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Avaliação no ensino da Educação Física:
uma proposta emancipatória

Evaluación de la enseñanza en Educación Física: una propuesta para emancipatoria

   
Departamento de Ciências Básicas e Sociais - UDESC
Faculdade de Educação Física - IELUSC
Mestrado em Educação Física - UFSC
 
 
João Francisco Severo Santos
joao_severo@ig.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O presente artigo aborda o fenômeno do ensino no que toca a avaliação desse processo no contexto da educação física. A educação física tem sofrido historicamente inúmeras influências filosóficas, pedagógicas e científicas. No meio desse turbilhão de influencias, os profissionais da área muitas vezes ficam confusos em relação a concepção de sua prática educacional. A avaliação como instrumento didático-pedagógico essencial ao processo educativo é muitas vezes tratada de forma fragmentada, alienante e irresponsável. Na área de educação física esse problema é ainda mais evidente devido a falta de uma identidade que torne clara a finalidade dessa disciplina no contexto escolar. Baseado reflexões que buscam esclarecer o processo avaliativo, este trabalho apresenta algumas propostas que podem auxiliar os profissionais de educação física na prática da avaliação dessa disciplina.
    Unitermos: Educação Física. Avaliação. Escola.
 
Resumen
    El presente artículo aborda el fenómeno de la enseñanza en lo que comprende la evaluación de ese proceso en el contexto de la educación física. La educación física ha sufrido históricamente muchas influencias filosóficas, pedagógicas y científicas. En medio a esa tempestad de influencias, los profesionales de la área muchas veces se muestran confusos con relación a la concepción de su práctica educativa. La evaluación como instrumento didáctico-pedagógico esencial al proceso educativo es muchas veces tratada de forma fragmentada, sin sentido e irresponsablemente. En el área de educación física ese problema es aún más evidente debido a la falta de una identidad que vuelva clara la finalidad de esa disciplina en el contexto escolar. Basado en consideraciones que buscan aclarar el proceso de evaluación, este trabajo presenta algunas propuestas que pretenden colaborar con los profesionales de educación física en la práctica de la evaluación de esa disciplina.
    Palabras clave: Educación Física. Evaluación. Escuela.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 90 - Noviembre de 2005

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1. Introdução

    A avaliação do ensino-aprendizagem é um tema muito polêmico em todas as áreas da educação. Na educação física essa polemica torna-se ainda mais acirrada pelo fato dessa disciplina ainda não ter uma identidade bem definida (Bracht, 1995).

     A avaliação é o processo pelo qual se atribui o valor ou o grau de importância de determinado objeto, atributo ou atitude. De fato, muitos investigadores da área pedagógica da educação física têm constatado que a avaliação da disciplina na escola apresenta sérios comprometimentos negativos, seja de cunho ideológico ou prático. Por ser uma exigência institucional, ela vem sendo praticada constantemente, na maioria das vezes, por profissionais que não entendem a sua necessidade, o seu significado e suas implicações (Costa, 1992; Soares et al, 1992).

     Para Costa (op.cit, p.28):

"para que a avaliação em educação física tenha maior valor educativo, é necessário que os professores adquiram conhecimentos que possam ampliar sua visão de mundo de forma a ajudar os alunos a desenvolver habilidades, hábitos, convicções relevantes e necessárias para sua vivencia e sucesso como individuo, como cidadão e como profissional."

     Com base na visão supracitada, pode-se entender que o papel fundamental da educação física é o desenvolvimento integral do ser humano. Esse papel amplia-se ainda mais em responsabilidade social na medida em que as grandes transformações sócio-econômicas se aceleram cada vez mais no despertar desse novo milênio.

    A educação física precisa assumir efetivamente o seu papel e se comprometer com a construção de uma escola voltada para a formação de cidadãos críticos e saudáveis, capazes de tomar decisões conscientes a respeito de seu estilo de vida individual e social.

