Contribuição de um programa de atividades físicas na qualidade de vida de parkinsonianos |
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*Professora de Educação Física, Especialização em Atividade Física e Qualidade de Vida pela Universidade de Passo Fundo, RS **Doutor, Professor da Universidade de Passo Fundo, RS |
Patricia Carlesso Marcelino Siqueira* Péricles Saremba Vieira** psvieira@upf.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 83 - Abril de 2005 |
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Introdução
O Parkinsonismo, entendido como as pessoas portadoras de doença de Parkinson (DP) ou Síndrome Parkinsoniana, juntamente com os acidentes vasculares cerebrais e as demências, formam um grupo de distúrbios neurológicos de maior prevalência entre idosos. As conseqüências destas afecções neurológicas sobre o grau de dependência são consideráveis.
Em geral, as pessoas tendem a ver o Mal de Parkinson como uma afecção que causa dificuldades motoras, em especial tremores. Isso porém, reflete uma visão parcial, visto que, das alterações que ocorrem no organismo o tremor é o que causa menos dificuldades funcionais. A lentidão dos movimentos, o desequilibro, quedas freqüentes associadas a fraturas fazem com que parte da execução de atividades da vida diária sejam dificultadas ou mesmo impossibilitadas, gerando perda de autonomia, ansiedade e irritação do doente e das pessoas com eles envolvidas.
A ciência médica tem caracterizado a doença de Parkinson pela deficiência dopaminérgica que provoca perda de ação de dopamina nos gânglios de base (estruturas localizadas na profundidade do cérebro e envolvidas na modulação dos movimentos), particularmente no corpo estriado (caracterizando a chamada disfunção nigro-estriatal), determinando o aparecimento dos principais sinais e sintomas da síndrome Parkinsoniana. Destes sintomas alterações progressivas na percepção de corporeidade tendem a desenvolver no portador comportamento depressivo, despersonalização e baixa auto-estima.
Para Teive (2002, p.32), a evolução da DP pode ser avaliada por meio de cinco graus de gravidade. No estágio um, a doença é unilateral (só um lado do corpo); no estágio dois, existe comprometimento bilateral; no estágio três, existe comprometimento do equilíbrio associado; no estágio quatro, o paciente apresenta uma incapacidade grave mas, consegue deambular sem ajuda; e no estágio cinco, o paciente encontra-se em cadeira de rodas ou confinado ao leito.
Cada estágio exige intervenções profissionais diferenciadas. Segundo Carvalho Filho (2000, p.85), a prevalência da doença de Parkinson varia entre 50 e 150 casos por 100 mil pessoas. Entretanto se for considerado isoladamente na faixa da população acima de 60 anos podem ser observados aumentos em torno de 10 vezes.
Teive (2002, p.33), considera razoável admitir que, para uma população de 170 milhões de brasileiros, pode se estimar aproximadamente 255 mil Parkinsonianos. Lembra o autor que o Brasil apresenta características de um país não tão jovem como algumas décadas atrás, como isso, na composição da população há cada vez mais predominância de idosos e adultos. Dificuldades econômicas, atendimento de saúde precário e deficitário, falta de informações sobre doenças são alguns dos agravantes que levam os idosos a enfrentarem dificuldades enormes para obter o mínimo de direito à cidadania. Essa realidade, ao mesmo tempo em que é preocupante, exige políticas públicas adequadas e cuidados especiais para que possam ser minimizados problemas daí decorrentes.
Criação e aplicação do programa: dificuldades e possibilidadesO trabalho com idosos surgiu a partir de convite da direção do Residencial Bella Vitta da cidade de Carazinho (RS) que manifestou preocupação com o comportamento das pessoas lá internas. Ausência de movimento, inatividade, dependência progressiva, tristeza, desânimo e tendência ao isolamento são comportamentos comuns naquela casa geriátrica. Aceito o convite, um dos primeiros desafios foi se defrontar com uma realidade para qual os cursos de formação em Educação Física em geral não habilitam, ou seja, capacitar o acadêmico para atuar em contextos sociais com a presença de pessoas "não jovens" e "não saudáveis". Quando muito estes cursos dotam os acadêmicos com alguns conhecimentos superficiais, fragmentados quando não desatualizados sobre o que fazer com essas pessoas. A literatura existente sobre a relação atividade física e terceira idade tem sido significativa, porém em situações mais específicas, por exemplo, atividade física e idosos portadores da Doença de Parkinson, a literatura é escassa. Tal situação exigiu esforço redobrado no trabalho de pesquisa para encontrar referencial bibliográfico apropriado. Superado o impacto inicial relacionado à uma formação profissional limitada e com a escassez de bibliografia sobre o assunto, teve início a criação de um programa constituído de conjunto de atividades e exercícios adaptados e específicos aos portadores da Doença de Parkinson.
