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As emoções da caminhada nos espaços públicos
de lazer: motivos de aderência e manutenção
The emotions of walking in the public leisure spaces: motives of adherence and maintenance

   
*Mestre em Ciências da Motricidade - IB/UNESP Rio Claro/SPl,
Pedagoga, Psicopedagoga, Assistente Social.
**Doutora em Psicologia - USP, Livre Docente e Coordenadora do LEL-
Laboratório de Estudos do Lazer - DEF/IB/UNESP Rio Claro/SP.
 
 
Jossett Campagna De Gáspari*
jossett@linkway.com.br  
Gisele Maria Schwartz**
schwartz@rc.unesp.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este estudo qualitativo teve por objetivo investigar os motivos de aderência e permanência na atividade física, na modalidade caminhada e os impactos desta prática no estilo de vida. O estudo constou de revisão de literatura e pesquisa exploratória, utilizando-se de questionário misto, aplicado a freqüentadores de ambos os sexos do Parque Municipal, Araras-SP. Os dados, analisados, descritivamente, pela Técnica de Análise de Conteúdo, sinalizam atitudes positivas para a incorporação da atividade física ao estilo de vida, reiterando a importância da democratização do acesso aos espaços e equipamentos públicos de lazer.
    Unitermos: Emoções. Caminhada. Aderência. Estilo de vida
 
Abstract
    This study, of a qualitative nature, seeks to investigate the citizens of Araras who frequently visit the public leisure areas as to their reasons for adhering to and regularly participating in spontaneous physical activities, such as walking (one of the leisure options) and also to the impact that this practice has on their lifestyles. The study consisted of two stages: review of literature and exploratory research, using questionnaires with mixed questions, done in the morning, afternoon and evening. The subjects were people of both genders, who frequently go to the Fábio da Silva Prado Municipal Park in Araras, São Paulo. The data which were analyzed descriptively by the Content Analysis Technique signalize that this segment of the population shows a positive attitude towards incorporating leisure time physical activity, whether individual or collective, to their lifestyles, reiterating the importance of democratizing access to leisure time equipment.
    Keywords: Emotion. Walking. Attitude. Adherence. Lifestyle.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 85 - Junio de 2005

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Introdução

    Na contra-corrente do sedentarismo que assola as populações urbanas durante todas as etapas do ciclo vital, constatam-se fortes apelos à incorporação de hábitos e atitudes positivas visando a promoção de estilos saudáveis e ativos, perspectivando patamares elevados na qualidade de vida. A expressão qualidade de vida entrou em alta desde os anos 80, quando questões concernentes à desigualdade e exclusão sociais, ao consumo e à pobreza foram focalizadas nas pesquisas desencadeadas pela premência de políticas públicas nesta abrangência e, após uma década, transformou-se em polissêmica. Nesta condição, qualidade de vida pode estar associada às discussões sobre cidadania, serviços e equipamentos oferecidos à população, ao tema vida saudável, ao acesso a certos bens materiais e imateriais, ao turismo e, inclusive, ao lazer (Guimarães & Martins: 2004).

    A polissêmica desta expressão pode relacioná-la a grupos com aptidões especiais embutindo, então, a inclusão social e outras questões igualmente polêmicas impregnadas de ética, legalidade, co-responsabilidade social, na operacionalização de políticas facilitadoras do acesso deste segmento, aos espaços e equipamentos de lazer, entre outras. Para estes, qualidade de vida, nas ciências sociais, tangencia processos adaptativos do homem ao inusitado, os prazeres e, inclusive, àquelas simbologias associadas ao consumo/ utilização dos espaços e os recursos a eles ofertados.

    Neste pressuposto, políticas públicas direcionadas à apropriação, pelo cidadão, dos espaços públicos de lazer, na gama das condutas e/ou comportamentos individuais e coletivos, podem desencadear transformações axiológicas, cujas ressonâncias se fazem sentir em seu estilo de vida. Sobre estas idéias, Pellegrin (2004) assinala que tais espaços devem ser compreendidos como oportunidade de encontro com o inusitado e com o diferente, de relacionamento interpessoal, de práticas culturais, de criação, transformação e de vivências diversas, no que diz respeito a valores, conhecimentos e experiências.

