Estádio Mineirão: orgulho e redenção do futebol mineiro | |||
Graduando em História/Bacharelado pela UFMG. Graduando em Pedagogia pela UEMG. Autor de "A Copa do Mundo no Brasil (1950): Belo Horizonte e o ideal de cidade almejado para encantar os estrangeiros" http://www.efdeportes.com. Revista Digital. Buenos Aires. Ano 10, n.º 86, julho de 2005. |
André Carazza dos Santos andrecarazza@yahoo.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 87 - Agosto de 2005 |
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"Futebol se joga no estádio?
Futebol se joga na praia,
futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma."
Carlos Drummond de AndradeSeguindo as palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade, o futebol em Minas Gerais, desde quando lá chegou, no início do século XX, já passou a ser praticado na alma e na rua. Se não o era na praia, deve-se a caprichos da natureza que não cabem explicações nem contestações. Quanto à interrogação inicial, se o futebol se joga no estádio, em cidades mineiras ele era jogado, mas em pequenos e acanhados estádios. Estádios de futebol sempre foram entendidos como instrumentos que medem a paixão de um povo por este esporte. Grandes estádios representariam grandes paixões. Estádios modestos, paixões igualmente comedidas. Embora perigosa, esta avaliação parte da premissa de que o futebol é feito de jogadores, torcedores, dirigentes e estádios. A união destas partes constituiria um desenho do relevo alcançado pelo futebol em um determinado lugar. Em Minas, os estádios eram apontados como fatores dissonantes da importância que este esporte atingira naquelas terras, além de serem responsabilizados pela limitação do futebol mineiro.
Flâmula distribuída como forma de divulgação do Estádio Minas Gerais. Arquivo Pessoal do autorUm estádio em Minas Gerais com capacidade para receber um público numeroso nunca foi visto como o ápice, o último objetivo, o ponto de chegada. Ao contrário, um grande estádio seria o ponto de partida, um importante passo que alçaria o esporte mineiro, em especial o futebol, à projeção e ao reconhecimento de que este era merecedor. O meio esportivo de Minas Gerais se sentia injustiçado por não poder equiparar-se aos paulistas e cariocas - que, além do esporte, comandavam as questões político-econômicas do país -, sendo que o principal motivo alegado era a falta de um estádio como o Maracanã no Rio de Janeiro, ou o Pacaembu, e depois o Morumbi, em São Paulo. Um estádio majestoso proporcionaria aos mineiros "um grande destino que é a formação com Rio e São Paulo de um grande tripé de sustentação do futebol brasileiro."1
Um grande estádio era entendido como sinônimo de grandes públicos que, por sua vez, representariam ótimas rendas que, por fim, proporcionariam aos clubes mineiros condições para permanecerem com aqueles jogadores que mais se destacassem. Argumentado por este silogismo, um novo estádio era visto como um divisor de águas do futebol de Minas Gerais, pois evitaria o êxodo dos melhores atletas surgidos em gramados mineiros para os principais times paulistas e cariocas.
Um caso ilustrativo da necessidade de um estádio com grande capacidade em Belo Horizonte, capital e principal cidade mineira, ocorreu no Campeonato Brasileiro de Seleções de 1963, competição realizada pela Confederação Brasileira de Desportos que reunia as seleções dos estados brasileiros. Realizado desde 1923, São Paulo e Rio de Janeiro se revezavam na conquista do título máximo. Naquele ano, porém, Minas Gerais desbancou paulistas e cariocas e se sagrou Campeã Brasileira.2 A alegria do triunfo, no entanto, foi minimizada pela tristeza da despedida de importantes craques daquele time que rumaram para o Rio de Janeiro e São Paulo. Um grande estádio em Minas era condição imprescindível para que se interrompesse esta sina, pois ele representaria "a solução que transformará seu futebol [mineiro] em mercado consumidor de craques, deixando de ser mercado produtor".3
Panorama do Estádio Minas Gerais na época de sua inauguração. Arquivo pessoal do autor.A necessidade de um grande estádio em Belo Horizonte já era sentida na década de 1940. Tentativas que logravam este objetivo bateram na trave por diversas vezes. O Estádio Independência, construído entre 1948 e 1950 para sediar a Copa do Mundo de Futebol, representou, segundo a linguagem da crônica esportiva da época, o salto triplo. Os três principais estádios de Belo Horizonte até então tinham uma capacidade que margeava os 10 mil espectadores. O Independência, erguido pela prefeitura municipal, conseguia abarcar um total de 30 mil torcedores. Um salto importante, sem dúvida, mas que ainda ficava aquém do interesse mineiro pelo futebol.