A criação do programa, em termos de seleção das atividades, duração das sessões, características e intensidade dos exercícios, contou com a orientação e acompanhamento médico e exigiu exame cuidadoso do diagnóstico e antecedentes do paciente, além de atenta e sistemática observação e identificação das necessidades, dificuldades, limitações, interesses e possibilidades dos pacientes. Tendo presente estes procedimentos prévios foi elaborada uma revisão bibliográfica na qual se obteve informações e conhecimentos atualizados acerca das possíveis relações entre atividade física, qualidade de vida e a doença de Parkinson. Também se recorreu a outras áreas da saúde, tais como: Psicologia, Medicina, Enfermagem e Fisioterapia como meio de obtenção de fonte de informações sobre o tema. Observados esses aspectos foram selecionadas atividades com diferentes características e intensidades tais como: exercícios de alongamento, coordenação motora, ritmos variados, exercícios de respiração em diferentes posições, exercícios fonoaudiológicos, recreação, massagem relaxante, reflexoterapia (pés), relaxamento com música. Cabe ressaltar que as atividades tiveram como característica principal a ludicidade, ou seja em "clima" de descontração, brincadeira, espontaneidade, criatividade, prazer e alegria evitando com isso exercícios mecânicos, repetitivos e enfadonhos.
O programa foi desenvolvido no município de Carazinho RS, durante oito meses, no período de 03/08/2002 a 02/05/2003, em sessões três vezes por semana, com duração de trinta minutos cada, perfazendo um total de 216 horas/aula. O paciente denominado "A" foi atendido em sua residência e o paciente denominado "B" foi atendido nas dependências do Residencial Bella Vitta.
Para obter dados/informações mais detalhados sobre o impacto do programa de atividades físicas adaptado sobre a qualidade de vida de Parkinsonianos foi utilizado como fonte de coleta de dados a aplicação de questionário e entrevistas semi-estruturadas (MINAYO, 1994) antes, durante e ao final do programa. Em relação ao paciente "A" como se tratava de atendimento domiciliar, foram coletadas informações junto aos familiares: esposa e filha. Com o paciente "B" as informações foram obtidas junto aos profissionais responsáveis: enfermeiros, atendentes, auxiliares e médicos em vista do programa ser realizado nas dependências da Casa Geriátrica.
O paciente "A" apresentava as seguintes características: sexo masculino, idade 67 anos, casado, portador da doença de Parkinson desde os 42 anos, no momento da realização da pesquisa apresentava estágio inicial tipo II, unilateral mão esquerda e pé esquerdo. De acordo com o diagnóstico médico, provavelmente desenvolveu a doença pelo fator genético, sua mãe e uma tia eram portadoras da Doença de Parkinson. Fato peculiar em relação ao paciente é ter um irmão gêmeo que não desenvolveu os sintomas da doença. O paciente "A" foi inserido na pesquisa em razão de seus familiares terem obtido informações sobre as atividades que vinham sendo realizadas com os idosos internados no Residencial Bella Vitta.
Em relação ao paciente "B", apresentava as seguintes características: sexo feminino, viúva, 72 anos, portadora da doença de Parkinson há cinco anos. No momento da realização da pesquisa apresentava estado inicial tipo I. A paciente foi inserida na pesquisa por ter manifestado interesse ao saber das atividades que vinham sendo desenvolvidas com outros internos no Residencial.
