Perfil antropométrico e motor de praticantes de karatê da cidade de Monte Mor - SP |
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*Mestrando em Ciências do Esporte - UNICAMP (Brasil) |
Fabrício Boscolo Del Vecchio* Anelita Helena Michelini Aguinaldo Gonçalves fabrício_boscolo@uol.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 82 - Marzo de 2005 |
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1. Introdução
A partir das décadas de 60 e 70 cresceu a popularidade do karatê em todo o mundo, em especial entre as décadas de 60 e 70. Somando-se a isso, diversos grupos sociais como policiais, seguranças e escolares buscaram tal sistema de luta para os mais diversos fins (NAKAYAMA, 2003), podendo ser assinalados: aumento do nível de atividade física, busca de melhor aptidão física, aprendizagem para defesa pessoal e como modalidade esportivo-competitiva.
O karatê é uma das mais populares artes marciais praticadas tanto no Japão, como fora dele; o treinamento envolve técnicas básicos - kihon, as formas em sequenciamento pré-estabelecidos - kata, e as lutas - kumitê. Imamura et al. (1998) apontam que os karatecas mais competitivos adicionam aos treinamentos tradicionais de karatê, extenuantes corridas e programas de treinamento com pesos para aumentar a resistência cárdio-vascular, massa corporal magra, força e potência.
Cavanagh & Landa (1976) já apontavam há quase trinta anos atrás que o karatê, como esporte, tem sido negligenciado pelos estudiosos das ciências do esporte, além disso, poucos estudos investigaram a composição corporal dos lutadores. Imamura et al. (1998) encontraram valores de 10,7 ± 2 % de gordura para praticantes altamente treinados e 12,6 ± 4,5 % para novatos, utilizaram duas dobras cutâneas e calcularam o percentual de gordura através da fórmula de Brozek.
Layton (1993), sobre os aspectos específicos do karatê, não identificou correlação entre velocidade da técnica de dois socos e dois chutes com a variável idade, tanto para o lado dominante como para o lado não-dominante.
Em situação técnica específica, Imamura et al. (2003) observaram que a freqüência cardíaca de lutadores de karatê, desempenhando mil socos, chega a 108,2 batimentos por minuto (bpm), correspondendo a 57,1 % da freqüência cardíaca máxima (FCmax); já para a execução de mil chutes, obtiveram-se valores de 156,6 bpm e 82,7% da FCmax.
Praticantes de karatê são caracterizados pela rápida execução de várias técnicas com todo o corpo se movendo rapidamente no espaço; tanto verticalmente - em chutes saltados, como horizontalmente - nos deslocamentos para soca. Para Imamura et al. (1998), o karatê aparenta ser anaeróbio e caracterizado por: i) curtos períodos de exercício de alta intensidade e ii) interrupções por períodos moderados de recuperação. Quanto às variáveis velocidade e força, Cavanagh & Landa (1976) observam que, durante o soco, a mão do lutador pode atingir velocidades de 28 a 31 mph, com impactos variando de 28 a 132 lbf.
Nas competições busca-se determinar a habilidade dos participantes; nos combates, as técnicas decisivas são dependentes da força explosiva e influenciadas pela velocidade do lutador (NAKAYAMA, 2003). Para Ravier, Grappe & Rouillon (2003), o karatê moderno é caracterizado pela velocidade de deslocamento horizontal.
Estudos antropométricos relacionados aos esportes de combates são bem comuns, mesmo em âmbito nacional, embora o karatê não seja exemplo para tal afirmação. Estudando 35 homens, agrupados como de nível competitivo alto e médio, Giampietro; Pujia; Bertini (2003) observaram diferenças estatísticas apenas na dobra cutânea supra-ilíaca (5,9 +/-1,8mm e 10,2 +/- 3,9mm), os dados podem ser identificados na tabela 1.
Tabela 1: Características antropométricas de lutadores de karatê de dois grupos.
Os do grupo 1 são de alto nível competitivo e os do grupo 2 de médio nível competitivo.
Os valores são Média ± Desvio Padrão.
Adaptado de Giampietro; Pujia; Bertini (2003)
O conhecimento de variáveis antropométricas, motoras e dos níveis de aptidão é comumente utilizado para o delineamento de planificações de treinamento, com métodos específicos para cada necessidade desportiva e competitiva. Com a intenção de conhecer a população, competitivamente ativa neste desporto, objetivou-se com o referido estudo, identificar o perfil antropométrico e motor de praticantes de karatê, de ambos os sexos, da cidade de Monte Mor - SP.
