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Formação esportiva: privilégio de
alguns ou oportunidade para todos

   
Mestre em Ciência da Motricidade Humana
Faculdade Assis Gurgacz - Cascavel-PR
 
 
Alfredo Cesar Antunes
alfredo.cesar@ig.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este estudo teve como objetivo analisar o processo de formação esportiva das crianças e adolescentes. Qual a utilidade do esporte em nossa sociedade? Considera-se que as crianças e adolescentes, antes de atingir a especialização em uma modalidade esportiva percorram a fase de formação básica geral com o objetivo de desenvolver as capacidades e habilidades motoras básicas e, posteriormente a fase de refinamento dessas capacidades e habilidades. Outro ponto importante é respeitar o grau de desenvolvimento das crianças e adolescentes, com relação à prontidão motora, psicológica, social e cognitiva. Também, deve existir a preocupação com as crianças e adolescentes que não têm potencial para o esporte de alto rendimento para que o utilizem como forma de lazer, saúde e cidadania. Entende-se que a observância desses procedimentos podem evitar a especialização precoce, incentivar o uso ativo das horas de lazer, valorizar a cultura esportiva e auxiliar para a formação de um indivíduo consciente de seu papel na sociedade.
    Unitermos: Formação esportiva. Prontidão. Sociologia. Cultura.
 
Abstract
    This study it had as objective to analyze the process of sporting formation of the children and adolescents. Which the utility of the sport in our society? It is considered that the children and adolescents, before reaching the specialization in a sporting modality cover the phase of general basic formation with the objective to develop the motor capacities and basic abilities e, later the phase of refinement of these capacities and abilities. Another important point is to respect the degree of development of the children and adolescents, with relation to the promptitude motor, psychological, social and cognitive. Also, the concern with the children and adolescents must exist who do not have potential for the sport of high performance so that they use it as form of leisure, health and citizenship. One understands that the observance of these procedures can prevent the precocious specialization, to stimulate the active use of the leisure hours, to value the sporting culture and to assist for the formation of a conscientious individual of its paper in the society.
    Keywords: Sporting formation. Promptitude. Sociology. Culture.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 83 - Abril de 2005

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1. Introdução

    É importante enfatizar e entender que a criança não é um adulto em menores proporções e, o esporte e todo o seu processo e fatores devem ser organizados para ela e não para satisfazer as vontades e anseios dos adultos.

     Nesse sentido, Priszkulnik (2002) citando Freud diz que os pais acham-se na obrigação de atribuir todas as perfeições ao filho e de omitir todas as suas deficiências, e ainda, fazer com que a criança realize os "sonhos" que eles não conseguiram.

     Essa idéia se aplica não apenas aos pais ou responsáveis, mas também aos professores. Assim, a idéia que se tem é o padrão de adulto a ser atingido. É preciso entender a criança como ser humano que não é pior nem melhor que o adulto, mas quantitativa e qualitativamente diferente.

     Entende-se que o processo de formação esportiva, principalmente o treinamento com crianças e adolescentes, não deve visar apenas o alto rendimento, mas um processo de ensino-aprendizagem, ou seja, um processo pedagógico.

     O processo de formação esportiva consiste em uma fase onde se pode optar pelo direcionamento da vida esportiva do indivíduo. O principal objetivo é a orientação com os processos, os meios a serem seguidos para contribuir na delimitação, conformação da personalidade do indivíduo e na busca de um referencial da cultura de movimento (GRECO, 2000).

     Independentemente de seu potencial, os indivíduos devem percorrer determinadas fases no processo de formação esportiva. Segundo a literatura (BOMPA, 2001; GRECO, 2000; WEINECK, 1999; ZAKHAROV, 1992) o processo de formação esportiva deve se preocupar com uma iniciação básica geral que procure desenvolver todas as capacidades e habilidades motoras básicas, priorizando um trabalho multilateral e variado até aproximadamente 11/12 anos de idade (início da primeira fase puberal - pubescência). A fase seguinte seria a especialização ou formação específica que consiste em treinamento físico, técnico e tático específico para a modalidade escolhida, a partir dos 13 anos de idade aproximadamente (segunda fase puberal). A fase de alto rendimento seria a estabilização e aprimoramento dos aspectos desenvolvidos na fase anterior com o objetivo de performance, recomendado para a fase final da adolescência.