As informações obtidas com os familiares e atendentes/cuidadores antes do início do programa1 mostram um estado geral de desânimo e baixa auto-estima:
"A Dona "B" sempre é muito ranzinza, não se cuida, não gosta de nada e quer sempre ser o centro das atenções..." (G-Auxiliar de Enfermagem ). "Quando recebemos visita em nosso residencial,"B", não quer deixar que os visitantes conversem com os outros internos, ela reclama da vida, fazendo queixas e até faz dramas para chamar a atenção..." ( A- Enfermeira).
O paciente"A", segundo seus familiares (esposa e filha) não se conforma com a "doença" mantendo em crescente grau atitudes depressivas, de revolta em relação aos familiares e com a vida, imputando a Deus responsabilidade por sua enfermidade. Além da dificuldade de relacionamento com a esposa e filha mantém situação pouco amigável com o irmão gêmeo que não desenvolveu a doença.
"O Pai sempre está "mal", sempre irritado não quer sair em parte nenhuma e a mãe é quem tem que ficar ao seu redor 24 horas por dia" (C- filha).
Os cuidados com o idosos, segundo Brunner & Sudarth(1992) tem sido apontado como extremamente desgastante. Acrescentar a essa situação uma grave enfermidade como é a doença de Parkinson, gera momentos de enorme angústia e stresse. No sentido de minimizar os efeitos desse estado e obter alívio periódico das responsabilidades para com a pessoa enferma o autor sugere a inclusão de outras pessoas no processo de cuidados com o idoso. Argumenta ainda que é desejável e saudável a família permitir-se expressar sentimentos de frustração, de irritação e de culpa e a lidar com eles com tolerância.
Guedes & Guedes (1995), apud Canfield (1998), afirma que a aplicação de um programa adequado de exercícios físicos elaborados pode melhorar a qualidade de vida das pessoas em relação à suas capacidades funcionais. Afirma que podem ser superadas em grau elevado as complicações geradas pela degeneração hipocinética caracterizada pela diminuição da capacidade funcional de vários órgãos ou sistemas em função da carência de movimentos que por sua vez acarretam graves complicações cardiovasculares, respiratórias e músculo-esqueléticas.
Para Gonçalves (1994, p.59), os programas de atividades físicas que dêem atenção à força e à flexibilidade são importantes, contudo, é necessário buscar meios capazes de motivar o idoso a promover modificações em seu estilo de vida, buscando atividades que possam contribuir com a melhora destas capacidades físicas de forma preventiva, ou seja criar o hábito e o gosto pela prática de exercícios regulares. Para Teive (2000, p.144), os pacientes que apresentam melhores resultados no seu tratamento, são aqueles que aceitam realizar um programa de atividades e que se esforçam para continuar ativos realizando exercícios para a manutenção de sua autonomia.
O esforço para alcançar as metas de cada dia possibilita, gradativamente, segundo Teive (2000, p.78), a conquista de realizações que em um primeiro momento, pareciam impossíveis. É importante que a pessoa compreenda que seu corpo está limitado para realizar algumas atividades, mas que isso não significa impossibilidade de estabelecer objetivos adequados às suas capacidades.
Stoppe Jr & Louzã Netto (1999), relata que as expectativas individuais e sociais exercem importante influência principalmente, no que se refere à esfera psicológica.
Os aspectos psicológicos do idoso estão relacionados a todo o curso da vida do indivíduo. Um certo grau de "maleabilidade" é necessário para que se possa lidar de forma satisfatória com as dificuldades que surgem no envelhecer e é possível que a sensação de satisfação baseada no julgamento do próprio passado seja crucial para o ajustamento do envelhecimento.
Pierón (1997 apud Canfield, 2000), afirma que entre as várias contribuições psicológicas que estão associadas ao estilo de vida ativo, o autoconceito é um aspecto positivamente associado e influenciado pela atividade física pois implica no aumento da auto-estima. A perda sistemática das capacidades funcionais, a necessidade constante de auxílio de outros enfim a perda da autonomia geram profundas alterações na corporeidade da pessoa enferma. Piemonte (2003, p 44) ao estudar os resultados obtidos pela aplicação de um programa fisioterápico em pacientes portadores do mal de Parkinson afirma que:
A Fisioterapia (...) tem como objetivo minimizar os problemas motores causados tanto pelos sintomas primários da doença quanto pelos secundários, ajudando o paciente a manter independência para realizar as atividades do dia-a-dia e melhorando sua qualidade de vida. A Fisioterapia não pode impedir a evolução da doença, mas pode ajudar o paciente melhorar sua capacidade de movimentação.
