Comunidade imaginada e capoeira: visualizando suas relações |
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*Professor UNIABEU e Coordenador do GECULBRA ** Doutorando em Atividade Motora Adaptada - FEF/UNICAMP Pró-Reitoria Acadêmica - UNIABEU. Pesquisador do GECULBRA/UNIABEU - GEAMA/UNICAMP |
Prof. Ms. João Marcus Perelli* Prof. Leonardo Mataruna** prof.mataruna@uol.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 84 - Mayo de 2005 |
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Discutindo a capoeira na perspectiva de um mundo globalizado
Neste início de milênio as pessoas estão envolvidas com o processo de globalização da Humanidade, interligando cidades, estados e nações, independentemente da distância que os separa.
A globalização consiste em um complexo de "processos e forças de mudança, atuantes numa escala global que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e experiência, mais interconectado" (HALL, 2000, p. 67). Isto tem ocorrido por meio da troca de informações e notícias, que ao mesmo tempo são recebidas a milhares de quilômetros, provocando mudanças nas sociedades contemporâneas. Essas mudanças acabam por influenciar no vestuário, linguagem, músicas, alimentação, comércio, comportamento das pessoas, e o mais importante, na identificação das mesmas com seu país e com a sua cultura. A cultura dessa forma pode ser expressa como um "conjunto de práticas significantes" (CANEN e MOREIRA, 1999, p.03), nas quais tais significados são produzidos e compartilhados por membros de um mesmo grupo.
No que tange as atividades físicas e esportivas que são tipicamente brasileiras, que tiveram sua origem no país, destacam-se em sua maioria, as que no processo histórico tiveram caminhos inversos ao das culturas dominantes. Estas atividades, hoje em dia fazem parte do acervo cultural do país, e da sua identidade nacional, entre elas pode-se citar: a peteca, a capoeira, o futebol de salão, o frescobol, o tamboreú, entre outros. Dentre as atividades citadas, a capoeira tem seu papel de destaque no contexto cultural, pelo seu envolvimento no processo sócio-histórico da nação. Historicamente, encontra-se na capoeira uma estreita relação com a luta pela liberdade dos negros foragidos, na qual os mesmos a praticavam como forma de expressão corporal e em outros momentos como uma forma de representação de identidades culturais oprimidas. ARAÚJO (1997, pág 261), em sua argumentação sob o tema aludido, entende que "houve uma mudança na forma de caracterizar a luta/jogo capoeira a partir da década de 1840 até à década de 1930, em favor de uma política de construção de uma cultura corporal genuinamente nacional", visto que nesse período a mesma passou a não ser mais considerada como fruto das camadas menos favorecidas, negras, escravas ou africanas, gerada nos meios marginais da sociedade colonial ou imperial, e sim mestiça, livre e brasileira.
Dentro deste contexto, a atividade física e o esporte como meio de promoção cultural são reconhecidos no mundo inteiro. Esta afirmação encontra defesa no último Manifesto Mundial da Educação Física, FIEP2000, art. 9. Este documento ao concluir que "A Educação Física, deverá eticamente ser utilizada sempre como um meio adequado de respeito e de reforço às diversidades culturais", permite remeter a capoeira como manifestação esportiva relevante neste sentido.
Objetivo GeralVerificar a possível relação da capoeira como Comunidade Imaginada.
Procedimentos metodológicosDe início, a fundamentação teórica do estudo ancora-se numa revisão de literatura sobre os aspectos históricos da Capoeira, para depois descrever os conceitos do termo comunidade imaginada e identificá-los na Capoeira.
Revisando a literatura sobre a capoeiraAs fontes primárias sobre a capoeira segundo Paulo Coelho Araújo
O termo capoeira, em suas raízes etimológicas, é passível de confusões, e sentidos dúbios no tocante ao seu significado através do tempo. Ele é encontrado pela primeira vez no ano de 1712 (BLUTEAU apud Araújo, p. 57) com o significado de origem portuguesa, referindo-se às características de cestos, gaiolas ou locais determinados para se guardar aves. Somente a partir do ano de 1875, é que este termo é encontrado na língua tupy-guarani referenciado com sentido de mato.
Inserido neste contexto, segundo o mesmo autor, ocorre semelhante confusão no que se refere à identificação de negros como todo tipo de indivíduo cuja pele não fosse branca, não se fazendo distinção dos tipos chamados negros da terra (os índios brasileiros) e negros da Guiné (os escravos oriundos do continente africano). Segundo o referido autor, este fato pode ter levado alguns historiadores a cometerem equívocos no que diz respeito a estes indivíduos chamados de negros e capoeiras, apenas por estes realizarem confusão e distúrbios, não podendo afirmar serem estes os praticantes da luta/ jogo. Neste mesmo período aparecem no cenário carioca confrarias compostas de negros, escravos, brancos e libertos chamados de maltas de capoeira cujo objetivo era a proteção dos escravos em seu território, cada bairro tinha uma malta e seus líderes (Karasch,2000), a ponto de agrupar cerca de 10.000 (Soares, 2001) pessoas em algumas dessas confrarias. Isto vem reforçar o conceito de identidade de resistência gerada por atores que estão em posição desvalorizadas ou descriminada, desenvolvido por Castells, quando afirma que esse é: "(...) tipo de construção de identidade, a identidade destinada à resistência, leva a formação de comunas, ou comunidades, (...) é provável que seja esse o tipo mais importante de construção de identidade em nossa sociedade", e serão estas comunidades que serão revistas agora.