    Vivemos numa era onde se valoriza excessivamente a competição e a excelência, onde os avanços científicos e tecnológicos definem exigências cada vez maiores para todos. As incertezas da sociedade globalizada têm levado os jovens, cada vez mais cedo, a tentar ingressar no mundo do trabalho e, ao mesmo tempo, manter-se na escola, ampliando a demanda pelos cursos noturnos. Essa demanda impõe uma revisão dos currículos, que orientam, ou que deveriam orientar, o trabalho realizado pelos professores de todas as áreas, especialmente os de educação física, pois o perfil desse jovem é muito diferente do perfil de décadas passadas.

    Nesse contexto, a avaliação em educação física configura como um dos mais importantes instrumentos didático-pedagógicos para o alcance dos objetivos amplos e imediatos, gerais e específicos dessa disciplina.


2. Objetivo

     O presente artigo tem como objetivo elucidar o que é avaliação, quais seus fundamentos pedagógicos e operacionais, bem como analisar as vantagens e limitações dos métodos de avaliação comumente empregados no ensino da Educação Física Escolar. Além de propor alternativas práticas para a melhoria da qualidade da avaliação na Educação física.


3. Presupostos teóricos.

3.1. Reflexões histórico-ideológicas sobre atividade física, educação e trabalho

    Desde os primórdios da vida humana na face da terra, a atividade física não se isola de outras atividades humanas. Ela sempre teve importância vital para a sobrevivência, comunicação, expressão religiosa e artística. No entanto, durante a idade média e, mais intensamente, a partir do final do século XVIII e início do século XIX, a atividade física como modo de produção e "sobrevivência" sofreu uma grande desvalorização social. Esta última época configura-se na história da humanidade como um novo marco de produção e desenvolvimento humano - o surgimento do capitalismo como ideologia institucionalizada- e junto com ele, um novo tipo de sociedade - a "sociedade da tecnologia"' (Carvalho, 1998).

    Conhecido como Revolução Industrial, este processo é marcado pelo acelerado desenvolvimento tecnológico e a conseqüente mecanização e automação do trabalho e, mais recentemente, das atividades de lazer. Esse novo modo de produção afetou dramaticamente a capacidade de movimento das pessoas envolvidas nesse processo. O trabalho fragmentado, essencial para a maior produtividade, impõe movimentos repetitivos e também fragmentados. O trabalhador deixa de ser o dono de seu trabalho para tornar-se apenas uma peça substituível do processo produtivo. A imposição de extensa jornada de trabalho e a desvalorização das atividades "não produtivas" acaba por implantar um processo de alienação ideológica onde a maioria dos homens perde sua liberdade em função do trabalho (Carvalho, op.cit; Codo, 1986; Lima, 1987; Rojas, 1997).

    Esses marcos históricos foram de fundamental importância para a realização e consolidação de sua unidade produtiva típica - empresa de capital privado - e a mercantilização cada vez mais abrangente de todos os bens produzidos culturalmente.

    Nesse contexto, o aumento da produtividade passa a ser o ponto crucial do trabalho humano e o lazer, a princípio, passa a ser um privilégio concedido a poucas pessoas. O motivo disto tudo é o aumento da produtividade que, segundo a lógica do capital, quanto maior, mais se consegue vender e, portanto, mais se realizam lucros, permitindo assim a acumulação ampliada de capital. Outro fato marcante dessa lógica capitalista é que quanto menos força de trabalho se utiliza, com o uso dos mais avançados instrumentos de produção, maior tende e ser a taxa de lucro e, conseqüentemente, maior a acumulação (Marx, 1975).

    O modelo capitalista, no decorrer do ultimo século, foi difundido em quase todos os países do mundo. Como modelo que rege as relações de produção de bens fundamentais a identidade e sobrevivência da espécie humana, ele influenciou drasticamente a educação das pessoas em suas sociedades e, conseqüentemente, a instituição escolar como "reduto de formação de sujeitos socialmente ajustados à ideologia dominante nesse sistema". Percebe-se que, historicamente, o estado capitalista "democrático" é aquele que mais investiu no alargamento do ensino tendencialmente gratuito (Afonso, 2001; Libâneo, 1991).

