Imagem corporal da mulher: a busca de um corpo ideal Imagen corporal de la mujer: en busca de un cuerpo ideal Body image of women: the quest for an ideal body |
|||
*Professor/a da Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO Campus Goiânia Goiânia - Goiás **Professora Titular da Faculdade de Educação Física UNICAMP (Brasil) |
Profª Ms Daniela Dias Barros* ddbarros@yahoo.com.br Drª Antonia Dalla Pria Bankoff** bankoff@fef.unicamp.br Prof. Ms Ademir Schmidt* ademirnet@yahoo.com.br |
|
|
|
|||
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 87 - Agosto de 2005 |
1 / 1
Introdução
"Sonho um dia poder entregar meu corpo" (ZYLBERBERG, 2001). Palavras sábias e intrigantes; sonhadoras, mas reais; distantes, porém palpáveis. O que seria entregar-se? Talvez deixar as emoções e ações virem à tona, sem regras ou dogmas, ou entregar-se ao outro numa completa relação de comprometimento e cumplicidade. Ou ainda, deixar-se levar por padrões corporais impostos pelos meios de comunicação, compondo uma imagem de si mesma de acordo com a moda da época e as exigências sociais vigentes.
Esta última resposta vem trazer uma alusão acerca da imagem corporal que tanto buscamos. Nem sempre temos consciência de sua existência ou mesmo de sua complexidade. No entanto, o fato é que ela está presente em nossas ações, sentimentos, emoções e relações sociais. Imaginamos quem somos, projetamos uma idealização de quem gostaríamos de ser. E quando percebemos que, às vezes, estas imaginações não conferem com a realidade, ficamos frustrados e voltamos a buscar novas (ou velhas) imagens que possam revelar nossos corpos num eterno recomeço.
As exigências impostas pela sociedade atual, em sua maioria, não são facilitadoras do processo de busca pelo entendimento da real condição física que cada pessoa possui. Seus corpos tornam-se adestrados e "reformados" para melhor encaixarem-se em uma retidão corporal capaz de mantê-los aprumados, retos e verticalizados. Os modelos estéticos e sociais moldam a anatomia do corpo feminino, modificam seu discurso, alteram o status em que estão inseridos exibindo regras morais e censuras corporais. Sua funcionalidade em sociedade é meramente exibicionista no âmbito das variações de beleza e aparência estética, embora haja outras tantas funções que um corpo pode realizar.
O olhar do corpo é inibido e coagido a privar-se de sua liberdade de expressão estética. Sê-lo apenas já não é mais suficiente para controlar sua identidade ideológica. É preciso adequar-se às introduções disciplinares e utilitárias dos "novos" modelos femininos e belos da atualidade. A gradativa aceitação desses modelos trará, conseqüentemente, o desejo transformador do indivíduo para internalizar o fato de que é preciso ter um corpo ideal para que a visão alimentadora do pragmatismo social seja, enfim, realizada.
Não basta apenas ser identificado como parte de uma função social, o importante é não se desviar da presunçosa utilidade que um corpo ideal tem estética e moralmente. "Os corpos que se desviam dos padrões de uma normalidade utilitária não interessam" (SOARES, 2002, p.18) e se não interessam, torna-se essencial a sua adequação a tais modelos retos e verticais. O entregar-se aqui se apresenta como um fenômeno distante no que diz respeito à construção de uma imagem e identidade corporal únicas. Não que ela não exista, mas sua existência está cercada de prisões padronizadas e disciplinadoras que impedem o reconhecimento de que a imagem que temos de nós mesmos pode e deve ser sistematizada individualmente, apesar de ser moldada com a interação de outros indivíduos, como explica Schilder (1999, p.220): "o corpo é uma construção que se dá segundo uma situação global" e social.
Deste modo, para desvelar as interações e implicações da imagem corporal, realizamos um estudo sobre a busca da imagem corporal ideal, analisando como a beleza e as relações sociais configuram-se como essenciais na formação da imagem corporal. O grupo que fez parte da pesquisa foram seis mulheres, com idades entre 42 a 59 anos, todas funcionárias do setor de Gráfica da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas - participantes do Programa de Atividade Física e Saúde oferecido pelo Laboratório de Eletromiografia e Biomecânica da Postura da Faculdade de Educação Física - Unicamp.
