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O papel do elemento lúdico nas aulas de natação

   
*Mestranda em Ciências da Motricidade
**Livre Docente, Coordenadora do LEL

LEL - Laboratório de Estudos do Lazer
DEF/IB/UNESP - Campus de Rio Claro
Rio Claro, SP
 
 
Marília Freire*
mariliafr@terra.com.br  
Profª Drª Gisele Maria Schwartz**
schwartz@rc.unesp.br
(Brasil)
 

 

 

 

 

    O elemento lúdico tem sido constantemente focalizado em diferentes áreas de estudo, especialmente no que concerne a sua inserção no contexto pedagógico. No entanto, quando se trata de focalizar os processos de ensino dos esportes, este tema parece não merecer a devida atenção. Este é, justamente o objetivo deste estudo, que procurou investigar o papel do elemento lúdico nas aulas de natação.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 86 - Julio de 2005

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1. Introdução

    O elemento lúdico utilizado como recurso didático-pedagógico sempre foi tema que despertou muito interesse pelos profissionais que estudam o desenvolvimento infantil, dentro das instituições públicas ou privadas, formais ou não-formais.

    No entanto, este recurso didático-pedagógico é pouco focalizado nas academias e escolas de natação, na fase de adaptação em meio líquido, as quais desenvolvem estilos de ensino mais diretivos em detrimento do lúdico nas aulas de natação para crianças ou adultos.

    Mas, já existem estudos e propostas lúdicas sendo inseridas no contexto pedagógico das atividades aquáticas, como facilitador do processo de apropriação das habilidades motoras aquáticas básicas, sejam elas em clubes recreativos ou espaços aquáticos urbanos destinados ao lazer.

    Este estudo tem como foco o papel das atividades lúdicas nas aulas de natação, abrangendo um campo maior de discussão referente às atividades lúdicas aquáticas.

    Muitas crianças e adultos, que iniciam num curso de natação, desistem das atividades aquáticas, muito antes que os benefícios da prática venham a surtir efeito. São inúmeros os fatores que influenciam para que praticantes de atividades aquáticas, interrompam suas práticas. Neste estudo estaremos abordando, o brincar nas atividades aquáticas, em específico nas aulas de natação para crianças.

    A problemática que perpassa as instituições, os clubes recreativos, as academias e as escolas de natação, é que, na maioria das vezes, elas se preocupam com os motivos que levam os praticantes a aderirem às atividades aquáticas, e embora, se preocupem com o brincar como motivo de adesão, esquecem-se de que ele também pode ser um fator predominante na manutenção na atividade, porém o que se torna difícil é, não só despertar, mas manter o desejo de brincar, inserindo o elemento lúdico como filosofia de trabalho.


2. O lúdico e as atividades aquáticas

    Conceituar o lúdico não é fácil, muitos pesquisadores tiveram a tarefa de contextualizá-lo, como a exemplo de Brougère (1998), Roza (1999), Schwartz (1998) e Aberastury (1992), e o que parece ser consenso entre eles é de que o lúdico tem função em si mesmo e está intrínseco em sua própria realização e satisfação pela atividade.

    Estudiosos que têm como área de interesse as atividades realizadas em meio líquido, viabilizam propostas mais motivadoras e criativas dentro desse meio, como é o caso da inserção do elemento lúdico nas aulas de natação, tanto para crianças como para adultos, a exemplo de Freire (2004), Pereira (2001), Allen (1999) e Klar; Miranda Jr. (2001), que optam por uma abordagem do lúdico como filosofia pedagógica, presente na fluidez das brincadeiras, gerando manifestações positivas que privilegiem a criatividade, a espontaneidade, o prazer, a afetividade, entre outros, trazendo uma característica diferente e particular em cada aula ministrada.