    De acordo com Afonso (op.cit), o estado-providência é uma forma de política do estado capitalista democrático que, apesar de comprometida com a ideologia de acumulação do capitalismo e com os interesses das elites dominantes, procurou ganhar apoio de toda sociedade, em seus diferentes níveis, através do alargamento dos direitos econômicos, sociais e culturais dos trabalhadores. E continua: a escola pública de massa é uma instituição aberta à participação de todas as classes sociais e grupos étnicos, religiosos e ideológicos. É um exemplo fundamental das conquistas sociais relativas aos direitos humanos básicos.

     A Educação Física como disciplina escolar constitui um espaço de tempo e lugar que tem como objetivo primordial à promoção da atividade física, especialmente aquela constituída por um processo de acumulação histórica e cultural, que configuram as atividades de lazer ativo (Nahas, 2001; Soares et al, op.cit).

    Historicamente a educação física sofreu inúmeras influências de correntes de pensamento filosófico, tendências políticas, científicas e pedagógicas. Assim constata-se que ela ainda não possui uma identidade própria, ficando a mercê do entendimento ideológico da instituição onde ocorre sua pratica ou, mais comumente, do profissional por ela responsável na instituição de ensino (PCN, 1998; Soares et al, op.cit).

    A falta de identidade da educação física tem contribuído para a confusão na prática pedagógica dos profissionais dessa área e, em conseqüência disso, a disciplina tem encontrado uma grande dificuldade de legitimação no contexto escolar, pois não demonstra evidências de sucesso no seu objetivo primordial de contribuir para a promoção da atividade física de forma crítica e consciente.

    De acordo com Soares et al (op.cit), a concepção de educação física escolar que enfatiza o desenvolvimento da aptidão física tem selecionado o esporte como principal conteúdo porque ele possibilita o exercício do alto rendimento. O alto rendimento baseia-se em condições especificas que contribuem para a consolidação do perfil de homem ideologicamente apto para integrar-se na sociedade capitalista. Essa concepção busca em sua pratica, consciente ou não, a seleção e o desenvolvimento do homem forte, ágil, apto, empreendedor, que esteja em condições de competir por uma posição de destaque na sociedade de livre concorrência.

    Essa concepção, embora ainda dominante na área de educação física escolar, mostrou-se improdutiva, uma vez que não levou em consideração as contradições desse modelo de sociedade e serviu como ferramenta de exclusão, formando uma legião de sujeitos alienados da cultura corporal de movimento que valorizam demasiadamente o esporte espetáculo como forma de lazer passivo ou que, simplesmente, criam aversão pela atividade físico-desportiva.

    Como conseqüência dessa crise, surgiram vários movimentos na educação física visando à superação dessa situação instável da disciplina no contexto escolar. Todos as tendências e modelos pedagógicos da educação física trouxeram magníficas contribuições para a busca de uma identidade própria que permita a disciplina cumprir o seu papel social. Toda via, cada um deles isoladamente, apresenta uma concepção reducionista e, por vezes, radicalmente desvinculada das ferramentas que sustentam a educação física como disciplina.

    A confecção dos parâmetros curriculares nacionais da educação física- PCNs (1998), parece ter sido o caminho mais viável para orientar os professores nesse labirinto de teorias e concepções pedagógicas. Embora, de acordo com Geraldi (2001), pelo jeito que os PCNs são propostos, não se tratam na realidade de parâmetros, mas sim de currículos mínimos nacionais porque têm uma listagem de conteúdos, propostas de atividades e procedimentos avaliativos que mais parecem uma cartilha homogeinizante. De qualquer forma, ao menos na área de educação física, parece ser uma proposta abrangente que tenta garantir o mínimo de orientação aos profissionais da área e um contato mais rico dos alunos com a educação física.

    Contudo, de acordo com o próprio texto dos PCNs da educação física (pg.21):

"observa-se na história dessa área um distanciamento entre as concepções teóricas e a prática real nas escolas. Ou seja, nem sempre os processos de ensino e aprendizagem acompanharam as mudanças, ás vezes bastante profundas, que ocorreram no pensamento pedagógico desta área. Por exemplo, a co-educação (meninos e meninas na mesma turma) era uma proposta dos escola-novistas desde a década de 20, mas essa discussão só alcançou a Educação Física escolar muito tempo depois. Mais recentemente, na década de 70, a Educação Física sofreu, mais uma vez, influências importantes no aspecto político. O governo militar investiu nessa disciplina em função de diretrizes pautadas no nacionalismo, na integração (entre os Estados) e na segurança nacional, objetivando tanto a formação de um exército composto por uma juventude forte e saudável como a desmobilização das forças políticas oposicionistas. As atividades esportivas também foram consideradas importantes na melhoria da força de trabalho para o milagre econômico brasileiro."

