Controle de peso corporal x desidratação de atletas profissionais de futebol |
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*Nutricionista, Especialista em Gerontologia, Fisiologia do Exercício e Nutrição Desportiva (Avaí Futebol Clube) **Educadora Física e Mestre em Ergonomia Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (Brasil) |
Adriana Salum* adrisalum@terra.com.br Rafaela Liberali Fiamoncini** rafascampeche@ig.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 92 - Enero de 2006 |
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Introdução
Hoje o futebol é o mais popular esporte da Terra, graças ao seu fascínio, à facilidade de poder ser praticado em pequenos espaços e ao baixo custo do material, pois, uma simples bola feita de meia velha, recheada de papel, jogada por pés descalços, exercita, diverte e socializa uma coletividade. Atualmente, é uma atividade extremamente profissional, que movimenta altas somas de dinheiro e propiciam o sustento de uma infinidade de profissionais dos mais diferentes segmentos da sociedade-dirigentes, empresários, médicos, professores, nutricionistas, treinadores, atletas e outros1.
O tempo máximo de um jogo de futebol é de 90min. Estudos sugerem que a bola em jogo é de 60min. À distância percorrida em média por jogo é de 10km. A intensidade divide-se em andar (25% da distância total), trotar (37%), piques (11%), deslocar para trás (6%) e 20% de corrida submáxima 2.
Apesar da discrepância de vários estudos sobre a distância percorrida em jogo por posição de jogador, conclui-se que: os meio-campistas são os que percorrem maior porcentagem da distância total na forma de trote; os atacantes são os que percorrem maior distância na forma de sprints (10%); os jogadores de defesa são os que mais realizam deslocamentos laterais e de costas; e por fim, de longe a maior proporção de movimento em todas as posições são aquelas realizadas em velocidades baixas 3.
A freqüência cardíaca (FC), em jogo é superior a 150bpm, com taxas de 85% do consumo máximo de oxigênio em dois terços do jogo. Dada a natureza do jogo, isso corresponde a 80% do VO2máx. A freqüência cardíaca de 80% do VO2máx pode ser explicado porque o exercício intermitente, no caso do futebol, leva em demasia a temperatura retal em contribuição anaeróbia 2.
Os jogadores de futebol têm boa, porém não excelente condição aeróbia, pois apresentam como padrão de VO2máx 55 a 65 ml/kg/min. Valores em torno de 60 ml/kg/min são apenas 10 ml/kg/min a mais que a média da população e 10 ml/kg/min a menos que atletas de endurance3. Segundo o mesmo autor, a produção de energia proveniente do sistema aeróbio parece suprir 80-90% da demanda energética durante uma partida de futebol. Portanto, é extremamente recomendado tornar o sistema oxidativo-aeróbio mais eficiente através do aperfeiçoamento do treinamento.
Os requerimentos anaeróbios, ao contrário do aeróbio, são difíceis de serem mensurados. O indicador mais comum utilizado é o nível de lactato. Pelo fato de 10% da distância total coberta durante uma partida de futebol ser percorridas em velocidades máximas, sprints, saltos e chutes, sugere-se que a contribuição do sistema energético seja creatina fosfato3.
Em função do futebol apresentar momentos de alta e de baixa intensidade, a liberação de energia pode vir tanto das gorduras como dos carboidratos. Aproximadamente 67% são do total do glicogênio muscular são depletados no primeiro tempo e 85% ou mais são utilizados2-4
Com o aumento da atividade muscular ocorre um aumento da produção de calor no organismo, que é eliminado em parte, pelo suor5. A taxa de suor de um atleta irá depender de algumas variáveis como superfície corporal, intensidade do exercício, temperatura ambiente, umidade e aclimatação6. A partir daí, tenta-se compreender os desafios impostos pelo calor e umidade ambientais bem como os meios apropriados de reduzir os efeitos adversos do estresse térmico sobre a saúde e a segurança dos participantes e dos espectadores7.
