Estados de humor e percepção de bem-estar: um estudo com jovens mulheres voleibolistas Estado de ánimo y percepción de bienestar: un estudio con mujeres jóvenes voleibolistas Mood States and well-being perception: A young female volleyball players study |
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* Mestre em Pedagogia da Motricidade Humana UNESP - Rio Claro. Professor da Universidade do Grande ABC (UNIABC); Coordenador ORPUS - Instituto de Treinamento Mental. ** Mestrando em Pedagogia da Motricidade Humana e membro do LEPESPE - UNESP - Rio Claro. *** Graduando de Educação Física Universidade do Grande ABC (UNIABC) **** Professor Doutor Livre Docente e Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte (LEPESPE) UNESP - Rio Claro. Professor da ESEF/Jundiaí http://www.orpus.com.br |
Prof. Ms. Flávio Rebustini* | Prof. Msd. Ricardo Macedo Moreno** Rodrigo Bueno Souza*** | Prof Dr. Ld. Afonso Antonio Machado**** flavio@orpus.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 86 - Julio de 2005 |
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Introdução
Na sociedade atual, o termo "Qualidade de Vida - QV" tornou-se voga. A tentativa de melhoria da produtividade no dia-a-dia, o desenvolvimento de mecanismo que possibilitem uma maior resistência às pressões do nosso cotidiano fizeram com que um número infindável de pessoas que antes não haviam em sua história praticado ou participado de atividades físicas, esporte e lazer, voltassem-se a esse segmento.
A busca pela QV teve, e ainda tem, nos aspectos antropométricos, neuromusculares e metabólicos seu vértice primário. Apenas em um segundo momento passa-se a dar uma atenção maior aos aspectos psicossociais como: bem-estar, felicidade, auto-estima, melhoria do humor e o desenvolvimento de dinâmicas sociais de convivência e relacionamento, abrindo com isso uma visão mais global do conceito de qualidade de vida. É sobre esse momento que nos ateremos nessa pesquisa, principalmente em estudar a relação entre a percepção de bem-estar e os estados de humor.
Até agora, estamos falando de um universo generalizado. Mas, e o atleta? Como é a percepção de bem-estar do atleta? Pois é notório que o dia-a-dia de um atleta é baseado em trabalhos e atividades em limites físicos, com exigências de sobrecargas e pressões psicossociais (mídia, família, amigos, contratos com patrocinadores, procuradores) que tendem a afastá-lo do conceito de bem-estar.
Por meio destes fatores e a necessidade de uma melhor compreensão dos efeitos das cargas de treinamento sobre os estados emocionais têm inicio uma série de estudos iniciados por Morgan e colaboradores (1987, 1988) no intuito de detectar as oscilações e alterações de humor provocadas no atleta em decorrência dos regimes de treinamento, adotou-se nestas pesquisas o Teste POMS (Profile of Mood States) desenvolvido por McNair, Lorr e Dopplerman (1971) como instrumento para a mensuração.
Contudo, pouco se tem dito sobre os efeitos do dia-a-dia e a percepção de bem-estar que o individuo que participa de atividades relacionadas ao rendimento esportivo sofre. Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar a relação entre os estados de humor mensurados através do teste POMS e a percepção de bem-estar de jovens atletas de voleibol do sexo feminino.
Métodos e procedimentosForam avaliadas 12 atletas (14-15 anos) do sexo feminino que atuam por uma equipe da Grande São Paulo - Brasil. As avaliações foram realizadas durante 30 sessões de treinamento no período competitivo, no momento em que as atletas chegavam ao local de treinamento.
Os estados de humor foram avaliados através do teste POMS e para a percepção de bem-estar foi utilizada a questão "Como você está se sentindo em relação ao seu dia até agora?", a resposta deveria obedecer a uma escala de 5 pontos com intensidades limites de 1 - muito mal até 5 - muito bem.
Tratamento estatísticoPara verificarmos a existência de diferenças significativas a técnica de Anova "One Way" com Scheffé Post Hoc Test foi adotada, ainda efetuou-se uma análise de correlação entre a escala e os estados de humor por meio da correlação de Pearson, em ambas as técnicas o nível de significância foi de p<0.01.
Além dos 6 fatores que compõem o POMS, foi utilizado um outro fator denominado Índice de Equilíbrio Emocional Atual (IEEA), calculado a partir do valor da variável Vigor, subtraído da somatória das variáveis negativas (Tensão, Raiva, Depressão, Confusão e Fadiga). A utilização do IEEA busca uma visão simplificada, mas não menos eficiente, de que os atletas que apresentem um índice próximo ou superior a zero tendem a um melhor desempenho. A utilização deste índice já foi adotada em estudos preliminares desenvolvidos por Rebustini e colaboradores (2003a; 2003b, 2005).
Resultados e discussãoAdotamos como primeira via de análise, o estudo das correlações entre os estados de humor e a escala de percepção do bem-estar (Tabela 1).
Com exceção da variável Raiva (RV) que não apresentou correlação significativa com os níveis da escala de percepção, todas as outras variáveis: Tensão (TS), Depressão (DP), Vigor (VG), Confusão (CF), Fadiga (FD) e IEEA obtiveram correlações significativas (p<0.01). Sendo que para DP, FD e CF, as correlações foram negativas em relação a escala de percepção, assim quanto melhor o nível de percepção na escala, menor o valor dessas variáveis. Em um comportamento inverso as variáveis Vigor e IEEA tiveram um coeficiente de correlação positiva.
