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Percepção de corpo da mulher que joga futebol

   
*Licenciada em Educação Física/UFSM
Especialista em Aprendizagem Motora/UFSM
Mestre em Ciência do Movimento Humano/Desenvolvimento Humano/UFSM
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela PUCRS
Prof. da Universidade Luterana do Brasil/ULBRA/Campus Santa Maria/RS
**Prof. Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia PUCRS.
Pesquisadora do CNPq
 
 
Maria Cristina Chimelo Paim*
crischimelo@bol.com.br  
Marlene Neves Strey*
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este estudo teve como objetivo identificar a percepção de corpo da mulher que joga futebol. Fizeram parte do estudo 12 adolescentes do sexo feminino, praticantes de futebol. Quanto ao processo de coleta de informações, foi realizada uma entrevista semi-estruturada. As questões foram elaboradas assumindo gênero como uma construção social e, portanto histórica. Para analisar os dados agrupamos as respostas em três categorias: categoria importância do corpo; categoria estar satisfeito com seu corpo e categoria estereótipos de gênero que influenciam na escolha da prática do futebol. Na categoria importância do corpo, observa-se que o corpo é assunto central na vida das adolescentes e elas dão atenção especial à sua aparência frente ao outro, com ênfase na estética e aparência física; Na categoria estar satisfeito com seu corpo, observa-se que as adolescentes apresentam preocupações acentuadas com a forma de seus corpos, demonstrando insatisfações moderadas com o seu físico e sensação de estar gordo; Na categoria estereótipos de gênero que influenciam na escolha do futebol, as adolescentes apresentaram contradições, ora dizendo que praticar futebol lhes dava prazer e sua prática estava associada à manutenção da saúde e valorização da imagem corporal, ora concordando com o estereótipo que a mulher é mais sensível e a prática do futebol lhes exigia muita força física, e lhes favorecia comportamentos agressivos, o que caracteriza perante as relações sociais, atributos masculinos, o que às vezes lhes causava, certo desconforto.
    Unitermos: Imagem corporal. Mulher. Futebol.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 85 - Junio de 2005

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Introdução

    O esporte, em especial o futebol, assume importância ímpar no desenvolvimento social e cultural do homem brasileiro. Apesar das transformações ocorridas nas últimas décadas, com relação à prática esportiva, o futebol é assumido, historicamente, ainda como sendo um domínio masculino. Dessa forma, estudar como as adolescentes do sexo feminino, praticantes de futebol percebem seu corpo, assume, atualmente, papel de destaque, visto o crescente aumento de mulheres envolvidas no esporte, passando pela ênfase dada pela mídia esportiva às equipes femininas de futebol nas Olimpíadas de Atenas. Foi bastante intensa a pressão exercida pelos meios de comunicação sobre a equipe brasileira, já que a equipe masculina não se classificou para os jogos na Grécia. Sendo o futebol uma das atividades esportivas mais apreciadas, as jogadoras brasileiras tiveram que levar adiante a paixão nacional, apesar de serem mulheres e de não terem recebido antes qualquer tipo de reconhecimento oficial ou oficioso no País.

    De acordo com Shilder (1999), a imagem corporal é a figuração do corpo formada na nossa mente, ou seja, a forma como o corpo se apresenta para nós. O estudo da imagem corporal envolve várias áreas do conhecimento, como a neurologia, a psicologia, a sociologia, a educação física, a reabilitação e outras. É um assunto complexo, e como tal requer um olhar multidimensional para o ser humano, no qual seus aspectos fisiológicos, afetivos, cognitivos e sociais devem ser considerados de forma integrada.

    As primeiras pesquisas em imagem corporal, datam do início do século XX, sendo seu enfoque na neurologia, com o interesse de investigar os distúrbios na percepção corporal dos pacientes com lesões corporais. Henry Head em 1911, ficou conhecido por criar o termo "esquema corporal", enfatizando o papel desse em orientar a postura e o movimento corporal (Turtelli, 2003).

