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O comportamento motor no processo de escolarização
e a formação de professores de educação básica

   
* PhD em Educação Física. Coordenadora do Projeto "O comportamento
motor no processo de escolarização: da educação infantil às primeiras
séries do ensi no fundamental" - PROGRAD - Núcleo de Ensino/FUNDUNESP
** Doutor em Educação. Colaborador do projeto.
*** Graduandos do curso de Licenciatura em Educação Física da UNESP/RC
**** Diretora da EMEIF "Maria Apparecida de Luca Moore"
(Brasil)
 
 
Ana Maria Pellegrini*
anapell@rc.unesp.com.br  
Samuel de Souza Neto**
samuauro@claretianas.com.br  
Larissa Cerignoni Benites / Mario Veiga***
Adriana Ijano Motta****


 

 

 

 

 
Resumo
    No contexto do processo de escolarização inúmeros problemas foram levantados: dificuldades de coordenação motora, agressividade, falta de atenção em sala de aula, dificuldade com ordenação. Face a este diagnóstico um projeto de pesquisa (inter)disciplinar, foi elaborado, avaliando em sua primeira etapa 508 alunos, de 6 a 10 anos, do período vespertino, quanto à preferência manual, peso, altura, bem como foi identificada a idade motora dessas crianças, através de uma bateria de testes: coordenação motora fina e grossa, equilíbrio, organização espacial e temporal e consciência corporal. A partir dessas avaliações, numa segunda etapa, foram selecionadas quatro classes (Erica, Açucema, Margarida, Alamanda) para o trabalho de intervenção, uma de cada série, num total de 101 alunos, em virtude de estarem com peso e altura abaixo da faixa etária, por apresentarem lateralidade limitada e idade motora acima dos 30% no nível inferior. Um programa de atividades físicas para a sala de aula e para as aulas de educação física foi apresentado e desenvolvido durante dois meses. Entre os resultados cabe assinalar a inclusão do acompanhamento de peso/altura de todas as crianças no rol de atividades da escola; apresentação e discussão dos limites e progressos (atenção, consciência corporal, desenvolvimento motor) encontrados nas crianças com o corpo docente, visando uma mudança de mentalidade em relação à questão do corpo e foi sugerido um novo redimensionamento no processo de profissionalização desses professores.
    Unitermos: Desenvolvimento Motor. Consciência Corporal. Avaliação Motora. Formação de Professores.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 81 - Febrero de 2005

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Introdução

Do desenvolvimento motor

    Os primeiros anos de vida do ser humano são caracterizados por mudanças marcantes nas dimensões cognitivas, motoras, sociais e afetivas. Para fins de análise, esta visão das várias dimensões é aceita no meio acadêmico, mas ela joga para o profissional que atua diretamente com a educação de crianças a responsabilidade de integrar todo o conhecimento disponível de modo a garantir uma visão global e harmônica de um ser extremamente complexo. No contexto da escola, os problemas levantados nunca são apenas físicos, ou emocionais, ou cognitivos. Conseqüentemente, as soluções não se encontram nem na sala de aula, nem no refeitório, nem no trabalho individual, nem no trabalho em pequenos ou grandes grupos, mas em todas as instâncias da vida escolar.

    As características individuais dos alunos, dos professores, diretor e seus auxiliares e do contexto social onde a escola está inserida devem ser levados em consideração quando do planejamento das atividades da escola. A busca por soluções a problemas específicos de cada escola passa, necessariamente, por uma análise detalhada de cada uma das dimensões do comportamento e dos meios disponíveis na escola para a sua solução. Neste trabalho focalizaremos o desenvolvimento motor nos aspectos físicos e funcionais e seu papel no desenvolvimento da criança em idade escolar. Apresentaremos posteriormente resultados do projeto de intervenção realizado em 2002.