Comunidades imaginadas. As culturas nacionais como comunidades imaginadas e a capoeiraEstas identidades são forjadas também no conceito chave de comunidade imaginada expressa pelas culturas nacionais como comunidades imaginadas, evidenciando que as identidades culturais estão sendo vistas atualmente dentro de um contínuo de construção e reconstrução da cultura nacional de uma nação. As nações de acordo com a interpretação de ANDERSON (1989) se referem às identidades nacionais como conjunto de "comunidades imaginadas". Isto passa pelo conceito antropológico, utilizado pelo autor que entende a nação como: "comunidades politicamente imaginadas", limitadas e soberanas. ANDERSON (1989, P. 14), nesta discussão sobre a nação, a considera imaginada porque: "nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão". Este autor (1989, P.15) argumenta ainda que a nação é imaginada como limitada porque "até mesmo a maior delas, que abarca talvez um bilhão de seres humanos, possui fronteiras finitas, ainda que elásticas, para além das quais encontram-se outras nações". Ele ainda se refere como sendo imaginada como soberana porque:
"o conceito nasceu numa época em que o ILUMINISMO e a REVOLUÇÃO estavam destruindo a legitimidade do reino dinástico hierárquico, divinamente instituído. (...) as nações sonham em ser livres e o penhor e o símbolo dessa liberdade é o Estado soberano (P.15,16)."
E finalizando, esclarece que a nação é imaginada como comunidade porque:
"(...) à nação é sempre concebida como um companheirismo profundo e horizontal, essa fraternidade é que torna possível, no decorrer dos últimos dois séculos, que tantos milhões de pessoas, não só matem, mas morram voluntariamente por imaginações tão limitadas (p. 16)".
GELLNER citado por ANDERSON (1989, P. 14), esclarece que a imaginação do homem tem papel preponderante na criação destas comunidades, que fazem parte do imaginário de cada indivíduo, daí nota-se, de que forma a questão do nacionalismo é capaz de "inventar nações onde elas não existem". Isto pode ser confirmado com WOODWARD (2000, p. 24), citando ANDERSON, esclarece:
"o argumento de que a identidade nacional é inteiramente dependente da idéia que fazemos dela. Uma vez que não seria possível conhecer todas aquelas pessoas que partilham de nossa identidade nacional, devemos ter uma idéia partilha sobre aquilo que a constitui"(p.24).
ANDERSON (1989,p. 15), relata ainda que "as comunidades não devem ser distinguidas por sua falsidade/ autenticidade, mas pelo estilo em que são imaginadas". Exemplifica a importância dada ao passado, que liga as pessoas umas as outras, através da família e a importância dos seus antepassados, onde seus vínculos eram imaginados de forma particularista, pelo seu parentesco e dependência. Isto significa dizer que, as identidades nacionais são frutos da criação cultural e da imaginação de cada comunidade.
Considerações finaisA capoeira neste panorama pode ser visualizada como um dos símbolos das "comunidades imaginadas" que compõem a cultura nacional, pois ela está imbuída de elementos que a fazem ser considerada uma comunidade, tais como o forte sentimento de amizade classificado por Perelli (2004) como "sentimento de pertencimento" que faz surgir a identidade do grupo, um companheirismo que une os capoeiristas do mesmo grupo, nos treinos diários, nas suas viagens aos batizados, sua afeição ao seu mestre e amigos, o que os leva muitas vezes a confrontos violentos, por defesa a seu mestre ou amigos na roda, imaginada,limitada e soberana, pois, por maior que os grupos possam ser, eles são limitados no seu número de integrantes, e imaginados por seus participantes.
Referências
ARAÚJO. Paulo Coelho. Abordagens sócio-antroplógicas de luta/jogo da capoeira. Editora PUBLISMAI- Departamento de Publicações do Instituto Superior da Maia, Portugal, 1997.
ANDERSON's, Frederich. Nação e Consciência Nacional. Rio de Janeiro: Ática, 1989.
CANEN, A; MOREIRA, A. F. B. Mini-Curso: Multiculturalismo, Currículo e Formação Docente. 22ª Reunião Anual da ANPED, 26-30 Setembro, 1999.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
FÉDÉRATION INTERNATIONAL D'EDUCATION PHYSIQUE. Manifesto mundial de educação física Fiep-2000. Kayganque. Palmas, 2000.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-Modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro.4 ed. DP&A editora. Rio de Janeiro, p. 9-76, 2000.
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro(1808-1850). São Paulo: Cia das Letras, 2000.
PERELLI, J.M. A contribuição da Capoeira para a formação da Identidade Cultural Braslileira, Dissertação de Mestrado, Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro, 2002.
SOARES. Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808/1850), São Paulo:Campinas, SP. Unicamp/Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2001.
revista
digital · Año 10 · N° 84 | Buenos Aires, Mayo 2005 |