Em 1954, o então governador Juscelino Kubitschek de Oliveira, ciente da desarmonia entre o Estádio Independência e a popularidade do futebol mineiro, "prometeu dar a Minas Gerais uma praça de esportes digna do progresso do 'association' montanhês".4 Para tanto, o governador nomeou uma comissão que ficaria responsável pelos planos de construção do Estádio. No entanto, os mineiros precisaram esperar mais alguns anos para a concretização de seu sonho, visto que este projeto não foi adiante.
Uma outra tentativa de se construir um grande estádio em Belo Horizonte partiu da Federação Mineira de Futebol que, em 1958, apresentou um projeto de um grande estádio, um terreno destinado a sua construção (na margem da antiga BR-3, atual BR- 040), uma construtora responsável pela sua viabilização, e uma verba que o financiaria (venda de cadeiras cativas). Mais uma vez, porém, a intenção não passou do projeto: divergências relacionadas à licitude da escritura do terreno esfriaram os ânimos e engavetaram o empreendimento.
O sonho dos mineiros ganharia força, mais uma vez, em meados de 1959, quando o deputado estadual Jorge Carone apresentou a seus pares a proposta de se "construir um estádio sem sacrificar o povo", 5 denominado "Estádio Minas Gerais". Pelo projeto, uma parcela da renda adquirida pela venda de bilhetes da Loteria Estadual seria destinada à construção "da maior praça de esportes de Minas Gerais". 6 Não faltou, como era previsível, argumentos favoráveis a que o dinheiro fosse desviado para "obras mais importantes" , 7 pois, alegavam, "doentes e analfabetos é que não faltam em Minas". 8 No entanto, o projeto foi aprovado e, posteriormente, sancionado pelo então governador Bias Fortes em 13 de agosto de 1959 e transformado na lei n.º 1947.
Coube também ao governador Bias Fortes a nomeação de um jovem engenheiro, Gil César Moreira de Abreu, recém formado em Engenharia Civil pela Universidade de Minas Gerais (UMG), como Administrador do Estádio. O juizdeforano, que contava à época com 26 anos, tinha sido jogador de basquete e, durante o período em que presidiu a Federação Universitária Mineira de Esportes, lutou pela construção de um grande estádio em Belo Horizonte. Caberia ao jovem administrador capitanear os outros engenheiros que formavam a equipe responsável pelo grande empreendimento. 9 A nomeação de Gil César, devido a sua relação com o esporte, foi vista com bons olhos pela crônica esportiva, sendo ele tido como um "engenheiro disposto a molhar as axilas". 10
Apesar de sancionada a lei, ainda inexistia o terreno no qual se construiria o estádio. O Serviço de Patrimônio do Estado de Minas Gerais não possuía um local adequado e a compra de terrenos particulares não era interessante pelo fato de que iria consumir grande parte da verba destinada à construção do estádio. Assim, outro ponto decisivo para a concretização do sonho dos mineiros ocorreu em 27 de fevereiro de 1960. Neste dia foi firmado um convênio entre o Ministério da Educação e Cultura, a Universidade de Minas Gerais, o Conselho de Administração do Estádio Minas Gerais e a Diretoria de Esportes do Estado de Minas Gerais. A assinatura deste convênio garantiu a construção do estádio em um terreno cedido pela UMG, que, em contrapartida, garantiria a seus alunos o uso, além das instalações do estádio, do centro esportivo que seria construído concomitante à praça de esportes. 11
As obras do "Gigante da Pampulha", como desde o início passou a ser chamado, em uma referência que reunia a grandiosidade do projeto com o bairro onde ele se localizava, iniciaram-se em março de 1960 com os serviços de terraplanagem. Mas apenas no ano seguinte a obra ganhou novo impulso através da diligência do governador Magalhães Pinto e dos financiamentos oriundos da Secretaria da Fazenda e da Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais.
