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Análise dos comentários da imprensa
em relação ao árbitro de futebol
Analysis of the press comments over the soccer's referee

   
*Doutorando em Fisiologia na UFPR
**Doutoranda em Ciências da Cultura Física no
Instituto Superior de Cultura Física "Manuel Fajardo"
 
 
Prof. Ms.C. Alberto Inácio da Silva*
Prof. Ms.C. Neusa Maria Silva Frausino**

albertoinacio@bol.com.br
(Brasil | Cuba))
 

 

 

 

 
Resumo
    O presente estudo teve como objetivo analisar a fala de comentaristas, cronistas, narradores, jornalistas futebolísticos e, principalmente, dos especialistas em arbitragem (ex-árbitros) contratados pelas emissoras de televisão, ao comentarem as ações dos árbitros de futebol, no transcorrer de uma partida em canal aberto, bem como, o tempo de exposição do trio de arbitragem durante a partida. Para tanto, foram gravados e analisados 15 jogos transmitidos entre os dias 23 de outubro de 2003 e 14 de dezembro de 2003. Após a análise dos jogos, foi possível concluir que as pessoas envolvidas na narração, comentário, análise das jogadas e da atuação dos árbitros, durante o jogo, muitas vezes o fizeram de maneira errônea, com o agravante de tentar desqualificar sua atuação perante os telespectadores. Os inúmeros recursos tecnológicos disponíveis, atualmente, não são utilizados de forma a contribuir para a análise das jogadas, tendo como fundamento as regras do futebol. Após inúmeras reprises das jogadas, as conclusões foram emitidas de maneira infundada e desencontrada, contribuindo para a não compreensão das regras por grande parte das pessoas amantes desse esporte.
    Unitermos: Arbitro. Futebol. Imprensa
 
Abstract
    The present study aims at analyzing the speech of sports commentator, chronicler, narrators, soccer journalists and, mainly, the specialists in refereeing (ex- referees) hired by the television broadcasters, when they are making comments about the referees actions, during a soccer match in an open channel, as well as the exposure period of the referee and the linesmen during the match. In order to do so, 16 matches that were broadcast from 23rd October 2003 and 14th December 2003 were recorded and analyzed. After the analysis of these matches, it was possible to conclude that the people involved in the narration, comments, analysis of the moves and in the performance of the referee and referee, during the match, many times made their comments erroneously, with the aggravating fact the they tried to disqualify their performance to the people who are watching TV. The numberless technological resources available nowadays are not used in such a way that they can contribute to the analysis of the moves, based on the soccer rules. After several replays of the moves, the conclusions were presented confusingly contributing to the non-understanding of the rules by most of the people who love this sport.
    Keywords: Referee. Soccer. Press.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 84 - Mayo de 2005

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Introdução

    A relação árbitro de futebol com a imprensa futebolística nem sempre é cordial. As emissoras de radio, televisão e jornais contrataram ex-árbitros para comentarem as atitudes do trio de arbitragem durante a partida. Isso, em um primeiro momento, pareceu ser uma boa idéia, mas a falta de preparo de alguns para comentarem as ações dos árbitros antes, durante e após o jogo, está contribuindo para que mais adjetivos negativos sejam incutidos à imagem do profissional do apito e, conseqüentemente, ao vocabulário futebolístico.

    No Brasil, administrar uma partida de futebol sempre foi difícil. Os problemas enfrentados pelos árbitros antes do início da partida são dos mais variados possíveis. Entre esses destaca-se a precária infra-estrutura do futebol, a desonestidade de alguns dirigentes, a falta de conhecimento das regras por atletas, técnicos e treinadores, e, infelizmente, o próprio despreparo de alguns árbitros (BARROS, 1990).