    Estilo e qualidade de vida, sustentados por motivos, relacionam-se com as atitudes, concebidas neste estudo como um "(...) sistema mais ou menos duradouro de valorização positiva ou negativa, composta de conhecimento, emoção e tendências a atuar pró ou contra a respeito de um objetivo social" (Gaelzer:1979, p. 113).

    Os motivos, impelindo à ação, ganham níveis conscientes por meio de condutas e comportamentos, compatíveis ou não com as crenças que se defende, individual e/ou socialmente. Assim, diante da necessidade de compreender esta trama presente no enredo psicológico do homem, construíram-se algumas teorias sobre motivação e compreensão do comportamento humano.

    Uma delas, a teoria de Abraham Maslow (1954), bastante difundida, defende que os motivos derivam da(s) necessidade(s), isto é, da falta ou carência de algo que esteja promovendo a ruptura do equilíbrio fisiológico, social e humano.

    Deste(s) desequilíbrio(s) reverberam, então, tensões ou motivos, os quais predispõem para uma ação ou comportamento capaz de suprir a(s) necessidade(s) e culminar na satisfação humana (Teles,1997).

    Para este autor, os motivos individuais e sociais concentram-se em pólos como sobrevivência, segurança, realização e crescimento. Nos dois primeiros ganham foco a conservação da vida, os motivos que orientam a atividade humana baseados na autoproteção, satisfação, no propósito de continuar vivo e vivenciar experiências novas. Nos dois últimos pólos evidencia-se a expansão da vida, com destaque para os motivos advindos das necessidades e para as forças de crescimento.

    Neste prisma, estilo de vida não pode ser compreendido se descolado destas significativas variáveis. Como enfatiza Teles (1997), estas variáveis consideram, ainda, que não só os motivos diferem de pessoa para pessoa, singulares que são em suas experiências anteriores, como, também, que um mesmo motivo pode determinar diferentes ações. Entra em cena a adoção de uma ação crítico-construtiva diante da necessidade de tomadas de decisões quanto à escolha por este ou aquele modo de viver, reproduzindo ou resistindo aos estilos de vida vigentes.

    Esta atitude crítica, típica do ser racional, pauta-se em valores e crenças considerados, conscientemente, melhores para si em todos os níveis e esferas de inserção pessoal e social, nas quais o ser humano tem a oportunidade de desenvolver-se. Esta lógica aplica-se ao âmbito do lazer, igualmente responsável pelos estilos saudável e ativo, pois, a saúde, para além da ausência de doença e abrangendo a integridade, os cuidados com o corpo, alimentação, sono, trabalho e lazer, é elemento-chave na almejada qualidade de vida.

    Dumazedier (1973) evidenciava que somente a partir de um conjunto de atitudes ativas seria possível incorporar estilos de vida individual ou coletivamente. Neste último caso, para além de seu meio orgânico, o homem, inserido no meio social onde (con)vive com o(s) outro(s), tem carências, déficits e necessidades individuais, que o mobilizam para supri-las, na expectativa dos parâmetros qualitativos que almeja.

     Na elucidação da relação entre estilo, qualidade de vida e saúde, Ritnner (1994) aponta qualidade de vida como processo de busca pela vivência plena e de desenvolvimento de potencialidades, destacando o compromisso da otimização da condição humana, a qual ele denomina de ecologia interior.

    Para Nahas (2001, p.5-6), qualidade de vida é "[...] a condição humana resultante de um conjunto de parâmetros individuais e sócio-ambientais, modificáveis ou não, que caracterizam as condições em que vive o ser humano"; a "[...] satisfação, realização pessoal, qualidade dos relacionamentos, opções de lazer, aceso a eventos culturais, percepção de bem- estar geral e outros" .

    Estilo de vida, para este autor, relaciona-se àquelas maneiras pessoais de ser, escolher e se comportar, sendo "um conjunto de ações habituais que refletem as atitudes, os valores e as oportunidades na vida das pessoas" (Nahas, 2001, p. 11).