Teive (2000), na mesma linha de pensamento enfatiza que uma rotina de atividades físicas pode auxiliar na realização das atividades da vida diária. Entretanto, desta o autor, o benefício proporcionado pelo exercício não está vinculado à sua quantidade, mas à qualidade de cada movimento, não devendo provocar cansaço ou dores musculares ou articulares. "Quase tão importantes quanto a medicação, os exercícios são essenciais para a pessoa enferma". Também Mazo, Lopes & Benedetti (2001, p.220) afirmam que a atividade física proporciona inúmeros benefícios aos idosos e que o grau de satisfação só será garantido por meio de um trabalho que leve em consideração o idoso, em seu processo de envelhecer, suas peculiaridades e seu contexto social.
Com base nas informações obtidas na literatura sobre a importância das atividades físicas para a qualidade de vida de pessoas idosas bem como os cuidados que precisam ser tomados na organização e aplicação de um programa semanal, os estudos realizados nem sempre são claros ao explicitar as características ou os processos metodológicos utilizados na relação atividade física, idoso e doença de Parkinson. Autores como Santin (1992, 1995), Bracht (1990) e Simões (1998) são convergentes nas críticas aos programas realizados com idosos ou não, os quais são conduzidos numa perspectiva mecanicista onde as atividades/exercícios são realizados de forma mecânica e repetitiva.
Em sentido oposto a concepção mecanicista cabe destacar que a metodologia utilizada no programa foi pensada tendo como princípio a ludicidade. Isso significa ênfase e valorização da criatividade, cultivo da sensibilidade, do prazer, da alegria, espontaneidade, autonomia, respeito ao ritmo, características, possibilidades, limitações, interesses e gostos. Nesta perspectiva a pessoa não é vista como objeto de uma intervenção, mas um ser que sofre, tem desejos, ama, odeia, tem medo, enfim alguém que precisa e merece ser respeitado em suas características.
Apresentação e análise dos dadosApós a organização e aplicação do programa a etapa posterior foi avaliar o impacto do programa atividades físicas adaptadas a pessoas portadores da doença de Parkinson. Para isso foram utilizadas informações obtidas por meio de entrevistas, conversas informais, observação sistemática e aplicação de questionário aos familiares, enfermeiros, auxiliares e médicos responsáveis pelos cuidados de ambos os idosos. Os resultados apontam o seguinte quadro:
Em relação ao paciente "A", dois familiares - esposa e filha- prestaram informações sobre alterações observadas. Para eles houve melhora na coordenação e agilidade, melhora da voz e na da disposição geral. Informaram também que antes do início do programa o paciente apresentava humor instável, revoltado com a doença e sem ânimo.
Sobre alterações observadas em relação ao paciente "B", interno em na casa geriátrica, prestaram informações cinco enfermeiras, um médico e uma auxiliar de enfermagem. Para eles houve melhora na marcha, na coordenação motora, na força das mãos, na agilidade ao abaixar-se e levantar-se. Relatam ainda que a paciente apresentou melhora na capacidade de alimentar-se sozinha, de abotoar as suas roupas, melhora na força das pernas, do equilíbrio e postura e ainda discreta diminuição do tremor e rigidez.
Sobre a autonomia do idoso a literatura indica que é muito influenciada pela perda gradual dos componentes relacionados à aptidão física e às capacidades funcionais relativas às atividades da vida diária. Destaca que o idoso necessita sobremaneira do componente muscular e da flexibilidade na execução das tarefas do cotidiano. Por isso exercícios de fortalecimento muscular e flexibilidade são amplamente recomendados e desejáveis.
Em relação ao humor do paciente "B" as informações obtidas dão conta que durante e após o programa apresentou "mais vontade de viver", "mais animada", "mais tranqüila e sociável" com melhor humor e "fazendo planos para o futuro".