    A imprensa escrita, falada e televisiva comentam a atitude da arbitragem durante os sete dias da semana. A criação oficial do futebol ocorreu em 1863 (Da SILVA, RODRIGUEZ-AÑEZ, 1999) e não houve pretensão de que as pessoas envolvidas nesse esporte fossem infalíveis, que os jornalistas, cronistas e comentaristas esportivos fossem perfeitos, que nunca cometeriam enganos de apreciação (SERRAN, 198?). Às 17 regras existentes, foram adicionadas outras inúmeras, introduzidas por esses "especialistas de camarim", que uma vez comentando com tanta veemência, fizeram com que torcedores e dirigentes, (que muitas vezes desconhecem as regras do futebol), acabassem por acreditar em suas análises, levando-os a desqualificar as atitudes tomadas pelos árbitros durante a partida.

    Para ilustrar a falta de organização do futebol brasileiro, tome-se como exemplo o descaso com o cumprimento e divulgação das regras desse esporte. O último livro sobre regras atualizadas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) datava de 1999. Entretanto, só no final de 2002 e início de 2003 foi que essa entidade maior do futebol brasileiro começou a distribuir às comissões de arbitragem o livro "atualizado". Portanto, foram quase 4-5 anos sem a distribuição das regras do esporte mais popular do país. As alterações que foram feitas nesse interstício foram repassadas aos árbitros por meio de circulares. Esse tipo de desorganização cria vícios de origem, que ajudam a explicar o comportamento observado no campo por atletas e dirigentes. Em outras palavras, que tipo de futebol fora ensinado nas escolinhas e ao mesmo tempo praticado pelos jogadores profissionais, se os técnicos não conheciam a fundo as regras desse esporte? "No jogo é fundamental o respeito pela regra e conseqüentemente pelo outro (TARDELI, 2000 p.10-12)". Segundo Mack (1980), menos de um por cento da população brasileira leu uma regra de futebol. Leitão e Tubino (2003) relatam que muitos jogadores da categoria infantil são punidos, principalmente, por reclamarem com a arbitragem, por desconhecimento da regra do esporte que praticam.

    Mesmo com os avanços tecnológicos, como o videotape, "replay" e a contratação dos chamados "especialistas" em regras, a discussão sobre as sinalizações do trio de arbitragem não chegou a um consenso. O narrador dá seu parecer, o comentarista o seu ponto de vista e o especialista em arbitragem argumenta sobre o lance, tentando se embasar nas regras. As discussões e as conclusões são as mais variadas possíveis. Dificilmente chegam a um consenso, mesmo revendo o lance inúmeras vezes.

    O árbitro deve decidir se foi ou não falta em frações de segundo ou décimos de segundos, e, em muitas vezes, no momento em que está ocorrendo a jogada, passa um atleta à sua frente, tornando a emissão da decisão ainda mais complicada. Falhas e culpados existem, sem dúvida, por parte da arbitragem. Errar parece ser algo normal para qualquer indivíduo envolvido no futebol, menos para o árbitro. A maioria acha que o árbitro não erra, mas sim age de má fé (Da SILVA, RODRIGUEZ-AÑEZ e FRÓMETA, 2002).

    Os próprios árbitros são, em boa parte, culpados por esse tipo de comportamento, pois não se organizam nem se defendem coletivamente. Ainda, os jogadores sabem que certos árbitros têm receio de expulsá-los, em decorrência das conseqüências políticas. O árbitro que age com um pouco mais de rigor na parte disciplinar pode ficar um período sem ser escalado (geladeira) ou até mesmo ser cortado do quadro de árbitros da entidade a que pertence. Num confronto entre a autoridade que as regras conferem aos árbitros e o poder dos cartolas, esses últimos ganham disparados, tendo em vista o fraco respaldo oferecido pelas comissões de arbitragem. Para não serem punidos, muitos árbitros, ao relatarem uma expulsão, (que não tiveram como evitar) o relatório é intencionalmente obscurecido e impreciso, dando margem a que os hábeis advogados dos clubes consigam pequenas punições ou multas irrisórias (MANZOLILLO, 198?).

    O objetivo deste trabalho foi o de analisar a fala dos cronistas, narradores, jornalistas futebolísticos, comentaristas e dos "especialistas" em arbitragem (ex-árbitros) contratados pelas emissoras de televisão, ao comentarem as ações dos árbitros de futebol no transcorrer de partidas ocorridas entre outubro e dezembro de 2003. Além de determinar o tempo de exposição da imagem da equipe de arbitragem.