Inicialmente, 250 operários trabalhavam na construção da praça esportiva. Quanto mais a data prevista para a inauguração do estádio se aproximava, elevava-se o número de trabalhadores que se dedicavam à obra. Assim, no início de 1965, já eram 1.500 trabalhadores e, às vésperas da inauguração, 2 mil operários se revezam nos três turnos sob o comando do construtor Gil César Moreira de Abreu.
O dinheiro advindo da venda de cadeiras cativas do estádio foi outra importante fonte de financiamento da praça de esportes. Pelé, no auge de sua carreira, foi garoto-propaganda destas vendas. Foram distribuídas inúmeras flâmulas pela cidade com a foto do famoso jogador e os dizeres: "Sua grande jogada é uma cadeira no Estádio Minas Gerais". 12 Os mineiros eram seduzidos a adquirir a cadeira por dois motivos tentadores: os benefícios oriundos da posse e a contribuição para a concretização do sonho de um grande estádio. Unindo o útil ao agradável, os mineiros dariam mais uma prova de amor à sua terra:
Cada adquirinte de uma cadeira cativa, além de se assegurar de uma série de privilégios e regalias, estará cooperando decisivamente para a efetivação de um empreendimento de que todos os mineiros se orgulharão. Nós sabemos que os mineiros jamais faltaram a Minas em todos os eventos marcantes de sua história. 13
Gradativamente, o Estádio Minas Gerais desmentia os céticos e maravilhava àqueles que visitavam as obras na Pampulha. O engenheiro Gil César Moreira de Abreu, responsável pelo empreendimento, recebia da crônica esportiva, constantemente, elogios acerca de seu dinamismo e competência. Quando já se caminhava para a concretização do sonho, um importante teste foi realizado para provar a segurança das estruturas do estádio:
Foi excelente o resultado obtido com a prova de carga feita, há dias, nas arquibancadas do Estádio 'Minas Gerais'. Para testar a segurança dos diversos setores, os responsáveis técnicos pela obra reuniram, pela manhã, os operários que trabalhavam nos dois turnos, cêrca de 2.000, em um dos setores das arquibancadas já pronto, fazendo com que os mesmos pulassem seguidamente sôbre os degraus. Os testes foram acompanhados pelo prof. Mário Fox Drummond, da Escola de Engenharia da UMG, com aparelhos apropriados, que acusaram a perfeita estabilidade da estrutura. Êste teste foi feito seguidamente nos demais setores já prontos, todos apresentando o mesmo resultado do primeiro. 14
A partir do momento em que se tomou conhecimento do projeto do Estádio Minas Gerais, as comparações com outros estádios passaram a fazer parte da crônica esportiva nacional. Nestas comparações, o Maracanã era personagem constante e, para orgulho dos mineiros, apontavam-se as semelhanças e diferenças, as qualidades e defeitos de um e outro estádio. A comparação, que confrontava um estádio no alvorecer de sua existência com um outro que já havia completado 15 anos, era favorável ao mais novo. Assim, o estádio carioca era vangloriado por seu tamanho, enquanto o estádio mineiro por ser moderno, suave e eficiente.
O Estádio Minas Gerais, erguido na Pampulha, é o segundo do Mundo e o mais moderno do Brasil. Qual a diferença entre o Maracanã e o Minas Gerais? O Maracanã é maior, porém o Minas Gerais é mais moderno.
Os nossos engenheiros, tendo à frente o jovem e dinâmico Gil César, sabiamente não incorreram nas mesmas falhas do primeiro estádio do mundo - o Maracanã. Aliás, assim não poderia deixar de ser, pois, se tenho um vizinho que constrói uma casa com pequenos porém visíveis defeitos, seria eu um grande incoerente se erguesse outra construção, com a mesma estrutura, ao lado, repetindo as mesmas falhas.
