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Diferentes linguagens na educação física:
Projeto Hip Hop na Escola. Relato de experiência

   
Universidade Salgado de Oliveira
Fundação Municipal de Educação - Niterói/RJ
 
 
Profª. Ms. Soyane Vargas
soyane.vargas@zipmail.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    A dança é um tipo de atividade física que possibilita a expressão artística, a construção de conhecimento e a consciência crítica. Em relação à ação pedagógica, no contexto de uma educação voltada à sociedade multicultural, acreditamos na importância da valorização de modalidades de dança que estejam inseridas no 'seio' da comunidade. Não como simples forma de reprodução, mas como meio de reflexão e estímulo ao posicionamento crítico.
    A proposta de criação do Projeto Hip Hop em uma escola pública do município de Niterói/RJ teve como objetivo o desenvolvimento da dança, para incentivar a prática de atividades físicas, a promoção da saúde e a construção de conhecimento.
    O projeto atendeu a crianças de diversas faixas etárias, portadoras e não portadoras de deficiência física e mental.
    Unitermos: Dança de rua. Inclusão. Educação física escolar.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 90 - Noviembre de 2005

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Breve Histórico do Hip Hop

    Uma das primeiras manifestações do Hip Hop pela vertente da dança de rua (street dance) surgiram por volta de 1929, época de grande crise econômica nos Estados Unidos. Músicos e dançarinos que trabalhavam em cabarés haviam perdido seus empregos e foram para as ruas fazer seus shows.

    O Hip Hop (que significa literalmente saltar movimentando os quadris) é considerado uma espécie de cultura e/ou movimento formado pelos seguintes elementos: O RAP, o Graffiti e o Break. Para muitos é um estilo de vida, com linguagem própria.

    O RAP - Rhythm and Poetry (ritmo e poesia) é a expressão musical-verbal da cultura. Tem sua origem na Jamaica, por volta de 1960, onde a população dos guetos, com poucas opções de lazer, ia para as ruas e ouvia músicas em sound systems (sistemas de som). Enquanto as músicas tocavam, uma espécie de mestre de cerimônia (MC) discursava sobre as carências da população, os problemas econômicos e a violência nas favelas.

    Na década de 70, muitos jamaicanos migraram da ilha do Caribe para países americanos, dentre eles os Estados Unidos. Nos guetos de Nova York, o MC Kool Herc foi um dos principais responsáveis pela divulgação desse novo estilo de fazer música.

    O Graffiti representa a arte plástica, expressa por desenhos coloridos feitos por grafiteiros nas ruas das cidades espalhadas pelo mundo e, o Break dance - literalmente significa dançar com movimentos quebrados - forma a base da dança de rua nos moldes atuais. Ex. Filme Wild Stile.

    Posteriormente, a cultura Hip Hop foi difundida em todo o mundo e a influência latina é muito significativa em todo trabalho e, em sentido de 'mão dupla', também é influenciada em uma releitura permanente que se adapta e se transforma de acordo com as características de cada local.


Possibilidades de atuação com a dança de rua

  • Manifestação espontânea - pessoas que se identificam com esse tipo de dança, forma de expressão artística livre (ruas, bailes, etc.).

  • Forma de expressão artística profissional - com boa representatividade em várias regiões do Brasil. Ex: Dança de Rua de Santos; Grupo Dança de Rua de Niterói e Movimento Hip Hop Bahia.

  • Fitness - estilo de aula construído didaticamente como forma de variação da prática de atividades físicas e do lazer.

  • Pedagógico - como incremento das aulas de educação física na escola


Linhas gerais do Projeto

    A dança como modalidade esportiva é um importante meio de expressão artística, que possibilita a ação pedagógica ao oportunizar a aquisição de habilidades físicas, a construção de conhecimento e a consciência crítica (Ribeiro, Faria Junior e Vilela In Faria Junior, 1999).

    No contexto de uma educação voltada à sociedade multicultural, acreditamos na importância da valorização de modalidades de dança que estejam inseridas no 'seio' da comunidade. Não como simples forma de reprodução, mas como meio de reflexão e estímulo ao posicionamento crítico, com a tentativa de se buscar maior envolvimento dos estudantes, pela oportunidade de se desenvolver atividades que partam das representações que eles têm e/ou valorizam.

"O que vale para as ciências manifesta-se em todas as áreas em que a ocasião e a necessidade de compreender não esperaram que o assunto fosse tratado na escola [...] Trabalhar a partir das representações dos alunos não consiste em fazê-las expressarem-se, para desvalorizá-las imediatamente. O importante é dar-lhe regularmente direitos na aula, interessar-se por elas, tentar compreender suas raízes." (Perrenoud, 2000, p.28).

    Nesse caso, a Dança de Rua pode ser um instrumento valioso no que concerne à apreciação crítica dos processos de aculturação. Além de corresponder bem à realidade das escolas públicas, onde esse tipo de dança é muito popular, podemos contribuir para a construção da autodisciplina, do senso ético e estético dos alunos e alunas participantes do projeto.