Material e métodos

    Foram analisados 15 jogos, transmitidos em canal aberto, entre os dias 23 de outubro de 2003 e 14 de dezembro de 2003. Dos jogos analisados, oito eram válidos pelo Campeonato Brasileiro série A, quatro pela Taça Libertadores da América e dois da seleção brasileira de futebol, pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2006. A emissora e as pessoas envolvidas na transmissão do jogo não foram avisadas sobre o estudo, para que não houvesse influência na sua forma de transmitir e comentar a partida de futebol.

    Os jogos foram gravados em fita cassete, utilizando-se videocassete Philips VR755/78. A análise das falas dos indivíduos foi feita baseando-se: nas regras do futebol, nas observações de cunho pessoal da equipe envolvida na transmissão do jogo, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva e do Estatuto de Defesa do Torcedor.

     O tempo que o árbitro ou o árbitro assistente apareciam na transmissão foi cronometrado, utilizando-se cronômetro Technos, modelo Cronus. As aparições da equipe de arbitragem foram divididas em dois tipos. O primeiro chamado de perto, quando o árbitro é o foco da transmissão, isto é, a câmara está transmitindo (enquadrando) somente o árbitro ou um de seus assistentes. A segunda forma de aparição do árbitro, durante a transmissão de uma partida de futebol, foi denominada de longe, porque nem o árbitro nem um jogador, em especial, estão sendo alvo de destaque; o que está sendo apresentado ao telespectador é uma jogada e nela estão presentes tanto a arbitragem como os jogadores.

    Os resultados são reportados como valores médios, com o respectivo desvio padrão. As análises estatísticas utilizadas foram os testes não paramétricos, teste Mann-Witney U, teste Kruskal-Wallis e mediana. Significância estatística foi considerada para p < 0,05.


Resultados e discussão

    Pegamos como exemplo os comentários feitos durante a partida, envolvendo as equipes do Paraná x Vasco da Gama, que se repetiu em outros jogos. O comentarista encarregado de analisar as atitudes dos árbitros no transcorrer da partida afirma que "conhece o árbitro que vai atuar no jogo, e diz que ele era bom". Durante o jogo, a arbitragem vai tendo dificuldade em controlar as atitudes agressivas dos jogadores e as jogadas duvidosas vão-se avolumando. Nesse momento, o comentarista muda de opinião quanto à capacidade técnica do árbitro. Relata que "fazia tempo que não o via arbitrando, e que ele era muito ruim". Para completar, o comentarista conclui dizendo que "o arbitro era um desqualificado e muito fraco". Isso pode ser considerado um indicativo de que o ex-árbitro contratado para analisar o trio de arbitragem não conhecia ou não sabia da real condição técnica do árbitro, tendo em vista que seu conceito preliminar referente à capacidade técnica do apitador foi modificado sorrateiramente. O comentarista responsável por analisar as jogadas, por sua vez, diz que "ficava muito difícil analisar a partida (Paraná x Vasco da Gama), tendo em vista que o árbitro era o responsável pelo placar". Em outras palavras, o placar havia sido construído devido às intervenções do árbitro. Portanto, se o árbitro marca uma falta e dessa origina-se o gol, ele passa a ser o culpado pelo resultado, segundo a ótica da crônica futebolística, principalmente se na sua análise, a falta não ocorreu.

    Os ditos especialistas, ao analisarem as ações da equipe de arbitragem, deveriam utilizar os recursos tecnológicos oferecidos pelas emissoras de televisão, para mostrar em que momento o árbitro perdeu o controle do jogo. Qual foi a jogada que deveria ou não ser interrompida e, por conseqüência disso, os jogadores ficaram irritados, levando ao aumento das reclamações e da agressividade dos atletas, durante a disputa da posse de bola. Infelizmente, esses recursos não são utilizados para esse fim. De fato, o que se observa durante a transmissão de uma partida de futebol, é a utilização da tecnologia para elevar a polêmica sobre a atuação da equipe de arbitragem. O tempo da utilização da imagem do árbitro antes, durante e após uma partida, para a realização dos comentários, é altamente significativa.

