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Adequação psicológica como fator
interveniente no trabalho em academias

   
*Licenciada em Educação Física
**LEL - Laboratório de Estudos do Lazer
Departamento de Educação Física
Instituto de Biociências, UNESP - Campus de Rio Claro, SP
 
 
Graziela Pascom Caparroz*
graziela@cocavel.com.br  
Profª Drª Gisele Maria Schwartz**
schwartz@rc.unesp.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Este estudo de natureza qualitativa tem como objetivo verificar a preparação psicológica durante o curso de graduação do profissional de Educação Física que ministra aulas em academias. Avaliar como este profissional coloca-se com relação à eficácia interpessoal diante dos conflitos emocionais de seu aluno, se há assertividade na maneira de desenvolver seu trabalho com este indivíduo de forma positiva e adequada às necessidades deste, pois dependendo do momento psicológico do aluno, tais conflitos e o despreparo geram o desequilíbrio do profissional em questão.
    Unitermos: Adequação. Psicológico. Academia.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 88 - Setiembre de 2005

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    Vários aspectos na vida do ser humano são relevantes, um deles é a qualidade dos relacionamentos interpessoais, que fazem parte do cotidiano das pessoas e sem o qual não se vive.

    A comunicação entre dois seres humanos é reconhecidamente difícil. Definir relacionamento interpessoal é algo bastante complexo, uma vez que, até mesmo entre os estudiosos, existem diferentes concepções. Não há como cristalizar certos conceitos, tratando-os como dogmas, uma vez que são altamente mutáveis e dependentes de valores sociais e culturais.

    Os conceitos de relacionamento interpessoal, geralmente, são apreciados em estudos das diferentes áreas do conhecimento humano e suas relações, sofrendo interferência em diversos níveis, como época, cultura, e, até mesmo, valores individuais, principalmente quando são focalizados alguns grupos em especial.

    Dentro dos processos sociais, desde o momento em que nasce a criança, as demais pessoas são a parte mais importante do seu mundo, ela depende da presença destas para sua existência continuada. Os contatos sociais do indivíduo expandem-se, gradativa, mas, constantemente, da infância para a maturidade. Os contatos iniciais se dão, predominantemente, com uma pessoa - a mãe, representando uma relação quase sempre binária. Esta relação expande-se para incluir outros membros da família.

    Quando a criança se afasta do círculo familiar entra em contato com outras crianças de sua idade - o grupo de iguais. Ao ingressar na escola, esse grupo aumenta e a criança tem maior liberdade para escolher os companheiros e amigos. Na escola, encontra uma nova figura de autoridade - o professor - que lhe dispensa uma nova série de reforços e padrões. Dentro da cultura de iguais, ela progride dos folguedos relativamente não estruturados para as atividades ritualizadas dos adolescentes. Quando adulta, se torna membro de muitos grupos sociais formais e informais e passa a desempenhar uma série de papéis nessas relações. Em todas as fases da vida, as outras pessoas constituem o segmento mais importante do meio do indivíduo.

    Grande parte do comportamento social é ditado pelo próprio papel social assumido por um indivíduo, ao longo de seu processo vital. Os papéis representam o modo de agir, socialmente prescrito, em determinadas situações, conforme evidenciam TELFORD & SAWREY (1971).

    Praticar relações interpessoais significa perceber o outro tal como se apresenta, estabelecendo uma atitude de empatia, compreendendo-o e respeitando sua individualidade. As pessoas diferem na maneira de perceber, pensar, sentir e agir, e, essas diferenças individuais são inevitáveis, com suas conseqüentes influências nas dinâmicas intra e interpessoal. Essas diferenças são relacionadas ao sistema de valores, às experiências, às necessidades de cada indivíduo, de acordo com PASSADORI (2003).

    A confrontação positiva interpessoal é a experiência mais potente de uma interação humana e favorece o crescimento das duas partes envolvidas. Fazer confrontação se assemelha ao que se chama de "dar feedback", e fazer isso de forma adequada, produtiva para quem dá ou recebe, é uma das mais importantes capacidades assertivas a serem desenvolvidas.(SERBINO, 2000).

    De acordo com MOSCOVICI (1998), competência interpessoal é a habilidade de lidar eficazmente com relações interpessoais, de lidar com outras pessoas de forma adequada às necessidades de cada um e às exigências da situação. A habilidade de lidar com situações interpessoais engloba várias habilidades, entre as quais: flexibilidades perceptivas e comportamentais, que significa procurar ver de vários ângulos ou aspectos da mesma situação e atuar de forma diferenciada, experimentando novas condutas percebidas como alternativas de ação. Outro componente da competência interpessoal refere-se ao relacionamento em si e compreende a dimensão emocional-afetiva.

