Características biomecânicas da marcha em crianças, adultos e idosos |
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* Mestrando da Universidade do Estado de Santa Catarina. ** Acadêmicos da Universidade do Estado de Santa Catarina. *** Profª. Ms. da Universidade do Vale do Itajaí. **** Prof. Dr. da Universidade do Estado de Santa Catarina - Orientador. (Brasil) |
Jansen Atier Estrázulas* Roberta Pires, Diego Murilo dos Santos ** Lígia Raquel Ortiz Gomes Stolt *** Sebastião Iberes Lopes Melo**** jansenef@hotmail.com |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 88 - Setiembre de 2005 |
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Introdução
A marcha é uma atividade simples da vida diária e uma das principais habilidades do ser humano. Também denominada de "andar", esta atividade é comum a todas as idades, raças e gêneros. Desta forma, torna-se uma das mais importantes atividades realizadas pelo homem.
Dentre as habilidades fundamentais, Amadio (1996) relata que o andar se destaca dada a sua participação nas mais diversas formas do movimento humano. Este, envolve distintos padrões de movimentos estabelecidos por complexas estruturas neurológicas sincronizadas com as demais funções do aparelho locomotor humano.
Diversos estudos na área da biomecânica são realizados na busca por uma melhor compreensão das características dos padrões da marcha. Estes estudos são análises cinemáticas e cinéticas deste movimento. A cinemática auxilia na descrição de características como deslocamento, velocidade, ângulo. A cinética busca explicar a causas que geram este movimento, ou seja, a "força". Além dessas características, citadas pelos autores, a marcha é composta pelas variáveis espaço-temporais, onde encontram-se: cadência, tempo de duplo apoio e apoio simples, comprimento do passo, entre outros. Conforme David (2000), mesmo este gesto sendo o mais descrito e analisado de todos os movimentos humanos, é necessário que se descreva como esse ocorre sob o ponto de vista biomecânico em diferentes populações e situações.
Os movimentos da locomoção são altamente variáveis visto que cada indivíduo apresenta peculiaridades sobreposta ao padrão básico de locomoção, tornando difícil o padrão fixo para a técnica de caminhada (ROSE & GAMBLE, 1998). Segundo Lippert (1996), cada indivíduo tem um padrão de marcha que representa uma maneira de deslocar-se no ambiente, de maneira aceitável, com menor esforço físico e estabilização adequada. Entretanto, existem certas características na locomoção que permitem a padronização do movimento (BRUNIERA & AMADIO, 1993).
De modo geral, o padrão do aparelho locomotor apresentado por uma criança, adulto ou idoso é resultante da interação de vários fatores, componentes dos diversos domínios do comportamento humano. Assim sendo, ao passo que uma criança cresce e se desenvolve as modificações somáticas quantitativas em conjunto com os processos de diferenciação estrutural, formam uma resposta típica para o caminhar que constitui o padrão motor característico de cada grupo etário.
Por tanto, estudos sobre diferentes populações devem ser realizados pela diferença de características entre estas. O ser humano começa a desenvolver a marcha nos primeiros anos de vida, e conforme Delisa (1992), o padrão de marcha bípede do ser humano é adquirida na infância por volta dos 7 ou 8 anos, onde o sistema sensório-motor torna-se muito adaptado a gerar automaticamente um conjunto repetitivo de comandos de controle motor para permitir uma pessoa caminhar sem esforço consciente.
Em adultos, por ser um movimento do dia a dia, o padrão de marcha é característico de cada ser e bem definido. Porém, podem ocorrer alterações por problemas neurológicos ou algum tipo de patologia.
Na terceira idade, de modo geral, uma das maiores limitações funcionais é a queda, ou o medo desta, que implica em níveis diminuídos de atividades com subseqüente perda da função muscular, tecido articular e processamento de informação, podendo assim acontecer alterações no padrão da marcha.
Embora sejam conhecidas algumas características da marcha destas populações, necessita-se de estudos comparando-as. Assim, objetivou-se neste estudo a busca por uma maior compreensão de características biomecânicas da marcha comparando crianças, adultos e idosos, tentando identificar possíveis diferença entre estas populações.
MetodologiaEste estudo descritivo diagnóstico realizado no Laboratório de Biomecânica do Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos da Universidade do Estado de Santa Catarina teve como população alvo crianças, adultos e idosos da cidade de Florianópolis - SC. A amostra foi constituída por indivíduos do sexo feminino, sendo 34 crianças(G1) com idade entre 10 e 12 anos, com média de 10,9 ± 0,7 anos, 24 adultos (G2) com idade entre 18 e 41 anos, com média de 25,3 ± 5,9 anos, e 12 idosos (G3), com idade entre 64 e 74 anos, com média de 68,0 ± 3,2 anos. Utilizou-se amostragem do tipo intencional, sendo selecionados apenas sujeitos que não apresentaram qualquer tipo de patologia ou disfunção, e que aceitassem participar do estudo, ou tivessem o consentimento dos pais.
