Jogadores brasileiros em seleções do estrangeiro: a qual nação pertencem? |
|||
Doutor em Educação Física e Cultura. Professor Adjunto das Faculdades Integradas Maria Thereza e UNISUAM. Rio de Janeiro |
Prof. Dr. Carlos Henrique de Vasconcellos Ribeiro c.henriqueribeiro@ig.com.br (Brasil) |
|
|
|
|||
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 85 - Junio de 2005 |
1 / 1
Introdução
O objetivo desse trabalho é discutir, a partir do discurso da mídia esportiva, as relações entre identidade, pertencimento e nação entre os jogadores brasileiros de futebol que jogam em outros países e que atualmente adquiriram outra nacionalidade1.
Compreendemos que os jogadores de futebol brasileiros que estão jogando em outras seleções nacionais, os sentidos de identidade, pertencimento e nacionalidade são equacionados de forma diferente em suas vidas. De forma mais restrita para o mundo do futebol, não podemos mais afirmar que eles são considerados "brasileiros", já que segundo o regulamento interno da FIFA, jogadores que atuam em seleções nacionais, em qualquer categoria, são proibidos de vestirem outra camisa de outro país durante sua carreira esportiva2.
Analisamos nessa pesquisa as relações de desenvolvimento do esporte moderno, e em específico do futebol, considerando as questões que envolvem a crescente exportação de jogadores brasileiros para as demais partes do mundo, bem como suas dificuldades de incorporação em uma cultura estrangeira.
Compreendemos a necessidade econômica crescente dos países desenvolvidos em tentar absorver essa mão-de-obra qualificada, numa intensa exportação de músculos e ossos. Esse fato tem levado as grandes organizações do esporte tais como a FIFA e o COI a criarem mecanismos de restrição (tais como a suspensão de competições internacionais), para as mudanças de nacionalidades realizadas pelos atletas, impedindo um troca-troca incessante.
Dados da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) mostram que é crescente o número de jogadores transferidos para o futebol estrangeiro. 659 jogadores brasileiros se transferiram para o exterior no ano de 2002, 852 em 2003 e 849 em 2004. Até o dia 1 de março de 2005 foram 122 jogadores negociados3. Pelos dados da mesma confederação observamos que os jogadores brasileiros se fazem presentes em 72 países, nos cinco continentes4.
Consideramos esses jogadores não apenas jogadores brasileiros internacionais, mas como ídolos estrangeiros, pois quando saíram do Brasil para jogar futebol em outros países, muitos eram desconhecidos da mídia e da maioria do público que acompanha o futebol. Seu reconhecimento e ascensão profissional se devem ao seu trabalho fora do país.
Fatores econômicos (independência financeira para si e sua família), realização profissional (conseguir jogar em uma seleção nacional, mesmo que não seja a sua "original" e o sucesso midiático parecem em um primeiro momento, fatores decisivos na permanência desses jogadores no exterior. O que nos interessa aqui é como essas motivações práticas se misturam às questões de ordem identitárias, onde pertencimento e nacionalidade fazem parte de uma complexa rede de sentidos estabelecidas pelos atores sociais e abordadas pela mídia esportiva.
Além disso, a mídia reforça a idéia de que os jogadores brasileiros que atuam em clubes estrangeiros podem ser chamados de "estrangeiros", o que normalmente faz com que existam dois tipos de jogadores que são convocados para atuar pela seleção brasileira de futebol: os "estrangeiros", que devem ser convocados com antecedência para que seus clubes no exterior possam liberá-los, e os pertencentes aos clubes brasileiros, considerados por oposição de "brasileiros" 5.