    De modo geral, podemos afirmar que o ser humano está em constante desenvolvimento. Algo de novo é incorporado diariamente, seja o simples fato de estar mais velho, quanto o de ter adquirido uma nova habilidade. O movimento exerce função essencial no processo de desenvolvimento. O deslocamento de parte do corpo ou do corpo como um todo está presente em todas as nossas ações, incluindo aquelas mais básicas como as relativas à alimentação e comunicação. Nos primeiros anos de escolarização, principalmente na educação infantil (pré-escola) e nas primeiras séries do ensino fundamental, a atividade motora é muito importante no estabelecimento de relações entre o ser humano em desenvolvimento e o ambiente que o rodeia (Pellegrini, Barela, 1998). Brincadeiras de correr como o pega-pega, brincar de roda como o "lenço atrás", pular corda, andar de bicicleta, malabarismo com duas ou três bolas, oferecem às crianças inúmeras oportunidades para o estabelecimento de relações com outras pessoas, com os objetos e com o meio ambiente à volta delas.

    A aquisição de habilidades motoras, quer aquelas consideradas grossas, que envolvem a participação de todo o corpo, quer aquelas consideradas finas, que requerem precisão ao atingir a meta, ocorrem na interação das restrições do organismo, da tarefa e do ambiente (Newell,1986). As restrições do organismo dizem respeito às características físicas e funcionais do organismo, incluindo peso, altura, força, resistência cardiovascular, preferência manual, capacidades perceptivas e cognitivas, etc. Dentre as restrições físicas, o peso e altura são indicadores do grau de nutrição das crianças, com sérias conseqüências para o desenvolvimento das crianças em idade escolar.

    As restrições do ambiente referem-se ao ambiente físico e social, incluindo a força da gravidade, temperatura, disponibilidade de ambiente para a prática desportiva, acesso aos meios de comunicação, etc. Por último, as restrições da tarefa são aquelas relacionadas aos requisitos ou objetivos específicos da tarefa como por exemplo a distância e a largura do alvo no arremesso ou chute de uma bola, o uso da letra cursiva ou de forma, a freqüência da música que deve ser acompanhada com palmas, etc. Frente à tarefa a realizar o executante busca a solução para o problema motor que melhor harmonize as restrições de seu organismo, do ambiente e da tarefa. Estas são as bases teóricas sobre a aquisição de habilidades motoras que nortearam o trabalho de intervenção na escola.


Da consciência corporal

    Conhecer a si mesmo, estar ciente do que fazer com, e para o seu corpo, saber relacionar o seu corpo com o meio ambiente são elementos centrais para uma vida saudável. O ser humano nasce com uma estrutura corporal que é própria da espécie, cabeça ligada ao corpo pelo pescoço e os membros superiores e inferiores presos ao tronco. De modo que através das experiências motoras, esta estrutura corporal vai tomando a forma de seu próprio corpo, cujas características são próprias e únicas deste ser em desenvolvimento. Num estágio seguinte, os elementos da consciência corporal vão se desenvolvendo (Williams, 1973). Através da atenção visual o bebê observa seus pés, mãos; descobre que seu corpo tem dois lados independentes (lateralidade) e descobre ainda que os seus membros podem cruzar a linha mediana do corpo, que a mão esquerda toca a orelha direita e vice-versa.

    O uso das mãos na execução de tarefas unimanuais leva a criança a escolher uma delas mais freqüentemente em detrimento da outra e, em conseqüência disto, esta mão mais escolhida passa a ser a mais eficiente, criando um círculo vicioso. A mão preferida é a mais eficiente e, por ser a mais eficiente, continua a ser a mais escolhida (Pellegrini, Hiraga, Andrade, Cavicchia, 2003). Identificar qual lado é o esquerdo e qual é o direito envolve um componente cognitivo e depende de um processo de aprendizagem. A criança só é capaz de identificar o lado esquerdo e direito do seu corpo quando alguém, adulto ou amigo, lhe ensinar.

    Mais difícil, no entanto, é identificar os lados, esquerdo e direito, de objetos ou de um outro ser em movimento, cujo referencial não seja o seu próprio corpo. Todos estes elementos do auto-conceito físico vão se desenvolvendo ao longo da infância e são muito importantes no processo de escolarização. Deficiências na consciência corporal podem dificultar e retardar todo o processo de escolarização. Atividades físicas devem ser especificamente programadas para o desenvolvimento destes elementos.