    Ainda, segundo a autora, competência interpessoal, portanto, é resultante da percepção acurada realística das situações interpessoais e de habilidades especificas comportamentais que conduzem conseqüências significativas no relacionamento duradouro e autêntico, satisfatório para as pessoas envolvidas.

    Diante destes aspectos, como conseguir avaliar a competência interpessoal de um profissional da área de educação física?

    Tais aspectos induzem a identificar se, durante o curso de graduação houve uma abordagem dentro da disciplina que compete à temática?

    Como aferir a habilidade emocional de tal profissional, para o desenvolver adequadamente o trabalho com seus alunos na academia?

    Conflitos entre pessoas surgem porque existem pontos de vista diferentes, interesses diversos ou mesmo antagônicos. É necessário, por parte deste profissional, haver flexibilidade, compreensão, saber entender o momento psicológico de seus alunos, seus valores, e seus agentes bloqueadores ou as causas geradoras de sua forma de agir.

    Essa flexibilidade pode ser chamada de tolerância, paciência, amor ao próximo, empatia, bom senso, compreensão, boa vontade, bom humor, calma, e inteligência emocional - tais habilidade são chamadas de Competência Interpessoal por MOSCOVICI (1998).

    E como identificar este momento psicológico do aluno, principalmente o aluno que passa por algum tipo de conflito?

     Este estudo surgiu através de uma inquietação sobre como o profissional de Educação Física foi preparado - ou não - durante a graduação e como se coloca com relação à eficácia interpessoal diante dos conflitos emocionais de seus alunos, instigando a investigação sobre se realmente há o preparo psicológico perante estes fatos, se há assertividade na forma de conduzir e lidar com este individuo em conflito, se este profissional aprendeu a arte de perguntar e ouvir, a qual, consiste, em fazer perguntas reais, querer realmente saber o que o individuo pensa ou sente sobre algo, estar disposto a ouvir tudo o que ele tem a dizer, refletir sobre a resposta a ser dada, sem a necessidade de comentar, contestar ou apoiar. Diante destas inquietações, tanto do profissional como do individuo, a assertividade dentro dessa relação torna-se primordial.

    Isto foi, justamente o que inspirou este estudo, no sentido de se refletir sobre este universo, mais especificamente nas atividades de academias e o relacionamento interpessoal entre professor e aluno.

    Este estudo poderá contribuir para implementar discussões sobre adequação profissional para trabalhar com os diferentes estágios emocionais de seus alunos, especialmente ampliando a maneira de encarar possíveis transtornos, no sentido de minimizar possíveis conflitos e desequilíbrios de ambas as partes.

    Investigar se o profissional está adequadamente preparado para esta vivência emocionalmente marcante, visando identificar como ela interfere na qualidade do relacionamento interpessoal com seus alunos no âmbito da academia, é o foco deste estudo.

     Este estudo tem como natureza a abordagem qualitativa, por entender, como RICHARDSON (1989), que a pesquisa qualitativa favorece a compreensão do universo pesquisado, ampliando as possibilidades de captar mais intensamente os fenômenos e suas mudanças, dentro do processo social.

    LUDKE & ANDRÉ (1986) acrescentaram que, esta abordagem proporciona maior nível de profundidade na análise das respostas, propiciando um olhar nas entrelinhas evidenciadas nos discursos.

    A abordagem qualitativa propicia inter-relação entre o sujeito e sua realidade, demonstrando esta interdependência existente entre objeto e sujeito, como evidencia CHIZZOTTI (1991), a qual se torna clara e indissociável durante a pesquisa.

    Este estudo foi desenvolvido em duas etapas, sendo a primeira referente a uma revisão bibliográfica sobre as temáticas envolvendo o estudo do comportamento, das relações humanas, do desenvolvimento interpessoal, entre outras que se mostrarem pertinentes para a complementação deste estudo.

    A segunda etapa é relativa a uma pesquisa exploratória, utilizando-se como instrumento a técnica de entrevista estruturada, a qual tem como característica apresentar-se em forma de discurso livre, porém, orientado por perguntas-chave que abordam a temática, conforme evidencia CHIZZOTTI (1991).

    WEATHERALL (1970) salienta que esta forma de entrevista possibilita ao entrevistador obter maior conhecimento, devido ao fato de propiciar mais liberdade para que o entrevistado tome determinadas atitudes, no sentido de prestar melhor esclarecimento.