Como instrumento de medida utilizou-se uma esteira ergométrica Kistler-Gaitway 9810SI, com duas plataformas de força de cristais piezoelétricos acoplados a sua base que registram a força de reação do solo. O processamento dos dados foi feito através do programa GAITWAY for WINDOWS versão 1.08, composto por placa de aquisição de dados com conversor de 12 bits. Para coleta de dados, inicialmente determinou-se a velocidade habitual de caminhada, submetendo os sujeitos a percorrer uma distância de 10m, orientados a se deslocarem como normalmente o fazem. Seguiu-se então, um período suficiente de adaptação ao equipamento e pesagem para normalização dos dados pelo peso corporal (PC). Por fim, fez-se a coleta de dados com freqüência de amostragem de 600 Hz e aquisição com 12s de duração e média de velocidade para os sujeitos de 4,0km/h. Os dados foram relativos ao lado direito e esquerdo de cada sujeito, e após a aplicação do teste "t" de student para amostra independentes, e confirmado a simetria entre ambos, analisou-se a média entre os mesmos. Na caracterização da amostra utilizou-se a estatística descritiva (média, desvio padrão e coeficiente de variação), para a comparação entre os grupos etários utilizou-se ANOVA One-Way para identificar se houve diferença significativa entre estes, no caso de positivo, utilizou-se o teste de Post Hoc de Scheffe. O nível de significância adotado foi de 95%.
Neste estudo foram selecionados para analise algumas variáveis cinéticas relacionadas à componente vertical da força de reação do solo e algumas variáveis espaço-temporais. As variáveis cinéticas adotadas foram: Primeiro Pico de Força (PPF), Segundo Pico de Força (SPF), Força de Suporte Médio (FSM), Taxa de Aceitação do Peso (TAP) e Taxa de Retirada do Peso (TRP); e as espaço-temporais: Comprimento do Passo (CP), Cadência (CAD), Tempo de Duplo Apoio (TDA) e Tempo de Apoio Simples (TAS).
Apresentação e Discussão dos ResultadosPara melhor compreensão do comportamento das variáveis cinéticas, os dados foram normalizados pelo peso dos sujeitos, e os valores temporais são apresentados em tempos absolutos.
A tabela abaixo apresenta as variáveis cinéticas da marcha dentro dos grupos estudados, constando seus respectivos número de participantes, média, desvio padrão, mínimo, máximo e coeficiente de variação.
Tabela 1: Caracterização das variáveis cinéticas nos diferentes grupos.
G1: Crianças - G2: Adultos - G3: Idosos.A tabela 2 apresenta resultados estatísticos comparando as variáveis cinéticas entre os grupos estudados, durante o ciclo da marcha.
Tabela 2: Estatística das variáveis cinéticas entre os grupos.
Através destas tabelas pode-se observar a homogeneidade da amostra, e ainda constatar a diferença nas variáveis cinéticas da marcha entre os três grupos, onde apenas a força de suporte médio não constatou-se diferença estatisticamente significativa.
O primeiro pico de força é caracterizado pelo valor máximo de força de reação do solo vertical no momento de contato do calcanhar com o solo durante para a execução do passo durante a marcha. Segundo Amadio (1996) esta variável, apresentando valores entre 1.00 e 1.20 pc (vezes o peso corporal) são considerados normais, para indivíduos saudáveis (HAMILL & KNUTZEN, 1999). Os resultados mostram que os grupos que participaram deste estudo apresentaram esta característica e ainda apontam para uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos, e quando aplicado o teste de Post-hoc de Scheffe não encontrou-se onde esta diferença ocorreu, podendo ter sido influenciado pelo erro amostral. No entanto, analisando-se os resultados, pode-se verificar que o valor médio para o G1 (1,08pc), foi maior que os valores médios de G2 e G3 (1,05 pc).
A variável segundo pico de força ocorre na fase de propulsão do pé para impulsionar o mesmo para o passo seguinte durante a marcha. Esta variável é calculada pelo valor máximo de força de reação vertical durante a fase propulsão. Os grupos deste estudo diferiram nesta variável, tendo o G3 o menor valor (1,00 pc) e o G1 o maior (1,11 pc). Este menor valor do grupo de idosos pode ser explicado pela perda de força e consistência em seus movimentos, levando a uma menor impulsão de um passo para o outro. Já o G1, apresentou um maior valor, podendo ser atribuído à falta de maturação desse grupo na execução da marcha.
