Validação cruzada de técnicas antropométricas para a estimativa da gordura corporal em homens Cross validation of anthropometric technique To esteem body fat in mens |
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* Profª. Drª. na Universidade Católica de Brasília - DF ** Mestre em Educação Física pela Universidade Católica de Brasília - DF |
Maria Fátima Glaner* Wagner de Campos Rosário** mfglaner@pos.ucb.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 82 - Marzo de 2005 |
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Introdução
Estimar a composição corporal, mais especificamente o componente gordura corporal, é importante, pois, possibilita identificar riscos associados à saúde, bem como monitorar mudanças decorrentes de doenças, da idade ou da realização de atividades físicas (Heyward & Stolarckzyk, 2000).
De acordo com Biaggi et al. (1998), vários métodos estão disponíveis para a estimativa indireta do percentual de gordura (%G), tais como a pesagem hidrostática, impedância bioelétrica, absortometria de raio-x de dupla energia (AXDE) e sofisticadas técnicas de imagem. Estas, na sua maioria, requerem um alto custo financeiro e/ou cooperação do avaliado, fato que dificulta a utilização das mesmas. Dessa maneira, a técnica antropométrica, segundo Perissinotto et al. (2002), torna-se uma alternativa por ser não invasiva, fácil e não dispendiosa para coleta. Além do que pode ser utilizada em larga escala.
A possibilidade de mensuração de um grande número de pessoas em pouco tempo, o curto período de treinamento dos avaliadores (com exceção das dobras cutâneas), e a correlação existente entre o % G obtido a partir da técnica antropométrica com o %G decorrente da pesagem hidrostática, fazem da antropometria uma excelente opção para a estimativa da composição corporal. Em face dessas características, várias equações antropométricas para homens foram desenvolvidas por Sloan (1967), Katch & McArdle (1973), Jackson & Pollock (1978), Petroski (1995) e Rodriguez-Añez (1999), entre outras.
Apesar da larga utilização das equações para a estimativa da densidade (D) e/ou % G, seu uso em populações diferentes das originais, necessita de uma validação cruzada. No Brasil e no exterior foram realizados estudos com este propósito, usando a pesagem hidrostática como critério (Guedes, 1985; Fry, Cisar & Housh, 1987; Housh et al. , 1989; Petroski, 1995; Glaner & Rodriguez Añez, 1999).
Mais recentemente tem-se notado a utilização da AXDE como critério para validação de métodos de avaliação da composição corporal, como nos estudos de: Bottaro, Heyward & Paiva, 2000; Houtkooper et al. , 2000; Bray et al. , 2001; Panotopoulus et al. , 2001; Wagner & Heyward, 2001, e Glaner, 2004. De Lorenzo et al. (2000) afirmam que a AXDE é um método preciso que possa se tornar um padrão ouro na composição corporal. Roubenoff et al. (1993) alegam que a técnica da AXDE caracteriza-se por ser segura, rápida e requerer o mínimo de cooperação do avaliado.
Na antropometria, as dobras cutâneas são as varáveis mais usadas em equações para estimar a D e/ou % G, sozinhas ou em combinação com outras, como: perímetro, idade e estatura. Também, existem equações que envolvem somente perímetros corporais. A escolha por essas últimas, pode-se dever ao fato do preço de um bom adipômetro e ao tempo de treinamento para a formação de um bom mensurador de dobras cutâneas, com um erro técnico de medida inferior a 5%. Mensurar perímetros é mais prático e diminui a possibilidade de erros intra e inter-avaliador.
Levando-se em consideração estes aspectos, desenvolveu-se este estudo com o objetivo de fazer uma validação cruzada da equação de Katch & McArdle (1973), que usa três perímetros, e do procedimento de Cohen (1986), que usa dois perímetros, usando a AXDE como critério.
Procedimentos técnicosForam mensurados 74 homens fisicamente ativos, residentes no Distrito Federal - DF.