2. Materiais e métodos
2.1. Grupo de pesquisa
O grupo de pesquisa foi composto por 12 praticantes de karatê (6 homens e 6 mulheres) da cidade de Monte Mor, SP. Todos os praticantes tinham nível competitivo, no mínimo, estadual, embora alguns deles já representaram o Brasil. Os mesmos estavam em período inicial de treinamentos, voltando do processo recuperativo de transição
2.2. Critérios de inclusão e exclusão
Foram considerados como incluídos no estudo, os atletas que tinham prática regular de karatê por, pelo menos, 3 vezes por semana, com duração de 90 minutos/dia, com tempo mínimo de prática de 12 meses e que estivessem dispostos a se deslocarem ao local de coleta dos dados e assinassem o termo de consentimento informado.
2.3. Caracterização do estudo
O estudo se caracteriza como observacional, por não haver intervenção, descritivo, por indicar resultados de avaliações, e transversal, por obter os resultados, no momento da coleta dos dados, do tipo grupo único.
2.4. Delineamento do projeto
Os sujeitos de pesquisa foram esclarecidos quanto aos procedimentos e após assinarem termo de consentimento informado, receberam o roteiro dos testes realizados em dois dias distintos. No primeiro foram adquiridos os dados antropométricos, mobilidade corporal, flexões de braço e abdominais; já no segundo, foram executados testes de força de membros inferiores e superiores.
2.4.1. Coleta e registro dos dados
Os dados foram coletados por um dos autores (FBDV) e anotados simultaneamente por outro (AHM), em planilhas individuais próprias, desenvolvidas para o referido estudo.
2.5. Avaliações e Testes
A massa corporal foi quantificada por Balança Filizola de precisão de 100g, com o avaliado trajando sunga (homens) ou biquíni (mulheres). A altura foi anotada através de estadiômetro conjugado à balança, com precisão de 0,1 cm, após ciclo respiratório profundo. Conseqüentemente obteve-se o índice de massa corporal (IMC), que é definido como a divisão do peso corporal total (em quilogramas), pela estatura (em metros) ao quadrado.
As dobras cutâneas foram tomadas com auxílio de adipômetro da marca Body Calipter. O percentual de gordura corporal foi calculado através da equação proposta por Guedes (homens: triciptal, supra-ilíaca e abdominal; mulheres: subescapular, supra-ilíaca e coxa) para densidade corporal e posterior utilização da fórmula proposta por Siri (FERNANDES FILHO, 2002).
A avaliação da mobilidade corporal da região posterior, em especial de tronco-quadril, foi aferida através do teste de sentar-e-alcançar, proposto por Wells; Dillon (1952). Para avaliação da resistência de força rápida optou-se pelo teste de flexões de braço adaptado de Fernandes Filho (2002), no qual os homens o faziam em quatro apoios e as mulheres em 6. O mesmo consistia do avaliado executar o maior número de flexões de cotovelo, se aproximando do solo, durante vinte segundos. Já o teste de abdominais foi tradicionalmente conduzido pelo proposto por Fernandes Filho (2002).
Para a força explosiva de membros inferiores foram utilizados os testes de: i) salto triplo, que consistia do avaliado executar três saltos (e três tentativas), em pernas alternadas (escolhendo a de saída) com a maior amplitude de movimento alcançável por ele; ii) salto horizontal, que era realizado a partir de posição estática, com os pés paralelos e hálux localizado sobre a marca 0, ao realizar o salto, em três tentativas, anotou-se a distância que o avaliado conseguiu ter da marca 0 até o osso calcâneo; e iii) salto vertical, no qual se pedia para o atleta realizar extensão dos braços acima da cabeça, marcando o ponto mais distante do solo. Ao proceder o contra-movimento seguido de impulsão, tocava-se a fita localizada na parede e, conseqüentemente, obtinha-se a diferença entre a altura de salto e a altura ainda no solo. Tais testes foram realizados em três tentativas, considerando-se a melhor.
Já para a força explosiva de membros superiores utilizaram-se: i) arremesso de medicine ball, no qual o avaliado permanecia sentado e, posteriormente à flexão de braços, executava arremesso com máxima velocidade e força da bola de 3kg; e ii) teste de impulsão vertical, já apresentado por Del Vecchio; Rosa; Michelini (2003), no qual o sujeito, em decúbito ventral realizava repulsão ao solo, e a distância conseguida por ele era anotada. Estes testes também eram executados em três tentativas, anotando-se a melhor.
2.6. Análise dos dados
Utilizou-se o software SPSS - 11.0 para a estatística descritiva, expressando média, mediana, desvio padrão, valores máximos e mínimos, além de calcular a correlação das variáveis motoras, através da correlação linear de Spearman.