    A população alvo do estudo será composta por nove profissionais de educação física, de ambos os sexos, selecionados aleatoriamente, que ministram aulas em academias, de diversas modalidades e indivíduos, também de ambos os sexos, na cidade de Jales, SP, Brasil.

    As respostas obtidas através da entrevista foram analisadas descritivamente, uma vez que esta forma permite esclarecer mais facilmente o comportamento das variáveis intervenientes no estudo, conforme aponta RICHARDSON (1989).

    Para a analise dos conteúdos foi utilizada a técnica de Analise de Conteúdo, no sentido de se verificar a freqüência relativa ao tema mencionado, possibilitando aprofundamento da constatação das tendências dos conteúdos, conforme evidencia RICHARDSON (1989).

    Os dados obtidos indicam que, para 100% dos sujeitos entrevistados, não houve preparo psicológico durante a graduação, ou seja, não obtiveram informação sobre este tema. Seria necessária uma habilitação mais reforçada dentro da área de psicologia.

    Em 80% das respostas, os sujeitos não se sentiram adequadamente preparados para lidar com os diferentes momentos psicológicos e necessidades de seus alunos; porém 20% sentiram-se confiantes e, conseqüentemente, flexíveis e assertivos com seu autocontrole para adequar com equilíbrio o modo de agir com seus alunos. Contudo 100% dos sujeitos concordaram que é imprescindível que durante o curso de graduação a abordagem da temática seja implantada.

    Os dados deste estudo sugerem que os profissionais consideram-se despreparados psicologicamente para trabalhar com as diferenças emocionais de seus alunos, , o que, conseqüentemente, gera desequilíbrios e conflitos sobre a adequação ao papel profissional.

    A intervenção pedagógica pode ser entendida se considerarmos que os cursos de formação da área, até meados da década de 80, ofereceram apenas a habilitação licenciatura, em que a preocupação era a de preparar professores para a rede de ensino, com ênfase para ministrar aulas nas características do movimento técnico, repetitivo, estruturado em "seqüências pedagógicas", descontextualizado e acrítico (MOREIRA & SIMÕES, 2004, p. 64).

    Ainda segundo os autores, a concepção modernizadora destinava-se a atender as necessidades psíquicas individuais, superando a educação do físico pela educação por meio físico, mantendo a visão dualista de ser humano, pois agora relacionava os aspectos biológicos com os psicológicos.

    Como sugere MOREIRA & SIMÕES (2004), temos que admitir que este estudo parte de uma preocupação com os destinos da relação ciência & corpo, foco de produção de conhecimento também na área de educação física.

    Este estudo poderá contribuir para implementar discussões sobre adequação profissional para trabalhar com os diferentes estágios emocionais de seus alunos, especialmente, ampliando a maneira de encarar possíveis transtornos, no sentido de minimizar possíveis conflitos e desequilíbrios de ambas as partes.

     Diante dos dados, torna-se premente que os cursos de graduação em Educação Física evidenciem os conteúdos referentes às relações humanas, desenvolvimento psicológico, entre outros, como alternativa nas disciplinas afins, no sentido de aprimorar a formação dos profissionais da área em questão.


Referências bibliograficas

  • ALLPORT, G.W. Desenvolvimento da personalidade. 3 ed. São Paulo: Herder, 1970.

  • CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1991.

  • LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: uma abordagem qualitativa. São Paulo: EPU, 1986.

  • MOREIRA, W. W.; SIMÕES, R. (Orgs.). Educação Física: intervenção e conhecimento científico. Piracicaba, SP: Editora Unimep, 2004.

  • MOSCOVICI, F. Desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo. 8 ed. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1998.

  • PASSOS, S. C. E. (Org.). Educação Física e esportes na universidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Física e Desportos e Editora Universidade de Brasília, 1988.

  • PASSADORI, R. Comunicação essencial: estratégias eficazes para encantar seus ouvintes. São Paulo: Gente, 2003.

  • RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1989.

  • SERBINO, R. V. (Coord.). Formação continuada gestores de educação módulo I: gestão de pessoas: desenvolvimento de lideranças e organização de equipes. São Paulo: Secretaria de Estado da Educação e Instituto de Organização Racional do Trabalho, 2000.

  • SIMÃO, L. M. Relações professor-aluno. São Paulo: Ática, 1986.

  • TELFORD, C. W.; SAWREY, J. M. Psicologia: uma introdução aos princípios do comportamento. São Paulo: Cultrix, 1971.

  • WEATHERALL, M. Método científico. São Paulo: Editora da USP e Editora Polígono, 1997.

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