    Após a análise dos jogos agravados, constatou-se que o árbitro e seus assistentes aparecem, em média, 446 58 vezes (tabela 1). Isso significa que, em média, 5 vezes por minuto, um dos membros da equipe de arbitragem aparece na tela da televisão. O tempo total em que o árbitro e seus assistentes podem ser visualizados pelos telespectadores no transcorrer de uma partida pela televisão foi, em média, de 28 minutos (tabela 2). Portanto, 31% do período de transmissão de um jogo de futebol, pela televisão, um dos membros da equipe de arbitragem está sendo visto pelos consumidores.

Tabela 1. Número de aparições do árbitro durante a transmissão de uma partida de futebol


n=15

Tabela 2. Tempo de aparições do árbitro durante a transmissão de uma partida de futebol


n=15

    Em média, 40 vezes, durante o jogo, a câmara foca o árbitro (fecha a imagem nele). Nesse momento, quase que apenas o árbitro está na tela da televisão. O tempo total gasto no enquadramento do árbitro no transcorrer de uma partida foi em média de 1 (um) minuto e 30 segundos (n=15). Assim sendo, o tempo médio das aparições é de 2 segundos e 25 centésimos, tempo mais que suficiente para que o árbitro seja o destaque da transmissão. A rede transmissora do jogo recorre a esse recurso quando está dando ênfase a um determinado comentário emitido, como por exemplo após um lance duvidoso. Enquanto o comentarista está falando da jogada ou do árbitro, o cinegrafista retransmite a jogada juntamente com a imagem do árbitro. Se houve sinalização do árbitro assistente, anulando um contra-ataque, antes de se mostrar a jogada de novo, mostra-se o árbitro assistente, que fez a sinalização do impedimento e, caso tenham errado em suas sinalizações, após a apresentação do "replay", árbitro e assistente são novamente o foco da transmissão. No momento em que o árbitro está-se aproximando de um jogador para apresentar o cartão amarelo ou vermelho, passa a ser, novamente, o foco da transmissão. Discussão entre jogador e árbitro também é motivo para que a câmara feche no árbitro.

    Apenas 10,5 % do tempo em que o árbitro aparece na televisão são gastos no enquadramento dele. Noventa por cento do tempo que o árbitro aparece na televisão aparece juntamente com os jogadores, acompanhando uma jogada. Não foi constatada diferença significativa entre o tempo das aparições de perto, quando comparados os dois períodos de jogo (p = 0,787). O número de aparições de perto, do primeiro tempo de jogo, quando comparado com o número de aparições do segundo tempo, não apresentou diferença significativa (p = 0,464).

    A cada minuto de jogo, o árbitro, em média, aparece 3,6 vezes acompanhando uma jogada. Boa parte do tempo em que o árbitro aparece em um foco longe é gasto quando ele está arrumando a barreira para a cobrança de uma falta. Isso porque a imagem transmitida pretende mostrar o local de onde vai ser cobrado o tiro livre e a meta em que se encontra o goleiro adversário, arrumando a barreira. A cobrança de uma falta, ultimamente, gera todo tipo de comentários ao árbitro. Quando ele exige que a bola seja colocada no local onde a falta ocorreu, o comentaria faz um tipo de comentário para cada local onde a falta foi cometida. Se a falta foi cometida próximo da área penal, o comentarista fala que essa deve ser cobrada no local, mas se ocorre próximo ao meio de campo, e o árbitro interrompe a jogada, após a falta ter sido cobrada fora do local, fazendo com que o jogador coloque a bola no local, o comentarista diz que isto é uma atitude de "preciosismo" por parte do árbitro e, para reforçar seu comentário, ainda afirma que ele deveria se preocupar com outras coisas, que em sua opinião seriam mais importantes. Mas a regra 13 - os tiros livres (FIFA, 2002) determina que todas as faltas devem ser cobradas no local onde ocorreram. Tais comentários sem fundamento também se observam, quando da cobrança de um arremesso lateral, portanto não é a região do campo que determina como deve ser cobrada uma falta ou o arremesso lateral.