3. Resultados e discussão
Os resultados demonstram dados divergentes da literatura específica quanto aos parâmetros de antropometria; contudo, estudos explorando o perfil motor deste grupo de atletas ainda devem ser conduzidos.
Tabela 2: Dados referentes aos lutadores de karatê do sexo masculino e feminino.
Como representado tabularmente, observa-se que os dados apresentados são diferentes da literatura em alguns aspectos. Embora a idade dos praticantes seja similar, o grupo em questão tem tempo de prática, altura, peso corporal e IMC menores que o estudado por Giampietro, Pujia & Bertini (2003). Já o percentual de gordura corporal se mostra maior, tanto nos homens quanto nas mulheres, embora foram identificados valores mínimos de 11,2 para os homens e de 23,81 para as mulheres. Apesar das diferenças presentes, não se pode descartar a hipótese da variabilidade de aplicação dos métodos de avaliação do percentual de gordura corporal.
A destacada influência de pouca gordura é evidente, principalmente para a velocidade de aceleração da massa muscular, que é altamente dependente do percentual de gordura corporal e das capacidades de força e velocidade. O estudo de Giampietro, Pujia & Bertini (2003) conclui que karatecas de alto nível competitivo são caracterizados pelo desenvolvimento vertical do sistema muscular em detrimento da "robustez" (somatotipo mesomórfico).
Os resultados do estudo longitudinal de Bertini, Pujia & Giampietro (2003) demonstraram que karatecas apresentam substancial estabilidade nos valores de peso corporal e na mensuração de seis dobras cutâneas ao longo de um ano; no entanto, os autores não fazem referência para o período do ano em que tais medidas foram tomadas e se existia variabilidade dentro do calendário competitivo. Tais dados seriam de fundamental importância, pois se reconhece que lutadores apresentam grande dificuldade de manutenção do peso corporal, por lutarem em categorias de peso, e o mesmo varia ao longo dos ciclos competitivos.
Já nos componentes motores, não foram encontradas referências internacionais e nacionais desta modalidade desportiva, assim, os resultados foram comparados com grupos de referências.
Tabela 3 - Perfil motor de praticantes de karatê do sexo masculino e feminino. Os valores representam média ± desvio padrão.
Destacadas diferenças entre os sexos são apresentadas na maioria dos testes motores, especificamente flexibilidade, abdominais, salto vertical e arremesso de medicine ball. Quanto aos três primeiros advoga-se ao tempo de prática a principal influência; adicionalmente, as mulheres são, na mediana, quatro anos mais novas que os homens. Já acerca dos valores obtidos com o teste de medicine ball, aponta-se a padronização do peso: para ambos os sexos foi utilizada bola de 3 kg, o que, de fato, proporciona menor rendimento à elas.
Fortes correlações foram encontradas entre o número máximo de flexões de braço e a altura da impulsão vertical para as mulheres (0,84, P<0,05). Esta associação pode ser devida à inexperiência, uma vez que tinham 5 anos a menos de prática que os homens. Isso quer dizer os valores da impulsão vertical se relacionam com os do teste de flexões de braço, mesmo sendo este adaptado à 20 segundos. Cogita-se que, por treinarem os membros superiores de forma ainda equivocada, a transferência ainda se dá no âmbito da resistência, para um teste de força explosiva.
Nos sujeitos do sexo masculino, observou-se significância no desempenho no salto vertical em associação com o salto horizontal (0,92, P<0,01). Traduz-se que apresentam bons resultados em ambas as esferas e os testes, para essa população, conseguem ter sensibilidade suficiente para expressar a dinâmica da luta, apontada anteriormente. Essa forma de combate, atualmente, preconiza movimentações rápidas, tanto no eixo vertical, como longitudinal.
4. Conclusões
Concluí-se com o referido estudo que o tempo de prática específica pode ser fator determinante na aptidão física de karatecas e que as mulheres apresentam menor manifestação de força explosiva em membros superiores, destacadamente, por obterem menores distâncias no arremesso de medicine ball e apresentarem alta correlação entre a impulsão vertical e o teste de flexões de braço.
Assim, indica-se que o treinamento desportivo periodizado pode ser fator determinante no processo de incremento das capacidades físicas, em especial, no sexo feminino na fase inicial de treinamento.
Quanto aos homens, a perseguição de menores percentuais de gordura deve ser estimulada, com aumento dos níveis de força, tanto no âmbito geral, quanto específico da modalidade.
Referências bibliográficas
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revista
digital · Año 10 · N° 82 | Buenos Aires, Marzo 2005 |