Como comparar os dois estádios, feito à imagem e semelhança do outro? Eu diria que o Maracanã é o Boeing, um avião grandioso, pesado, eficiente e grandalhão; o Estádio Minas Gerais é o Caravelle, o avião suave, sutil, eficiente. 15
Outra comparação que acompanhou o Mineirão, apelido pelo qual o novo estádio ficou popularmente conhecido, ao longo de sua construção se deu com o Estádio Independência. 16 Um grande estádio já era um antigo sonho do meio esportivo mineiro. Minas Gerais, que já era o terceiro centro esportivo do Brasil na década de 1940, viu na construção do Estádio Independência a possibilidade de equiparação com São Paulo e Rio de Janeiro. Projetado para um público de 45 mil espectadores, a convicção era de que "o Independência marcará a independência do futebol em Minas Gerais". 17 A exigüidade de tempo, no entanto, impediu a concretização do sonho mineiro. O audacioso projeto inicial foi substituído por um bem mais modesto. Com uma capacidade que não excedia 30 mil torcedores desconfortavelmente acomodados, o Estádio Independência não conseguiu equiparar-se com a paixão mineira pelo futebol, e Minas continuou sonhando com um grande estádio. 18
Ingresso da inauguração do Estádio Minas Gerais. Arquivo pessoal do autor.Desta forma, quando o Mineirão passou a ganhar contornos definitivos, com uma capacidade para acomodar 130 mil torcedores, a famosa desconfiança mineira, alimentada por muitas frustrações, cedeu lugar ao entusiasmo pela grande obra. As qualidades do novo estádio eram contrapostas com as limitações do Estádio Independência e a euforia tomava conta dos mineiros.
Faltam cinco minutos para terminar o jôgo. No Independência você já estaria se locomovendo para o portãozinho de saída, perdendo bons e decisivos minutos de futebol. Aqui no Mineirão, entretanto, esta preocupação não existirá mais: sem afobação, correria e apertamentos, você sairá tranquilamente por uma das saídas do Estádio. Mesmo que o bruto esteja lotadíssimo e você seja um dos últimos da arquibancada ou geral, não demorará mais de 10 minutos para estar fora de campo.
O torcedor pode se lembrar do drama que nos impingia o campo do Independência: filas enormes para beber água: apenas duas torneiras. Dois sanitários constantemente acorridos. Mas com o Mineirão acabou tudo isso.
Talvez pelo espírito folgazão do mineiro, o infeliz torcedor que sofreu anos com sol bravíssimo do Independência, o arquiteto Gaspar Garreto houve por bem arranjar lugares à sombra pra todo mundo. [...] O torcedor mineiro ganhou lugar à sombra. 19
Mas o Estádio Minas Gerais não foi comparado apenas com os estádios brasileiros. Não raro apontado como "o mais moderno do mundo", era orgulhosamente comparado a outros famosos estádios internacionais. O construtor do estádio, Gil César Moreira de Abreu, viajou até o Japão para travar conhecimento com os modernos estádios que foram erguidos em Tóquio para sediar os Jogos Olímpicos de 1964. Os projetos de outros estádios mundo afora também foram estudados a fim de se obter um estádio "perfeito sob todos os pontos de vista":
Em Minas, porém, a grama é inigualável, de um verde puro, uniforme, viçosa como eu nunca vi, no Wembley, em Londres, ou no Vale do Jamor, em Lisboa. [...] Os mineiros orgulham-se, também do seu estádio ser perfeito sob todos os pontos de vista. Copiaram muita coisa do Maracanã e estudaram as plantas das principais praças de esportes do Japão, Suíça, Itália, Inglaterra, França, Portugal, México, Iugoslávia, Canadá e Hungria, especialmente solicitadas. Inteligentemente, aperfeiçoaram o que era bom, eliminando o supérfluo. 20
O entusiasmo para com a grande obra erguida na Pampulha rendeu eloqüentes versos poéticos dos cronistas esportistas mineiros e até um hino dedicado ao Estádio Minas Gerais. Este último, recomendavam os jornais, poderia ser cantado até mesmo em ritmo de samba:
O Estádio é a grandeza do cosmo; a magnificência de uma lua cheia; a riqueza lapidada de Salomão; o deslumbramento do paraíso; o imã das cores; o enigma da engenharia; a forma do universo; o manto de Cristo e o dedo de Deus. 21
Salve o nosso estádio Minas Gerais
Motivo de orgulho do esporte nacional.
Salve o nosso governador,
O grande construtor desta obra monumental.
Salve o nosso futebol,
Campeão, Campeão.