Em geral, a partir do momento que os idosos, em especial os enfermos, passam a se locomover e a se movimentar eles tendem sair do isolamento, fato altamente positivo visto que "recolher-se" contribuem para agravar a depressão. Um dos requisitos básicos para potencializar a qualidade de vida do idoso é se manter ativo, a fim de obter maior satisfação possível e, conservar sua auto-estima é saúde.
Outro importante dado constatado desde o início da pesquisa e que dificultou a organização do programa, está relacionado às dificuldades originárias da formação profissional no curso de Educação Física.
Considerações finaisA partir do desafio de aplicar e avaliar o programa de Atividades Físicas criado e adaptado aos Parkinsonianos, foi possível identificar, pelo menos duas grandes questões: a primeira diz respeito ao progresso dos pacientes ou seja, o impacto do programa sobre sua qualidade de vida. A segunda grande questão percebida no decorrer da pesquisa diz respeito a lacunas de conhecimento nos processos de formação profissional, particularmente na área de Educação Física em relação a sua atuação com populações idosas.
Sobre a primeira constatação - o impacto na qualidade de vida dos idosos atendidos -, embora lentos e graduais, de acordo com o contexto (casa geriátrica e residência) o programa demonstrou possibilidades concretas de contribuir para potencializar a qualidade de vida. Isso é possível afirmar porque, embora no estudo não tenham sido utilizados instrumentos validados, por exemplo Escala de Avaliação da doença de Parkinson (Piemonte, 2003) os instrumentos de coleta de dados utilizados - entrevistas semi-estruturadas, conversas informais, observação e questionário, forneceram informações importantes sobre as possibilidades e alternativas que profissionais da área da saúde e cuidadores podem lançar mão no atendimento de parkinsonianos.
Em relação ao paciente "A", as informações coletadas dão conta que houve melhora visível na força dos membros superiores e inferiores, melhora da flexibilidade, coordenação motora, tonicidade da voz e uma leve diminuição dos tremores e rigidez. Foi constado também aumento da vontade de realizar as tarefas propostas e preocupação com a vestimenta adequada para a prática da atividade física (no início do programa se observava pouco preocupação e interesse em relação a estes aspectos).
Em sua convivência diária, nos últimos meses, o paciente "A" não modificou suas atitudes pessimistas, queixosas e depressivas com seus familiares, o que leva a acreditar na probabilidade de que este quadro seja decorrente da necessidade de receber atenção e carinho característica em geral observada com pessoas fragilizadas.
No que se refere ao paciente "B", foi possível constatar alterações em sua rotina diária: passou a deambular sozinha, houve melhora da força dos membros superiores e inferiores, principalmente, das mãos o que facilitou a paciente voltar a alimentar-se sozinha. Estes pequenos avanços contribuíram para o aparecimento de mais alegria, auto-estima, vontade de viver e participar dos trabalhos em grupo e outras atividades sociais.
Mais ânimo e gosto de viver; melhora auto-estima, melhora significativa nas relações familiares e sociais (mais tolerância e compreensão), interesse na execução das atividades propostas no programa; melhores condições para realizar tarefas da vida diária tais como inclinar o tronco para frente, pequenos agachamentos, levantar-se de cadeira com mais facilidade, voltar-se para um lado e outro, melhora da marcha, mais segurança e rapidez para vestir-se, erguer objetos e maior autonomia para alimentar-se e para realizar higiene pessoal, aos de olhos de pessoas habituadas a resultados imediatos e a trabalhar com corpos saudáveis e jovens, pode parecer pouco, porém para quem vive experiência de isolamento, depressão e rejeição pela enfermidade representa um avanço significativo na qualidade de vida.
A segunda grande questão percebida no decorrer da pesquisa, e não menos importante, diz respeito a lacunas de conhecimento no processo de formação do profissional de Educação Física. Sobre isso, perceber que os participantes apresentaram melhora em seu estado geral com o auxílio da intervenção de profissional especializado pode ser considerado uma experiência altamente positiva para quem obteve uma formação voltada quase que exclusivamente voltada ao atendimento de corpos jovens, saudáveis e atléticas... - característica observada em grande parte dos cursos de Educação Física. Nesse sentido o estudo revelou lacunas de conhecimento nos processos de formação de profissionais que atuam com populações que necessitam cuidados especiais, particularmente os da área saúde e no caso específico, profissionais de educação física.