    Nahas se aproxima do pensamento de Gaelzer (1979, p.51), para quem estilo de vida é "o modo pessoal pelo qual cada indivíduo planeja sua vida cotidiana". Gaelzer considera que a individualidade "tem mais oportunidades de afirmar-se nas atividades livres e cada vez menos no trabalho". Daí, ela defender que a busca e a realização de um estilo de vida conferem, ao lazer, seu mais alto significado.

    Ao lado destas contribuições, acrescem-se os estudos realizados pelo LEL- Laboratório de Estudos do Lazer do DEF/UNESP-Rio Claro-SP, à luz dos conteúdos culturais do lazer defendidos por Dumazedier (1979), Camargo (1998), Schwartz (2003), perscrutando o fenômeno lazer e suas ressonâncias no estilo e na qualidade de vida.

    De Gáspari; Schwartz (2001) revelam a complexidade da tarefa de definir qualidade de vida, voltada para o atendimento das reais necessidades humanas e para a profundidade e perfeição do ser.

    Numa outra abordagem investigativa do LEL, que estabelece conexões entre o desenvolvimento humano e a promoção dos níveis qualitativos de vida, De Gáspari; Schwartz (2002), fundamentadas na Teoria das Inteligências Múltiplas (Gardner, 1994, 1995, 2000) argumentam que experiências sensíveis e significativas entre corpo e mundo, podem estimular as capacidades cognitivas humanas latentes de modos independente, interdependente e global.

    É bom enfatizar que saltos qualitativos ocorrem de modo atrelado a alguns estágios de mudanças. No que tange ao aspecto do "corporal-cinestésico", uma das inteligências descritas por Gardner (1994,1995), por exemplo, pessoas sedentárias não se tornam ativas de uma hora para outra e nem pessoas ativas tornam-se sedentárias de repente (Corbin; Lindsey,1994).

    A atividade física, um dos fatores intervenientes na ruptura com padrões sedentários de vida, refere-se a movimentos corporais advindos da contração muscular, com dispêndio energético acima do repouso e se relaciona a um comportamento complexo, voluntário e autônomo, cercado de fatores de ordem psico-sócio-cultural, tendo como fonte os esportes e exercícios, entre outras experiências.

    No universo do lazer, a atividade física é contemplada especialmente no conteúdo cultural do lazer físico-esportivo (Dumazedier,1979) e na gama das múltiplas potencialidades humanas, ou seja, na "inteligência corporal-cinestésica". Em comum, tanto nos interesses culturais do lazer, categorizados a partir de propriedades preponderantes, como nas inteligências humanas, legitimadas por meio de critérios definidos, observam-se os aspectos da multiplicidade, da independência e da interdependência entre cada um(a) deles (as), amalgamados em níveis de potencialidade humana.

    E é, exatamente, nas vivências do lazer, permeadas pela espontaneidade, pelo prazer e pelo elemento lúdico, que este estudo perscruta alguns motivos de aderência e permanência à/na prática da caminhada, modalidade democrática, porque, sendo um exercício natural e sem restrições, se respeitados os limites de seus adeptos, pode ser vivenciada por qualquer pessoa, em qualquer idade, em quaisquer espaços ou "lugares"(Tuan,1983).

    Pelos motivos expostos e benefícios, como o da redução de riscos para o desenvolvimento de certas cardiopatias e da melhoria nos aspectos psicológicos, esta atividade é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (O.M.S). O pensamento de Nunomura (citado por Terzian, 2002, p.25) elucida tais benefícios bio-psico-sociais: "Ao caminhar as pessoas podem encontrar outros adeptos da prática, conhecer novos lugares e, ainda, aproveitar para refletir".

    Durante seu "tempo excedente"1 (De Gáspari: 2003, p. 236), significativa parcela da comunidade urbana ararense, sensível aos vários apelos para a ruptura com atitudes de conformismo e passividade, vem buscando nos espaços públicos condições ideais para a prática da caminhada, atribuindo aos parques, jardins, avenidas marginais, calçadas centrais ou periféricas - significados afetivos e emocionais, simbologias e representações mentais (De Gáspari & Schwartz, 2002).