Da atenção na relação sujeito ambiente

    Numa visão bastante ampla, podemos afirmar que a atenção diz respeito aos mecanismos pelos quais interagimos com o meio que nos cerca. Ela é um elemento tão importante no processo de aprendizagem que de nada adianta o professor planejar a introdução de um novo conteúdo, preparar rico material áudio-visual, programar a seqüência de atividades se não tiver o aluno participando atentamente do processo. Considerações teóricas e práticas sobre a atenção no processo ensino-aprendizagem podem ser encontradas em Pellegrini (1999) e são aqui resumidas.

    Três aspectos da atenção devem ser trabalhados no contexto da escola: atenção seletiva, atenção dividida e a manutenção da atenção em uma determinada tarefa. Respondemos ao que o meio nos oferece tendo como referência nossas necessidades e interesses e isto ocorre de modo seletivo. Muitas vezes temos a opção de escolher quais características dos estímulos responder e que resposta dar. Assim, a atenção seletiva diz respeito a esta capacidade do ser humano de selecionar entre os inúmeros estímulos presentes no ambiente, aqueles que são relevantes para a ação.

    Quanto mais refinada a ação a executar, maior será a precisão na identificação e seleção dos estímulos relevantes. Por exemplo, quando a criança busca escrever as primeiras palavras, ela copia o que o professor escreve na lousa. O giz desliza no quadro negro deixando traços com diferentes formas. Combinações de linhas verticais, horizontais e inclinadas tocam círculos, formando diferentes padrões que compõem o alfabeto e a escrita em nossa língua. A criança deve prestar atenção não somente ao tipo de traçado reproduzir como também ao ponto inicial e final de cada movimento ou letra e a seqüência de traços a executar. A fluência e precisão dos traços ao escrever é resultado da seleção dos estímulos relevantes para esta ação. Esta capacidade de selecionar o que é relevante deve ser bem trabalhada nos primeiros anos de escolarização e, para tanto, o professor deve utilizar dicas atencionais.

    O outro aspecto relevante da atenção no contexto da escola diz respeito a quanto tempo estará uma criança engajada na atividade proposta pelo professor, ou mesmo na atividade escolhida por ela. De modo geral, atividades de longa duração são contra indicadas, pois dificilmente os alunos se concentram o necessário para justificar o tempo gasto. Quanto mais jovem a criança, menor é o tempo em que a atenção é mantida numa mesma atividade. Se considerarmos válida a afirmativa de que criança envolvida em alguma atividade não cria problemas de disciplina, então a solução é manter a criança ativa, fazendo o que gosta, a maior parte do tempo possível.

    Finalmente, a atenção dividida é imprescindível no dia-a-dia das pessoas. São inúmeras as situações em que fazemos duas atividades independentes ao mesmo tempo. Mas esta habilidade de dividir a atenção em duas ou mais tarefas é fruto da prática em tais situações. O professor fala e o aluno escreve. Enquanto a velocidade da fala for próxima da velocidade da escrita, a tarefa pode ser considerada relativamente fácil. No ensino de 2o e 3o graus, ser capaz de prestar a atenção no que o professor fala e anotar as idéias principais demanda um bom treino cujas bases foram estabelecidas no ensino fundamental. No entanto, nem todos desenvolvem tal habilidade. Convém lembrar que é a atenção que garante a perfeita sincronia entre a percepção e a ação. É tão importante prestar atenção às características dos estímulos que são relevantes à ação como prestar atenção nas restrições impostas à tarefa motora e ao padrão motor a ser executado. O grande desafio que os professores devem enfrentar é como trabalhar a atenção de seus alunos no contexto escolar.

    Com base no referencial teórico exposto, elaboramos um projeto de ação didático-pedagógica que incluiu a avaliação e acompanhamento do comportamento motor de crianças atendidas no programa de educação infantil e do ensino fundamental da escola, foco do presente estudo. Assim, foram programadas um conjunto de atividades que foram desenvolvidas na E.M.E.I.E.F. Maria Apparecida de Luca Moore com o objetivo de auxiliar na solução dos problemas levantados pelas professoras, englobando: consciência corporal, atenção, organização espacial e temporal e ainda a agressão.