O Hip Hop na Escola

    A proposta de criação do Projeto Hip Hop teve como objetivo o desenvolvimento da dança (com enfoque político e artístico), incentivar a prática de atividades físicas para a promoção da saúde e a construção de conhecimento. Sem que se perdesse de vista o reconhecimento e o valor da cultura brasileira, na busca dos pontos de confluência e do resgate histórico de todo esse processo.

    No âmbito pedagógico o desenvolvimento de um projeto como este pôde contribuir para:

  1. Maior contato entre alunos e alunas de outras turmas e de diferentes anos de escolarização.

  2. Mobilização de atitudes positivas em relação à disciplina e à organização.

  3. Estímulo ao posicionamento crítico e a valorização da cidadania dessas crianças e adolescentes.

  4. Inclusão social das pessoas portadoras de necessidades especiais.

  5. Construção de um currículo desenvolvido com temas/atividades que partam da realidade dos educandos.


O Projeto Hip Hop na Escola Municipal Paulo Freire

    Organizamos as turmas em horários extras que atendessem à demanda dos estudantes, independente da idade e do ano de escolarização a que estes pertencessem.

    Para que isso não prejudicasse o desenvolvimento do grupo, em função da discrepância etária, organizamos inicialmente turmas para os segundos e terceiros ciclos de escolarização e uma turma específica para os alunos/as do primeiro ciclo. Cada turma teve capacidade de atender, no máximo, 30 participantes com o objetivo de primar pela qualidade do trabalho.

    As turmas ficaram organizadas da seguinte forma: a) duas (2) turmas destinadas aos segundo e terceiro ciclos e, b) duas (2) turmas para o primeiro ciclo, com duas aulas semanais para cada turma. Os dias disponíveis foram segunda e quinta-feira, nos horários de 12h, 13h, 14h e 15h, respectivamente. Essa oferta poderia ter sido expandida ou suprimida de acordo com a quantidade de alunos/as interessados.

    O cronograma do projeto acompanhou o calendário do ano letivo. Os estudantes tiveram liberdade para efetuar desistências e/ou novas adesões de participantes durante esse período. Todos os participantes precisavam da autorização dos responsáveis por escrito e a freqüência dos mesmos foi controlada a cada aula, pela professora responsável. Após o período de dois meses de adaptação e familiarização com a atividade, aqueles participantes que desejaram e tiveram autorização dos responsáveis, além da permissão da nossa direção escolar, representaram a Escola Municipal Paulo Freire em apresentações dentro e fora daquela unidade de ensino.


Suportes necessários

    Os participantes podiam freqüentar às aulas uniformizados ou com roupas mais flexíveis (lycra, algodão), com o objetivo de facilitar a execução dos movimentos. A escola dispôs para o projeto uma sala de aula e um (1) aparelho de som com CD player. A compra dos CDs foram de responsabilidade e ônus da professora responsável. Utilizamos a TV e o vídeo para demonstração de outros trabalhos referentes à dança de rua.

    Eventualmente, documentos como autorizações, comunicados e materiais didáticos digitados foram impressos pela escola, com objetivo de dar suporte teórico e organizacional ao projeto.


Fases e ocorrências do Projeto

    Entre a idéia e a continuidade do projeto algumas coisas foram modificadas. Fato considerado fundamental para a credibilidade de um processo em constante construção, que influencia e é influenciado pelas pessoas envolvidas com o projeto, a escola e a comunidade:

  1. A partir do desejo de alunos e alunas, a professora Soyane Vargas contou com o apoio da 'equipe técnico-pedagógica' (ETP) da Escola Municipal Paulo Freire, para implementação do projeto.

  2. Redação do projeto.

  3. Aprovação da ETP.

  4. Divulgação do projeto apenas para os alunos do 3º ciclo.

  5. Início com 01(uma) turma extra classe, no horário de 12 às 13h, toda quinta feira (exceto feriados). Com aulas teóricas e práticas sobre a história e a influência do hip hop no Brasil.

  6. Apresentação e aprovação do Projeto pela Fundação Municipal de Educação para ampliação, em caráter de dupla regência da professora responsável.

  7. Divulgação para outros ciclos de escolarização e ampliação da carga horária, de acordo com o projeto inicial.

  8. 8ª) Importante referência sobre o nosso projeto no Boletim Informativo do Grupo de Pesquisa de Alfabetização de Classes Populares (GRUPALFA), no editorial do professor Rodrigo Torquato. O GRUPALFA é um programa desenvolvido na UFF, coordenado pela Profª. Drª. Regina Leite Garcia.

  9. Uma das modificações em relação ao projeto inicial: em função da disponibilidade das crianças não foi possível dividir por faixa etária. Crianças com idade diferenciadas participam de uma mesma turma. Em nossa opinião, o que inicialmente poderia ser uma dificuldade tornou-se favorável no que concerne à relação intergeracional.
  10. Outra modificação diz respeito à participação da Turma Bilingüe, com a participação efetiva e fundamental das professoras dessas turmas Rosana e Mariana. O horário de 15 às 16h foi destinado a esse grupo. Um fato interessante ocorreu: alunos/as ouvintes da turma do hip hop passaram a se interessar pela interação com os alunos/as surdos, desejando fazer parte do horário destinados a essas crianças e, paulatinamente, estão aprendendo línguas de sinais com as professoras e as crianças dessa turma.