    Dentro dessa perspectiva de visualizar a vivência lúdica como filosofia pedagógica dentro do trabalho em atividades aquáticas, urge a necessidade de atentar para que o elemento lúdico não seja inserido de maneira funcionalista, ou seja, que ele não perca sua identidade ao ser utilizado como estratégia no processo pedagógico.

    Torna-se necessário enfatizar que o lúdico alcança objetivos, mas não se presta a atingir um objetivo em específico a priori e sim é possível com sua inserção alcançar aprendizagens essenciais com sua vivência, sem contudo, possuir finalidade imediata. (BROUGÈRE, 1998).

    Mesmo com todo esse respaldo em relação a abordagem do elemento lúdico, muitas vezes, ele é inserido nas atividades aquáticas somente como facilitador da aprendizagem, como um meio para alcançar determinado objetivo dentro do processo ensino-aprendizagem dos nados, esquecendo-se do valor que o lúdico tem para o desenvolvimento global do ser humano.

    Refletindo sobre a inserção do elemento lúdico nas aulas de natação, um grande obstáculo se instaura na prática das atividades aquáticas, as quais são, normalmente, desenvolvidas em clubes recreativos, academias e escolas de natação, pois com o objetivo emergente de atender as expectativas dos alunos, dos pais, de professores e da instituição, se preocupam em ensinar a nadar os estilos da natação, seguindo uma estratégia metodológica, mas nem sempre tendo o lúdico como norteador do programa. (Freire, 2004).

    O lúdico na relação pedagógica em meio líquido alcança uma dimensão humana que vai além do simples entretenimento ou como recompensa por cumprimento de tarefas durante as aulas de natação, ele possibilita desvelar emoções e sensações, assim como aspectos relacionados a afetividade.

    Mesmo que as expectativas dos professores e da instituição venham ao encontro das expectativas dos pais e alunos, esse motivo parece não ser o suficiente para manter o praticante na atividade, existe um motivo maior, que justifica a permanência nas mesmas.

    Isto está relacionado diretamente ao estado de satisfação para a prática, que foi denominado por Csizszentmihaly (1999) como estado de fluxo, quando o conteúdo da experiência, oferece uma resposta imediata quanto ao crescimento pessoal imensurável conquistado, contribuindo para novos níveis de desafios e aprendizado de novas habilidades.

    Desta forma, atividade que provoca prazer, satisfação, liberação de sensações e emoções positivas, podem representar um forte diferencial nas experiências vivenciadas em meio líquido, assim como, um fator catalisador de estilos de vida ativos e saudáveis.

    Nesta dimensão mais ampla em que se encontra a expressão lúdica, não há de se negar seu potencial motivador na educação, existindo, segundo Winterstein (1995), um influenciador (professor) e um influenciado (aluno), estabelecendo uma relação na qual ser privilegia essa influência como forma de participação ativa do professor junto ao aluno, por meio da permissão do brincar em meio líquido, construindo laços afetivos entre eles e uma relacionamento bilateral, onde tanto o aluno como o professor aprendem nessa construção do saber.

    As crianças são motivadas a participar de determinada brincadeira, quando esta tem alguma relação com a experiência anteriormente vivida por elas, ou quando se sentem na possibilidade de resolver seus conflitos em meio líquido, como a exemplo do sentir medo quando o rosto está em contato com a superfície da água. Se esse contato ocorrer por meio do lúdico, a brincadeira parece minimizar o medo, desvelando emoções e sensações que esse contato possa gerar, configurando-se num dos principais motivos da realização ou não da brincadeira, conforme evidencia Brougère (1998).

    O lúdico nas aulas de natação motiva a relação pedagógica, subentendendo-se que nessa relação existe um adulto que pode se permitir brincar com o aluno por meio da fantasia, da música, das histórias contadas, das dramatizações e dos jogos cooperativos.