    Mas o grande nome que inovou na área foi Paul Schilder, com seu livro "A imagem do Corpo" em 1935, onde o autor trata do assunto da imagem corporal de uma maneira que ainda hoje se mantém atualizada. Schilder (1999) e Le Boulch (1987 e 1992) entre outros, unificaram os conceitos de imagem corporal e esquema corporal. Segundo Le Boulch (1987), se trata nesse caso de uma forma de traduzir em duas linguagens diferentes, uma fisiológica, outra psicológica, uma só e mesma realidade fenomenológica que é aquela "do próprio corpo".

    Schilder (1999) p. 07, explicando o que considera imagem corporal, dá uma noção clara da complexidade do assunto e da unidade entre os aspectos ditos "biológicos" e "psicológicos":

Há sensações que nos são dadas. Vemos partes da superfície do corpo. Temos impressões táteis, térmicas e de dor. Há sensações que vêm dos músculos e seus invólucros, indicando sua deformação; sensações provenientes da inervação dos músculos; e sensações provenientes das vísceras. Além disso, existe a experiência imediata de uma unidade do corpo. Esta unidade é percebida, porém é mais do que uma percepção. Embora nos tenha chegado através dos sentidos, não é uma mera percepção. Existem figurações e representações mentais envolvidas, mas não é uma mera representação.

    Segundo o mesmo autor, além de nossas impressões passadas, fazem parte da imagem corporal nossas relações com o meio externo e conosco mesmos a cada instante, bem como nossos desejos para o futuro. Sendo assim a imagem corporal não se fundamenta apenas em associações, memória e experiências, mas também em intenções, aspirações e tendências. Deste ponto de vista, de acordo com Becker Jr. (1999), imagem corporal pode ser entendida como uma representação interna, mental, ou auto-esquema da aparência física de uma pessoa.

    Zukerfeld (1996), define imagem corporal, como uma estrutura psíquica que incluí a representação consciente e inconsciente do corpo em três registros distintos: forma, conteúdo e significado. O registro da forma corresponde todas as percepções conscientes da dimensão, da postura, dos movimentos e da superfície corporal acessíveis aos órgãos dos sentidos. O registro do conteúdo, refere-se aos sentimentos, emoções e a percepção das sensações proprioceptivas e cinestésicas. Já, o significado incluí o conjunto de representações inconscientes.

    Existem interligações bastante relevantes entre a imagem corporal de uma pessoa com sua identidade e suas relações com o movimento, que influencia e é influenciado por ela. Dessa forma, na presente pesquisa procura-se obter mais dados sobre as relações entre imagem corporal e diferentes movimentos, evidenciado aqui, na modalidade esportiva futebol.

    A construção social do corpo adolescente, encontra-se estreitamente vinculada à questão da sexualidade, a qual por meio das mudanças físicas e hormonais que a caracterizam, introduz as conflituosas transformações da adolescência. Todo esse período vai estar permeado pela necessidade de o indivíduo, assumir uma determinada posição em relação à própria sexualidade, tarefa difícil e que geralmente vem acompanhada de muita angústia. Buscar atingir o modelo ideal de corpo, que é imposto pela sociedade, com parcela significativa da mídia, que cultua o corpo, o erotismo e a sexualidade como artigo de consumo, é uma maneira do(a) adolescente sentir-se mais seguro(a) com relação à sua sexualidade e ao seu grupo.

    Durante a adolescência a preocupação com o porte físico e a aparência corporal é um dos problemas mais importantes. Atualmente, a forte tendência social e cultural de considerar a magreza como uma situação ideal de aceitação e êxito está influenciando cada vez mais os(as) adolescentes, especialmente as mulheres. As adolescentes têm medo de engordar e em conseqüência desejam um controle do seu peso. Essa angústia por engordar é em parte independente do peso real (Matsudo & Matsudo, 2003). Os padrões impostos pela sociedade, podem influenciar negativamente o consumo alimentar; principalmente no sexo feminino pois, para se manterem dentro dos padrões de beleza, as adolescentes chegam a omitir refeições importantes como o café da manhã ou o jantar, acarretando baixo consumo de energia e inadequadas proporções entre nutrientes. Essas proporções aumentam entre as adolescentes atletas, que necessitam de um ganho calórico maior para repor suas demandas gastas na prática da atividade física. O que, caso não se efetue, com o passar do tempo desencadeia sérios problemas fisiológicos, psicológicos e sociais, acarretando prejuízos no seu desempenho esportivo e pessoal.