    A exposição do árbitro nos diversos momentos está ilustrada na figura 1. O árbitro também é o foco da transmissão, no momento de iniciar a partida. Hoje, antes de se começar o jogo, faz-se a apresentação dos jogadores e do trio de arbitragem. Quando se está apresentando o trio, eles são destaques na tela. O tempo médio dessas aparições é, em média, de 53 segundos (n=15). Em jogos internacionais e, principalmente, entre seleções, a aparição do árbitro antes da partida é maior. A televisão também destaca o árbitro antes do início da partida, quando ele retarda o início de jogo, para solicitar que pessoas não autorizadas deixem as imediações do campo.


Figura 1. Tempo de exposição em diversos momentos.

    No intervalo, a equipe de arbitragem volta a ser destacada na televisão. O tempo dessa aparição varia muito. Em média, é de 16 segundos (n=15). Se houve algum lance polêmico durante a primeira parte do jogo, e, se após o encerramento dele, os jogadores, bem como alguém da equipe técnica foram tirar satisfação do árbitro, o tempo da exposição do árbitro na televisão será maior. Lances duvidosos também são, inúmeras vezes, repetidos durante o intervalo da partida, acompanhados da exposição da imagem do árbitro. No momento de reiniciar o segundo tempo de jogo, o trio de arbitragem volta a ser alvo da transmissão durante os comentários, assim como quando o árbitro vai apitar a reinício da partida.

    O tempo de exposição do árbitro, no final de uma transmissão é o menor de todos. Em média é de 7 segundos. O árbitro só será exposto após o encerramento da partida, se jogadores ou equipe técnica for em sua direção, para reclamar de algum lance. Briga entre jogadores, após o termino da partida, também colabora para o aumento do tempo de exposição do árbitro na televisão. A comparação do tempo de exposição nos diversos momentos é estatisticamente diferente (p =0,0000).

    O árbitro assistente, durante as transmissões de uma partida de futebol, também se tornou vítima de comentários infundados, que futuramente lhes renderão adjetivos desqualificantes, perante a comunidade futebolística. Exemplo disso foi o que ocorreu durante o jogo envolvendo as equipes do Coritiba x Santos. O ex-árbitro, que comenta a atuação do trio de arbitragem durante a partida, diz que um dos árbitros assistentes estava auxiliando muito mal o árbitro principal. Para falar sobre a atuação do árbitro assistente, o comentarista diz "o bandeira na maior cara de pau diz que não foi nada". Isso porque, segundo o comentarista, havia ocorrido uma falta na frente do árbitro assistente e ele não sinalizou. No transcorrer do jogo, o assistente começa a sinalizar algumas incorreções que ocorrem próximo a ele. Com isso a opinião do especialista em comentar as atitudes do trio de arbitragem muda. O narrador fala que talvez o árbitro tivesse delegado aos seus auxiliares que eles deveriam sinalizar as faltas que ocorressem próximo a eles. O ex-árbitro não concorda com a hipótese do narrador e rebate dizendo, que o que estava ocorrendo era intromissão. O ex-árbitro, para destacar seu comentário, em uma atitude que reforça seu despreparo para comentar a ação do profissional do apito durante uma partida de futebol em rede nacional, afirma que, se os árbitros assistentes fossem bons, eles não seriam bandeirinhas, seriam juizes. E como comentário final, ele diz "o pior é que eles (árbitros assistentes) ficam na bronca comigo, mas eu sempre digo que se eles soubessem apitar não ficariam ali como auxiliares iriam para o meio de campo para apitar, portanto deveriam ficar na deles".

    A fala do ex-profissional do apito, em certos momentos, é inferior ao de uma pessoa que desconhece as regras do futebol. A regra seis desse esporte (FIFA, 2002) estabelece que a função do árbitro assistente durante uma partida, sem prejuízo do que decida o árbitro, é indicar uma irregularidade que em sua opinião não foi observada pelo árbitro, mas quem sanciona ou não suposta irregularidade é o árbitro. Ele é que pode interromper a partida e aplicar a penalidade. Há árbitros que, durante sua formação, destacam-se na função de árbitro principal e outros como árbitro assistente. As características desses dois profissionais são distintas, não sendo, portanto, o fato de ser bom ou ruim que vai determinar a função que ele vai atuar futuramente durante uma partida.