A força de suporte médio foi a única variável cinética que não apresentou diferença estatisticamente significativa. Isto pode ser explicado por esta variável correr na fase de transição do peso do sujeito sobre o pé de apoio, não acontecendo muitas variações de um grupo para o outro. Porém, pode-se observar que os valores dos idosos foi menor quando comparado aos outros grupos, podendo ser atribuídos a menor força muscular dessa população para sustentar o peso do corpo, causando assim uma compensação pela flexão de joelho ( MOTA et al, 2003), que tornaria a marcha mais arrastada.
Caracterizada pela tangente da reta que une os pontos de 10 e 90% do inicio da curva de força de reação vertical do solo ao primeiro pico de força, a taxa de aceitação do peso consiste na forma como o sujeito esta amortecendo o primeiro impacto na fase de recepção do peso. Neste estudo, os sujeitos do G2 diferiram de G1 e G3, apresentando menores valores para esta variável, o que demonstra uma marcha menos prejudicial para a saúde.
Nas variáveis espaço-temporais aconteceram algumas variações entre os grupos estudados e estão dispostos nas tabelas 3 e 4, listadas abaixo.
Tabela 3: Caracterização das variáveis espaço-temporais nos diferentes grupos.
Tabela 4: Estatística das variáveis espaço-temporais entre os grupos.
Na tabela de caracterização das variáveis pode-se observar a baixa e média variabilidade dos grupos estudados, mostrando assim a homogeneidade dos grupos. A tabela 4 demonstra que existe diferença significativa entre os grupos para todas as variáveis espaço-temporais estudadas.
A variável comprimento do passo, é medida pela distância do toque de um dos calcanhares ao solo até o toque do calcanhar contra lateral, mostrou-se dentro dos valores esperados, pois apresentaram valores parecidos com encontrados na literatura (SERRÃO et al, 1995 e MELO et al, 2003). Quando comparado os três grupos encontrou-se diferença estatisticamente significativa entre o G1 e G2 e entre G2 e G3. estes resultados apontam para maiores valores no grupo de adultos, quando comparados aos demais grupos, indo ao encontro com estudos citados na literatura.
A cadência, medida pela quantidade de passos por minutos, esta diretamente relacionada a variável comprimento do passo, já que, a velocidade de caminhada neste estudo foi controlada ( 4 km/h). Por isso, os resultados destas variáveis foram similares, com diferença entre G1 e G2 e entre G2 e G3.
As crianças deste estudo apresentaram valores de tempo de duplo apoio menor que os adultos e idosos. Encontrou-se estudos que indicam um aumento desta variável para a população idosa (AMADIO e SERRÃO, 1992), quando comparados a adultos normais, porém, esta situação não se confirmou no presente estudo.
O tempo de apoio simples foi menor para G3 que para G1 e G2. Esta diferença, segundo Mota et al (2003), é considerada normal e esta relacionada a estabilidade dos sujeitos durante o andar, e cita ainda que valores abaixo dos padrões podem refletir instabilidade articular ou problemas de controle motor.
ConclusõesAnalisando os resultados deste estudo e as referências citadas, pode-se observar as diferenças nas características cinéticas e espaço-temporais durante o andar entre crianças, adultos e idosos. As tabelas descritivas apontam a homogeneidade da amostra estudada, pois os coeficientes de variação apresentaram na sua maioria de baixa variabilidade.
Fazendo a comparação entre os grupos, uma das variáveis cinéticas que demonstra a peculiaridade destes é o segundo pico de força, onde os valores decrescem respectivamente nas crianças, adultos e idosos. Como esta variável depende de força para impulsionar o aparelho locomotor para o próximo passo, o grupo dos idosos apresentaram menores valores, podendo ser atribuídos a deficiências degenerativas que se perfazem com a idade avançada. O grupo das crianças apresentou valores mais altos que os adultos, podendo ser atribuídos a falta de maturação deste ao executarem a marcha.
Nas variáveis espaço-temporais a falta de maturação do grupo das crianças gera uma similaridade entre esta e o grupo dos idosos, nas variáveis comprimento do passo e cadência. O tempo de apoio simples mostra-se diferente apenas para o grupo de idosos, confirmando estudos encontrados na literatura que citam esta diferença e atribuem a falta de estabilidade desta população, que podem ocorrer por alterações decorrentes da idade.
Portanto, pode-se concluir que estes grupos possuem características distintas de locomoção e, embora algumas variáveis se apresentem similares pode-se verificar a especificidade de cada grupo estudado.
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digital · Año 10 · N° 88 | Buenos Aires, Setiembre 2005 |