  11. Foram em média 60 crianças participantes com faixa etária que varia de 07 a 14 anos, surdos e ouvintes. Desde o início vem ocorrendo outras adesões e algumas desistências.

  12. Elaboração de coreografia com a participação dos alunos e alunas.

  13. Visita à escola do grupo de Dança de Rua de Niterói (Grupo constituído por meninos e rapazes, com reconhecimento internacional).

  14. A influência africana: estudo da história, tipos de música, influência de movimentos da capoeira na dança de rua. Aula expositiva com apresentação de vídeos e de textos para as crianças.

  15. Inclusão da turma bilíngüe na coreografia, com o grupo ouvinte.

  16. Adesão ao projeto de alunos/as que não participam da dança, mas que estão interessados em desenvolver trabalhos em grafitti.

  17. O projeto foi um sucesso na comunidade escolar e fora dela, no entanto encontramos algumas resistências por parte de uns poucos professores. Ouço relatos do tipo "é só isso que eles gostam...", "as músicas não têm qualidade....". Mas, demonstramos aos poucos a proposta do nosso trabalho. Por exemplo: nossa 1ª coreografia teve como eixo principal a vida nas comunidades carentes (favelas), justamente pelo fato de grande parte dos alunos/as serem domiciliadas nesses locais. Para que isso torne-se significativo para essas crianças, trabalho com história e músicas como a de Vinícius de Morais (O morro não tem vez) interpretada por Elis Regina, também está mixada em nossa coreografia interpretes como MVBil e Fernanda Abreu que falam de maneira muito singular sobre esse eixo temático, além de incluir sambas de raiz que tratam da vida nos morros. Mas, o principal é que as crianças demostraram satisfação e se envolveram com o tema, com as letras das músicas e com os ritmos desses clássicos da música popular brasileira. Em nossa opinião a qualidade e o refinamento do gosto musical dessas crianças, só não é melhor por falta de oportunidades. Inscrição do projeto no V Prêmio Arte Escola Cidadã.

  18. O projeto foi finalista do Rio de Janeiro para etapa nacional. Para participarmos da etapa nacional nos foi exigida a autorização de todos os responsáveis para veiculação de fotos e nomes das crianças. Em função da dificuldade de comunicação e com o limite de datas, não conseguimos todas as autorizações e ficamos fora da etapa nacional.

  19. A primeira apresentação do grupo foi na I Semana Paulo Freire, evento realizado pela própria escola.

  20. Convite para apresentação no Hospital Getulinho - no projeto pedagogia Hospitalar.

  21. Apresentação na APADA da turma bilingüe.

  22. Apresentação na Escola Municipal Alberto Torres

  23. Apresentação na TVN - convite para retornar com o grupo bilingüe

  24. Apresentação na Mostra de Talento de 3 coreografias

  25. 2ª apresentação no Hospital Getulinho

  26. Construção de coreografias pelas próprias crianças.

  27. Colaboração na construção da parte coreográfica da dança hip hop, no projeto da Turma do 2º ciclo do professor Rodrigo Torquato.

  28. A pedido das mães dos alunos surdos, criamos um horário alternativo para participação delas.

    Muitos frutos desta iniciativa foram colhidos, como por exemplo: o interesse de participação da comunidade local, melhoria da disciplina de alguns alunos considerados indisciplinados e desinteressados pela escola e da auto-estima dos participantes. Além de atrair a participação espontânea de um aluno com paralisia cerebral/cadeirante e um outro autista como atividade lúdica e de interação com outras crianças, o que coaduna com a proposta de educação inclusiva.


Referências

  • ANDRADE, E. N. Do movimento negra juvenil a uma proposta multicultural de ensino: reflexões. In: Educação e os afrobrasileiros: trajetórias, identidades e alternativas. Salvador: Coleção Novos Tempos, 1997.

  • FARIA JUNIOR, A. G. de. Atividade física, saúde e ambiente. In: FARIA JUNIOR et al. Uma introdução à educação física. Niterói: Corpus, 1999b. p. 99-120, 486p.

  • PERRENOUD, P. Tradução Patrícia Chittoni Ramos. Dez novas competências para ensinar: convite à viagem. Partes Alegres: Artes Médicas Sul, 2000.

  • RIBEIRO, M. das G. C.; FARIA JUNIOR, A. G. de; VILELA, M. C. Dança e atividade física. In: FARIA JUNIOR et al. Uma introdução à educação física. Niterói: Corpus, 1999. p. 285-309, 486p.


Sites

  • www.dancaderua.com.br/historia.htm

  • www2.uerj.br/~labore/hibridos

  • www.grupoderua.com.br

  • www.teatrobrasileirio.com.br/noticias/index16_htm

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