Tabela 1. Correlação entre os fatores externos e os estados emocionais
* p<0.01
A Tensão foi a variável que apresentou um comportamento distinto de todos os outros estados de humor, pois é vista como uma variável negativa. Contudo, os resultados apontaram haver uma elevação da tensão com a melhoria da percepção de bem-estar. Essa variável tem tido uma conotação interessante em estudos realizada por Rebustini e colaboradores (2002, 2003c, 2003d) em que avaliaram a relação entre os estados de humor e o resultado das partidas, local da partida e nível do adversário. Os índices apontaram que todas às vezes que havia um melhor rendimento por parte das atletas para os fatores estudados ocorria uma pequena elevação na Tensão. Nestes casos, podemos relacioná-la a um estado de alerta da atleta, assim, não poderíamos estar analisando esses valores como negativos ou prejudiciais ao desempenho e do comportamento da atleta. Isto pode vir a justificar porque a Tensão apresentou um comportamento distinto em relação aos outros estados de humor.
Para iniciar a análise dos resultados dos estados de humor e sua associação com a percepção de bem-estar, faz-se necessária uma análise do que são as emoções percebidas.
De acordo com Machado e Calabresi (2003) uma emoção é provocada por um estímulo externo. E o que é a emoção? Para Boutcher (1991) a emoção pode ser vista como um processo complexo que possui componentes cognitivos, psicológicos, comportamentais e experimentais, segue acrescentado que a emoção é um fenômeno multidimensional que exerce inúmeras influências sobre o funcionamento humano. As conseqüentes reações impostas pela emoção acarretam em melhoria ou não da condição do indivíduo. Neste sentido, Machado e Calabresi (2003) abordam que: uma função relevante da emoção é seu efeito regulador sobre o comportamento. As emoções influenciam nossa ação como reação e estímulo desencadeantes da ação, e as emoções provocam ações com objetivos de diminuição da tensão emocional.
Kleiniginna e Kleiniginna (apud BOUTCHER, 1991) estabelecem uma definição de emoção com a intenção de abordar todas a muldimensionalidade do tema, da seguinte forma:
Emoção é um complexo de interações entre fatores subjetivos e objetivos, mediada pelo sistema neural/hormonal o qual pode (a) elevar as experiências afetivas como as sensações de ativação, prazer/desprazer; (b) processos cognitivos gerais como a percepção dos efeitos de emoções relevantes; (c) ativação expressiva dos ajustamentos fisiológicos para condição de ativação; e (d) conduz ao comportamento freqüente, mas não permanente, expressivo, objetivo e de adaptação. (p.800).
Em razão desse imenso repertório de possibilidades que compreendem a emoção humana é que há divergências entre os autores. Alguns destacam a reação como componente principal da emoção e os que destacam as percepções das situações ou os efeitos da emoção sobre o comportamento normal (MACHADO e CALABRESI, 2003).
Após estes apontamentos podemos iniciar a análise dos resultados. Assim, na tabela 2 é possível verificar quais foram os níveis da escala que apresentaram diferenças significativas para o fator "Como você está se sentindo em relação ao seu dia até agora?", bem como, a representação gráfica dos valores pode ser visto na figura 1.
Tabela 2. Valores dos Estados de Humor para o Fator "Como você está se sentindo em relação ao seu dia até agora?"
O desenvolvimento e a confiabilidade da escala de intensidades adotada para este fator podem ser melhor avaliadas através dos resultados das variáveis Vigor e IEEA que com a melhoria da percepção na escala também tiveram melhorias em seus valores absolutos. O IEEA apresentou diferenças significativas (p<0.01) entre todos os níveis da escala. Enquanto, o Vigor apenas não apresentou diferença significativa entre a intensidade mal (2) e normal (3). A literatura que trata dos estados de humor tem relacionado claramente a importância dos níveis de Vigor para o bem-estar e desempenho (MORGAN et. al., 1988; PLANTE e RODIN, 1990). Esta relação novamente é estabelecida nesta pesquisa, quanto melhor a percepção, melhor o índice de Vigor. As variáveis Depressão, Confusão e Fadiga tiveram a tendência oposta, quanto melhor a condição de bem-estar, menores foram seus índices.
Esta melhoria do bem-estar resulta também em uma melhoria da auto-estima que tem sido associada a um dos mais consistentes efeitos do exercício e da atividade física. A visualização dessa tendência fica otimizada com o uso do IEEA (Figura 2)
Desta forma, a tomada do IEEA como uma forma mais simplificada de análise, mas não menos importante e precisa, parece-nos extremamente interessante e viável. Considerações finais
Os resultados nos levam a crer que o contexto externo à prática da atividade física também deve ser considerado no momento do planejamento de qualquer atividade física, principalmente, no esporte de rendimento que trabalha com situações limítrofes constantemente. Assim, pudemos observar que as percepções de bem-estar interferem de forma bastante clara sobre os estados de humor, conseqüentemente, e, muito provavelmente sobre o desempenho.
Um aspecto extremamente importante do questionamento inicial feito para as atletas - "Como ela está se sentindo em relação ao seu dia até agora?", é que em nenhum estudo da literatura mundial, que utilizou o Teste POMS para monitorar os estados de humor e o treinamento físico ou atividade física, as atletas foram questionadas sobre como estavam se sentindo no momento da coleta, visando estabelecimento das relações entre os resultados do teste e a avaliação feita pelo atleta.
Desta forma, devemos reforçar o fato que encontramos em quase todas as variáveis diferenças significativas nos estados de humor e o nível de percepção na escala. Assim, o conhecimento da percepção de bem-estar do atleta analisado na pré-atividade é fundamental para compreendermos o comportamento dos estados de humor e sua relação com o desempenho nos treinos e jogos.
Referências bibliográficas
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