ensina para alguém. As aulas de Judô deixariam de ser aulas por si só mas sim seriam uma construção, um jogo, não apenas na percepção do professor mas sim na percepção dos jogadores, os alunos.

    O professor não deixa de ter sua importância, como coloca Araújo (2003) ele tem seu papel dentro da construção democrática, os conteúdos construídos historicamente, terão seu espaço, entre eles a Técnica, porém não serão mais importantes que os alunos. Parafraseando Freire, J. (2002) O Jogo do Judô é uma coisa nova feita de coisas velhas.

    Por fim tendo em vista a importância do Jogo para a criança nosso objetivo foi investigar as percepções do fenômeno social Jogo, dos responsáveis pelo Judô.


Materiais e Métodos

    Extraído e adaptado de Ritz (2000):


Definições

Dimensão - aspecto ou fator considerado importante para uma determinada análise que, no caso, é aquele utilizado para se avaliar a percepção do fenômeno Jogo pelos responsáveis das agremiações.

Asserção - Afirmação feita sobre determinada dimensão, podendo ser positiva ou negativa. Instrumento - Meio utilizado para coleta de dados sobre o assunto pesquisado, envolvendo pagina de rosto, onde são dadas as instruções para o respondente; corpo, no qual pulverizam-se as varias asserções envolvendo as dimensões pesquisadas com escala possível de respostas.

Universo de respostas - são as possíveis respostas que o respondente pode escolher. Neste caso são quatro: Concordo Plenamente (CP), Inclinado a Concordar (IC), Inclinado a Discordar (ID) e Discordo Plenamente (DP). Deliberadamente excluímos a opção indiferente da escala, conduzindo um posicionamento positivo, ou negativo frente à asserção, evitando assim a tendência centrante.

    O instrumento de medição foi construído do tipo escala atitudinal (LIKERT, 1967) oferecendo um universo de respostas que abrangeu as possíveis percepções. Os respondentes tiveram todas as explicações necessárias que foram passadas tanto no rosto do instrumento quanto oralmente pelos pesquisadores. Usaram o tempo que julgaram necessário e foram orientados sobre a importância de se posicionar em todas as asserções. Nos dispomos a esclarecer eventuais dúvidas. Outro detalhe importante é o fato deles sentirem que tem o sigilo garantido no processo (protegemos os dados em envelopes).

    Adaptamos às necessidades da pesquisa os seguintes passos sugeridos por Ritz (2000) na construção do instrumento:

  1. Definir as dimensões consideradas.

  2. Criamos três ou mais asserções positivas ou negativas para cada dimensão.

  3. Entrevistamos profissionais na área e possíveis respondentes para verificar a adequação das asserções com relação à linguagem do instrumento.

  4. Reescrevemos as asserções.

  5. Entrevistamos profissionais na área e possíveis respondentes para verificar a adequação das asserções com relação à linguagem do instrumento.

  6. Reescrevemos as asserções novamente.

  7. Mesclamos as asserções aleatoriamente para não induzir respostas.

  8. Aplicamos o instrumento.

  9. Análise da Validade das Asserções

    A análise da validade das asserções visa assegurar que: a) houve dispersão mínima de respostas entre os respondentes em relação à escala atitudinal proposta e b) existe consistência entre pontuação baixa na asserção e pontuação baixa na dimensão e vice-versa.

    Associa-se à escala atitudinal de concordância plena à discordância plena, com termos intermediários, inclinado a concordar e inclinado a discordar, uma escala numérica de intervalo constante, que neste caso foi de 4, 3, 2 e 1 ou 1, 2, 3 e 4 dependendo do fato da asserção ser positiva ou negativa, visando possibilitar a aplicação de estatística paramétrica, cálculo de médias.


Cálculo de médias

Média das Asserções: Calcula-se a média das asserções, somando-se as pontuações obtidas em cada asserção validada e dividindo pelo total de respondentes.

Média das Dimensões: A media das dimensões é a média das médias das asserções validadas que compõem a dimensão.