     A escolha destes espaços e a construção do "lugar" (Tuan, 1983), não se dando ao acaso, denotam todos os aspectos axiológicos subjetivos, nos quais o processo de transformação se concretiza, à medida que o espaço, tornando-se conhecido, incorpora valores a ele atribuídos, pelo sujeito que dele(s) se utiliza. Esta é a tese central deste estudo.


Objetivo

     Esse estudo, de natureza qualitativa, teve como objetivo identificar os motivos de aderência e permanência na prática regular da caminhada, como uma das opções espontâneas de lazer e seu(s) impacto(s) na promoção de um estilo de vida ativo e saudável, com reflexos na qualidade de vida.


Método

    O estudo constou de uma revisão de literatura associada a uma pesquisa exploratória, realizada no Parque Municipal Fábio da Silva Prado, em Araras, São Paulo, visando abordar como foco central e subjacente o fenômeno social lazer.

    Após cumprir as etapas de validação ética do instrumento e do consentimento escrito dos informantes, utilizou-se um questionário, com perguntas mistas, aplicado a uma amostra aleatória de quarenta sujeitos, habituais freqüentadores do local escolhido, nos períodos matutino, vespertino e noturno, sendo que os dados foram analisados, descritivamente, pela Técnica de Análise de Conteúdo Temático (Bardin,1977).


Resultados

    Na caracterização do sexo constam vinte e oito (70%) participantes femininos e doze (30%) masculinos. Na da faixa-etária, vinte pessoas (50%) são de 50 a 60 anos, oito (20%) de 40 e 50 anos, seis (15%) entre 20 a 30 anos, quatro (10%) entre 30 a 40 anos e duas (5%) entre 60 a 70 anos.

    Este mapeamento fortalece a idéia de que, na etapa de envelhecimento, o ser humano, (re)vivendo uma verdadeira crise de identidade, busca saídas para, por meio do outro, se (re)encontrar. Encontros casuais ou não, nos jardins e, particularmente, nos parques, podem incrementar oportunidades de relacionamentos intra e interpessoais, como expõe Nunomura (citada por Terzian, 2002) e, conseqüentemente, o desenvolvimento das inteligências pessoais catalogadas por Gardner (1994,1995).

    Este é um forte motivo justificando a aderência à prática que, com freqüência, promove o rompimento com a mera atividade, irrompendo num estilo de vida ativo e saudável, reverberando positivamente no quesito qualidade de vida.

    Quanto ao tempo de prática da caminhada, houve uma permanência superior a dois anos para vinte dos entrevistados (50%), inferior a um ano para dezesseis (40%), e, para quatro (10%) deles, situou-se em um ano. Pode-se inferir que esta permanência pode ter sido motivada pela satisfação das necessidades dos aspectos de sobrevivência, segurança, expansão da vida e das forças de crescimento (Teles,1997).

    A abertura para vivenciar experiências novas, que ressoam desta atividade física e da inserção de elementos subjetivos aos espaços públicos e/ou privados nos quais é praticada (Tuan,1983) desvela-se como argumento de aderência e permanência, requisitando de um tempo para sua incorporação na rotina diária dos amostrados (Corbin; Lindsay,1994).

     O horário preferido para esta atividade física foi o período matutino, apontado por vinte e seis (65%) participantes, seguido do vespertino, para doze (30%) elementos e do noturno para dois (5%).

    A análise dos relógios biológico e social desvela aspectos saudáveis embutidos no período escolhido pelos respondentes para a prática da caminhada, denotando, não apenas o acesso à informação educativa presente nesta questão, como, também, a mudança de comportamento face à informação absorvida.

     A opção por caminhar individual ou coletivamente neste espaço público foi feita por vinte e duas pessoas (55%) adeptas por caminhar só, seguidas por dezesseis (40%) que preferem caminhar acompanhadas e duas (5%) em grupo.