A abordagem metodológica utilizada neste estudo foi a Pesquisa Qualitativa cuja forma elucidativa e subjetiva permiti-nos uma interação entre a realidade das entrevistadas e o objeto pragmático que é a imagem corporal. Usamos para a coleta de dados um diálogo (entrevista semi-estruturada) colocando questões que pudessem revelar a possível realidade corporal de cada entrevistada em relação à beleza e à imagem corporal. A análise dos dados foi feita com o uso da Análise de Discurso cujo desenrolar do texto permite, de acordo com Orlandi (2000, p. 26) "uma explicitação dos processos de significação presentes no texto e permite que se possam 'escutar' outros sentidos que ali estão, compreendendo como eles se constituem." Ou seja, a análise nos possibilita compreender o processo investigativo, mesclando com o processo discursivo, construindo assim, um texto objetivo que traz as implicações tangíveis no que se refere ao tema abordado. Os resultados obtidos estão inseridos no decorrer do texto, interagindo com os conceitos e prerrogativas do tema abordado.
Imagem corporal e suas proposiçõesO ser humano, em sua eterna arrogância desde o começo dos tempos na época dos deuses gregos até hoje busca a imortalidade. Prometeu, que foi o Titã criador dos homens, ensinou-lhes a utilização do fogo dos deuses e o poder do conhecimento. Mas em revelia à sua atitude, os deuses consideram-na um insulto, acorrentando-o sobre uma montanha sendo torturado pela águia que lhe bica o fígado diariamente. Sua imortalidade foi, então, assegurada. Mas a que preço foi conseguida essa imortalidade? Viver entrelaçado a correntes, com dores diárias e desejando a morte é uma boa forma de se viver?
A realidade vivida pela maioria das pessoas assemelha-se à condição de Prometeu: é uma situação dramática e tentadora. Um paradoxo inexorável. O movimento constante que nos leva a refletir sobre essas indagações parte do princípio de que todos gostaríamos de ter uma idealização acerca de nós mesmos que fosse considerada como exemplo a ser seguido. Aqui residiria nossa imortalidade. A dor e o sacrifício que por ventura poderíamos passar, seriam mínimos se nossa imagem de corpo fosse imortalizada. Mas a imortalidade necessariamente pede uma exclusão social, já que a maioria dos imortalizados terminou suas vidas mortais exclusos do meio em que viviam, pelo menos internamente.
No entanto, quando falamos de imagem corporal é essencial que haja uma relação de troca de experiências vividas a todo instante. Não há espaço para exclusões sociais. Não podemos enclausurar-nos no topo de uma montanha e esperar que aconteça uma construção saudável de nossa própria imagem de corpo. Há sim, escolhas a serem feitas, tais como: com quem e aonde iremos nos relacionar. Schilder (1999) explicita que há uma intrínseca conexão entre as imagens corporais das pessoas, sendo um processo dinâmico e constante. Porém, Schilder (1999, p. 302) explica que
não há imagem corporal coletiva; todos estruturam sua imagem corporal em contato com os outros. Há entretanto, uma troca contínua de modo que há várias partes de imagens corporais comuns a pessoas que se vêem, se encontram e se relacionam emocionalmente.
Assim sendo, a construção da imagem corporal de cada pessoa é um processo que se deve à incorporação de diversas partes das imagens dos outros que mais nos chama a atenção e à doação de nossas próprias imagens a eles. O fator emocional é de grande importância neste processo, pois quando interagimos com pessoas de quem gostamos, as experiências experimentadas são mais intensas, adquirindo um significado emocional em relação às diversas partes do corpo.
Os sentidos tornam-se primordiais na interação entre corpos. "Primeiro, temos a impressão sensorial do corpo do outro" (Schilder, 1999, p.250), depois incorporamos essa sensação ao nosso corpo e construímos a imagem corporal daquele instante. E este momento crucial poderá durar vários minutos ou modificar-se novamente ao percebermos uma nova sensação ou olharmos um outro corpo. Isso se deve a maleabilidade da imagem corporal. Ela jamais é estática. Pelo contrário, muda a cada novo sentido, a cada envolvimento com diferentes pessoas, sejam elas próximas ou não de nossa convivência social.