    No ambiente esportivo as pressões sócio-culturais pela busca do modelo ideal de corpo aumentam consideravelmente, visto que, as adolescentes atletas necessitam de qualidades físicas como força, velocidade, músculos desenvolvidos, etc., para ter bom desempenho, mas gostariam de responder à imagem feminina traduzida em fragilidade, músculos pequenos. Isso faz com muitas atletas, sejam vulneráveis à instalação de transtornos da auto-percepção da imagem corporal (Vieira, Vigário & Oliveira, 2003).

    Garret (1993), considera que na fase da adolescência, as meninas têm sua auto-estima baixa e insatisfação com suas imagens corporais. Ela acredita que um programa de dança-educação é adequado para este grupo, pois a dança é enfocada como um meio de desenvolver a personalidade e ter experiências positivas com o corpo. Como grande parte dos estudos enfocando a imagem corporal abrange modalidades, como ginástica aeróbica e dança, que são modalidades esportivas freqüentadas quase que exclusivamente por mulheres. Assim foi de nosso interesse verificar como as adolescentes praticantes de futebol, percebem seu corpo, considerando que a modalidade futebol ainda é um universo basicamente masculino.

    Sabe-se que a imagem corporal deve ser estudada levando-se em consideração o contexto sócio-cultural, no qual a pessoa se encontra. A imagem corporal é influenciada e modificável, dentre outros fatores, pela realidade e pelas expectativas e julgamentos que nós pensamos que os outros formam de nós. Face ao exposto acima têm-se como objetivo do presente estudo, identificar a percepção de corpo, em adolescentes do sexo feminino, praticantes de futebol, na faixa etária de 15-18 anos.


Caminhos metodológicos

    A presente pesquisa é baseado em um estudo qualitativo realizado em um Clube Social da Cidade de Santa Maria/RS. Fizeram parte do estudo 12 adolescentes do sexo feminino, praticantes de futebol, na faixa etária de 15-18 anos. Para coleta dos dados foi utilizada entrevista semi-estruturada. As questões foram elaboradas assumindo gênero como uma construção social e, portanto histórica. Para analisar os dados agrupamos as respostas em três categorias: categoria importância do corpo; categoria estar satisfeito com seu corpo e categoria estereótipos de gênero que influenciam na escolha da prática do futebol.


Apresentação e discussão da fala das adolescentes

    Para apresentação dos resultados da pesquisa as falas foram agrupadas em três grandes categorias, como citado anteriormente: importância do corpo, estar satisfeito com seu corpo e estereótipos de gênero que influenciam na escolha da prática do futebol.


Na categoria importância do corpo

    O corpo é assunto central na vida das adolescentes e elas dão atenção especial à sua aparência frente ao outro, com ênfase na estética e aparência física, como pode-se observar a seguir:


Adolescente 3

    " O corpo..., é tudo o que temos, e se nós não cuidarmos dele, quem vai cuidar? Há uns dois anos atrás eu tinha vergonha do meu corpo, ele começou a mudar, e quando me olhava no espelho todo dia era uma nova descoberta. Depois que comecei a praticar esportes as coisas mudaram. Eu me preocupo com minhas amigas que não gostam de praticar esportes. Hoje são magras e daqui alguns anos como estarão? Provavelmente gordinhas e com aquela eterna preocupação com a balança, ou o que é pior, tomando remédios para emagrecer, como minha mãe. Eu sempre gostei de esportes, e com a prática do futebol, eu cuido do meu corpo e ganho saúde."