Objetivos teóricos

  1. Identificar os componentes motores que afetam o processo de alfabetização.

  2. Identificar formas de intervenção no processo de escolarização que atendam às diferenças individuais de comportamento motor.

Objetivos operacionais

  1. Desenvolver procedimentos para a avaliação, acompanhamento e orientação docente, referente ao desenvolvimento motor de crianças atendidas em programas de educação infantil e do ensino fundamental.

  2. Obter o perfil físico e motor (identificação do índice de lateralidade, crescimento físico e a idade motora geral) dos alunos da E.M.E.I.E.F. M. A. de Luca Moore que participaram das atividades deste projeto.

  3. Planejar e implementar procedimentos e estratégias de ensino para a solução dos problemas no desenvolvimento motor identificados.


Método

Avaliação do crescimento e desenvolvimento motor

    Primeiramente, foi realizada uma avaliação da preferência manual em todas as crianças do período da tarde, num total de 508 crianças, sendo 130 com 10 anos, 90 com 9 anos, 87 com 8 anos, 82 com 7 anos, 55 com 6 anos e 64 com 5 anos de idade. Foi solicitado às crianças que realizassem cada uma das tarefas do Inventário de Edinburgh (OLDFIELD, 1971), que contém dez atividades do dia-a-dia: escrever, desenhar, jogar bola, usar uma tesoura, escovar os dentes, varrer, pentear o cabelo, abrir uma caixa, cortar alimentos e usar uma colher. A tarefa de acender um fósforo do inventário foi substituída pela de pentear o cabelo.

    Essa avaliação foi realizada coletivamente, em sala de aula. Para facilitar a identificação das crianças, junto aos objetos colocados sobre a carteira para as atividades (pente, escova, etc.) foi colocado um número que correspondia ao número da criança na lista da classe. Dois observadores, especialmente treinados, registravam a mão utilizada pela criança para realizar a tarefa proposta pelo experimentador. Quando a criança utilizava uma ou outra mão, os dois campos relativos às mãos eram preenchidos. Se a criança obtivesse êxito em uma prova, o resultado era positivo e seria registrado com o símbolo 1. Quando a prova exigia habilidade com o lado direito e esquerdo do corpo era registrado 1 somente se houvesse êxito com os dois membros. Porém, se na prova a criança obtivesse resultado positivo apenas com um dos membros (direito ou esquerdo), era registrado ½. Quando a criança não conseguia realizar a prova, era registrado zero (0).

    Logo após a obtenção dos dados da preferência manual, foram obtidos também os dados de peso e altura de cada uma das crianças. Posteriormente, foram selecionadas quatro turmas: pré II - 24 alunos, 1º ano de escolarização - 20 alunos, 2º ano de escolarização - 27 alunos e 3º ano de escolarização - 30 alunos, as quais foram indicadas pela direção da escola, por apresentarem, nitidamente, os problemas de comportamento motor apontados anteriormente. Estas classes eram identificadas pelos seguintes nomes de flores: Érica, Açucena, Margarida e Alamanda respectivamente. A média de idade das crianças de cada uma das classes era de 66 meses, 88,3 meses, 101,2 meses, 111,3 meses, respectivamente.

    Todas as crianças destas quatro classes tiveram a idade motora identificada através da bateria proposta por Rosa Neto (2002) que compreende testes de motricidade fina, de motricidade global, de equilíbrio, de organização espacial, de organização temporal e de lateralidade. Estes testes foram aplicados tendo como referência a idade cronológica de cada criança menos um ano, estratégia utilizada pelo autor para que as todas as crianças iniciassem os testes obtendo sucesso.

    Todos os resultados individuais foram transportados para uma planilha do Excel e foi obtida a idade motora de cada criança em cada teste e, em seguida, a idade motora geral da mesma. Estes resultados foram entregues às professoras das classes e então utilizados para o planejamento de atividades físicas das classes em estudo.