    Nesse sentido, percebe-se que os processos de mudança nas condições sociais são constituídos historicamente de acordo com as lutas entre a ideologia dominante e as ideologias que tentam ascender ao domínio. Logo, qualquer mudança que ameace o "status quo" das elites sustentadas no poder pela difusão em massa de seus modelos ideológicos, tenderá a sofrer muita resistência e descaso daqueles que exercem poder sobre as políticas públicas. Por isso, muitas propostas que trariam grandes benefícios para a sociedade, como, por exemplo, à educação física voltada à promoção da saúde na escola, não recebem o devido apoio dos órgãos públicos e acabam ficando restritas as atitudes de boa vontade de alguns profissionais e instituições.

    Apesar de tudo isso, a educação física vive um momento histórico muito privilegiado no sentido de afirmar a sua importância social, pois muitas evidências cientificas têm apontado para o efeito nefasto do modo de vida imposto pela ideologia capitalista neoliberal.

    Para Anderson apud Giraldi (op.cit, p. 103):

"Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos de seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual os seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas."

    Essas desigualdades sociais juntamente com o modo de vida disseminado pela ideologia neoliberal impuseram um custo social extremamente elevado, principalmente nas áreas de segurança e saúde pública. Justamente nesta ultima é que a educação física pode afirmar-se sem esquecer o seu vinculo pedagógico que é, explicita ou implicitamente, político (Bracht, op.cit; Costa, op.cit; Giraldi, op.cit; Nahas e Corbin, 1992).

    Nesse contexto, a avaliação na educação física deve ser entendida como um instrumento didático-pedagógico essencial para o cumprimento dos objetivos da disciplina e sua afirmação como área de conhecimento legitimada pela relevância social junto aos atores do processo educativo, não só no ambiente escolar, mas na sociedade como um todo.


3.2. Educação Física no ensino médio: o que diz a lei

    De acordo com Soares et al (op.cit) e com os PCNs (op.cit), o ensino médio configura a fase do ciclo escolar onde deve haver o aprofundamento sistemático do conhecimento adquirido nos ciclos anteriores. O aluno deve ter condições de identificar e compreender as propriedades comuns das matérias e conteúdos, bem como ter contato com a regularidade científica da produção de conhecimentos.

    A Lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira número 9.394 de 1996, aponta as finalidades específicas do Ensino Médio:

  • A consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental;

  • O prosseguimento dos estudos;

  • O preparo para o trabalho e a cidadania;

  • O desenvolvimento de habilidades como continuar a aprender e capacidade de se adaptar com flexibilidade às novas condições de ocupação e aperfeiçoamento;

  • O aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

  • A compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando teoria e prática.

    Dentro dessa concepção, a educação física tem seu espaço garantido e destacado legalmente desde a década de 70. A intenção de busca para formação de um ser humano integral e apto socialmente, não poderia deixar de lado o cultivo das atividades físicas como forma de aperfeiçoar as capacidades corporais.

    Embora nem sempre valorizada no contexto escolar, a educação física, notadamente, tem um tratamento diferenciado diante das outras disciplinas. O decreto de lei federal número 69.450/71, título IV, capítulo I, deixa isso muito claro:

"ART. 5- Os padrões de referência para orientação das normas regimentais da adequação curricular dos estabelecimentos, bem como para alcance efetivo dos objetivos da educação física, desportiva e recreativa são situados em:

  1. Quanto à seqüência e distribuição semanal, três sessões no ensino primário e médio e duas no ensino superior, evitando-se concentração de atividades em um só dia ou em dias consecutivos.

  2. Quanto ao tempo disponível para cada sessão, 50 minutos não incluindo o período destinado à preparação dos alunos para as atividades.