Adolescente 5

    "Quando escuto a palavra corpo, penso em aparência física. Quem não gosta de ser admirado pelos outros, principalmente se esse for um menino... Sei lá acho que o corpo é nosso cartão de visitas, e eu me preocupo muito com ele".

    Assumir um corpo de adulto e se identificar com ele nas suas novas funções é, antes de tudo admitir a perda do corpo infantil, essa perda ou luto ocorre simultaneamente à posse de uma nova identidade corporal. Na busca dessa identidade, é comum as adolescentes, elegerem modelos e padrões estéticos estabelecidos socialmente, o que incluí também o corpo. Dessa forma o corpo assume uma função ideológica, na qual a aparência física funciona como garantia ou não da pertença a um grupo.

    O esporte, como vimos pela fala de uma das adolescentes vem contribuindo gradativamente para que as adolescentes assumam seu corpo, e aprendam e gostar e a cuidar dele.

    O corpo faz parte de um sistema simbólico que sustenta a ordem social. É exatamente essa construção corporal simbólica que emerge das relações sociais, e que faz com que as pessoas se preocupem com o outro. Nesse sentido Santin, (1995) e Fausto Neto (2000), dizem que a construção do corpo não pode ser vista apenas como corpo individual, mas também, de um corpo que eu construo sob o olhar do outro e para que ele possa ser olhado pelo outro. O que justifica a preocupação da adolescente 5, em adquirir uma boa aparência frente ao outro, representado aqui, no menino. O corpo assume assim, um lugar de práxis social, como texto cultural, como construção social. O corpo delimita o "dentro" e o "fora", servindo de ponto de encontro entre o mundo externo e interno. Segundo Braunstein & Pépin (1999), o corpo não se revela apenas enquanto componente de elementos orgânicos, mas também enquanto essência, social, psicológica, cultural, religiosa. Está dentro da nossa vida cotidiana, nas relações de produção e troca, é um meio de comunicação, pois através de signos ligados à linguagem, gestos e roupas, permite nossa comunicação com o outro.

     As pessoas aprendem a avaliar seus corpos através da interação com o ambiente. Assim, a auto-imagem é desenvolvida e reavaliada continuamente, durante a vida inteira. Na adolescência, esse processo se intensifica, e a busca pelo corpo ideal imposto às mulheres, e em menor escala aos homens, coloca as adolescentes à mercê da variedade de imagens que o nosso mundo das aparências oferece. O corpo está a serviço, portanto, da produção que o domina, utilizando-se da ilusão de faze-lo belo, saudável e forte.


Na categoria estar satisfeito com seu corpo

    As adolescentes apresentam preocupações acentuadas com a forma de seus corpos, demonstrando insatisfações moderadas com o seu físico e sensação de estar gordo, como pode-se observar nas falas a seguir:


Adolescente 10

    "Bom, eu gosto um pouco do meu corpo, tem partes, por exemplo: minha barriga e meus cabelos eu odeio.... Meu cabelo só fica bom quando faço chapinha. E mais, me acho gorda, minhas amigas são bem menores do que eu. Quando me olho no espelho ai sim me desespero e vejo que eu tenho que emagrecer um pouco, mas é tão difícil..."


Adolescente 08

    "Acho que você ter um corpo bonito, não é tudo, mas ajuda muito...Eu até que gosto do meu corpo, acho que minha coxa é muito grossa, isso me incomoda um pouco."


Adolescente 3

    "Eu adoro cuidar do meu corpo, me sentir de bem com ele é fundamental. Como eu gosto muito de esportes, sempre que eu posso, ou to jogando futebol, nadando ou na musculação....Quando me analiso num espelho, não me vejo com um corpo perfeito, gostaria de ser mais alta por exemplo, e também acho que tenho pouco peito. ...tento compensar com malhação"


Adolescente 12

    " Acho que ninguém gosta de ser gorda, quando tô com uns quilinhos a mais fico muito irritada... quando vou numa festa coloco uma blusinha mais justa e me acho ridícula com aquelas dobrinhas...aí vejo que tenho que mudar minha alimentação."

