Intervenções pedagógicas no processo de evasão do basquetebol: possibilidades e conseqüências |
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*Mestrando em Ciência do Esporte na Faculdade de Educação Física **Doutor em Ciência do Esporte na Faculdade de Educação Física Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (Brasil) |
Leandro de Melo Beneli* le_beneli@yahoo.com.br Paulo Cesar Montagner** pcesarm@fef.unicamp.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 86 - Julio de 2005 |
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Apresentação
Nos últimos anos houve uma grande evolução do esporte, com grandes avanços na preparação física, tática, técnica e psicológica dos atletas e a melhoria nas condições para a prática das modalidades em geral (MOREIRA, 2002).
Neste contexto, a pedagogia do esporte adquiriu relevante importância por se tratar de um agente facilitador do processo educacional das crianças e adolescentes, conseguindo, por meio da prática esportiva, ensinar não apenas a simples prática de uma determinada modalidade, mas diversas disciplinas, comportamentos, valores culturais compreendidos pelo esporte, além de situações reais de vida (MONTAGNER, 1993). Portanto, a sistematização da pedagogia do esporte e de todas as disciplinas inseridas nesta área poderia trazer maiores possibilidades e facilitar o trabalho dos profissionais envolvidos com o esporte.
O desenvolvimento da modalidade nas categorias de formação, ou seja, pré-mini, mini, mirim e infantil (11 a 14 anos), que envolve o tratamento pedagógico e, conseqüentemente, as propostas e intervenções dos técnicos e professores, são alguns componentes incluídos no campo da pedagogia do esporte, que necessitam ser viabilizados no planejamento das práticas esportivas.
Diniz (2001) aponta que a prática do basquetebol de forma oficial, ou seja, organizado pela associação Regional de Basquetebol e/ou Federação Paulista de Basquetebol, no Brasil é restrita a uma pequena quantidade pessoas. Por conta disto, o processo de evasão deveria ser pequeno, pois este pode interferir na qualidade do basquetebol praticado no país e, conseqüentemente, nos resultados das categorias principais. Porém, a nossa maior preocupação é que este processo possa influenciar também na formação educacional plena destes indivíduos, principalmente se a evasão ocorrer precocemente.
No tópico posterior serão abordadas as dificuldades da ação pedagógica no esporte, convergindo esta discussão em torno dos técnicos e professores, e nas suas possíveis intervenções para relativizar este processo de evasão da modalidade praticada de forma oficial.
Equívocos na iniciação esportiva e a dificuldades da competiçãoO despreparo e a falta de conhecimentos na área da pedagogia do esporte por parte de profissionais, técnicos e professores envolvidos com a iniciação esportiva também contribui no processo de evasão do esporte oficial em uma fase posterior. Podem ser citados alguns problemas na iniciação esportiva relativos à pedagogia do esporte tais como: as práticas esportivizadas, a fragmentação de conteúdos, a prática repetitiva de gestos técnicos e a especialização precoce (ROSE JR., 2002). Garganta (1997, p. 13 e 14) ressalta que:
O principal equívoco no processo de ensino aprendizagem dos jogos desportivos coletivos (JDC) é a repetição obsessiva dos gestos técnicos, partindo-se do princípio que a soma de todos os desempenhos individuais e técnicos provocam um apuro qualitativo e que o gesto técnico aprendido de forma analítica possibilita sua utilização nas situações do jogo.
Não serão discutidas as particularidades destes fatores, pois este não é o objetivo desta análise, mas estes são aspectos fundamentais a serem observados por técnicos/professores no processo de ensino/aprendizagem da modalidade e esta ocorrência facilitaria a continuidade do trabalho destes profissionais nas categorias de formação.
O abandono à prática esportiva ocorre por vários fatores, entretanto serão discutidos apenas os aspectos relacionados à competição e sua relação com a pedagogia do esporte como causas do processo de evasão.
Ainda existe atualmente, uma grande confusão entre o esporte-educação e esporte-competição e este é um assunto deveras polêmico. Alguns autores criticam a competição, situando-a bem distante da prática educacional. Estes concordam que o esporte utilizado de forma lúdica consegue atingir as necessidades educacionais e sociais das crianças e adolescentes, sem cobranças, obrigações e responsabilidades neste período de desenvolvimento.
Outros autores como Kunz (2001, p. 49), criticam o esporte praticado de forma competitiva no ambiente escolar:
O esporte de rendimento aqui considerado se refere a um tipo de esporte que é sistematicamente treinado com o objetivo de participar periodicamente em competições esportivas. Sabe-se que sobre esse tipo de esporte já foram ensaiadas inúmeras críticas. Críticas que, por um lado, querem vê-lo menos exigente em relação, especialmente, às crianças e aos jovens que sacrificam demasiadamente sua infância para treiná-lo sistematicamente...
Estes autores que criticam a competição ou a restringem em determinados locais devem ser respeitados. Entretanto, o esporte por ser um fenômeno complexo, aberto e de múltiplas possibilidades, pode ser utilizado para diversos fins (PAES, 1992). O problema não está no esporte-competição e sim na maneira como este é posto em prática e nos seus objetivos.
A competição exacerbada, em que o principal foco é a vitória, reduz todas as várias possibilidades do esporte a um simples objetivo pontual. Não podemos reproduzir a idéia de que o esportista, principalmente nas categorias de formação, vale exclusivamente de seus resultados, e que todo o seu vínculo com a competição depende de seu sucesso (MONTAGNER, 1993). A competição se utilizada de forma competente, pode ser um excelente meio de educação e formação social, pois nela estão presentes diversas situações/problemas que contrastam com a vida cotidiana. O esporte competitivo necessita de um tratamento pedagógico que permita educar a criança e o adolescente através da prática da modalidade.
