Prevalência de lesões no pé, tornozelo, joelho e coluna vertebral no Iatismo |
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Universidade Católica de Brasília (Brasil) |
Humberto de Sousa Fontoura Ricardo Jacó de Oliveira humbertofisio@hotmail.com |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 87 - Agosto de 2005 |
Sobre as lesões sofridas no pé e tornozelo pela prática do iatismo, dos participantes, 31 (18,8%) sofreram lesões (tabela 1).1 / 1
Introdução
No iatismo, estudos demonstram que a ocorrência de lombalgia é freqüente, principalmente no windsurf (HALL, KENT & DICKINSON, 1989; CARPINTERO et al; 1996; SHEPHARD et al; 1997), ocorrendo também lesões no joelho e em outros segmentos do corpo (DUNKELMAN, COLLIER, NAGLER & BRENNAN, 1994). Estas lesões acarretam sérias dificuldades para o treinamento e competição para qualquer esporte, inclusive o iatismo. As lesões na coluna vertebral, principalmente as que promovem irritação de raiz nervosa, impossibilitam que o atleta promova movimentos efetivos e extremamente importantes para o iatismo, como a flexão e extensão, o que o impede de treinar e competir (McKENZIE, 1981; GOULD, 1993; KAPANDJI, 2000).
O mesmo ocorre com as lesões do joelho e tornozelo, que tornarão estas articulações extremamente sensíveis ao movimento e a descarga de peso. Sendo o joelho o principal receptor da descarga de peso no iatismo, devido ao peso do corpo e o empuxo da água, uma lesão nesta articulação pode desencadear fortes dores ao atleta na execução das manobras, e mesmo que ele esteja sobre efeito de analgésicos, a estabilidade exigida para a prática deste esporte será perdida, incorrendo em lesões mais graves, devido à perda ou diminuição da propriocepção articular e muscular (BRICOT, 1999). Do mesmo modo, as lesões no tornozelo causarão dores na execução de manobras, podendo também levar a lesões mais graves pela perda da propriocepção articular (GOULD, 1993; BRICOT, 1999).
Uma lesão isolada, como a do tornozelo, por exemplo, pode desencadear lesões a distância, isto é, uma lesão não tratada do tornozelo, pode por compensação lesar o joelho ou a coluna vertebral e vice-versa (SOUCHARD, 1986; MARQUES, 2000).
Relatos pessoais de iatistas profissionais e amadores de todo o país, contatados através de correio eletrônico, têm mostrado que lesões são comuns, principalmente na preparação e durante a competição, dentre estes se encontram relatos de lesões no joelho, tornozelo, pé e principalmente na coluna lombar.
Porém, não foram encontrados em nossa revisão estudos sobre a prevalência de lesões na coluna vertebral, joelho, pé e tornozelo no iatismo. O presente estudo foi conduzido com o propósito de determinar a prevalência das lesões na coluna vertebral, joelho, pé e tornozelo em praticantes de iatismo.
Material e MétodosTipo da pesquisa
O presente estudo, de acordo com Pereira (1995), caracterizou-se como epidemiológico descritivo.
PopulaçãoA população foi constituída de 363 praticantes de iatismo de ambos os sexos nas categorias amadora e profissional das classes laser, windsurf, oceano, hobie cat, day sailer, kitsurf, snipe, 470, microtoner, star, delta e fast pertencentes a iates clubes da região sudeste, centro oeste, sul e nordeste.
AmostraParticiparam da pesquisa 165 praticantes de iatismo de ambos os sexos, com idade entre 13 e 53 anos das categorias amadora e profissional das classes laser, windsurf, oceano, hobie cat, day sailer, kitsurf, snipe, 470, microtoner, star, delta e fast pertencentes a iates clubes da região sudeste, centro oeste, sul e nordeste.
ProcedimentosOs iatistas foram entrevistados pessoalmente entre os intervalos das competições através de um questionário semi-estruturado, contendo cinco questões divididas em três categorias: indicadores para caracterização sócio-econômica (questão 1), prática do iatismo (questão 2) e lesões sofridas pela prática do iatismo na coluna, joelho, pé e tornozelo (questões 3 a 5). Este questionário foi aplicado aos sujeitos em vários iates clubes e campeonatos ocorridos em Brasília e, posteriormente, realizado o estudo de prevalência.
Para validação do questionário foi adotado o critério de validade de conteúdo, no qual três experts da área de fisioterapia ortopédica analisaram o questionário e o consideraram adequado para os fins a que se propõe. Posteriormente, o questionário foi aplicado a 20 praticantes de iatismo e reaplicado em um período de dez dias onde foram feitas as análises e detecção de coerência nas respostas, obtendo-se a fidedignidade.
Análise estatística
Os dados de prevalência foram fornecidos por meio de porcentagem simples através de estatística descritiva.