    Desta forma, a criança pode ser influenciada a participar com o professor quando a brincadeira detém um certo aspecto de sedução e que nessa brincadeira proposta exista espaço para criar, expressar fantasias, por meio do faz-de-conta, num tempo que não tem hora. Sendo assim, a motivação é a veia propulsora da criatividade, permitindo à criança a capacidade de criar e imaginar.

     Referente a postura do professor frente ao lúdico, ele pode assumir o comportamento de jogador ou ser apenas um espectador, observando as atividades sem, contudo, participar e trocar experiências valiosas com os alunos, porém para que a entrega ao lúdico seja total é necessário a troca.

    Nas aulas de natação para crianças é fundamental que o professor mergulhe na aventura dessa emoção em meio líquido, entrando na piscina e participando com as crianças das brincadeiras.


3. Método

    Para o desenvolvimento deste estudo, foi realizado uma pesquisa de natureza qualitativa, constando de uma revisão bibliográfica sobre os temas em questão combinada com pesquisa exploratória, desenvolvida por meio de entrevista semi-estruturada, como instrumento de coleta de dados, aplicado à 15 profissionais atuantes como professores de natação para crianças de 3 a 5 anos de idade, nas escolas de natação da cidade de Americana, SP, de ambos os sexos e tempo de envolvimento profissional variado.

    Segundo Lüdke; André (1986), este tipo de instrumento possibilita captar a informação desejada de maneira imediata, além de, ser mais adequada a uma pesquisa que se propõe qualitativa, aproximando-se de esquemas mais livres, mais flexíveis e menos estruturados.

    A entrevista constou de seis perguntas abertas relativas as dimensões de grau de importância sobre o lúdico, de objetivos das aulas, conhecimento em relação a literatura sobre o lúdico, dificuldades de inserção do elemento lúdico e motivação para a prática regular, entrevista que permitiu investigar o papel do elemento lúdico nas aulas de natação para crianças.

    O dados foram analisados descritivamente, por meio da técnica de análise de conteúdo temático, a qual favorece analisar as descrições dos sujeitos, conforme relata Bardin (1977) e pôde-se investigar sobre a inserção do elemento lúdico nas aulas de natação.


4. Resultados

    O estudo mostrou que, dos profissionais entrevistados, apenas 30% não considera o elemento lúdico importante para ser inserido dentro das aulas de natação para crianças, o que fica evidente que a maioria dos sujeitos mostram-se favoráveis à inserção do elemento lúdico nas aulas de natação.

    Inicialmente, este pensamento de não-importância do elemento lúdico por parte dos profissionais, ocorre em função de considerarem o elemento lúdico como inutilidade, não-seriedade e incapacidade de atingir os objetivos das aulas, contrapondo normalmente o lúdico à técnica, sendo na maioria das vezes utilizado como recompensa a sucessos durante as aulas.

    Quanto a base em literatura para preparação das aulas, 60%¨dos entrevistados demonstram uma falha na atualização e estudo dentro da área em questão, respondendo que as aulas são baseadas em experiência prática como aspecto norteador dos programas, o contribui para que a dificuldade de lidar com o elemento lúdico seja evidente, ou seja, utilizam-no como cobrança a resultados pré-estabelecidos, o que torna limitado sua inserção nas aulas de natação para crianças.

    Os objetivos das aulas centram-se no desenvolvimento dos aspectos psicomotores como principais recursos lúdicos, comparecendo esses aspectos em evidência em 100% dos entrevistados.

    Como recurso lúdico utilizado durante as aulas, foi apontado que 50% dos sujeitos lançam mão de brincadeiras com música e histórias contadas para alcançar objetivos das mesmas, sendo 10% em relação ao primeiro recurso e 40% em relação ao segundo recurso.

    Pode-se observar uma tendência preconceituosa em relação ao tema, tendo em vista que 100% dos depoimentos apontam uma preocupação em não caracterizar a aula como lúdica, em função do julgamento dos pais quanto a uma possível descaracterização da mesma.