    Greco (2000) acrescenta a fase de orientação que sob a base da iniciação básica geral, pode-se começar com a orientação técnica de duas modalidades esportivas, de preferência complementares. Na fase de direção as crianças e adolescentes que não têm potencial para o esporte de alto rendimento devem ser orientadas para que o utilizem como forma de lazer e saúde. Também, deve existir a readaptação do atleta após encerrar sua carreira esportiva para que ele utilize o esporte como lazer e saúde. Abaixo, a proposta de formação esportiva baseada em Greco (2000).
Figura 1. Fases da formação esportiva (Adaptado de GRECO, 2000)


2. Prontidão

     Para se analisar o momento que a criança está preparada para a competição esportiva deve-se considerar o conceito de prontidão. Prontidão seriam os pré- requisitos necessários para um novo aprendizado ou novas experiências (FERRAZ, 2002).

     O conceito de prontidão está relacionado com o período ótimo de aprendizagem, ou seja, antes disso a aprendizagem é prejudicada e, após, perde-se a oportunidade de explorar o melhor potencial do indivíduo. Não existe um período ótimo para todos os domínios, pois cada um tem suas especificidades.

    Com relação à prontidão cognitiva e moral, segundo Ferraz (2002), as crianças pequenas julgam os atos pelas conseqüências das ações sem levar em consideração as intenções ou os motivos (causa e efeito), portanto devem ter orientações diferentes dos adolescentes e adultos.

    Até o período da segunda infância e início da adolescência é necessário que se considere o aspecto cognitivo moral complexo demais para essa fase de desenvolvimento, deve-se enfatizar a prática esportiva lúdica (FERRAZ, 2002).

Quadro 1. Desenvolvimento da prática e da consciência das regras (FERRAZ, 2002- baseado em PIAGET)


    Reconhecer que a competição é um processo de comparação social requer estruturas cognitivas complexas, ou seja, prontidão social e psicológica.

    Até aproximadamente os 10 anos persiste a dificuldade em perceber a complexa relação causal entre os vários fatores que regulam seu desempenho: habilidade, esforço, dificuldade, condições, etc. Assim, atribuir aos resultados causas incorretas pode gerar sentimentos de incompetência ou impotência levando à desmotivação e abandono (FERRAZ, 2002; NASCIMENTO, 2000).

    O sentimento de onipotência pode ser também prejudicial para o desenvolvimento da personalidade. A ênfase na vitória se transforma em pressão geradora de ansiedade.

    Deve-se priorizar a oportunidade de jogar (participação), o jogar bem , divertir-se, fazer o melhor que se pode. A referência para a melhora deve ser o próprio jogador. O desenvolvimento moral depende da demonstração, da explicitação do modo de produção das regras para que se possa apreciar verdadeiramente o seu real valor.

    A prontidão motora está relacionada com o processo de desenvolvimento motor. Diz respeito ao desenvolvimento, combinação, refinamento e especialização de habilidades motoras básicas (locomoção, manipulação e estabilização).

     As modalidades esportivas, freqüentemente, utilizam apenas algumas dessas habilidades gerando diminuição do repertório motor, quando trabalhadas precocemente. As técnicas devem ser o ponto de chegada do processo de aprendizagem e não o seu ponto de partida.

Quadro 2. desenvolvimento motor humano e relação com as fases da formação esportiva (Baseado em GALLAHUE, 2002 e GRECO, 2000).

    Entende-se que a falta de critérios e procedimentos adequados, como os mostrados anteriormente podem levar à especialização precoce. Pode-se citar como principais causas da especialização precoce a ausência de profissionais preparados; ex-atletas sem qualificação e leigos atuando como professores; e pressão dos pais, dirigentes e responsáveis. Como conseqüência essas crianças e adolescentes podem não chegar às etapas das elevadas prestações esportivas acabando a carreira mais cedo, reduzir o tempo de atividade esportiva de alto nível ou não atingir os rendimentos esperados (BOMPA, 1999; WEINECK, 1999; MARQUES, 1991).