Salve o desportista mineiro,
Grita alto o hip-hurra, hip, hip-hurra,
Para o mundo inteiro. 22A inauguração do Estádio Minas Gerais, como não poderia deixar de ser, esteve condizente com o entusiasmo dos mineiros pela grande obra. A comemoração começou com um churrasco dedicado aos operários, onde "no mínimo 20 bois (ou vacas) foram devorados", 23no dia 17 de julho, a fim de festejar o término de concretagem do estádio. A programação oficial de inauguração, marcada para 05 de setembro de 1965, incluía: salva de canhões na lagoa da Pampulha, exibição de saltos em cama elástica, demonstração de cães amestrados, bandas da Polícia Militar, discurso de Gil César Moreira de Abreu e do governador Magalhães Pinto, benção do Estádio, desfile de colegiais, helicópteros, pára-quedistas e Esquadrilha da Fumaça, hasteamento da bandeira nacional, presença do jogador Bellini, capitão da seleção bicampeã mundial de futebol, acendendo a pira olímpica, revoada de pombos, e, por último, um jogo entre a Seleção Mineira e a equipe argentina do River Plate.
A programação, que teve seu início às 9 horas, se estendeu até às 18 horas. Um dia tão festivo não poderia reservar um desfecho trágico para os mineiros. A vitória da seleção de Minas Gerais, com um gol solitário do jogador Buglê, do Clube Atlético Mineiro, frente a equipe do River Plate, "um time mirabolante, fantástico, incrível e extraordinário", 24 eternizou um "momento histórico na vida do esporte brasileiro" 25:
O mineiro viu cães adestrados da Polícia Militar, ouviu brados, cantou o "OH Minas Gerais", mas nada o alegrou mais, que o início da partida de sua seleção contra o River Plate. [...] Buglê fez estremecer as montanhas de Minas e os alicerces do Estádio: marcou o primeiro gol oficial, depois de passar por um adversário e aproveitar-se de uma indecisão do goleiro Gatti. Um gol que valeu uma placa no saguão do Estádio. E mais: ficará marcado numa das páginas nobres (como esta) da literatura esportiva brasileira. 26
Mesmo encerradas as festividades de inauguração do estádio, a euforia permaneceu no meio esportivo da capital mineira. A confiança de que um grande estádio era o que entravava o futebol de Minas Gerais gerava a certeza de que este se transformaria numa potência nacional:
Não tenham dúvidas: América, Atlético e Cruzeiro possuem equipes melhores que Vasco, Flamengo e Fluminense. Bem melhores, aliás. [..]Entretanto, mesmo ficando aqui, o melhor futebol, êle não aparece lá, no Rio, como verdadeiro. Por que? Porque não tínhamos um estádio. Agora, clubes e cronistas vão ter de vir assistir aos nossos bons jogadores chutarem a bola, e nos render homenagens. O que faltava, aí está: ESTÁDIO. Os que existiam antes, eram currais. 27
O Estádio Minas Gerais foi apresentado como detentor de "cinco características possantes" que o colocariam como "o mais moderno do mundo (sem exagêro)". 28 Estas características, tidas como "as cinco maravilhas do Mineirão" , seriam: segurança, conforto, gramado, iluminação e o sombreamento. Todas estas características eram atrações que incitavam os mineiros a conhecere seu estádio. A iluminação seria capaz de iluminar "todo caráter obscuro de juiz" ; o gramado do campo era apontado como "o melhor gramado do mundo"; o conforto e a cobertura do estádio permitiriam "sombra e água fresca" ; e a segurança permitira mais tranqüilidade às esposas dos torcedores:
Senhora espôsa: pode deixar seu marido ir ao Mineirão e aguardar, tranquila, a sua volta são e salvo. Já é desnecessário o mêdo. De fato, outrora suas preocupações tinham muita razão de ser, pela absoluta falta de segurança que existia em nossos campos. Mas êsse nosso estádio, em matéria de segurança para o torcedor, é o máximo. São tantas entradas e saídas, que às vezes se entra saindo, ou sai-se entrando. Um exemplo: se der um bololô nas arquibancadas, o fulano dá um pinote para qualquer lado e encontra uma magnífica saída, segura e saudável, sem atrôpelo, machucações, etc. Uma observação: se o cidadão marido chegar muito tarde em casa, alegando que demorou um tempão para sair do campo, puxe-lhe vigorosamente os lóbulos do ouvido. Trata-se de uma mentira, até infâmia, pois o máximo que qualquer sujeito pode levar para sair são dez contados minutos. Nem mais um minuto só. 29