Foram calculadas as porcentagens dos dados obtidos mediante a aplicação do questionário para obtenção e discussão dos resultados.
ResultadosA média de idade dos participantes foi de 36,25 + 10,7 anos, sendo 125 participantes (75,75%) do sexo masculino e 40 (24,25%) participantes do sexo feminino. Concernente à renda familiar foi constatado que 73% dos entrevistados tem renda superior a R$ 2000,00 e 58 % do total de entrevistado tem renda superior a R$ 5000,00. Sobre a prática do iatismo, a média de prática é de 13,35 + 9,19 anos, sendo realizada em média 1,84 + 1 vezes por semana e 3,76 + 1,5 horas por dia. Sendo que 156 participantes são da categoria amadora, e 9 da categoria profissional.
Tabela 1. Percentual de lesões sofridas no pé e tornozelo
Na tabela 2 observa-se que as lesões no joelho acometeram 27 (16,36%) participantes.
Tabela 2. Percentual de lesões sofridas no joelho
As lesões na coluna vertebral acometeram 63 (38,18%) dos participantes (tabela 3).
Tabela 3. Percentual das lesões sofridas na coluna vertebral
Dos participantes, 26 sofreram lesões em mais de um segmento analisado (tabela 4).
Tabela 4. Percentual de praticantes amadores e profissionais que sofreram lesões em mais de uma articulação
Discussão
A prática do iatismo está relacionada à estabilidade financeira, sendo praticada por indivíduos adultos, a maioria do sexo masculino e detentores de uma alta renda familiar, fato explicado pelo custo dos equipamentos obrigatórios para a prática deste esporte.
Por ser praticada por adultos em média com 13,35 anos de prática e na sua maioria nos finais de semana, há uma maior possibilidade de ocorrência de lesão, uma vez que este indivíduo promove uma maior repetição dos grupos musculares e articulares solicitados nas diferentes classes, o que pode gerar um estresse osteomioarticular de repetição, resultando em lesões (CHANDLER & STONE, 1991; KIBLER &. CHANDLER, 1992; KIBLER, 1994).
Na classe profissional, um fator agravante é o fato do treinamento ser mais intenso com mais dias por semanas e horas por dia (MACKIE et al., 1999).
As lesões ocorridas no pé e tornozelo foram relativamente comuns entre os participantes, por ser uma articulação muito exigida principalmente na sustentação do corpo e nas posturas necessárias para contrabalançar o peso do barco e o vento. Pelo fato do maléolo medial estar situado superiormente em relação ao maléolo lateral, os movimentos de inversão atingem uma maior angulação podendo mais facilmente ocorrer entorse lateral.
A fratura pode ocorrer devido a traumas diretos no piso da embarcação ou por situação em que ocorre uma preensão dos segmentos, o que não é comum neste esporte. A prática por muitas horas sem o devido intervalo e presença de alongamento muscular pode levar a um estresse do tendão calcâneo (Aquiles) e conseqüente atrito mecânico na estrutura óssea subjacente, gerando uma tendinite nesta estrutura (LAINS, 1992). Porém a articulação do pé e tornozelo é mais solicitada em posturas estáticas, sofrendo movimentos e desvios bruscos, o que afeta principalmente os ligamentos e não tendões que são agredidos por excesso de uso e conseqüente atrito na estrutura óssea (REENSTROM, 1999).
O joelho é uma articulação que permite grandes amplitudes de movimento (BLANKEVOORT et al., 1991; FRIEDERICH et al., 1992), exigindo um trabalho biomecânico nas diversas estruturas articulares e tendíneo-musculares, justificando uma uniformidade das lesões sofridas pelos participantes da pesquisa.
Das estruturas envolvidas o menisco lateral foi o que mais sofreu lesão, pois a prática deste esporte exige uma flexão sustentada por um grande período de tempo, nesta situação, o menisco lateral permanece em posição posterior. Ao se exigir uma extensão abrupta, devido uma manobra ou por contra-vento, este menisco pode não conseguir anteriorizar-se, ocorrendo um "aprisionamento" posterior e conseqüentemente uma lesão. O mesmo pode acontecer em relação ao menisco medial, porém em menor proporção visto que ele permanece menos posterior em relação ao menisco lateral (BOYD & MYERS, 2003; MUNSHI et al, 2003), justificando o menor índice de lesão nesta estrutura.
O segundo maior índice de lesões no joelho foi de tendinite infrapatelar que pode ser explicado pela constante flexão dos joelhos exigida em quase todas categorias. Esta postura afasta a origem da inserção (patela - platô tibial) deste ligamento, diminuindo assim a irrigação local e aumentando o estresse, o que resulta na geração de pequenos traumatismos incorrendo em um processo inflamatório que pode resultar em uma tendinite do ligamento infrapatelar.