Para a mensuração da massa corporal e estatura foi utilizada uma balança eletrônica com unidade de medida de 100 g, e um estadiômetro com unidade de medida em mm, respectivamente. Os perímetros foram medidos com uma fita métrica, com unidade de medida em mm, seguindo a descrição de Cohen (1986) e Katch & McArdle (1973).
O aparelho de AXDE utilizado foi o da marca LUNAR DPX-IQTM, com a versão do software 4.x. A AXDE é uma técnica de escaneamento que mede diferentes atenuações de raios-x que passam pelo corpo. As medidas realizadas por este instrumento duram cerca de 10 a 20 minutos, de acordo com as dimensões corporais do indivíduo, e compreendem uma varredura do corpo inteiro do avaliado. Para a realização da avaliação, os participantes retiraram todo e qualquer metal, permaneceram deitados em decúbito dorsal com os braços ao longo do corpo, e usaram como vestimenta somente calção.
Para a estimativa do %G através do procedimento de Cohen (1986), foram utilizadas as circunferências do pescoço e do abdômen. Este procedimento foi desenvolvido para Fuzileiros Navais dos Estados Unidos da América entre 18 e 53 anos de idade. Após a mensuração das circunferências, os valores respectivos aos perímetros obtidos são localizados na Tabela 1. O perímetro do abdômen é verificado na coluna da esquerda e o do pescoço na linha horizontal superior. No cruzamento destes valores obtém-se o %G, conforme hachurado na Tabela 1, sendo no exemplo %G = 14,8.
A equação de Katch & McArdle (1973) utiliza os perímetros de braço, antebraço e abdômen. Estes autores desenvolveram e validaram esta equação, para 53 universitários com idade média de 19,3 anos, para estimativa da densidade corporal:
D = 1,12691 - 0,00357 (PBR) - 0,00127 (PAB) + 0,00524 (PAN).
Onde: D = Densidade (g/ml).
PBR = perímetro do braço (cm).
PAB = perímetro do abdômen (cm).
PAN = perímetro do antebraço (cm).O % G foi obtido a partir do resultado da densidade corporal utilizando-se a equação de Siri (1961). No estudo original, a equação de Katch & McArdle (1973) foi validada utilizando-se a pesagem hidrostática como critério. O coeficiente de correlação (r) e o erro padrão de estimativa (EPE) foram de 0,86 e, 0,0072 g/ml, respectivamente.
Para a validação da equação e do procedimento no presente estudo, foram seguidas as sugestões de Lohman (1992), sendo observados o coeficiente de correlação de Pearson, teste t pareado, erro constante (EC) e o EPE. Este autor definiu os pontos de corte para validação de procedimentos utilizando a pesagem hidrostática como critério. O ponto de corte para a aceitação do EPE foi definido em 3,50. Foram realizadas as análises dos escores residuais, conforme proposta de Bland & Altman (1986). O programa estatístico utilizado foi o SPSS 10.0.
Tabela 1- Percentual de gordura em homens pelos perímetros do abdômen (PAB) e do pescoço (cm).
OBSERVAÇÃO: esta tabela apresenta %G para perímetros de pescoço até 40,00 cm e de abdômen até 115,6 cm. A mesma pode ser obtida na integra em COHEN (1986).
Resultados e discussãoNa Tabela 2 são apresentados os valores médios, mínimos e máximos das variáveis mensuradas, com a finalidade de caracterizar a amostra estudada.
Tabela 2 - Características descritivas da amostra (n = 74).
As análises estatísticas da tentativa de validação da equação de Katch & McArdle (1973) e do procedimento Cohen (1986) estão especificadas na Tabela 3.
Tabela 3 - Validação cruzada do procedimento de Cohen e da equação de Katch & McArdle (a p < 0,0001).