    Como principais dificuldades apresentadas para motivar a prática regular, foram apontados a temperatura, o medo da água e a falta de material adequado.


5. Conclusão

    Com base nos resultados, este estudo pôde concluir que elemento lúdico não é valorizado adequadamente no processo ensino-apredizagem da natação para crianças e é tomado com um visão apenas funcionalista, salientando-se a falta de direcionamento de objetivos e propostas adequadas para esta faixa etária.

    Sugere-se o redimensionamento e contextualização desta temática no âmbito dos cursos de formação, com foco nos esportes aquáticos, no sentido de viabilizar atitudes pedagógicas mais responsáveis, motivadoras e conscientes.

    A reflexão contida neste estudo objetivou mostrar a importância do lúdico nas aulas de natação como elemento essencial e fundamental no desenvolvimento do ser humano, permitindo explorar e conhecer o mundo aquático de forma mais sensível, por meio das sensações e emoções vivenciam pela inserção das atividades lúdicas.

    Este novo olhar sobre a dinâmica lúdica, reafirma seu papel na educação física, na aprendizagem e na vida, no entanto, concordamos novamente com Brougère (1998), ao relatar quanto a incerteza em relação ao valor final da brincadeira, mas enfatizando a certeza de ganhar aprendizagens essenciais com o seu desenvolvimento, proporcionando testemunho da abertura e da invenção do possível, do qual ela é o espaço potencial do surgimento.

    Portanto, dentro de uma aula de natação, a criança não brinca sozinha, nem ao menos a brincadeira surgi do nada, ela brinca conforme o professor oferece um ambiente lúdico para que a brincadeira possa ser realizada.

    O professor de natação pode criar um ambiente motivador em que as brincadeiras possam acontecer, proporcionando várias brincadeiras que levem ao alcance de vários objetivos, sem contudo, limitar uma única brincadeira a um único objetivo.

    Aprendizagens anteriores que a criança venha a ter em meio líquido servirão como contribuição na apropriação de habilidades dentro da água, o que vai depender de que forma a brincadeira é proposta e de como é sua organização, enfatizando a diversidade e a criatividade de atividades.

    A brincadeira pode ser tanto uma forma de conformismo social como um espaço de criação, sendo a escola de natação, enquanto instituição social e a postura do professor, enquanto compromisso social, co-responsáveis pelo futuro de cada aluno.


Bibliografia

  • ABERASTURY, A. A criança e seus jogos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

  • ALLEN, S. M. Lançando novos olhares sobre o ensino da natação; relato de experiência. In: MARCELLINO, N. C. (Org.) Lúdico, educação e educação física. Ijuí:Inijuí, 1999. p. 161-174.

  • BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

  • BROUGÈRE, G. Jogo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

  • CSIKSZENTMIHALY, M. A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

  • FREIRE, M. Ti-bum: mergulhando no lúdico. In: SCHWARTZ, G. M. (Org.) Dinâmica lúdica: novos olhares. Barueri, SP: Manole, 2004. p. 131-146.

  • KLAR, Alberto Bernardo; MARTINS JR., Ednaldo H. 365 dias nadando diferente. São Paulo: Phorte, 2001.

  • LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986.

  • PEREIRA, M. D. O mundo da fantasia e o meio líquido: processo de ensino aprendizagem da natação e sua relação com o faz-de-conta, através de aulas temáticas. Campinas, SP: [s.n.], 2001.

  • ROZA, E. S. Quando brincar é dizer: a experiência psicanalítica na infância. Contra capa, 1999.

  • SCHWARTZ, G. M. O processo educacional em jogo: algumas reflexões sobre a sublimação do lúdico. Licere: Belo Horizonte, n. 1, pp. 66-76, set. 1998.

  • WINTERSTEIN, P. J. Satisfação profissional do professor de educação motora na escola: realidade ou utopia. In: DE MARCO, A. (Org.) Pensando a educação motora. Campinas: Papirus, 1995.

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