Iniciar e/ou ampliar os processos de adequação dos currículos às realidades com que se defrontam os profissionais e, além disso, considerar que esta realidade não é fixa, estática ou permanente, mas que sofre constantes transformações, parece ser uma das providências político-pedagógicas mais urgente. Autores como Bracht (1992), Santin (1994 e 2001) e Gonçalves (1994) têm estudado e apresentado alternativas para a questão, porém se observa uma longa distância entre ações e intenções.
Paradigmas como da Corporeidade Merleau-Ponty (1971), da Complexidade Morin (1990 e 2002), Sistêmico Capra, (1982) e Auto-piético Maturana (1997) como novos referenciais interpretativos da realidade poderão subsidiar os processos de formação profissional, pois o homem é uma unidade.
Baseado nos estudos destes autores é possível afirmar que o enfoque curricular, ou seja, o modelo de formação profissional na área da saúde permanece fundamentado no Relatório Flexner (Capra, 1982, p 151). Este modelo, inspirado no paradigma cartesiano/ newtoniano, parte de uma concepção em que o individuo, os fatos, a natureza podem ser avaliados e quantificados. Para isso separam o todo em partes. A separação possibilita identificar qualquer desvio ou avaria em uma determinada parte. Identificada a parte avariada e o tipo de avaria esta é consertada e recolocada no lugar para que o todo volte a funcionar conforme o desejado. As implicações desta forma de pensar quando se trata de lidar com pessoas, são perigosas, pois o homem passa ser visto como partes isoladas ou seja, corpo, mente e sentimentos. Resulta dessa visão uma forma de cuidado caracterizada e identificada por Capra (op. cit. p. 95) como concepção mecanicista da vida, onde:
"O corpo humano é considerado uma máquina que pode ser analisada em termos de suas peças: a doença é vista como mau funcionamento dos mecanismos biológicos, que são estudados do ponto de vista da biologia celular e molecular; o papel dos médicos é intervir, física ou quimicamente, para consertar o defeito no funcionamento de um específico mecanismo enguiçado" (p. 116).
Quando o corpo é considerado um objeto separado do sujeito, não é válido acessar a subjetividade do outro mas, na abordagem somática, que se vincula a paradigmas positivistas e métodos qualitativos, a subjetividade passa ao status de fonte de dados .Em relação ao corpo, é abordado como um mediador segundo afirma Luijpen (1973). Se contrapondo a concepção fragmentada da realidade e do próprio homem Merleau-Ponty (1971) alerta para o fato de que "não temos um corpo, somos um corpo''.
Marcellino (1999, p.31), afirma que é necessário reencontrar a sensibilidade humana, entender o seu valor revolucionário, torna-se imperativo se desejar preservar os valores humanos do homem. Da mesma forma serão criadas condições para resgatar a criatividade, experimentar o novo, acordar do estado vegetativo, improdutivo, disfuncional do corpo ou da mente e escolher tornar-se homem, resistindo as experiências de vida desumanizantes, acreditando em si em seus sonhos e visões, elementos entre outros, percebidos como intrínsecos dos homens e da humanidade.
A inclusão destas perspectivas nos currículos de formação profissional, certamente poderá gerar novas formas de relações entre as pessoas em especial o modo pelo qual são tratadas quando em situação de enfermidade.
Ao pensar o atendimento às pessoas idosas portadoras da doença de Parkinson com a perspectiva apresentada implica em um trabalho metódico, contínuo e lúdico, onde a pessoa é incentivada a ampliar suas possibilidades de execução das tarefas da vida diária, a marcha, a movimentação, a autonomia e a socialização. Com isso resgatar a corporeidade contribuindo para vencer ou estabilizar suas limitações impostas pela doença.
Notas
Dados obtidos em outubro de 2003
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revista
digital · Año 10 · N° 83 | Buenos Aires, Abril 2005 |