Mas a esposa não precisaria ficar em casa, aguardando a chegada de seu marido. Duas características do novo estádio atraíam a presença feminina: segurança e conforto. A mulher mineira, que sempre acompanhou os jogos futebolísticos realizados na capital, tinha, agora, um estádio que permitia sua presença sem os conhecidos problemas dos outros estádios de Belo Horizonte. E a presença feminina já foi notada logo na inauguração do Estádio Minas Gerais:
E as mulheres em campo? Que coisa boa é ter mulher em campo. Com suas calças compridas, seus gritos inofensivos, feminis, e sobretudo beleza, que não faltou em nenhum momento. Vieram dar colorido que faltava em campo de futebol. 30
A grande euforia que dominou as comemorações de inauguração do Gigante da Pampulha também esteve presente nos festejos de um ano do estádio: as estatísticas que indicavam que 2 milhões de torcedores já haviam passado pelo estádio, o sucesso dos clubes mineiros, que desfilavam craques que eram cobiçados, sem sucesso, pelos grandes clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo, os visitantes que faziam do estádio "escala obrigatória na rota do turismo em Minas Gerais" ; 31 tudo confluía para a fácil conclusão de que
O Mineirão, um ano depois, já mostrou ao Brasil esportivo, a nova (e brilhante) fase do futebol mineiro: rendas fabulosas e vitórias expressivas de quadros mineiros contra adversários categorizados, de dentro e fora do país, são os comprovantes. Gil César Moreira de Abreu, construtor do Estádio, um mês antes de sua inauguração afirmava que o futebol mineiro se divide em duas fases: "antes e depois do Estádio". 32
Esta euforia e este orgulho dos mineiros para com a imponência da grande praça de esportes erguida na Pampulha, que se contrapunha com o propagado espírito comedido do povo de Minas Gerais, desembocou em uma previsão, datada de 1966, de que o grande estádio seria o mais adequado do mundo para, futuramente, receber jogos de um hipotético Campeonato Inter-Planetário:
Do jeito que vai, o mineiro terá daqui a 100 anos uma comemoração diferente para apagar as velinhas do Mineirão. Pode ser - quem sabe - uma partida entre o escrete da Terra contra um poderoso time de marcianos, ou então "o poderoso esquadrão lunático" na opinião dos locutores esportivos da época. O Mineirão, pelas suas formas, sua beleza arquitetônica, sua imponência ultrapassará tôdas as grandes descobertas - jamais será chamado de superado e quando o mundo estiver discutindo com os altos paredros do futebol marciano, o local de um jôgo decisivo do Campeonato Inter-Planetário, um deverá gritar durante a sessão, talvez representando a reencarnação do Gil César Moreira de Abreu: vamos todos ao Mineirão. 33
Embora a construção do Estádio Minas Gerais tenha atendido uma reivindicação do círculo esportivo de Belo Horizonte, a grandiosidade do empreendimento foi usada para glorificar o virtuosismo do homem mineiro. Declarações de autoridades políticas sobre o empreendimento da Pampulha transcendiam o âmbito meramente esportivo. O orgulho do estádio era transformado em orgulho da capacidade empreendedora do povo mineiro, como ilustra a declaração do então Secretário da Educação, Aureliano Chaves:
O Estádio Minas Gerais é uma síntese da capacidade realizadora do nosso povo. Não se sabe o que mais admirar: se a eficiência dos engenheiros, arquitetos, mestres de obras, operários encarregados da execução da obra; se a precisão dos calculistas das estruturas; se a beleza e a funcionalidade do projeto arquitetônico. É, enfim, uma grande obra, que contribuirá decisivamente para o engrandecimento de nosso esporte e que honra e enaltece a nossa engenharia. 34
A importância da grandiosa obra, bem como sua relação com uma grande massa da população que freqüenta suas instalações, gerou conflitos quanto ao nome que deveria caber ao estádio. Inicialmente denominado "Estádio Minas Gerais", logo apareceram diversas iniciativas buscando a troca do nome por outro que homenagearia uma autoridade política que se dedicou a sua construção. Como explicitado anteriormente, três figuras políticas se envolveram decisivamente na construção do Mineirão: Jorge Carone, Bias Fortes e Magalhães Pinto.