Em qualquer situação que estejamos, de certa forma, sempre queremos aproveitar o relacionamento que nos é proporcionado, seja no trabalho ou em casa. Um bom relacionamento social pode gerar uma formação da imagem corporal de modo a satisfazer-nos. "Relaciono bem com as pessoas. Não passo alguém que eu não sou" (sujeito 1). Além disso, o fato de querer passar uma imagem daquilo que realmente somos, traz a conotação de que desejamos mostrar ao outro o que existe de melhor em nós. Isto é, acontece o que Freud chamou de exibicionismo, que é a tendência em mostrar o corpo.
Surge uma relação de olhar e ser olhado, agradar e ser agradado. Consciente ou inconsciente, a imagem que temos de nós mesmos muda, dependendo da aceitação e julgamento que os outros fazem de nossa imagem. Há uma constante inter-relação na qual não se sabe ao certo onde começa e onde termina (BARROS, 2001, p.88).
E esta relação que existe entre o observador e o observado vem ao encontro do conceito de imagem corporal elaborado por Cash e Pruzinsky (1990, p.337-345) afirmando que imagem corporal é uma experiência subjetiva; é multifacetada; inclui sentimentos acerca de nós mesmos; é determinada socialmente através das influências que se prolongam por toda a vida; influencia o processo de informação, sugestionando-nos a ver o que esperamos ver, influenciando também o nosso comportamento e as relações interpessoais.
A partir dessa relação interpessoal existente nas relações humanas, é possível perceber que modelos corporais são formados constantemente. A cada novo olhar imbuído de emoções e pensamentos dado em outros corpos, esse modelo corporal é "desmanchado e reconstruído. Os processos de identificação, personificação e projeção têm papel importante nesse contínuo desenvolvimento da imagem corporal" (TAVARES, 2003, p.75).
Esses modelos corporais só podem existir no dado instante em que tomamos consciência que somos um corpo e temos uma imagem pré-determinada. Desta forma, podemos dizer que iniciamos o desenvolvimento da imagem corporal que irá implicar em dois fatores de suma importância: a produção de imagens e a estruturação da identidade do corpo (TAVARES, 2003).
Ao estruturarmos nossa identidade corporal estamos, automaticamente, produzindo imagens que irão refletir nossa presença no mundo. É preciso antes de tudo, experimentar o corpo, vivê-lo de forma singular e intensa através de nossas sensações para, depois, construirmos imagens que irão demonstrar quem somos ou quem queremos ser. "Se ampliarmos nossa compreensão sobre a dimensão de cada percepção (...), poderemos olhar sob novas perspectivas o desenvolvimento da identidade corporal e de sua imagem" (TAVARES, 2003, p.81).
Assim sendo, uma imagem corporal é constantemente renovada a cada percepção diferente que temos de nós mesmos e dos outros a nossa volta. Nosso corpo modifica-se, outras sensações confluem em uma reorganização corporal capaz de gerar uma nova imagem corporal, dependendo dos estímulos que o mundo nos oferece.
A beleza e as relações sociais como componentes da imagem corporalEm tempos remotos nas sociedades antigas havia a preocupação da mulher (esposa) em agradar o homem (marido), já que este era o principal atrativo social que elas possuíam, uma vez que não lhes era permitido trabalharem fora de casa. Outra obrigação dada a elas era o papel da procriação. Era preciso ser bela e fértil para ser mulher. Surge, então, o sexo frágil e improdutivo, mas um ser de suprema beleza (BARROS, 2001, p.52).
A beleza torna-se um fator primordial para a "sobrevivência social de uma mulher" (OLIVIER, 1999, p.205). Cada época passa a representar seus padrões de beleza de forma a privilegiar as tendências mais marcantes em um largo sentido. No início do século XX, o uso de vestidos longos que tampassem os joelhos e tornozelos dava às mulheres um poder de comandar os homens, pois elas definiam quando e o que mostrar de seu corpo. O uso de calça como forma de igualdade entre os sexos também mostra que a mulher pode ser bela e parecer-se com os homens ao mesmo tempo, sendo produtiva, fértil e capacitada para ter relações sociais mais ampliadas.