    As falas das meninas demonstram sua preocupação com o físico e aparência corporal, dando grande importância ao estar magro. A superioridade atribuída à magreza faz com que as pessoas tenham mais acesso ao mundo do consumo, pois são para as magras que as roupas são confeccionadas. Atualmente, a forte tendência social e cultural de considerar a magreza como uma situação ideal de aceitação e êxito está influenciando cada vez mais os adolescentes, especialmente as mulheres. As adolescentes têm medo de engordar e em conseqüência disso, desejam um controle do seu peso, muitas vezes levando a conseqüências sérias, como o desenvolvimento de distúrbios do tipo anorexia e a bulimia. Em estudo realizado por Oliveira et al. (2003), onde investigaram o comportamento alimentar e imagem corporal em atletas do sexo feminino, foi detectado que o ambiente esportivo é um meio, onde as pressões socioculturais, motivadas pelo ideal de corpo magro, são bastante acentuadas, muitas vezes resultando no aparecimento de distorção da imagem corporal.

    Na presente pesquisa, o medo de engordar está presente, mas em situações isoladas, o que ao nosso ver vem a ser em resposta às pressões sociais e culturais que definem os padrões de beleza na atualidade, que toma os cuidados com o corpo como fundamental, como um pré-requisito de aceitação no grupo social, principalmente para as mulheres. Conforme Marcelli e Braconnier (1989), as preocupações com o "ser gorda/ser magra" parecem comuns na vida das adolescentes, e não só naquelas que apresentam os chamados transtornos alimentares.

    Na segunda metade do século XX, segundo Goldenberg (2002), o culto ao corpo ganhou uma dimensão social inédita e entrou na era das massas. A difusão generalizada das normas e imagens, a profissionalização do ideal estético e a grande preocupação com os cuidados com o rosto e o corpo, funda a idéia de um novo momento da história da beleza feminina e, em menor grau, masculina, tornando-se uma das características mais marcantes da cultura contemporânea, o que vêm ao encontro das falas das adolescentes.


Na categoria estereótipos de gênero que influenciam na escolha da prática do futebol

    As adolescentes apresentaram contradições, ora dizendo que praticar futebol lhes dava prazer e sua prática estava associada à manutenção da saúde e valorização da imagem corporal, ora concordando com o estereótipo que a mulher é mais sensível e a prática do futebol lhes exigia muita força física, e lhes favorecia comportamentos agressivos, o que caracteriza perante as relações sociais, atributos masculinos, o que às vezes lhes causava, certo desconforto, como pode-se observar nas falas a seguir:


Adolescente 1

    " .... jogar futebol para mim é tudo de bom..., gosto do contato com minhas amigas, e quando não venho no treino, sinto muita falta. Para começar a treinar tive que convencer meus pais que o futebol é também um esporte para mulheres, não foi nada fácil, mas estou aqui."


Adolescente 3

    "Como já falei antes, gosto muito de esportes, sempre que eu posso, ou to jogando futebol, nadando ou na musculação....Ter um corpo bonito é tudo o que eu quero, e eu acho que o futebol me ajuda na busca de meu objetivo. Percebo que sou mais encorpada que a maioria das minhas amigas..., meu namorado gosta, ai tá tudo bem"


Adolescente 8

    "Não sei se é por causa do futebol, mas acho que tenho as coxas muito grossas, o que às vezes me deixa insatisfeita com minha aparência, é sério, às vezes até choro de raiva..., várias vezes, pensei em deixar de jogar futebol, pois minha família não me incentiva e passa dizendo que eu vou ficar como um homem, muito musculosa..., só não paro porque gosto de jogar e me divertir com minhas amigas".

    As falas das meninas demonstram sua preocupação com sua imagem corporal relacionada à prática do futebol. Ter um corpo bonito é bastante importante, mas algumas delas não gostam de ter músculos muito desenvolvidos, o que lhes causa desconforto com as formas de seu corpo.