Resultados


Dominância lateral: Com base nos dados referentes à preferência manual obtidos através do Inventário de Edinburgh e os dados de lateralidade dos olhos e dos pés obtidos na avaliação da idade motora foi então computado o quociente de lateralidade sendo que os dados das quatro classes selecionadas são apresentados a seguir (Tabela 1).


Tabela 1. Índice de lateralidade dos olhos, mãos e pés (DC = destro completo, EC = canhoto completo,
LM = lateralidade mista) das quatro classes que participaram do processo de intervenção.

    Estes dados indicam que de modo geral a consistência no uso de uma das mãos, olho ou pé aumenta com a idade, sendo maior para o pé, depois para o olho e em menor escala para a mão. A porcentagem de crianças que apresentam dominância completa de um dos lados é relativamente pequena quando comparado com os dados citados por Williams (1973). Chamamos a atenção para a porcentagem de crianças que apresentaram lateralidade mista no uso das mãos. Este dado pode esclarecer o problema de coordenação que as crianças destas classes apresentam pois, segundo Pellegrini, Hiraga, Andrade e Cavicchia (2003), a não definição clara da preferência no uso de uma das mãos em detrimento da outra mão estaria relacionada com dificuldades de coordenação motora.

Crescimento: Os dados referentes ao crescimento destas crianças são também alarmantes. A Figura 1 é um gráfico de dispersão, com cada ponto indicando a altura e o peso de uma mesma criança de cada uma das classes. Levando em consideração a idade cronológica das crianças das classes Érica e Açucena, podemos afirmar que estas crianças de modo geral estão abaixo do peso e da altura da população como um todo. Estes dados levaram a direção da escola a tomar uma série de providências no que se refere à alimentação das crianças na escola. Foi adotado o auto-atendimento (self-service) de modo que as crianças se serviam de acordo com suas necessidades. Para garantir que as crianças aproveitassem a oportunidade de uma alimentação sadia na escola, e tempo em vista que muitas crianças deixavam de comer para ir brincar, a administração da escola alterou a programação das atividades diárias com a separação total da hora do almoço com a do recreio, Houve também melhora significativa na qualidade da alimentação servida.


Figura 1: Dispersão da altura em função do peso das classes avaliadas

    Foi alterado também, o horário do oferecimento de leite e pão para as crianças de modo que elas poderiam tomar o leite e comer um pedaço de pão assim que chegassem à escola. De forma que o acompanhamento do peso e da altura de todas as crianças foi incluído no rol de atividades da escola como um todo.

Desenvolvimento Motor: Os resultados da avaliação da idade motora de cada uma das classes são apresentados na Figura 2. O resultado da avaliação de cada criança em cada um dos testes foi entregue às professoras das classes para que pudessem conhecer melhor seus alunos e acompanhar o progresso dos mesmos em função da atividade programada no projeto de intervenção.

    Maior variabilidade nos resultados foi observada na classe Érica, com as crianças mais jovens. Acima de 30% destas crianças estão no nível inferior ou muito inferior; 59% delas estão nos níveis normal baixo e normal médio e 9 % no nível normal alto. No outro extremo temos a classe Alamanda, bem mais equilibrada, com 11% no nível inferior 57% no normal baixo e 32% no normal médio. Nenhum dos extremos (muito inferior, normal alto e superior) foi encontrado nesta classe. Este resultado reflete a forma de organização das classes que é revisto durante o ano letivo.

    A Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental onde foi desenvolvido este projeto tem com principio organizacional sempre que possível o agrupamento das crianças em função do domínio da fala, escrita (alfabetização) e no nível de desenvolvimento da linguagem e, durante o ano letivo, são revistos os agrupamentos com base no progresso dos alunos. Os resultados deste procedimento ficam evidentes na Alamanda em que as crianças apresentam comportamento bastante homogêneo. . As duas outras classes do Ensino Fundamental,são aparentemente similares, embora a Açucena tenha 45% de crianças no nível normal médio e a Margarida apresente 50% de crianças no nível normal baixo. Foge deste processo de agrupamento a classe Érica, que congrega crianças ainda não alfabetizadas num primeiro ano de escolarização (primeiro ano de educação infantil) e elas permanecem nesta classe durante todo o ano letivo. Isto explica uma maior variabilidade de desenvolvimento das crianças desta classe Estas quatro classes foram intencionalmente selecionadas pelo corpo docente e administrativo para a atividade de intervenção, e em especifico a Margarida e a Alamanda em que os problemas levantados eram mais evidentes. Com base na avaliação da idade motora foi então elaborado o plano de intervenção.