    O fracasso por falta de talento faz com que a criança e o adolescente sintam-se excluídos do meio esportivo. As crianças menores só entendem as emoções simples como alegria e tristeza. As emoções complexas como orgulho, vergonha e culpa dependem da maturidade para compreendê-las. Se uma criança imatura não atinge o resultado esperado e existe uma cobrança para a vitória esse fato pode causar uma frustração e possível abandono (sentimento de derrota), a ênfase na vitória se transforma em pressão geradora de ansiedade (ARENA, 2000). De acordo com o que foi abordado, entende-se que a observância desses procedimentos pode evitar a especialização precoce, incentivar o uso ativo das horas de lazer e valorizar a cultura esportiva e auxiliar para a formação de um indivíduo consciente de seu papel na sociedade.


3. Aspectos socioculturais para a formação esportiva: considerações finais

     No processo histórico do esporte o aspecto social sempre esteve presente, porém com objetivos e interesses diversos. Estes diferentes enfoques decorrem de diferentes visões de sociedade ou teorias sociais. As correntes sociológicas como funcionalismo, marxismo, neomarxismo e multiculturalismo tem relações, aproximações e influências diretas com o esporte.

     Segundo Cunha Jr. (2000) a teoria funcionalista vê a sociedade como um sistema formado por diversas partes independentes que acabam por formar um todo onde existe uma estratificação social, definida como a valorização diferencial dos indivíduos e seu tratamento como superiores e inferiores em relação a aspectos socialmente relevantes. Predomina nesse modelo uma visão instrumental do esporte que assume funções: compensatória (compensar o trabalho intelectual), utilitarista (preparar o corpo para o trabalho) e moralista (suportar a disciplina e imposições da vida social).

     A idéia de que a criança e adolescente através do esporte aprende a convivência social, obediência às regras, esforço pessoal, conviver com vitórias e derrotas, independência, confiança, responsabilidade, tem um papel positivo-funcional camuflando os disfuncionais e colaborando para o perfeito funcionamento e harmonia da sociedade na qual se inserem, sem relacionar o esporte com o contexto sócio-econômico-político e cultural que se objetivam (BRACHT, 1992).

     A teoria marxista vem denunciar que o esporte tem servido historicamente aos interesses hegemônicos da classe dominante moldado pelos que detêm o poder e os meios de produção. No capitalismo os trabalhadores são manipulados e coagidos a buscar satisfação pelo consumismo e espetáculos de massa, como o esporte, que está ligado ao consumo através de propagandas, vendas de equipamentos e artigos, entradas, concorrência, disciplina, competição, superação, etc (CUNHA JR, 2000).

     As análises que criticam a função socializadora que o esporte e educação física cumpre parte de uma teoria que pode-se chamar de abordagem ou ótica do conflito. Segundo essa teoria é mais correto ver a sociedade do ponto de vista de suas contradições históricas, ou seja, não são harmônicas e funcionais, mas tem contradições fundamentais (BRACHT, 1992).

     Bracht (1992) diz que: "Precisamos entender que as atitudes, normas e valores que o indivíduo assume através do processo de socialização no esporte, estão relacionados com sistemas de significados e valores mais amplos, que se estendem para além da situação imediata do esporte" (BRACHT, 1992, p. 183).

    Para Coakley (apud CUNHA JR, 2000) a teoria marxista, com relação ao esporte, não considera que as pessoas têm a capacidade de redimensioná-lo de acordo com seus próprios interesses, não defende o esporte regional e recreativo e não entende a participação esportiva como uma experiência criativa, expressiva e libertadora.