Schilder (1999) coloca que qualquer objeto (inclusive as roupas) que se conecte ao corpo passa a incorporar-se a ele. Qualquer roupa vestida torna-se parte da imagem corporal. Ou seja, a mulher ao vestir uma roupa escolhe, mesmo que inconsciente, a postura a qual estará usando. As roupas dão a ilusão de um poder mágico de supremacia e liberdade de expressão. Com elas, podemos ser mais fortes e determinadas ou feias e perdedoras. Utilizamo-nas como máscaras plásticas maleáveis capazes de modificar nossa imagem corporal. Superamos a rigidez aparente que os padrões beleza impõem em nossa imagem corporal através de roupagens que demonstrem rebeldia, classe, elegância, descontração, amabilidade, produtividade e superioridade.
Surge o que Schilder (1999, p.228) cita como sendo uma mutilação corpórea; "há um jogo contínuo com o corpo e com a imagem corporal." E neste jogo o narcisismo entra como parte importante na relação de desenvolvimento da imagem corporal. Tal termo refere-se a um egoísmo exagerado voltado a apreciação do próprio corpo como fonte de prazer, satisfação e beleza.
Imagem corporal e narcisismo podem diferir entre si na medida em que o primeiro está alicerçado na vivência concreta do corpo e o segundo nega o corpo real. Isto é, uma pessoa narcisista tem pouco contato interno. Estão ligados a uma imagem ideal que supõe possuírem quando, na verdade, escondem uma profunda frustração pois não conseguiram alcançar seus desejos e criticam os limites dos outros. E ainda, tentam preservar essa imagem ideal afastando-se do corpo real, pois este é incômodo e feio (TAVARES, 2003).
O corpo torna-se palco de investidas profanas em tentar apropriar-se de modelos impostos pela luxúria e pelo consumismo exacerbado. A busca pela modificação corpórea é permitida como uma prática saudável em que temos o direito de nos sentirmos belos e desejados, mesmo que para isto, seja necessária uma completa modificação da imagem corporal real para uma imagem corporal ideal, esta podendo ser nomeada também de a conquista do desejo capitalista produtivo e aniquilador.
A metamorfose que podemos fazer como o corpo vem mostrar uma insatisfação em relação à imagem que temos de nosso corpo. A remodelagem corporal é permitida na medida em que a busca por uma forma idealizada de corpo é constante. A tecnologia traz uma oportunidade de alterar uma imperfeição, um detalhe que cause desconforto sem observar que a imperfeição pode ser uma forma perfeita da construção da identidade de cada pessoa. Mudar tais detalhes pode transformar nosso estado emocional causando transtornos ou inovações na imagem corporal. Mas o fato é que essa transformação ocorre e deixará marcas conclusivas.
Ao perguntarmos as entrevistadas se elas mudariam alguma região em seus corpos, as repostas foram contundentes. "Em mim, acho que mudaria um pouco o cabelo" (sujeito 5); "tiraria a barriguinha" (sujeito, 2); "só tiraria o sinal da cesárea, a cicatriz" (sujeito 4). Falar das possibilidades de mudança física é referir-se a um anseio social. Todas gostariam de ter um corpo que pudesse causar maior impacto.
A aceitação corporal parece ser uma categoria de valores secundária. O corpo é entrelaçado às restrições e exigências sociais, dividindo espaço com a frustração e a insatisfação com os moldes físicos apresentados como sendo o correto e o belo. "Eu não gosto do meu corpo porque tenho barriga" (sujeito 6); "não fico constrangida ao falar do meu corpo; sou uma pessoa obesa, sou consciente disso. Então não fico, não faço nada para melhorar" (sujeito 3).
O que difere estas duas afirmações em relação à imagem do próprio corpo? Qual a relação existente entre a beleza e a consciência do corpo real? A primeira delas diz não gostar do corpo por ter barriga. Apesar desta ser uma parte anatômica integrante de nosso organismo, neste caso, ela passa a ser uma região incômoda capaz de gerar um descontentamento e, conseqüentemente, uma mudança negativa da imagem corporal desta pessoa.