  3. Quanto à composição das turmas, 50 alunos do mesmo sexo, preferencialmente selecionados por nível de aptidão física.

    Apesar das grandes limitações dessas normas, percebe-se a clara preocupação com a questão da aptidão física, sendo as normas um reflexo das bases científicas do treinamento desportivo. A princípio, isso poderia ser produtivo do ponto de vista biológico já que inúmeros estudos sérios demonstram evidências claras da associação entre atividade física, aptidão física e saúde (Powell, 1996). Toda via, tais regulamentações impuseram barreiras para a inserção da educação física nos turnos escolares normais, razão pela qual a grande maioria dos sistemas de ensino implementou a disciplina em turnos diferenciados, o que, por sua vez, acabou pressionando os legisladores a complementar as normas devido às dificuldades financeiras e organizacionais impostas, principalmente, para aqueles alunos oriundos das classes sociais menos favorecidas.

    Em razão dessas barreiras, a prática da educação física tornou-se facultativa ao aluno que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; maior de trinta anos de idade; que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física em outra instituição; que tenha prole e que tenha impedimentos físicos ou de ordem religiosa. Com essa mesma justificativa, o inciso 3º do artigo 26 de 1996, torna a educação física facultativa para os cursos noturnos.

    Mais recentemente, com a regulamentação e constituição do conselho federal de educação física, a disciplina ganhou maior notoriedade política culminando na formação da frente parlamentar da educação física cujo objetivo é recuperar os espaços perdidos pela área e garantir apoio para obtenção de maior qualidade no ensino e pesquisa. Em dezembro de 2003, foi sancionada a emenda de lei número 10.793 que volta a instituir a educação física como disciplina de oferta obrigatória para os cursos noturnos no inciso 3°.


3.3. Presupostos para o entendimento da avaliação na educação física escolar

    Na área de educação física, a aplicação de testes cineantropométricos, bem como de testes de habilidades motoras e aptidão física, tem sido feita de forma historicamente isolada, irrefletida e irresponsável (Bracht, op.cit; Costa, op.cit; Soares et al, op.cit).

    Os inúmeros testes e medidas produzidos de forma muito rica na educação física, quando aplicados sem uma finalidade pedagógica consciente contribuem muito pouco para formação de sujeitos fisicamente ativos e não alienados socialmente. De fato, percebe-se que isso é um problema histórico na área de educação, em todas as suas disciplinas.

    Segundo Haydt (2002), avaliar é atribuir um julgamento ou apreciação de alguma coisa ou de alguém com base em uma escala de valores. Logo, a avaliação consiste em coletar e interpretar dados quantitativos e qualitativos de critérios previamente estabelecidos.

    A avaliação quantitativa é aquela feita com base em informações numéricas obtidas através de provas e testes. Parece ser mais objetiva que a avaliação qualitativa, toda via apresenta apenas uma visão artificial e estática da realidade. Por isso deve ser complementada pela avaliação qualitativa, ou seja, aquela que obtém informações com base em observações, documentos, diálogos, discursos e atitudes percebidas pelo avaliador.

    Para Libâneo (1991), a avaliação é uma tarefa didática essencial para o trabalho docente, mas, justamente, por apresentar uma grande complexidade de fatores, não pode ser resumida a simples realização de provas e testes ou atribuição de notas. A mensuração apenas fornece dados quantitativos que devem ser apreciados qualitativamente.

    Nas palavras de Piletti (1987: 190):

"Avaliação é um processo contínuo de pesquisas que visa interpretar os conhecimentos, habilidades e atitudes dos alunos, tendo em vista mudanças esperadas no comportamento, propostas nos objetivos educacionais, a fim de que haja condições de decidir sobre alternativas do planejamento do trabalho do professor e da escola como um todo.

    O processo de avaliação, geralmente é composto por três fases distintas: primeiramente é preciso definir o que se quer avaliar e por que se quer avaliar; em seguida é preciso estabelecer parâmetros válidos e objetivos para processar a avaliação; e, em fim, estabelecer critérios para julgamento do valor avaliativo baseado em um referencial (Costa, op.cit).