    O pensamento neomarxista, segundo CUNHA JR (2000), defende que a educação física e o esporte devem ser progressistas e transformadores onde o professor de educação física atue como intelectual construtor de uma nova direção política, de uma nova hegemonia e de uma nova concepção de mundo, superior e democrático indo além da pura e simples transmissão de técnicas de ginástica e esporte.

    O referencial do multiculturalismo focaliza as questões pertinentes aos grupos sociais minoritários, no que diz respeito as desigualdades, injustiças, preconceitos sofridos na sociedade. No referencial multiculturalista a educação física e o esporte devem dar atenção à diversidade e ao pluralismo cultural denunciando a ocorrência de discriminação e opressão que tem sido experimentada por alguns segmentos da sociedade (CUNHA JR, 2000).

    No ser humano existe a relação triádica indivíduo/sociedade/espécie onde nenhum dos termos deve subordinar-se ou reduzir-se ao outro, pois:

"… a complexidade humana não poderia ser compreendida dissociada dos elementos que a constituem: todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer a espécie humana" (MORIN, 2001, p. 55).

    Segundo Garcia (2002), o homem deve ser entendido como um fim e nunca como um meio e o esporte (desporto) deve estar a serviço deste e nunca o contrário. Completa dizendo que uma teoria do esporte deve levar em consideração a diversidade humana e qualquer tentativa de compreensão deve passar por uma reflexão do tipo antropológica.

    O movimento não é a essência do antropologia do esporte, mas o movimento processado pela cultura. Tão importante quanto estudar a ação motora é estudar o ser humano que executa essa ação. Assim, o ponto central do esporte passa a ser o praticante e suas representações, não se limitando ao executado (GARCIA, 2002).

    Enfim, o esporte não deve(ria) ser pensado, praticado e ensinado com vantagens e privilégios concedidos a poucos e exclusão de outros, ou seja, contra o direito comum de todos terem uma formação esportiva digna e legítima.


Bibliografia

  • ARENA, S.S. Programas de iniciação e especialização esportiva na grande São Paulo. Revista Paulista de Educação Física. 14 (2), 184-95, 2000.

  • BRACHT, V. A educação física escolar como campo de vivência social. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 9(3), 23-29, 1988.

  • BRACHT, V. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992

  • BOMPA, T. Periodização: teoria e metodologia do treinamento. São Paulo: Editora Phorte, 2002.

  • CUNHA JR. Sociologia e educação física. In: A.G. Faria JR., C.F.F. Cunha Jr., H.T. Nozaki e C.P. Rocha Jr. (Orgs), Uma introdução à educação física (179-202). Niterói, RJ: Corpus, 1999.

  • DANTE DE ROSE JR. Esporte e atividade física na infância e na adolescência: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.

  • GARCIA, R.P. Contributo para uma compreensão do desporto: uma perspectiva cultural. Em V.J. Barbanti, A.C. Amadio, J.O.Bento e A.T..Marques (Orgs.), Esporte e atividade física: interação entre rendimento e qualidade de vida (321-38). Barueri: Manole, 2002.

  • GRECO, P.J. O sistema de formação e treinamento esportivo. In: P.J. Greco (Org.), Caderno de rendimento do atleta de handebol. Belo Horizonte: Editora Health, 2000.

  • MARQUES, A. A especialização precoce na preparação desportiva. Revista Treino Desportivo. n.19, p.9-15, 1991.

  • MARQUES, A.T., OLIVEIRA, J. O treino e a competição dos mais jovens: rendimento versus saúde. In: V.J. BARBANTI, A.C. AMADIO, J.O.BENTO e A.T..MARQUES (Orgs.), Esporte e atividade física: interação entre rendimento e Qualidade de vida (51-80). Barueri: Manole, 2002.

  • NASCIMENTO, A.C.S.L. Pedagogia do esporte e do atletismo: considerações acerca da iniciação e da especialização esportiva precoce. Dissertação de Mestrado, UNICAMP, Campinas, 2000.

  • MORIN. E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001.

  • WEINECK, J. Biologia do esporte. São Paulo: Manole, 1991.

  • WEINECK, J. Treinamento Ideal. São Paulo: Manole, 1999.

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