    Antes do início do jogo entre Santos x Corinthians, o comentarista pergunta, de forma irônica, para o ex-árbitro, se vai haver pênalti durante o transcorrer do jogo. Isso porque, em jogos passados, o árbitro que iria apitar aquela partida havia assinalado pênalti. Há comentarista, narrador, cronista e jornalista esportivo, que, sempre que vão se referir ao árbitro de futebol, o fazem com ironia. Exemplo disso foram os comentários feitos pelos comentaristas sobre pessoas consagradas em diversas funções no futebol, mas que atuaram como árbitro de futebol, em um determinado momento. "Se recuperou a tempo, foi ser jogador", resposta dada pelo comentarista após o ex-árbitro falar que o jogador Elano pertencente à equipe do Santos entendia das regras do futebol, tanto que atuara como árbitro em partidas treino, quando ele jogava na equipe do Guarani, o outro comentarista rindo completou: "deu sorte na escolha". O técnico da seleção brasileira Carlos Alberto Parreira, que é professor de Educação Física, também já atuou como árbitro e chegou a apitar uma partida no Maracanã.

    A imprensa futebolística afirma que fazem parte do espetáculo, que é uma partida de futebol, apenas 22 indivíduos, isto é, só os jogadores. Outros dizem que o espetáculo é composto por 23 componentes, agregando aos atletas o árbitro. Mas, na verdade, fazem parte direta do jogo 25 pessoas: 22 atletas e três árbitros, dos quais, dois atuam como assistentes. Como podemos renegar a existência e a participação efetiva do trio de arbitragem no futebol? A regra cinco do futebol (FIFA, 2002) estabelece que a partida será controlada por um árbitro que fará cumprir as regras do jogo. Sem a presença da equipe de arbitragem, um jogo oficial não poderá ser realizado, portanto a afirmação de que fazem parte do espetáculo apenas 22 componentes é falsa, devido a que, sem seu grupo dirigente principal, digo, o árbitro e seus assistentes, este não poderá ocorrer.

    A busca de argumentos para se referir à arbitragem de futebol começa antes mesmo do inicio do jogo. Foi o que ocorreu minutos antes do início do jogo entre Cruzeiro x Vasco da Gama. O comentarista adverte que o árbitro determinado para apitar a partida mediante sorteio não agradava a nenhuma das equipes envolvidas no confronto. O ex-árbitro encarregado de fazer a análise da atuação da equipe de arbitragem durante o jogo comenta que o árbitro escalado para arbitrar a partida era de nível internacional, portanto do quadro da FIFA. De acordo com o ex-árbitro, o árbitro designado para aquela partida era enérgico em determinadas partidas; em outras não tanto, e isso deixava os técnicos indecisos quanto à atitude dele durante o jogo e, que isso era um problema a ser administrado pelos jogadores, técnicos e dirigentes.

    De acordo com o artigo 31 do Estatuto de Defesa do Torcedor, os árbitros deverão ser designados para uma partida, mediante sorteio. Essa determinação dificulta a escalação de árbitros para uma determinada partida, levando-se em conta os interesses dos dirigentes. Alguns ramos da imprensa criticaram essa determinação, como também alguns árbitros brasileiros do quadro da FIFA. Alegam que árbitros com mais qualificação estão ficando fora da escala. Na verdade, a falta de critérios por parte das Comissões de Arbitragem das diversas federações, para indicar um árbitro para o quadro da Confederação Brasileira de Futebol, faz com que árbitros despreparados façam parte da entidade maior do futebol.

    Há muitos anos o esporte brasileiro estava submetido a dois códigos disciplinares, que estavam muitos desatualizados para nossa realidade. As penalidades e multas não coibiam a violência crescente no desporto profissional. O Código Brasileiro Disciplinar do Futebol era válido apenas para o futebol e o Código Brasileiro de Justiça e Disciplina Desportiva regia as demais modalidades esportivas, ambos foram incluídos no novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (ZULLO, 2004 e CAVALCANTE, 2003).