A transpiração (suor) é uma resposta fisiológica normal e importantíssima que tenta limitar o aumento da temperatura central colocando água na pele para sua evaporação. Entretanto se esta perda de líquido não é compensada com a ingestão de fluidos, ocorrerá um processo de desidratação, com conseqüente deterioração da regulação da temperatura, do rendimento e possivelmente da saúde8. A importância de assegurar a ingestão adequada de líquidos, tanto quanto o equilíbrio eletrolítico, pode garantir a performance e reduzir os riscos de problemas associados ao calor9.
Uma pessoa está bem hidratada quando tem suficiente água em seu corpo para cumprir com todas suas funções fisiológicas8. O estado normal de hidratação, apresenta ao longo do dia pequenas variações, decorrentes das condições de temperatura e da atividade realizada10. Quando a temperatura e a umidade do ambiente estão altas, a capacidade de manter a atividade física é reduzida11. Nessa situação o processo de desidratação e sua influência sobre os mecanismos de termorregulação é um importante fator determinante da fadiga.
A combinação da atividade física e do estresse do calor impõe um desafio significativo para o sistema cardiovascular. Sempre que líquidos forem perdidos através do suor mais rapidamente do que são repostos, a pessoa estará em um processo de desidratação. A hipohidratação (baixo nível de liquido corporal), tem um impacto progressivamente negativo no desempenho ao exercício, efeito potenciador na redução da potência aeróbia máxima e o tempo de fadiga em intensidade sub-máximas também fica mais curto12-13
Os atletas devem iniciar os exercícios bem hidratados. A ingestão de uma grande quantidade de líquidos antes do exercício levando a um estado de hiperhidratação protege contra o estresse térmico, porque retarda a desidratação, aumenta a transpiração durante o exercício e minimiza a elevação da temperatura central, contribuindo para um melhor desempenho5.
O presente trabalho busca acrescentar à literatura dados adicionais sobre hidratação em situação esportivas, conhecendo as reações de adaptações metabólicas do organismo humano, especialmente do jogador profissional de futebol.
No exercício físico, a redução do peso corporal, em grande parte, é devido à perda de água (desidratação), sendo de extrema importância sua monitoração diária, buscando a recuperação desse peso, através de uma reposição hídrica adequada14. Altas temperaturas e a grande umidade relativa do ar, podem causar problemas que vão desde a desidratação, intermação e até a morte. Sabendo que atletas não costumam hidratarem-se corretamente, vê-se a necessidade de esclarecer alguns pontos e buscar estratégias adequadas para uma melhor hidratação em jogadores de futebol profissional.
Existem evidências que os habitantes das regiões tropicais têm uma maior tolerância à ambientes com estresse pelo calor, devido aos seus níveis de aclimatação. A aclimatação é um conjunto de adaptações fisiológicas permitindo suportar um estresse maior ao calor ambiental, incluindo aumento da capacidade de sudorese, ajudando a minimizar o acúmulo de calor, um tempo maior de performance e diminuição do risco de doenças provocadas pelo calor12.
Este estudo teve como objetivo monitorar a perda de peso corporal de jogadores profissionais de futebol, por posições, antes e depois de uma carga de treinamento físico e técnico, para verificação do grau de desidratação.
Procedimentos metodológicosA pesquisa foi de caráter experimental, quantitativa, culminando numa proposta de intervenção, do tipo "antes e depois", onde foram analisadas as variáveis relacionadas ao peso corporal em jogadores profissionais de futebol, após carga de treinamento físico e técnico, em relação ao grau de desidratação. Na literatura encontram-se desenhos pré-experimentais como este, utilizando-se de amostras dependentes15.
População e amostraA amostra foi composta por jogadores profissionais de futebol de uma equipe profissional de Florianópolis/SC. Foram selecionados de forma intencional, por pertencerem a uma instituição desportiva profissional, por ser um clube onde há um programa de treinamento esportivo sistemático, assessorados por uma equipe multidisciplinar, entre eles: médico, preparador físico, técnico, nutricionista, etc.