Alguns exemplos de jogadores brasileiros internacionaisListamos alguns exemplos de jogadores que atuaram ou atuam em outras seleções nacionais: Guimarães (Costa Rica); Deco (Portugal); Kuranyi e Paulo Rink (Alemanha); Alex, Roberto, Kazu e Wagner (Japão); Oliveira (Bélgica). Apesar desses jogadores serem pouco conhecidos no Brasil, muitas vezes eles aparecem no noticiário esportivo brasileiro como aqueles que salvaram suas novas seleções de uma derrota e como heróis que ajudaram a conquistar um título importante. Também é comum vermos a mídia brasileira chamá-los de "brasileiros", apesar de estarem atuando em seleções estrangeiras, em outros países, onde estão envolvidos aspectos simbólicos importantes tais como a camisa, o hino nacional e os torcedores.
Consideramos o exemplo de Kuranyi, jogador da seleção alemã de futebol e que morou no Brasil até os 15 anos de idade, significativo para a problematização de nossa pesquisa. Ao marcar um gol pela seleção da Alemanha ele não comemorou e sua resposta para tal fato foi de que "... eu ainda respeito e amo o Brasil, por isso não podia comemorar" 6.
Marcar um gol é sempre um momento importante na trajetória de um jogador de futebol e comemorar com seus companheiros de equipe deveria fazer parte da celebração de algo positivo conquistado.
A questão em nossa pesquisa é identificar como a mídia esportiva tem tratado desses jogadores considerados "estrangeiros", porém de nacionalidade brasileira e que estão ocupando os espaços em outras seleções nacionais. Esses atletas reforçam o sonho de que é fora do país, e não mais dentro dele, que as condições ideais de realização profissional no futebol podem ser conseguidas.
Nesse sentido como se dão as incorporações acerca da identidade, pertencimento e nacionalidade para esse grupo restrito de jogadores?
Considerações finaisEstudos posteriores devem identificar o discurso desses jogadores de futebol que atuam no exterior. É necessário verificar como acontece o processo de aquisição de uma nova cultura, da impossibilidade de vir a atuar como membro da seleção brasileira de futebol, do reconhecimento e sucesso profissional se dar a partir do estrangeiro e como esses jogadores considerados brasileiros, mas legalmente estrangeiros segundo a legislação da FIFA, se auto-representam a partir da aquisição de uma nova cultura.
Notas
Seleciono as reportagens feitas pelo jornal O Globo e o progrrama Arena Sportv durante o Campeonato Mundial de Futsal realizado na cidade de Taipé, Taiwan. Período de 29 de novembro a 5 de dezembro de 2004 em que a mídia esportiva brasileira culpa os brasileiros que atuavam em outras equipes nacionais pela derrota brasileira na fase semifinal da competição.
Para maiores detalhes sobre essa circular ver o site www.fifa.com
Dados obtidos por consulta telefônica com o Departamento de Imprensa da CBF em 1 de março de 2005.
Dados obtidos com o Departamento de Imprensa da CBF em 14 de julho de 2004.
Sobre essa questão é preciso acompanhar convocação após convocação, o discurso da mídia sobre os jogadores selecionados. O número crescente de jogadores que atuam no exterior passou a ser crescente a partir da Copa do Mundo de 1990.
Essa frase foi dita em português, à imprensa brasileira, dentro da Alemanha. Cf. O Globo, 8 de setembro de 2004.
Referência bibliográfica
CASTELLS, M. (1999). O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra.
GIULIANOTTI, R. (1999). Football: a sociology of global game. Cambridge: Polity Press.
HELAL, R. (1990). O que é sociologia do esporte. São Paulo: Brasiliense.
HELAL, R. (1997). Passes e impasses: futebol e cultura de massa no Brasil. Petrópolis: Vozes.
LÜDKE, L. M. & ANDRÉ, M. E. D. A. (1986). Pesquisa em educação: abordagem qualitativa. São Paulo: EPU.
MAINGUENEAU, D. (1997). Novas tendências em análise do discurso. 3.ed. Campinas: Unicamp.
ORLANDI, E. P. (1996). Discurso e leitura. Campinas: Cortez.
revista
digital · Año 10 · N° 85 | Buenos Aires, Junio 2005 |