O % G estimado pelo procedimento de Cohen (1986) apresentou diferença significativa (p < 0,0001) do % G obtido por meio da AXDE. Os resultados obtidos apresentaram uma correlação de 0,805, ficando bem acima da correlação evidenciada (r = 0,68) no estudo de Glaner & Rodriguez Añez (1999), que validou este procedimento em militares masculinos com idade média de 20,26 anos. O desvio padrão do % G estimado por esse procedimento (+ 3,74) também foi menor que o do método adotado como critério (+ 5,76), sugerindo assim que a amostra do presente estudo não foi completamente representada quando da utilização do procedimento de Cohen (1986). O EPE foi de 3,58, não atendendo ao critério pré-estabelecido. Cabe ressaltar, que o EPE, pela proximidade apresentada ao limite adotado para validação (3,50), deve ser analisado com cuidado. Pois, segundo Lohman (1992), o EPE calculado é menor que o seu valor real, pois o erro inerente ao procedimento adotado como critério é ignorado e atribuído ao novo procedimento. O EC (-2,56) demonstrou que o procedimento de Cohen (1986) tende a subestimar o % G em relação a AXDE. O mesmo é indicado pelos escores residuais (% GAXDE - % G Cohen) apresentados na Figura 1, o que mostra o fraco poder de estimativa deste procedimento.
Quando comparados os %G, obtidos por meio da equação de Katch & McArdle (1973) e da AXDE, não foram verificadas diferenças significativas (p > 0,05). Os valores médios de % G foram bastante próximos, como se pode verificar através do EC (0,33). Os valores de %G obtidos apresentaram uma correlação de 0,759, ficando abaixo do valor encontrado (r = 0,86) no estudo original de validação dessa equação. O desvio padrão do %GAXDE (+ 5,76) foi maior que o da equação (+ 4,78), demonstrando que a amostra estudada não foi completamente representada pela equação de Katch & McArdle (1973). O EPE foi de 3,92, não atendendo aos limites estabelecidos para o presente estudo. Os escores residuais (% GAXDE - % G Katch & McArdle) indicados na Figura 2, demonstram o fraco poder de estimativa desta equação quando adotado como critério a AXDE.
Por outro lado, pelo fato dessa equação requerer somente perímetros corporais, cujo equipamento custa menos de dois dólares, e por outro, a AXDE que é extremamente cara, então, a equação de Katch & McArdle pode ser uma alternativa quando da inexistência de técnicas que apresentem melhor validade concorrente.
O fato do valor médio do %G obtido a partir da equação de katch &McArdle não ter diferido do %GAXDE, pode ser devido que essa última tende a superestimar os valores de %G em relação as demais técnicas, conforme evidenciado em vários estudos (Biaggi et al. , 1998; De Lorenzo et al. , 2000; Panotopoulus et al. , 2001; Glaner, 2004).
Em estudo semelhante, ao presente, onde foi utilizada a pesagem hidrostática como critério, Glaner & Rodriguez Añez (1999) tentaram validar a equação de Katch & McArdle (1973) para militares masculinos da região sul do Brasil, sendo verificado uma tendência dessa equação em subestimar os valores de % G.
ConclusõesDe acordo com os objetivos apresentados para o presente estudo pode-se concluir que: o %GAXDE caracteriza-se por um valor médio de 16,17% sendo o %G estimado pelo procedimento de Cohen (1986), subestimado significativamente. Os EPEs do procedimento e da equação foram de 3,58% e 3,92%, respectivamente, ultrapassando o ponto de corte estabelecido no presente estudo. Dessa forma, o procedimento de Cohen (1986) e a equação de Katch & McArdle (1973) não apresentaram validade concorrente para estimar o %G dos homens aqui estudados. Podendo, também, estes resultados serem extrapolados para homens com características similares à deste estudo, quando adotado a AXDE como critério.
Referências bibliográficas
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revista
digital · Año 10 · N° 82 | Buenos Aires, Marzo 2005 |