Selecionou-se todos os 23 jogadores profissionais da equipe de futebol, com idade entre 19 e 31 anos, que participam dos treinamentos da equipe de profissionais de futebol do referido clube.
Obtenção dos dadosPara obtenção dos dados (peso corporal) utilizando-se balança Filizola digital, com grau de precisão de 50g, anotados os dados em folha individual. A sessão de treinamento programada para o dia da coleta (01/03/02) dos dados consistiu em exercícios, envolvendo a preparação física e técnica, realizada nas dependências do clube, no período da tarde, com duração total de 2 horas e 30 minutos. Os valores da temperatura ambiente e da umidade relativa do ar foram fornecidos pelo CLIMER (Centro de Estudos Metereológicos de SC), a temperatura estava em 32ºC e a umidade relativa do ar, em 71%.
Tratamento estatísticoO tratamento dos dados foram realizados através da estatística descritiva, utilizando o teste "t" de Student para variáveis dependentes, através do pareamento dos dados (oriundos de um procedimento tipo antes-e-depois), com o auxílio do pacote estatístico do Microsoft Excel 2000. Foi adotado p<0,05 como nível mínimo de significância. "Este teste "t" de dados pareados, serve para avaliar a significância das diferenças das médias de dois conjuntos de escores relacionados, tal como quando os sujeitos são medidos em duas ocasiões" 16.
Resultados e discussãoOs valores médios de peso corporal, encontrado entre os períodos pré e pós-carga de treinamento físico e técnico, apontaram para uma tendência de decréscimo dos valores, nas diferentes posições em que o jogador atua.
Tabela 1. Peso corporal do antes para o depois de uma carga de treinamento, dos jogadores profissionais de futebol.
p<0,05* x=média; e=erro padrão; s=desvio padrão; p=probabilidade de significância.A quantidade de suor produzida depende de diversos fatores, como o estresse ambiental (temperatura, umidade e radiação solar), a intensidade do exercício, o estágio de aclimatação ao calor e o preparo cardiorrespiratório. Alterações em qualquer um desses fatores tende a aumentar a produção de suor (Bergeron, 2001).
A tabela 2 mostra a diferença em porcentagem da perda corporal nas diferentes posições dos jogadores de futebol, do antes para o depois de uma carga de treinamento físico e técnico.
Tabela 2. Porcentagem da diferença entre o pré e o pós-carga de treinamento físico e técnico, no peso corporal.
Resposta fisiológica (diminuição)
Os dados acima mostram que em todas as posições, ocorreu tendência de diminuição nos valores do peso corporal do antes para o depois da carga de treinamento físico e técnico, dos jogadores profissionais de futebol. Usualmente utiliza-se a redução do peso corporal expressa em percentual para se quantificar o grau de desidratação correlacionando-se com seus efeitos (Marins, 1998).
Estes dados corroboram com estudos congêneres, em que também foram avaliados a perda de peso após treino de futebol e obtiveram um decréscimo de 200 a 400gr de peso corporal.
Conclusões
Obtiveram-se os seguintes resultados no presente trabalho:
Apenas o controle do peso corporal não é um bom indicador para avaliar o grau de desidratação de um atleta.
O grau de desidratação varia de acordo com a posição em que o jogador atua.
Apesar da temperatura e umidade do ar estarem elevadas, a diminuição do peso corporal não foram significativos do antes para o depois do treinamento.
Deve-se monitorar a quantidade de líquidos ingeridos durante e após o treinamento.
O peso total deve ser coletado imediatamente ao término do treinamento após o atleta ter urinado.
Os jogadores, independente da posição, obtiveram diferenças percentuais entre 0,76 a 1,78% do peso corporal, em relação do antes para o depois da carga de treinamento físico e técnico.
Sugere-se um trabalho de conscientização aos atletas e treinadores visando esclarecer e orientar a importância da hidratação, para uma melhor performance e a manutenção da saúde.
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