Atualmente, o modelo de beleza vigente é um corpo esbelto, magro e perfeito. Ou seja, "ter barriga" não condiz com tais padrões, já que a magreza significa necessariamente privar-se dela. Ao mesmo tempo, estar consciente de um estado corpóreo específico pode levar a uma aceitação da própria imagem. "Ser obesa" não quer dizer estar distante de um legado de perfeição. Mas é aproveitar a oportunidade de vivenciar sua imagem de forma agradável sem preocupações em estabelecer um modelo de corpo ideal. O ideal, neste caso, é sua própria imagem, sua consciência em ser obesa e não querer fazer nada para mudar tal fato.
Em contra partida, o julgamento interior é um ponto importante. Ao olharmos para alguém que consideramos belo, podemos estar automaticamente excluindo pontos igualmente bonitos em nós mesmos. A mudança ocorrida na imagem corporal, que é instantânea neste caso, gera uma corrida para igualar-se ao objeto (corpo) de desejo observado. Na maioria dos casos, essa observação é negativa e o julgamento pode ser castrador pois, encerra uma desvalorização eminente de nossa própria imagem. Não gostar do corpo relata a influência que os modelos sociais têm em nossa vida diária. Julgar desvela a dimensão de nossos objetos de desejos não satisfeitos ou que, outrora, já o foram. "Já fui muito bonita; hoje não sou tanto" (sujeito 5).
O culto exagerado ao corpo padronizado como belo gera a exibição de imagens físicas adjacentes à beleza, que é a fonte de desejos cotidiana. O desconforto com a própria imagem corporal mostra-se em pequenos detalhes, dentre eles na elegância em andar, na forma de falar, no modo de se vestir e de comer. Ser baixa ou alta, magra ou gorda, feia ou bonita reflete a necessidade de não se deixar à deriva, mas incluir-se na movimentação desenfreada da beleza a qualquer custo.
A beleza relaciona-se diretamente com o que é ideal e com a ideologia de uma sociedade. Olivier (1999, p.01) explica que para entender a beleza, é preciso vivenciá-la. Ela "é um daqueles mistérios que se esconde nas coisas e que se revelam ao nosso olhar." Essas coisas podem ser nossos estados emocionais, a personalidade de cada um, a roupa que estamos usando, o corpo esbelto que "possuímos".
De acordo com as entrevistadas, a beleza apresenta-se como algo mais profundo, vinda do interior. Não é superficial e traz um discurso ideológico que, necessariamente, está envolvido com as relações sociais que vivenciamos diariamente. "Beleza é uma pessoa ser boa, sincera, olhar para você, falar com você com honestidade, com carinho" (sujeito 3). "É conversar com uma pessoa maravilhosa, mas ela não tem nenhum conteúdo para transmitir para você, é uma pessoa vazia. A beleza está na humildade, na simplicidade, no caráter" (sujeito 1).
O espaço em que nos relacionamos, que pode ser o próprio corpo ou o mundo de relações em que vivemos, é circundado pela imagem corporal. Nós interagimos uns com os outros constantemente. As imagens corporais ligam-se por meio de uma proximidade espacial que favorece o contato entre corpos e suas experiências. E um desses contatos é feito através daquilo que consideramos belo. A partir do instante que observamos algo bonito, passamos a interagir como este objeto (corpo de outra pessoa) e incorporamos partes de sua imagem corporal e doamos as nossas próprias imagens. Estabelecemos uma relação íntima, trocamos imagens corporais. É uma experiência de sentidos, como nos diz Schilder (1999, p.250) "primeiro temos a impressão sensorial do corpo do outro", depois atravessamos o limiar que nos separar para, de fato, apreendermos as sensações adquiridas.
Há uma conexão intermitente entre imagens corporais que é definida no instante da troca de um olhar ou do toque. É um intercâmbio entre sensações que alteram significativamente a imagem corporal, pois é um fenômeno contínuo e dinâmico.