Propaganda da inauguração do Estádio Minas Gerais. Arquivo pessoal do autor.O deputado Jorge Carone, que posteriormente governou o município de Belo Horizonte, foi alvo de uma campanha que buscou popularizar um apelido para o estádio: Maracarone, que relacionava o Estádio Maracanã com o sobrenome do autor do projeto que deu origem à praça de esportes. Bias Fortes, governador que iniciou as obras de construção do estádio, viu com bons olhos a mudança da denominação do Minas Gerais para Estádio Governador Bias Fortes, declarando que "aceitaria com máximo prazer a homenagem" . 35 Por fim, ganhou a disputa o governador Magalhães Pinto, a quem coube a inauguração do Mineirão. O então governador não cansava de enfatizar seu desejo de inaugurar a obra antes do término de sua gestão, o que realmente aconteceu, e foi agraciado com a homenagem: o Gigante da Pampulha leva o nome de "Estádio Gov. Magalhães Pinto". Não obstante, a crônica esportiva soube homenagear, quando da inauguração do novo estádio, os três importantes personagens da grande obra:
Ao Sr. Jorge Carone Filho, que em momentos de inspiração divina, indicou os caminhos que deveriam ser seguidos para que a construção do Estádio fôsse realizada.
Nossa homenagem ao ex-governador Bias Fortes pelo apoio que deu ao projeto Jorge Carone, pois foi durante o seu govêrno, rico em realizações, que o Estádio começou a se erguer.
Ao Sr. Magalhães Pinto, atual governador de todos os mineiros, o agradecimento sincero do esporte. Graças a sua atuação dinâmica que os alicerces do Estádio puderam subir, até a sua consumação definitiva como um verdadeiro Estádio. 36
E o Mineirão conseguiu cumprir seu dever. O Estádio foi palco de jogos inesquecíveis, viu os maiores jogadores do mundo e acolheu os torcedores mais fanáticos. O Gigante da Pampulha foi testemunha de conquistas e glórias do futebol mineiro e muitas vezes foi pequeno para a paixão incomensurável do torcedor de Minas Gerais. Ao longo de sua história, o grande estádio foi alvo de algumas importantes reformas, o que ocorreu sem a perda de sua imponência, eficiência e charme. O Mineirão foi fundamental para Minas Gerais se afirmar, no que diz respeito ao futebol, como uma das principais potências nacionais. Prestes a completar 40 anos, o que acontecerá em 05 de setembro de 2005, o Estádio Gov. Magalhães Pinto continua sendo um orgulho para o povo mineiro.
Notas
Armando Nogueira - Especial para Foto Esporte. Revista Foto Esporte, n.º 10, setembro de 1965.
Das 25 edições disputadas do Campeonato Brasileiro de Seleções, o Rio de Janeiro venceu 13 vezes, São Paulo venceu 10, a Bahia venceu em 1934 e Minas Gerais em 1963. Neste ano, que foi o último da competição, Minas Gerais foi campeã invicta com a seguinte campanha: 6 X 1 (Paraná); 4 X 0 (Paraná); 3 X 0 (São Paulo); 1 X 1 (São Paulo); 1 X 0 (Rio de Janeiro); 2 X 1 (Rio de Janeiro).
O Gigante de Minas. Revista Manchete, n.º 700, 18/09/1965.
Um grande estádio para o nosso futebol. Estado de Minas, 04/02/1954.
A vitória de Carone. Revista Foto Esporte, n.º 09, julho de 1965.
O governador Bias Fortes sancionou a lei que autoriza a construção do Estádio. Estado de Minas, 14/08/1959.
Mineirão: a grande sorte dos mineiros. Revista Foto Esporte, n.º 09, julho de 1965.
Notas do dia. Estado de Minas, 10/04/1965.