    De acordo com Hill e Lynch (1983), na adolescência, devido às mudanças biológicas naturais, e concomitantemente com a intensificação do processo de socialização de gênero, as garotas tornam-se mais conscientes das concepções de feminilidade dominantes na cultura nas quais estão inseridas.

    Muitas garotas entram em conflito, como foi o caso visto na fala da adolescente 8 e da adolescente 3 em menor proporção, quando praticam esportes. Embora a atitude em relação à participação da mulher no esporte possa ter mudado nas últimas décadas, a sociedade ainda percebe os esportes, em especial aqui o futebol, como uma atividade orientada para o homem e dominada pelo universo masculino. A tradicional imagem da mulher como um ser frágil e delicado, segundo Ho e Walker, (1982), não é consistente com a agressão e a habilidade física envolvidas nos esportes com contato físico, como é o caso do basquetebol, do futebol.

    Esses conflitos, muitas vezes, podem ser explicados, pois a mulher praticante desses esportes, pode sentir que seu papel de mulher e atleta está em contradição, pois como sinônimo de feminilidade têm-se a fragilidade, a dependência, a passividade, etc., e na prática de esportes o que se enfatiza é a liderança, a criatividade, a independência, entre outros.

    A sociedade define desde cedo que os corpos de homens e mulheres devem agir desta ou daquela maneira, respeitando as normas e símbolos convencionados ao ser masculino e ao ser feminino. Apesar do grande aumento de mulheres envolvidas com a prática esportiva, esse é um ambiente ainda dominado por homens. Segundo Adelman (2003), os esportes, em especial o futebol, são vistos como potencialmente "masculinizantes" para as mulheres.

    O esporte para mulheres parece se manter, historicamente, preso a armadilhas, pois, apesar das grandes conquistas feministas pela igualdade de poderes na sociedade, ainda hoje a imagem estereotipada do futebol continua afastando as mulheres de sua prática (Knijnik, 2001). Esses estereótipos de gênero, fazem com que as mulheres atletas profissionais, sempre que possível, tornem público que sua prática no esporte não compromete sua feminilidade (Festle, 1996). De acordo com Myotin, (1995), algumas garotas utilizam como estratégia para vencer o estigma de ser uma mulher atleta, o abandonar completamente a atividade ou escolher atividades consideradas "femininas" pela sociedade em geral, como é o caso da ginástica.


Considerações finais

    Este estudo foi uma tentativa de analisar como as adolescentes esportistas percebem seu corpo. Em geral, os dados aqui obtidos não diferem substancialmente daqueles relatados na literatura sobre o corpo, esporte e gênero.

    Ficou evidenciado que a mulher é percebida e valorizada pela aparência, pela forma do corpo, pois as falas das meninas demonstraram sua constante preocupação com o físico e aparência corporal, dando grande importância ao estar magra. Parece que a atual necessidade da beleza invade cada vez mais as relações entre homens e mulheres, e com certeza se acentua na adolescência, pois ser aceito(a) ou não ser aceito(a) em um determinado grupo social, é na maioria das vezes determinado pela aparência física do adolescente, ou seja, por sua beleza física. Percebe-se aqui que as relações de gênero circulam reproduzindo valores antigos com outra roupagem, o que é o caso do corpo magro, que é nada mais nada menos que uma nova forma de manipulação e controle, pois assim as mulheres não se preocupam com seus reais problemas sociais.

    Os estereótipos masculinos e femininos são reproduzidos em algumas falas das adolescentes, nos quais aparece que ter um corpo bonito e magro é bastante importante para sentirem-se femininas. Também não gostam de ter músculos muito desenvolvidos, o que causa desconforto, reforçando a idéia de que a mulher deve ser frágil, pequena e magrinha e que o homem deve ser forte, grande, alto...