    Essa seqüência de fases para a construção da avaliação tem como finalidade buscar a maior clareza possível dos significados e objetivos dessa avaliação na tentativa de fazer dessa prática um ato consciente para a manutenção ou transformação da realidade daquele contexto, logo se caracterizam como atos essencialmente políticos e pedagógicos.

    Diversos autores definem o ato político como "a habilidade no trato das relações humanas, com vista à obtenção de resultados desejados por grupos de diferentes posições ideológicas" (Costa, op.cit; Libâneo, op.cit; Luckesi, 1984).

    Nesse sentido, verifica-se que todo ato pedagógico é também um ato político, uma vez que visa auxiliar na formação de sujeitos capazes contribuir para construção de uma sociedade ideal segundo certos princípios ideológicos próprios da instituição escolar. Para isso, a instituição escolar se utiliza de métodos e técnicas que visam efetivar esses ideais, sejam eles explícitos ou não.

    A avaliação entendida como uma ação pedagógica necessária para a qualidade do processo ensino-aprendizagem, deve cumprir, basicamente, três funções didático-pedagógicas: função diagnóstica, função formativa e função cumulativa (Haydt, op.cit; Libâneo, op. cit; Piletti, op.cit).

    A função diagnóstica da avaliação refere-se à identificação do nível inicial de conhecimento dos dicentes naquela área, bem como a verificação das características e particularidades individuais e grupais dos alunos, ou seja, é aquela realizada no inicio do curso ou unidade de ensino, a fim de constatar se os dicentes possuem os conhecimentos, habilidades e comportamentos necessários para as novas aprendizagens. É utilizada também para estimar possíveis problemas de aprendizagens e suas causas (Haydt, op.cit).

    A função formativa é aplicada no decorrer do processo de ensino-aprendizagem servindo como uma forma de controle que visa informar sobre o rendimento do aluno, sobre as deficiências na organização do ensino e sobre os possíveis alinhamentos necessários no planejamento de ensino para atingir os objetivos (Almeida,2001).

    A avaliação formativa é uma importante ferramenta de estímulo para o estudo, uma vez que sua principal utilidade é apontar os erros e acertos dos alunos e dos professores no processo de ensino-aprendizagem. Esse tipo de avaliação é basicamente um orientador dos estudos e esforços dos professores e alunos no decorrer desse processo, pois está muito ligada ao mecanismo de retro-alimentação (feed-back) que permite identificar deficiências e reformular seus trabalhos, visando aperfeiçoá-los em um ciclo contínuo e ascendente.

    Para a maioria dos estudiosos da área de educação, uma das funções básicas da avaliação é o controle. Como controle pode-se entender os meios e à freqüência das verificações dos resultados do processo de ensino-aprendizagem, bem como a quantificação e qualificação dos resultados, possibilitando o ajuste sistemático dos métodos que visam a efetivação dos objetivos educacionais.

    A avaliação somativa visa classificar os dicentes segundo níveis de aproveitamento do processo de ensino-aprendizagem. É realizada ao final de um curso, período letivo ou unidade de ensino, dentro de critérios previamente impostos ou negociados e geralmente tem em vista a promoção de um grau para outro (Haidt, op.cit).

    As funções da avaliação deveriam ser aplicadas de forma interdependente, ou seja, não poderiam ser empregadas isoladamente. Assim, a função diagnóstica só terá sentido se estiver referida como ação inicial do processo didático-pedagógico que serve para apontar o caminho a ser seguido no processo de ensino-aprendizagem, constantemente retro-alimentado pelos dados da função formativa da avaliação para manter-se alinhado aos objetivos educacionais e, finalmente, para classificar os alunos segundo seu grau de aproveitamento dentro dos critérios estabelecidos de rendimento. Infelizmente, essa forma completa de avaliar é raramente empregada em nossa realidade educacional, tendo a avaliação um caráter meramente classificatório e descontextualizado. Nas palavras de Wrightstone apud Piletti (op.cit:193-194):

"avaliação é um termo relativamente novo, introduzido para designar um conceito mais compreensivo de medida do que o conceito dado pelos testes e exames convencionais. O relevo em medidas é colocado na aquisição de conhecimentos (matérias) ou aptidões específicas e habilidades, mas... o relevo em avaliação se colocou nas modificações que a aprendizagem provoca na personalidade da criança, e nos principais objetivos do programa educacional. Isto inclui não apenas o conhecimento da matéria, mas também as atitudes, interesses, ideais, modos de pensar e agir, hábitos de trabalho, bem como adaptação pessoal e social".