Engenheiros do Estádio Minas Gerais: Abílio Pereira Veiga, Antônio Ignácio Rocha Bartalozzi, Arnaldo Pinto Filho, Breno Augusto Paiva Paulino, Camilo de Assis Fonseca Filho, Ferdinando Vargas Leitão de Almeida, Francisco Abel Magalhães Ferreira, Gilberto Oswaldo de Andrade, Lislt Vianna, Orlando Martins Vieira, Selem Hissa Filho, além de Gil César Moreira de Abreu, Administrador do Estádio, e Luís Pinto Coelho, presidente do Conselho de Administração do Estádio Minas Gerais.
Gibu - o homem do estádio. Revista Foto Esporte, n.º 09, julho de 1965.
Assinaram o convênio: Ministro Clóvis Salgado, Reitor Pedro Paulo Penido, Deputado Jorge Carone Filho e Engenheiro Gil César Moreira de Abreu. O Centro Esportivo Universitário, erguido em frente ao Estádio Minas Gerais logo após a sua inauguração, é composto por 2 piscinas, 8 quadras de voleibol, 8 quadras de basquetebol, 6 campos de futebol e 5 quadras de tênis.
Publicidade de destaque presente nos grandes periódicos da capital mineira ao longo da primeira metade do ano de 1965.
Cadeiras cativas darão posição privilegiada, conforto e tranquilidade aos seus possuidores. Estado de Minas, 29/01/1965.
Teste para as arquibancadas. Estado de Minas, 17/06/1965.
Respectivamente: O Gigante de Minas. Revista Manchete, n.º 700, 18/09/1965. Fora das quatro linhas. Revista Foto Esporte, n.º 09, julho de 1965. Armando Nogueira - Especial para Foto Esporte. Revista Foto Esporte, n.º 10, setembro de 1965.
O nascimento do apelido "Mineirão" constitui um desafio para àqueles que estudam a história do futebol mineiro. Alguns apontam o cronista esportivo Armando Nogueira como autor do apelido, outros indicam a revista esportiva Foto Esporte como a primeira publicação que fez uso do apelido. O construtor do Estádio, Gil César Moreira de Abreu, afirmou que apelido é o povo que dá. Esta última parece ser a hipótese mais adequada.
Fala-se que o Independência não será concluído. Estado de Minas, 05/07/1950.
Ver Santos, André Carazza dos. A Copa do Mundo no Brasil (1950): Belo Horizonte e o ideal de cidade almejado para encantar os estrangeiros. http://www.efdeportes.com/. Revista Digital. Buenos Aires. Ano 10, n.º 86, julho de 2005.
Respectivamente: Vamos todos conhecer o Mineirão. Revista Foto Esporte, n.º 09, julho de 1965. Estádio e as cinco maravilhas. Revista Foto Esporte, n.º 09, julho de 1965.
O Gigante de Minas. Revista Manchete, n.º 700, 18/09/1965.
A bola não é redonda, de Carlyle Guimarães. Estado de Minas, 01/08/1965.
Hino criado por Gervásio Horta. Revista Foto Esporte, n.º 09, julho de 1965.
"Flashes" dos acontecimentos. Estado de Minas, 18/07/1965.
A bola não é redonda, de Carlyle Guimarães. Estado de Minas, 08/08/1965.
Inaugurado o Mineirão. Revista Foto Esporte, n.º 10, setembro de 1965.
Buglê teve seu dia de herói. Revista Foto Esporte, n.º 10, setembro de 1965.
A bola não é redonda, de Carlyle Guimarães. Estado de Minas, 24/07/1965.
Estádio e as cinco maravilhas. Revista Foto Esporte, n.º 09, julho de 1965.
Ibidem.
Ainda estou de porre inaugural, de Jacob Cajaíba. Revista Foto Esporte, n.º 10, setembro de 1965.
Mineirão - um ano depois. Revisa Foto Esporte, n.º 17, setembro de 1966.
Ibidem.
Ibidem.
Cinco emprêsas inscritas na concorrência para a venda das 3 mil cadeiras. Estado de Minas, 21/01/1965.
O governador Bias Fortes sancionou a lei que autoriza a construção do estádio. Estado de Minas, 14/08/1959.
Homenagens. Revista Foto Esporte, n.º 09, julho de 1965.
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digital · Año 10 · N° 87 | Buenos Aires, Agosto 2005 |