A imagem corporal não existe per se, ela é uma parte do mundo. Está presente em toda experiência. É um dos lados da experiência plena, que inclui a personalidade, o corpo e o mundo. Nossa imagem só adquire suas possibilidades (...) porque nosso corpo não é isolado. Um corpo é, necessariamente, um corpo entre corpos (SCHILDER, 1999, p.310-311).
A imagem corporal, ao mesmo tempo em que é construída através dessa conexão entre corpos, é destruída também no mesmo instante. Ou seja, quando a modificamos com a troca de sensações corporais, a imagem anterior que tínhamos de nós mesmos é apagada desenvolvendo uma nova a partir da observação do outro. Desta forma, podemos afirmar que realmente torna-se um processo contínuo, intermitente e indefinido. Jamais iremos ter uma imagem fixa, pois ela estará mudando de acordo com as relações que estabelecemos em sociedade. A destruição é nada mais que um modo de renovação corporal, sendo esta, o verdadeiro significado da vida.
Considerações finaisO corpo, palco de imagens reais e porque não ideais, tenta ao longo de toda a vida ser uma representação concreta daquilo que julga ser coerente e palpável. É remodelado de acordo com as exigências impostas pela vigência social de cada época. A produção de corpos belos é imperativa, pois o que seria de nós caso não tivéssemos a beleza expressada em detalhes corporais sutis e inerentes à vida cotidiana.
A necessidade de uma constante atualização corpórea transforma o corpo em objeto de desejo. As imagens, em sua concretude, entrelaçam-se num emaranhado de conjecturas que transmitem a pragmática alusão do ideal a ser alcançado. Ideal este que se configura como o próprio desejo em ser corpo entre corpos. Ideal seria se fossemos corpos idealizados em busca das sensações que se perderam ao longo de nossa trajetória. Ideal seria se, ao relacionarmo-nos com os outros, pudéssemos estabelecer conexões intrínsecas capazes de ampliar nosso conhecimento acerca de nós mesmos. Ideal seria se nos contentássemos em apenas ser, sem o desejo de ter corpos imaginativos e ideais.
A imagem corporal é o resultado da vida social, que está intimamente ligada à beleza num processo de construção e reconstrução (SCHILDER, 1999). O corpo e o mundo precisam estar em completa sintonia para que possa haver um intercâmbio de relações a serem desenvolvidas. E só poderá existir corpo como parte desse mundo de relações, pois ambos são experiências interconectadas e projetadas para serem vivenciadas.
Imagem corporal é apenas uma parte de nossas vidas. Quando a unimos com outros corpos e integramos suas peculiaridades e abstrações, podemos, por fim, dizer que estamos buscamos ser realmente corpos em ação contínua. E a beleza encerra um paradoxo dessas relações pois se integra constantemente a elas. Ela reside em sua inexorabilidade.
Sejamos, então, corpos entre corpos, sejam eles belos e ideais ou apenas corpos...
Referências bibliográficas
BARROS, D.D. Estudo da imagem corporal da mulher: corpo (ir)real X corpo ideal. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Faculdade de Educação Física, UNICAMP, Campinas - SP, 2001.
CASH, T.F.; PRUZINSKY, T. Body images: development, deviance and change. New York: The Guilford Press, 1990.
OLIVIER, G.G.F. Imagens da beleza: o dilema de Paris. Tese (Doutorado em Educação Física) - Faculdade de Educação Física, UNICAMP, Campinas - SP, 1999.
ORLANDI, E.P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas - SP: Pontes, 2000.
SCHILDER, P. A imagem do corpo: as energias construtivas da psique. 3ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SOARES, C.L. Imagens da educação do corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX. 2ªed. Campinas - SP: Autores Associados, 2002
TAVARES, M.da C.G.C.F. Imagem corporal: conceito e desenvolvimento. Barueri - SP: Manole, 2003.
ZYLBERBERG, T.P. Sonho de mulher. In: BARROS, D.D. Estudo da imagem corporal da mulher: corpo (ir)real X corpo ideal. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Faculdade de Educação Física, UNICAMP, Campinas - SP, 2001.
revista
digital · Año 10 · N° 87 | Buenos Aires, Agosto 2005 |