    Independentemente do horário em que caminham, os aspectos subliminares e subjetivos, que parecem explicar a predominância da opção por caminhar só, corroboram com a idéia de Nunomura (citada por Terzian, 2002), quando esta evidencia o caminhar só como facilitador da introspecção/conversa consigo mesmo, buscando encontrar respostas para as inúmeras questões sociais, econômicas e existenciais que afetam cotidianamente os participantes envolvidos nesta investigação.

     A freqüência com que a caminhada acontece e o tamanho do percurso situa-se em três dias semanais (35%) e entre 5 a 10 km/dia (37.5%). Pode-se inferir sobre a importância do papel educativo da mídia e dos meios de comunicação de massa na orientação sobre os efeitos benéficos da atividade física praticada em condições ideais, o que, inevitavelmente, refletirá na percepção do praticante quanto ao seu bem estar geral (Nahas, 2001).

     Para trinta e oito sujeitos (95%), a caminhada é uma forma de lazer, sendo que dois deles (5%) não responderam. Dos percentuais apurados deve-se destacar os indícios de que as variáveis de espontaneidade e livre opção caracterizam as maneiras pessoais de os respondentes planejarem seu cotidiano (Gaelzer,1979)

     A amostra foi unânime em considerar o lazer como um momento importante, justificando que, além de prazeroso, auxilia no combate do cansaço, propicia o estabelecimento de novas amizades, faz bem à saúde e combate o estresse. No que tange ao combate ao cansaço e ao estresse fica evidente uma concepção funcionalista do lazer, sob as perspectivas compensatória e utilitarista.

     No argumento relativo às possibilidades de incrementar os relacionamentos interpessoais, subjaz a idéia de lazer como oportunidade de desenvolvimentos pessoal e social (Marcellino, 2002).

     Indagados sobre o significado do lazer, os pesquisados atribuíram-lhe expressões como prazer de viver, descanso, alívio dos problemas, bem-estar, alegria, quebra da rotina, relaxamento, possibilidade de fazer o que gosta, entre outras.

    Caminhar em contato com a natureza é forma de relaxamento, momento de paz e reflexão, altamente saudável, estar de bem com a vida, êxtase, ponto máximo de energia. Tais experiências sensíveis entre corpo e mundo, podem ter como variável a atribuição aos espaços naturais de valores afetivos (Tuan, 1983), de simbologias e representações (De Gáspari; Schwartz, 2002).

    A opção pelo parque, para dezoito (45%) pesquisados, foi justificada pela beleza privilegiada, sendo que, para quatorze (35%), o motivo recaiu sobre a possibilidade de se sentirem integrantes e integrados à natureza; para outros seis (15%), sobre a identificação com outras pessoas e dois (5%), alegaram outros motivos. Tais respostas corroboram com o pensamento de Ritner (1994), quando argumenta sobre a busca de uma vivência plena, a otimização da condição humana e a vivência da ecologia interior, assim como, com Nunomura (citada por Terzian, 2002) quanto aos benefícios bio-psico-sociais advindos da prática desta atividade física.

    Vinte e oito (70%) pessoas disseram que começaram a praticar essa modalidade de atividade por iniciativa própria, sendo que as demais (30%) aderiram à caminhada, por recomendação médica. Diferentes motivos foram elucidados por Teles (1997) em seu estudo a este respeito.

    Todos os participantes mencionaram ter sofrido alguma interferência positiva de familiares e amigos para aderirem à caminhada, sendo que trinta e seis (90%) influenciaram outras pessoas para praticá-la; duas (5%) declararam não ter influenciado ninguém e duas (5%) não responderam. Gardner (1994,1995,2000) sinaliza as possibilidades de os mesmos terem liderado ou se deixarem liderar nos relacionamentos interpessoais, opção intimamente ligada ao "senso de eu" que têm acerca de si próprios.

    Após a aderência e permanência a/na caminhada, trinta e quatro (85%) pessoas expressaram terem modificado seu estilo de vida, quatro (10%) não alteraram e duas (5%) nada responderam.