    Mais do que apenas analisar como as adolescentes percebem seus corpos, o presente estudo tem a expectativa que os resultados revertam-se em subsídios para orientação aos pais e também aos profissionais da área dos esportes, que incentivem adequadamente a prática esportiva, independente da modalidade escolhida, pois mais que um corpo perfeito e belo, é preciso a adoção de um estilo de vida ativo e saudável já na adolescência, garantindo com sua permanência no esporte, saúde, auto-estima e bem-estar ao longo de sua vida.


Referências

  • Adelman, M. (2003). Mulheres atletas: re-significações da corporalidade feminina. Estudos Feministas. Florianópolis, 11(2): 360, p 445-465, julho-dezembro.

  • Becker Jr., B. (1999) O corpo e sua implicação na área emocional. Revista Digital: Lecturas: Educacón Física y Deportes. www.efdeportes.com. Año 4 n. 13. Buenos Aires, Marzo.

  • Braunstein, Florence & Pépin, Jean-Françóis. (1999) O lugar do Corpo na Cultura Ocidental. Lisboa: Instituto Piaget.

  • Fausto Neto, A. (2000) Apontamentos Disciplina de Mestrado, UFSM.

  • Festle, M. J. (1996) Playing Nice: Politics and apologies in Women's Sports. New York: Columbia universal Press.

  • Garret, R. (1993) The influence of the educational dance program on female adolescent self-esteem. Body imagem and physical fitness. IN: International associacition of physical education and sport for girls and womem congress, 12th, Melboune, Australia.

  • Goldenberg, Mirian (2002) Nu e vestido. Dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro/São Paulo: Record.

  • Hill,J. P. & Lynch, M. E. (1983) The intensification of gender-related role expectations during early adolescence. In: J. Brooks-Gunn e A . C. Petersen (orgs. Gils at puberty:) Biological and psychological perspectives. Londres, Plenum, p. 202-228.

  • Ho, L. & Walker, J. E. (1982) xFemele wider vistas: societal sex-role models and their relationship to sports world. In: Journal of Sport Behavior 5(1) p. 12-27.

  • Le Boulch, J. (1987) Rumo a ciência do movimento humano. Porto alegre: Artes Médicas.

  • Knijnih, J. D. (2001) Mullheres no esporte: uma nova roupa velha. Lecturas: Educacón Física y Deportes. www.efdeportes.com. Digital-Buenos aires-año 7 N. 42. Noviembre de 2001.

  • Marcelli, Daniel & Braconnier, A (1989) Psicopatologia do adolescente. São Paulo: Masson.

  • Matsudo, S. M. M. & Matsudo V. K. R. (2003) Consumo alimentar, atividade física e percepção da aparência corporal em adolescentes. Centro de estudos do laboratório de aptidão física de São Caetano do sul. CELAFISCS.

  • Myotin, Emmi (1995). A participação da adolescente brasileira em esportes e atividades físicas como forma de lazer: fatores psicológicos e socioculturais. In: Corpo, Mulher e Sociedade. Elaine Romero (org.).Campinas, SP: Papirus.

  • Oliveira, F. P.; Bosi, M. L. M.; Vigário, P. S. et al. (2003). Comportamento alimentar e imagem corporal em atletas. Revista Brasileira de Medicina do Esporte. Vol. 9, N 6. Nov/Dez.

  • Santin, S. (1995). Educação Física: ética, estética e saúde. Porto Alegre: edições EST.

  • Schilder, Paul (1999) A imagem do corpo: as energias construitivas da psiquê. São Paulo: Martins Fontes.

  • Turtelli, L. S. (2003) Relações entre imagem corporal e qualidades de movimento: uma reflexão a partir de uma pesquisa bibliográfica. Campinas: Faculdade de Educação Física da UNICAMP. (Dissertação de Mestrado em Educação Física).

  • Vieira, R. S., Vigário, P.S. & Oliveira, F. P. (2003) Avaliação de transtornos da auto-percepção da imagem corporal em atletas femininas da EEFD/UFRJ.

  • Zukerfeld, R Acto bulímico, cuerpo y tercero tópico. México: Paidos, 1996.

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