Construção e interpretação gráfica

    Os gráficos aqui apresentados nos mostram as médias atitudinais distribuídas por intervalos. Como as pontuações das asserções, neste caso, podem assumir valores de 1 a 4, achamos razoável dividir o gráfico em 3 áreas, que passaremos a chamar de zonas. Com duas zonas de pontuações próximas dos extremos e uma zona de pontuação intermediaria, desta maneira temos:


Intervalo das médias

1,00-1,99 e 3,00 - 4,00 Zonas Conclusiva
2,00-2,99 Zona Inconclusiva


Aplicação do método

    Foi desenvolvido um instrumento fechado de pesquisa do tipo escala atitudinal (LIKERT, 1967), considerando as dimensões relevantes para avaliar a percepção do fenômeno jogo pelos responsáveis das agremiações, que foi aplicado em uma amostra da população alvo.

    Para cada dimensão, foram feitas 3 ou mais asserções visando varrer o continuo compreendido por dimensão.

Validação do instrumento

    O instrumento quantitativo utilizado foi analisado quanto à validade de conteúdo e de asserção.

Validade de Conteúdo: Uma proposta inicial do instrumento foi construída, levando em conta entrevistas feitas com alguns professores. As instruções, conteúdo e formato foram discutidos com professores da área da pesquisa no sentido de esclarecer se as asserções eram: necessárias, concretas, dúbias, específica, mal compreendidas, possuíam fraseologia difícil e adequada aos respondentes. As modificações sugeridas foram estudas, discutidas e executadas.

Validade da Asserção: Esta análise visa depurar o instrumento de asserções óbvias ou que não oferecem possibilidade de se varrer toda a gama de possibilidades de respostas oferecida pela escala adotada para o instrumento. Primeiramente procedemos à análise de um pequeno grupo piloto selecionado por acessibilidade, para termos um entendimento mais claro sobre o conteúdo do instrumento.


Resultados e discussão

Descrição da amostra

    A amostra foi constituída de cada representante de cada agremiação da 15a Delegacia de Judô - Grande Campinas. Todas as agremiações da região filiadas a Federação Paulista compareceram a reunião e colaboram com a pesquisa respondendo ao instrumento, nenhum representante se recusou a responder.

    O critério para exclusão dos questionários dos resultados por nós descritos foi retirado de Ritz (2000): obter mais de 10% de questões não respondidas ou invalidas. Todos os questionários satisfizeram o critério adotado

    Embora uma agremiação possa ter mais de um professor e mais pessoas envolvidas com o processo pedagógico e que haja locais, de prática do Judô, não filiados a Federação, os dados se tornam representativos uma vez que provém dos responsáveis pelas agremiações que participam do quadro competitivo oficial dentro da região. A competição tem sua importância atribuída pelas pessoas em sociedade dentro de um imaginário popular, cabendo assim ser estudada.

    A média de idade dos participantes foi 44 anos, o tempo de docência médio foi de 18 anos, sendo a maioria do sexo masculino (93,1% masculino; 3,5% feminino; 3,5% não responderam). Dentre os entrevistados 55% respondeu não ser formado em Educação Física, 38% afirmou ser formado e 7% não respondeu está questão.


Presença de jogos e brincadeiras nas aulas dos entrevistados

    Observando o valor médio das asserções (1,28) percebemos claramente que os professores concordam que Jogos e Brincadeiras se fazem presentes em suas aulas. Em outra dimensão, ao avaliarmos como eram as aulas dos senseis (professores) dos atuais responsáveis não conseguimos constatar a presença de Jogos e Brincadeiras (Média = 2,9 - sendo que "um" representa o Jogo presente e "quatro" ausente). Isto poderia indicar que a presença do Jogo tem aumentado através dos anos.

    Poderíamos nos questionar se os professores mais velhos estariam mais ligados às aulas tradicionais, as quais segundo a concepção dos entrevistados tinham estatisticamente menos Jogos e Brincadeiras do que nas suas aulas (p < 0,05). No entanto ao dividirmos o grupo em dois segundo o critério de idade colocando num primeiro grupos 50% dos indivíduos mais jovens e no segundo os outros 50% mais velhos e comparando a pontuação de cada grupo não encontramos diferença significativa entre os grupos (p > 0,05), não podemos assim afirmar que a presença deste conteúdo ou estratégia pedagógica é exclusividade ou mesmo que está mais presente nas aulas dos mais jovens, mas sim relacionado com o momento histórico, ou seja, mas recentemente, independente da idade dos professores os Jogos e Brincadeiras vem se fazendo mais presentes (segundo a percepção dos professores em relação às aulas atuais em geral e as suas próprias com relação às aulas que eles assistiram).