    Concordo com a opinião de Peña (1999), no sentido de que é preciso fortalecer o caráter diagnóstico e formativo da avaliação, que vem sendo praticada enfaticamente com caráter classificatório, adotando assim, uma idéia de punição ou de nivelamento dos alunos. Para isso é necessário uma maior interação entre professor e alunos, principalmente no que se refere à contextualização dos resultados quantitativos, pois desenvolvendo um conceito de avaliação com ênfase nas suas funções de diagnóstico e controle, é possível uma tomada de consciência mais justa e realística do trabalho didático-pedagógico a fim de atender a objetivos educacionais mais amplos que a simples medida de desempenho.

    De acordo com Gonçalves (1996):

"A avaliação, não importa a missão que se lhe proponha cumprir, parece ter o dom de despertar nas pessoas suas defesas mais escondidas. É, na educação, um processo revestido de rituais complexos, que resulta por torná-lo um mito. No caso da avaliação da aprendizagem, tal mitificação ao invés de possibilitar às pessoas maior consciência de como está se desenvolvendo internamente o processo de construção do conhecimento, termina por confundi-las, tornando-as dependentes de algum veredicto externo que determine se estão aprendendo ou não".


4. Avaliação no ensino médio: uma proposta em busca da emancipação na área de Educação Física

    É notório que a educação física entendida como parte de um projeto institucional que busca a formação de cidadãos críticos, conscientes e fisicamente ativos, deve valer-se de suas ferramentas de avaliação num sentido mais amplo que a simples medida de desempenho ou classificação. Ao conceber um processo de avaliação no qual a analise do gesto humano é feita somente do ponto de vista biológico ou biomecânico, a pratica pedagógica da educação física torna-se fragmentada, tendenciosa, preconceituosa e reducionista.

    De forma alguma, isso significa abandonar o rico arsenal de testes e medidas próprios da educação física tendo como argumento a alienação referida a esses testes. A alienação não é fruto das ferramentas, mas sim da intencionalidade de quem as usa. Desse modo, a aplicação de testes físicos e comportamentais é uma prática fundamental para a avaliação da disciplina na escola, desde que seja feita de forma contextualizada e com ênfase na função formativa da avaliação.

    A contextualização da avaliação é fruto, segundo Costa (op.cit, p.29), das seguintes questões as quais o professor deve dedicar uma ampla reflexão: "O que ensinei ao aluno? Por que eles devem aprender esses conteúdos? Qual a relevância desses conhecimentos para mim, para o aluno e para a sociedade? O que o aluno precisa fazer para demonstrar o que aprendeu? Por que e para que ele precisa demonstrar? O que ele precisa ainda aprender tendo em vista o que ele já sabe? O que mais eu preciso ensinar? De que maneira eu posso melhorara esse ensino?"

    O por quê e o para que são questões que promovem reflexão, diálogo e participação dos atores envolvidos nesse processo e que, por tanto, contribuem para uma pratica pedagógica mais consciente e objetiva (Costa, ibiden).

    Com base nas reflexões de Costa (op.cit), Fidalgo (2002), Freire (1976), Gadotti (1991) e Nahas (op.cit), propõem-se as seguintes ações que buscam a aproximação de uma avaliação emancipatória em educação física:

  • Estabelecer objetivos e metas que possam ser alcançados por todos os alunos e que contribuam efetivamente para a melhoria da qualidade de vida dos educandos dentro e fora do ambiente escolar;

  • Estabelecer um processo de avaliação democrático e justo, tendo como foco central o bem estar do aluno dentro de princípios eticamente aceitáveis;

  • Fazer avaliações continuas do planejamento e dos conteúdos de ensino com vistas ao aperfeiçoamento continuo da disciplina;

  • Adotar um sistema de avaliação participativo e dialógico, antes, durante e depois das aulas;