Os ligamentos cruzados anterior e posterior são lesados principalmente quando forças em direção opostas agem sobre a coxa e a perna, fazendo movimento de gaveta anterior e posterior de joelho. Este tipo de movimento biomecânico não é comum na prática deste esporte, uma vez que o joelho tende a ficar em semiflexão constante, sustentada, a não ser por solavancos e acidentes com mastros que propiciam posturas que lesam estruturas, como as mencionados acima, promovendo também torções no joelho (BLANKEVOORT et al, 1991).
A coluna vertebral foi o segmento corporal que apresentou a maior prevalência de lesões. Por ser o eixo do corpo, ela sofre influência biomecânica de todos os movimentos e posturas realizadas na prática do iatismo, como um verdadeiro pilar central (ROJAS, 2001). Sendo assim, observou-se que 23 participantes sofreram mais de uma lesão, sendo este o maior índice de lesões neste segmento. Em segundo lugar em número de injúrias estão as lesões associadas à coluna lombar, sendo elas a lombalgia e a lombociatalgia.
A coluna lombar possui o maior disco intervertebral e apresenta o núcleo pulposo situado mais posteriormente. Isto associado às constantes flexões lombares durante a prática de todas as categorias, leva a uma posteriorização deste com conseqüente compressão das emergências de raízes nervosas originando de um leve incômodo a uma dor constante, podendo ser localizada (lombalgia) ou irradiada (lombociatalgia) ocorrendo em alguns casos uma perda de função motora e/ou visceral. Em casos menos graves, a dor lombar pode estar associada a um desconforto muscular, porém nestes casos ela é menos intensa, de menor duração e raramente com irradiação para o membro inferior (KAPANDJI, 2000; CUÉLLAR et al., 2000; ROJAS, 2001).
Quando a posteriorização do núcleo pulposo atinge a borda externa do disco intervertebral, aumenta a compressão deste e leva à sua ruptura com extravasamento deste núcleo. Deste modo, temos a situação de hérnia de disco lombar que possui vários estágios e, conseqüentemente, diferentes graus de compressão. Esta injúria estabelece-se também pelo fato do iatista exercer muitas flexões e também rotações axiais que achatam o disco intervertebral rompendo as fibras do ânulo fibroso incorrendo nesta alteração.
Na coluna cervical, os movimentos constantes de flexão e extensão associados aos de rotação e inclinação agridem o disco intervertebral lesando o ânulo fibroso e causando hérnia discal semelhante à coluna lombar. Mesmo possuindo o núcleo pulposo mais anteriorizado, a maior freqüência de flexões exerce uma força repetitiva sobre este núcleo em direção posterior. Devido a essa "proteção mecânica", os índices de hérnia cervical não são maiores, porém, o excesso de movimento gera uma hipertrofia muscular com o aumento da tensão e conseqüente compressão de nervos na região cervical resultando em cervicalgia. Outro fator da geração da cervicalgia associado à tensão é o fato desta comprimir os vasos sanguíneos gerando uma diminuição na irrigação local (hipóxia). Isto leva ao aumento dos índices de gás carbônico e toxinas não dissolvidas que acabam por estimular as terminações nervosas livres originando um estado doloroso (DEFINO & PACCOLA, 2000).
A coluna torácica também possui um núcleo pulposo mais centralizado, porém o eixo de força central da coluna vertebral passa anteriormente a este núcleo, não exercendo uma compressão direta sobre ele, o que justifica a ausência de hérnia de disco torácica nessa pesquisa. Porém, o iatismo exige muito dos grandes grupos musculares desta região como o músculo grande dorsal, desta forma pode haver a presença de dor torácica (DEFINO & PACCOLA, 2000).
As fraturas vertebrais também foram incomuns nesta pesquisa, agredindo apenas um participante. Geralmente a porção afetada por fraturas é o corpo vertebral, onde existe uma maior descarga de peso e conseqüente achatamento desta região. No entanto, para que isto ocorra é necessária uma grande compressão gerada por quedas ou traumas diretos, o que não são muito comuns nesta região articular (KAPANDJI, 2000) na prática deste esporte.
Conclusão
Concluiu-se, com este estudo de prevalência, que as lesões no iatismo são comuns em todos os segmentos analisados e, estão mais ou menos associadas à classe praticada, sejam em praticantes profissionais ou amadores.
A coluna vertebral foi a articulação que mais sofreu lesões e por ser o eixo do corpo é exigida em qualquer postura. As articulações do pé/tornozelo e do joelho que são menos utilizadas em certas categorias e manobras sofrem lesões dependendo da classe praticada. Assim um trabalho preventivo deve ser feito sobre a coluna vertebral em todos os atletas indistintamente, ao passo que as articulações do pé/tornozelo e joelho devem ser trabalhadas em particularidade com a classe praticada.
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revista
digital · Año 10 · N° 87 | Buenos Aires, Agosto 2005 |