    Esse novo Código estabelece uma suspensão de 30 (trinta) a 120 (cento e viste) dias e, na reincidência, suspensão de 120 (cento e vinte) a 240 (duzentos e quarenta) dias, para a equipe de arbitragem que deixar de observar as regras da modalidade. A aplicação desse artigo seria em decorrência de um erro de direito, já que o parágrafo único do artigo 259 descreve que a partida poderá ser anulada se ocorrer erro de direito.

    A omissão do dever de prevenir ou de coibir violência ou animosidade entre os atletas, no curso da competição, será punida com suspensão de 60 (sessenta) a 180 (cento e oitenta) dias e, na reincidência, suspensão de 180 (cento e oitenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias, segundo o artigo 260 do novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Ao analisar esses dois últimos artigos, deslumbra a solução para o problema do sorteio para escalação dos árbitros, discutida quando da citação do artigo 31 do Estatuto de Defesa do Torcedor. Se o árbitro, segundo a imprensa futebolística, não está coibindo a violência, aplica de forma equivocada a regra do jogo. Ele deve ser punido. Uma vez o árbitro despreparado suspenso (punido), os árbitros mais qualificados teriam a oportunidade de trabalhar mais, demonstrando sua real competência.

    As escalações dos árbitros de futebol já foram motivo de um dos maiores escândalos, envolvendo corrupção na CBF. Em 1997, o então presidente da Comissão de arbitragem da CBF foi banido do futebol pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva, por cobrar determinadas quantias em dinheiro de equipes grandes do futebol paranaense e paulista, para que árbitros dessem uma mãozinha a determinadas equipes. Uma fita divulgada na impressa mostrou que ele cobrava 25 mil reais para tentar eleger-se deputado federal por Minas Gerais (CARDOSO, 1997).

    Um ex-dirigente do futebol recentemente afirmou não conhecer "santo" no futebol e desconhece um clube que nunca se tenha beneficiado de esquema da cartolagem, suborno a árbitros, e a jogadores e treinadores da equipe adversária. Ele afirma que não basta formar um time competitivo, para ser campeão tem que fazer esquema. O cartola conclui dizendo que o torcedor quer festejar o título, não interessa os meios (GUSMARINHO, 2004).

    As pessoas que deveriam tentar organizar esse esporte também acabam contribuindo para que ele seja cada vez mais violento e desonesto. Exemplo disso é o título de uma reportagem sobre a justiça desportiva, publicada no jornal Folha de São Paulo de 1999, em que o jornalista Juca Kfouri escreve: "A justiça esportiva continua a ser uma piada" (KFOURI, 1999, p. 8). Essa reportagem relata a impunidade que ronda o futebol brasileiro. Jogador que cuspiu no rosto de seu adversário não foi punido, mesmo sendo réu confesso, porque, segundo os juízes, não havia "provas" para a punição. Dirigente que invade o campo de jogo provocando a interrupção da partida também não é punido.

    Os erros cometidos pela equipe de arbitragem podem ser em decorrência de estar mal postada em campo, devido a ter interpretado a regra ou o lance erroneamente, por não ter tido tempo suficiente para interpretar a jogada. Uma jogada faltosa, que dez mil pessoas podem estar vendo, o árbitro, com outras dez mil pessoas que estão do outro lado do estádio, podem não ter visto, por causa do ângulo de visão que cada um está tendo. Para Ekblom (1994) uma "decisão errada" do árbitro é uma decisão de acontecimento, isso não quer dizer que ele não conheça a regra ou esteja mal intencionado. Os erros cometidos pelos árbitros são imperdoáveis para algumas pessoas. Errar pode ser considerado uma atitude que qualquer pessoa pode cometer, mas isso não é válido para o árbitro em campo. Encerrar uma partida agradando às duas torcidas é um ato desumano, se não impossível (Da SILVA, RODRIGUEZ-AÑEZ e FRÓMETA, 2002).