    Cabe observar que numa visão mais ampla de Jogo Handori (treino livre) pode ser considerado um Jogo, os Katas (Formas) poderiam ser considerados Jogos de representação, neste estudo não procuramos detectar ou avaliar as concepções de Jogos e Brincadeiras, mas sim a presença deles segundo a concepção de cada professor, ou seja, o caráter dado à essas atividades não foram entendidos (percebidos) pelos professores como Jogos ou Brincadeiras. Ao discordarem da presença de Jogos e Brincadeiras e concordarem com o Método Tradicional podemos tomar como indicativo que os Handoris e os Katas não foram considerados como Jogos.

    Avaliamos ainda a "imagem" que os professores possuem das aulas de Judô em geral, ou seja, de seus colegas de trabalho, percebe-se que os professores tendem a acreditar que os Jogos e Brincadeiras então mais presentes hoje no Judô (Intensidade = 2, sendo que "um" representa o Jogo presente e "quatro" ausente) do que nas aulas de seus professores (2,9), porém o valor encontrado é menor do que na percepção de suas próprias aulas (1,28). Os jogos e brincadeiras como meio para

    Abaixo discutiremos três dimensões que visam avaliar a atitude dos professores com relação aos Jogos e Brincadeiras como um meio.

    Observando o valor médio das asserções (1,32) percebemos claramente que os professores concordam que Jogos e Brincadeiras são um MEIO para motivar2 os alunos nas suas aulas.


Preparação física

    Observando o valor médio das asserções (1,56) percebemos claramente que os Jogos e Brincadeiras também são vistos como um MEIO para a preparação física, todas as asserções apresentam pontuação significativa, sendo a menor, a na negativa.

    No entanto na dimensão que avaliamos o Jogo como meio para a preparação técnica a intensidade alcançada foi menos significativa (2,11; sendo "um" Jogo como meio para a Preparação Técnica e "quatro" não é meio). Poderíamos nos indagar os motivos da pontuação da técnica seja menor do que o da preparação física e ainda menor que o da motivação. Indagaríamos: só o Método Tradicional seria legitimo para a preparação técnica? Modificações poderiam ser colocadas para motivar ou para que as crianças se empenhassem mais nos exercícios, porém jamais mexendo na tradição técnica da modalidade ou a prejudicando?

    Indagamos ainda sobre a possibilidade dos Jogos e Brincadeiras como um fim, como objetivo das aulas, porém a pontuação alcançada é baixa (2,30; sendo "um" para o Jogo é um fim e "quatro" para não é um fim). Se brincar e jogar é a especialidade das crianças por que este conteúdo não pode estar no Judô? Seria o Jogo incoerente com as Tradições? Seria o método mais importante que os alunos? Seria o método tão perfeito que não poderia ser modificado?

    A importância do método versus a importância do aluno

     Ao observarmos a média das asserções (1,63) percebemos claramente que o método é considerado mais importante que as questões individuais de cada aluno. A Asserção que recebe a menor pontuação é aquela que pondera modificações no método de acordo com o aluno. Percebe-se claramente o valor atribuído à tradição, neste caso específico ao método.

     Para onde iriam então os alunos para os quais o método não fosse adequado, teriam que se adequar? Ou então teriam que abandonar o Judô? O Judô, visto nesta perspectiva deixa de ser educacional para se tornar um método de "seleção".


A importância atribuída à técnica

     Ao observarmos a média das asserções (1,78) percebemos claramente que a técnica ao ser avaliada isoladamente é claramente considerada um conteúdo importante pelos responsáveis.

    Ao construirmos um gráfico com as dimensões (física, técnica, tática e outras) consideradas mais importantes pelos responsáveis, chegamos à essa distribuição. A técnica notadamente é colocada à frente da tática e da preparação física. Ainda que não fosse a intenção dessa questão podemos notar através da abertura deixada na questão que alguns professores colocam outros conteúdos além dessa visão, até mesmo antes da técnica. Surgem sugestões como educação, preparação psicológica, etc. Idéia de preparação para o futuro

    Ao observarmos a média das asserções (1,35) percebemos claramente a idéia de preparação para o futuro, fica claro que preparar é algo presente nas aulas de Judô, o futuro se torna o alvo. Mesmo as asserções que utilizam palavras como "exclusivamente", ou "primordialmente" alcançam a pontuação.