Neste momento é que a pedagogia do esporte, através das intervenções do técnico/professor, deve estabelecer uma relação entre o esporte e a educação. Para tanto, este deve utilizar uma proposta pedagógica clara e objetiva para o desenvolvimento múltiplo das suas crianças/atletas em todos os níveis, físico, técnico, psicológico, tático, social, intelectual e cognitivo, e principalmente, estabelecer objetivos possíveis de serem alcançados.
Possibilidades da ação pedagógicaA ação pedagógica envolve não somente aspectos físicos e mecânicos do basquetebol, mas também deve transmitir valores sócio-culturais e projetar desafios que estas crianças e/ou adolescentes irão encontrar durante a sua vida. O técnico/professor deve estimular aspectos como a responsabilidade, cooperação, respeito, disciplina e fazer com que estes criem, através do esporte, uma consciência crítica e reflexiva e, adquiram autonomia para exercerem o seu papel de futuros cidadãos na sociedade. Neste sentido Montagner (1993, p. 35) descreve:
O técnico-educador deve ensinar a transmitir os conceitos do esporte de competição não apenas ao atleta presente, mas para o homem futuro, aquele que vai interagir, partilhar e participar da sociedade. Para isto, o esporte não deve ser um fazer simplesmente mecânico, mas ser incorporador de atitudes, um formador integral da personalidade [...].
O processo de evasão do esporte oficial não se dá devido à competição, mas sim pela forma como ela é proposta. Cabe ao técnico/professor intervir e esclarecer sobre as várias possibilidades que o esporte, em toda sua magnitude, pode oferecer. Necessita-se potencializar fatores positivos que a competição proporciona dentro de um planejamento pedagógico, ou seja, de um processo de ensino/aprendizagem gradual, respeitando as diferenças e dificuldades das crianças e adolescentes.
O esporte oficial necessita ter em seu conteúdo aspectos educacionais sem perder o seu caráter competitivo, ou seja, o técnico deve ter uma proposta pedagógica que consiga unir estes dois fatores.
Seurin (1984) aponta algumas intervenções que podem ser utilizadas pelos técnicos e professores das categorias de formação do basquetebol oficial. O adversário não deve ser visto como um inimigo, mas sim como um fator necessário para o acontecimento do jogo. A agressividade pode ser canalizada e evoluir para a combatividade, que é à vontade de vencer sem prejudicar o adversário. A equipe e/ou clube deve agir como um fator social e trazer ao adolescente segurança e valorização perante as situações de insucesso.
Estes aspectos são importantes para que o atleta entenda o esporte em uma perspectiva educacional, no entanto, existem outros exemplos que também podem ser estabelecidos pelos técnicos e professores.
ConclusõesA partir desta discussão percebe-se que o tratamento pedagógico através das intervenções dos profissionais ligados ao esporte oficial torna-se um aspecto relevante na continuidade da pratica esportiva. Conseqüentemente, este fato poderia favorecer a qualidade do basquetebol masculino brasileiro e principalmente, influenciar na formação educacional integral destes adolescentes.
A prática do basquetebol de forma oficial pode ter inúmeros objetivos, destacando não só a identificação de talentos para as categorias posteriores, mas também, a educação integral e a formação de futuros cidadãos. Portanto, estes dois últimos aspectos não devem ser esquecidos por aqueles que trabalham com o basquetebol masculino brasileiro nas categorias oficiais.
Se o esporte competitivo é um meio de promover a educação, o respeito, a disciplina e outros aspectos abordados neste estudo, então existe a necessidade de proporcionar condições para que crianças continuem praticando o basquetebol de forma sistemática, e não haja uma interrupção durante este processo de formação.
Esta discussão não se esgota e há a necessidade de mais estudos e de produções científicas em torno do tema, mas, sobretudo, acredita-se que a prática esportiva de competição deve preparar os jovens para serem capazes de enfrentar os desafios em um universo sócio-cultural em constantes modificações. Não se deve doutrinar, mas sim instigar a liberdade de ação, de pensamento, de contestação, baseada em valores de responsabilidade e respeito ao seu semelhante.
Referências bibliográficas
ROSE JR., D. Esporte Atividade Física na Infância e na Adolescência. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.
DINIZ, A. O basquetebol paulista: análise crítico-pedagógica sobre sua iniciação. Campinas, 2001, 153f. Tese (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas.
GARGANTA, J. Para uma teoria dos Jogos Desportivos Coletivos. ____. In: O ensino dos Jogos Desportivos. 2 ed. Porto: CEJD, 1997.
KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: 4a ed. Editora UNIJUÍ, 2001.
MONTAGNER, P. C. Esporte de Competição x Educação? O caso do basquetebol. Piracicaba, 1993, 148f. Tese (Mestrado) - Universidade Metodista de Piracicaba.
MOREIRA, A. Treinamento de longo prazo: o caso do basquetebol. Campinas, 11 set. 2002. Sessão ponto de vista. Disponível em: http://www.databasket.com.br/ler_materia.asp?codigo=660. Acesso em: Campinas, 20 Ago. 2002.
PAES, R. R. Aprendizagem e competição precoce: o caso do basquetebol. Campinas: Editora Unicamp, 1992.
SEURIN, P. A competição desportiva e a educação do adolescente. Artus, Rio de Janeiro, ano 7, n. 12/14, p. 44-47, 1984.
revista
digital · Año 10 · N° 86 | Buenos Aires, Julio 2005 |