  • Fazer uso freqüente de observações pedagógicas como anedotários, fichas de observação coletiva e individual, sociogramas e listas de checagem tendo como parâmetros os critérios negociados com os próprios alunos;

  • Aplicar testes padronizados de forma contextualizada para que os educandos entendam os objetivos, importância, implicações e o processo histórico de construção desses testes;

  • Aplicar freqüentemente fichas de auto-avaliação reflexiva para estimular os alunos a justificar seus comportamentos e apontar caminhos de superação de suas limitações;

  • Implantar um sistema de avaliação da satisfação dos alunos com as praticas. Esse sistema deve ser confidencial para coletar críticas, opiniões e sugestões que serão discutidas em aula;

  • Cobrar a confecção de trabalhos de síntese e pesquisa histórica, técnica e científica, preferencialmente, com envolvimento inter e multidisciplinar;

  • Aplicar provas teóricas com relação aos assuntos pesquisados e desenvolvidos procurando formular questões que estimulem a capacidade de reflexão, associação, comparação e síntese;

  • Estimular e considerar de alto valor o desenvolvimento de ações, por parte dos alunos em cooperação com os professores, que promovam a difusão de informações e práticas relacionadas à atividade física e a cultura corporal de movimento;

  • Avaliar e discutir com os alunos o progresso ou não de suas aptidões, habilidades e comportamentos por meio da comparação de dados de pré e pós- testes padronizados, mas em nenhuma hipótese usar esses dados para a atribuição de notas;

  • Respeitar os critérios de atribuição de notas negociados com os alunos dentro de princípios éticos e legais sem adotar posições paternalistas.

  • Ser justo e correto com os alunos sem distinção de gênero, opção sexual, religião, ideologia política ou condição socioeconômica.


5. Considerações finais

    A avaliação na educação física do ensino médio noturno deve ser feita com base em concepções emancipatórias como propõe Freire (op.cit) e Fidalgo (op.cit), uma vez que grande parte dos alunos desse turno já estão envolvidos como o mercado de trabalho formal ou informal. Conceitos como autonomia, autodidaxia, pesquisa e autoria são atualmente competências importantes para o novo mercado de trabalho, assim como para a formação de um indivíduo critico e consciente.

    Um outro ponto importante a ser considerado é a relação professor-aluno que deve ser, claramente, menos hierarquizada. Os símbolos sócio-culturais subjetivos não devem ser tão claros para demarcar a diferença entre professor e alunos como existe em uma sala de aula tradicional. Isso inibe o constrangimento do aluno em expressar opiniões diante do professor e, conseqüentemente, promover uma aproximação afetiva e uma comunicação mais ampla. Essas são variáveis muito importantes no processo de ensino-aprendizagem que visam à mudança comportamental própria do processo educativo (Gonçalves, op.cit).

    Devido às características particulares do ensino noturno como, por exemplo, alunos com uma média de idade mais elevada, a pratica e a avaliação em educação física deve levar em conta tendência pedagógica denominada protagonismo, ou seja, a participação ativa dos alunos no estabelecimento de regras de conduta e avaliação a serem seguidas durante as aulas, de uma forma clara desde o primeiro momento. Para isso, é necessário que a primeira aula seja dedicada a realizar uma avaliação diagnóstica, ou seja, discutir e coletar dados sobre o que é esperado dos alunos e pelos alunos, como a disciplina será desenvolvida e como será executada a avaliação. Além disso, documentos formais com estas informações devem ser disponibilizados no "conteúdo da disciplina". Qualquer informação não claramente documentada pode ser colocada como algo não esperado por alguns alunos e justificar as críticas destes com relação à clareza das regras no processo de avaliação.

    É importante salientar que a avaliação da educação física no ensino noturno deve ser continua, multidimensional (envolvendo aspectos físicos, comportamentais e contextuais) e motivante. Ela deve ser enfaticamente formativa e democrática, respeitando-se os limites legalmente impostos e contribuindo significativamente para a formação de pessoas com competências e comportamentos capazes de construir uma sociedade humanamente mais desenvolvida.


Bibliografia

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revista digital · Año 10 · N° 90 | Buenos Aires, Noviembre 2005  
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