    Ao aliarmos a importância atribuída a técnica à idéia de se preparar para o futuro poderíamos nos indagar se essa importância não seria influência do mito do atleta ou pelo método dos adultos? Seria esse método adequado às crianças?


Considerações finais

     O Jogo está presente, mas ainda é visto como meio no Judô e não como um caráter que pode ser dado às atividades, um fim, uma habilidade do ser humano para adaptar-se ao ambiente cultural, um conteúdo da Educação Física. Ainda que o Jogo possa ser um MEIO, devemos entender que centrando nossas ações pedagógicas na TÉCNICA, na PREPARAÇÃO PARA O FUTURO, e no MÉTODO, ao invés de entender que o processo pedagógico é uma ação longitudinal construída a cada dia nas inter-relações entre os alunos, professores e demais elementos do TODO educacional, estaremos ainda na lógica TECNICISTA, que vê homens como máquinas, traduzindo a lógica empresarial para o sistema educacional. Nos depararíamos com um TECNICISMO DE CARA NOVA, os velhos objetivos agora com um "embrulho" novo.

    A população escolhida participa do quadro competitivo, o que pode influenciar os resultados, outros significados podem ser atribuídos por professores que não integram o quadro de competições, no entanto a importância atribuída pela sociedade ao esporte torna a pesquisa relevante, fazem-se necessários estudos científicos e modelos coerentes com a infância para uma melhor compreensão do fenômeno competitivo.

     A idéia de preparação para o futuro remonta aulas que não tem seu foco na criança, a técnica, as tradições, o método são colocados antes do momento e das necessidades no presente da criança. O Judô deixa de ser assim para se fazer, deixa de ser prazeroso, e se torna um meio de preparação, nesta perspectiva cabe investigar se os campeonatos nesta fase são para se ver ou para se fazer, o Judô é da infância ou simplesmente está na infância. De encontro com isso temos a colocação de Malina e Bouchard (2002): muitos jovens abandonam o esporte na medida em que o nível de competição torna-se mais difícil e necessária maior habilidade. As modalidades deixam assim de pensar na possibilidade, na inclusão, passam a ser seletivas, deixam de ser para se fazer, rumam ao esporte mercadoria e mercador, o esporte espetáculo massacraria assim o esporte da criança.

    São necessário mais estudos, sejam de natureza quantitativa ou qualitativa, para um melhor entendimento dos fenômenos sociais Jogo e Judô, ainda que a literatura tenha intensas discussões filosóficas, são necessárias pesquisas de campo a fim de investigar a realidade do fenômeno Jogo.

    Neste estudo encontramos indicativos que mostram que a influência do momento histórico sobre as aulas dos professores. Outras influências, tais como a maneira como os professores aprenderam a modalidade podem influenciar sua prática docente, na busca por uma construção de uma sociedade mais justa o professor precisa exercitar sua autocritica, pensar e repensar suas ações. Sugerimos uma palavra EMPATIA, parece que ao nos tornarmos adultos esquecemos de quando éramos crianças, ao nos tornarmos experientes esquecemos de quando éramos iniciantes, assim o processo de ensino-aprendizagem parte de alguém que já sabe, o professor, e não de quem não sabe ainda, o aluno.

    Em síntese devemos repensar os seguintes paradigmas para re-construir a realidade da iniciação esportiva: paradigma do rendimento, paradigma da preparação, paradigma cartesiano.


Notas:

  1. Aqui utilizamos o termo "Esporte de alto-nível" como sinônimo do Esporte praticado normalmente pelos adultos com natureza profissional ou semiprofissional, visando o rendimento, a quebra de recordes, o lucro. Em oposição ao Esporte da Infância, praticado como patrimônio cultural ou com natureza educacional. Este termo não é utilizado aqui com o sentido de menor ou maior qualidade, o Esporte deve ser sempre de alto-nível, de alta qualidade, seja para as crianças, para a educação, para os idosos, ou para qualquer outro grupo. Deve ainda, ser de alto-nível não apenas no rendimento, na técnica, ou no físico, mas sim em todos os aspetos que contemplem o ser humano em sua integralidade.

  2. Motivação: "A motivação pode ser definida como a totalidade daqueles fatores, que determinam a atualização de formas de comportamento dirigido a um determinado objetivo."(SAMULSKI, 2002, p.103). Motivação pode ser definida como a direção e a intensidade de nossos esforços (SAGE, 1977 apud WEINBERG E GOULD, 2001).


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