Conclusão

    Este estudo concluiu que o árbitro é o ser mais ultrajado durante a transmissão de uma partida de futebol, suas atitudes são questionadas de todas as formas, sem conclusões fundamentadas nas leis do jogo, realizadas por pessoas muitas vezes despreparadas e pseudo-especialistas. O futebol acabará em deboche, se a crônica futebolista e os dirigentes não mudarem sua conduta, restabelecendo o pressuposto da integridade moral do árbitro.

    Os recursos tecnológicos desenvolvidos para as análises de diversas jogadas durante a transmissão da partida, em vez de contribuírem para a análise das jogadas, de acordo com as regras desse esporte, demonstrando a dificuldade de se arbitrar uma partida, tirando as possíveis dúvidas do telespectador sobre as regras do jogo, infelizmente, são utilizados para comentários desencontrados, realizados muitas vezes sem levar em consideração as leis do futebol. Essa atitude aumenta a polêmica sobre a atuação da equipe de arbitragem, contribuindo de forma negativa para o aprendizado ou o aprofundamento dos conhecimentos relativo às regras pelo público em geral, que apenas adquire frases e palavras que ofendem ao árbitro e a seus assistentes, que posteriormente serão utilizadas pelos amantes desse esporte, quando estiverem assistindo ao futebol ou o praticando. Isso torna a atuação da arbitragem cada vez mais complexa.


Referências

  • Da SILVA, I. A. RODRIGUEZ-AÑEZ, C. R. Ações motoras do árbitro de futebol durante a partida. Revista Treinamento Desportivo / UNOPAR. Londrina: Vol. 4 n.º 2. p. 5 - 11. 1999.

  • Da SILVA, I. A. RODRIGUEZ-AÑEZ, C. R. FRÓMETA, E. R. O árbitro de futebol - uma abordagem histórico-crítica. Revista de Educação Física / UEM. Maringá: Ed. da UEM, Vol. 13 nº 1. p. 39 - 45. 2002.

  • CARDOSO, M. A culpa é do juiz. Revista Veja. São Paulo: Editora Abril, maio, p.95 - 96, 1997.

  • CAVALCANTE, A. Novo código de justiça desportiva estabelece penas mais severas. www.mandandoprarede.hpg.ig.com.br/noticias_0001.32.htm.

  • EKBLOM, B. Football (soccer). London: Blackwell Scientific, 1994.

  • FARIA, O. O ôlho na bola. In: SERRAN, R. O juiz. Rio de Janeiro: Livraria editorial Gol LTDA, (198?) p. 141 - 146.

  • GUSMARINHO. Cartola revela esquema de suborno. In. www.oliberal.com.br 2004. www.futebolnews.com/forum.link.asp/TOPIC_id=4349. Acesso em 28/01/2004.

  • FÉDÉRATION INTERNATIONALE DE FOOTBALL ASSOCIATIN (FIFA). Regras do jogo. Suíça: FIFA, 2002.

  • LEITÃO, L. A. TUBINO, M. J. G A percepção do jogador infantil do Rio de Janeiro sobre o fair play, agressão e a violência na prática esportiva no futebol. In: 18º Congresso Internacional de Educação Física FIEP/2003. Foz do Iguaçu. Anais. Boletim da Federação Internacional de Educação Física. p. 55 - 61. 2003.

  • MACK, R. C. V. Futebol empresa. Rio de Janeiro: Palestra Edições, 1980.

  • MANZOLELLO, L. Futebol: revolução ou caos. Rio de Janeiro: Livraria editorial Gol LTDA. 198?.

  • KFOURI, J. A justiça esportiva continua a ser uma piada. São Paulo: Jornal Folha de S.Paulo, Esporte, 6 out. p.8, 1999.

  • TARDELI, D. D'A. O jogo e o desenvolvimento moral. Jornal Bolando Aula. n.º 36. fev. p. 10 - 12. 2000.

  • ZULLO, C. D. O novo código de justiça desportiva. www.futebolinterior.com.br/pagina/coluna.php?coluna_id=1187.

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