    Maior disposição e saúde foram os argumentos de vinte (50%) dos entrevistados, seguidos de dez (25%) que manifestaram preocupações com a forma física. Outros quatro (10%) disseram poder, durante a caminhada, se distrair dos problemas cotidianos, três (7.5%) registraram estar seguindo recomendação médica, um (2.5%) para melhorar a auto-estima, um (2.5%) buscar qualidade de vida e um (2.5%) justificou outros motivos

    A permanência em torno de 2 anos na atividade física da caminhada revela o compromisso pessoal do praticante, como a disposição que sai do plano da intenção para o da ação (Gaelzer,1979), a tomada de uma atitude face à determinada situação que precisa ser modificada, ou seja, a do rompimento com as formas massificadas de lazer impostas pela mídia.

    Os aspectos psicológicos inerentes e subjacentes às vivências de lazer revelam uma gama de oportunidades e expectativas, as quais mobilizam o ser humano a saltar da intenção ou (pre)disposição para efetivas ações, buscando satisfazer suas necessidades qualitativas de vida, como o convívio, a comunicação, a alegria, a integração homem-natureza e natureza-humana, o movimento espontâneo, entre outras. No bojo destas necessidades, fica evidente a busca pela saúde integral, como explicitam, uma vez que a aderência à caminhada decorre, preponderantemente, do fator espontâneo, revelando uma tomada de consciência desses sujeitos.

    Além da conscientização exteriorizada na atitude ativa, os dados revelam, também, o exercício do direito assegurado pela Declaração Universal dos Direitos Humanas reiterado na Carta do Lazer, de 1998. O tempo de permanência desvelado revela o envolvimento e o compromisso pessoal de cada membro constitutivo da população investigada na incorporação desse conjunto de atitudes ativas, ao estilo de vida (Dumazedier,1973). Destas atitudes, evidenciadas no estilo de vida, outro fato relevante identificado é a influência que os participantes vêm exercendo sobre outros cidadãos, quanto à elevação dos patamares qualitativos de vida (De Gáspari; Schwartz, 2001a).


Conclusão

     Independente das condições social, étnica, religiosa e política, existem na população pesquisada, atitudes positivas para a aderência, permanência e incorporação da modalidade caminhada ao seu estilo de vida.

     Este salto qualitativo, observado em parte da amostra investigada, não se processou de repente, porque é atrelado às mudanças de atitudes, as quais, ressignificando todo o repertório de comportamentos e condutas cotidianas, passam por lentes catalisadoras das vivências qualitativas e contemplam questões pertinentes à cidadania, ao exercício dos direitos legalmente assegurados ao ser humano.

    Dentre estes direitos, o de fruir e usufruir os espaços públicos ressalta-se, então, a importância das políticas públicas ensejadas na direção da extrapolação da atividade pela própria atividade, por meio da democratização do acesso aos equipamentos, potencialmente, mediadores dos saltos qualitativos entre as potencialidades e o efetivo desenvolvimento multidimensional da população urbana, no que tange à incorporação de estilos de vida ativos e saudáveis.

    Nesta mediação, entre a busca e a realização de estilos compatíveis com as crenças e valores do homem, inclusive, na contra-corrente do sedentarismo, vislumbra-se a possibilidade de que ele possa, criativa e positivamente, "exceder-se" (De Gáspari, 2003).


Nota

  1. O "tempo excedente" refere-se ao tempo de exceder-se qualitativamente, na perspectiva do desenvolvimento das potencialidades humanas, trabalhando com a revalorização do cotidiano do homem em movimento, no qual este pode saltar inusitadamente ao inspirado, do inteligente ao criativo, do tempo livre ao tempo de "exceder-se". Exceder-se qualitativamente, na perspectiva da plenitude humana, que requisita as múltiplas inteligências, significa todas as efetivas possibilidades nas quais o homem, independentemente das categorias estudo, trabalho e lazer, possa perseguir, de modo inteligente e criativo, a transformação de suas potencialidades em desenvolvimento, excedendo-se positivamente, cada vez mais, em relação aos seus patamares anteriores (De Gáspari, 2003, pp.236-237).


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