Intervenção pedagógica. A intervenção educacional proposta para as aulas de Educação Física teve como objetivo o desenvolvimento de capacidades adquiridas, tendo como referência os resultados da avaliação da idade motora. Foram desenvolvidos os seguintes temas: disciplina, corporeidade (dimensões de espaço e do próprio corpo), noções de respeito ao outro e anti-agressividade. Finalmente ordem e lateralidade foram trabalhadas. No total, a intervenção estendeu-se a 101 alunos, sendo 24 da classe Érica, 20 da Açucena, 27 da Margarida e 20 da Alamanda. As aulas foram ministradas durante 2 meses (1 vez por semana), com um tempo determinado de 30 minutos. As aulas foram estruturadas em: parte introdutória (10 minutos), centrada em atividades rítmicas que estimulavam o entretenimento das crianças para com a atividade do dia. A parte principal (15 minutos) continha brincadeiras que envolviam mobilidade, na qual as crianças "liberavam" suas energias. Pega-pega e corridas de arcos foram algumas das atividades utilizadas. A parte final (5 minutos) destinou-se para a "volta a calma" no qual, exercícios de relaxamento, ginástica historiada entre outras foram aplicadas. Todas as atividades foram preparadas de acordo com a idade e com a receptividade das crianças e com materiais cedidos para projeto (corda, bolas, cones, arcos e bastões).

    Os problemas enfrentados foram condizentes com as falhas detectadas na avaliação e relacionados com os temas propostos. Por exemplo, situações que envolviam contato corporal entre os alunos geravam desentendimentos. As soluções encontradas variaram desde a separação da turma em meninos e meninas até chegar na individualização da atividade.

    Além da intervenção nas aulas de Educação Física, foram programadas atividades físicas na sala de aula, orientadas em específico para a coordenação fina (uni e bimanual), o ritmo, orientação espacial e atenção. Tais atividades foram desenvolvidas também pelas próprias professores sempre que o comportamento das crianças demandava tal tipo de atividade.

    De modo geral, o rendimento das classes para com a intervenção foi o seguinte: a turma Érica apresentou muita variabilidade e divergência no inicio, porém conseguiu superar as diferenças e progrediu. A turma Açucena obteve diferenças significativas não só do ponto de vista individual, mas principalmente do grupo como um todo; a turma Margarida apresentou altos e baixos, com dificuldade de encontrar o equilíbrio; e finalmente a turma Alamanda alcançou um nível relativamente bom mas nele permaneceu o resto do processo de intervenção.


Discussão

    Com relação à avaliação das crianças ficou evidente a importância de tal procedimento mas que sempre que possível este procedimento deve ser feito pela professora de classe com o auxilio de outros docentes da própria escola ou de estagiários. Ficou evidente também que esta avaliação bem detalhada da idade motora das crianças deve ser feita apenas nas crianças que apresentam algum desvio no desenvolvimento motor detectado pela professora da classe. O tempo gasto na avaliação de crianças que apresentam um padrão normal de desenvolvimento mostrou ser desnecessário.

    Com relação às atividades de coordenação motora desenvolvidas em sala aula, ficou evidente que, de modo geral, as crianças destas quatro classes que foram foco de nossa atenção, apresentam problemas de orientação espacial e estrutura rítmica que merece mais trabalho. O interesse por este tipo de atividade levou o corpo docente a solicitar que fossem desenvolvidas com as professoras algumas destas atividades. A dificuldade observada nos alunos em termos de consciência corporal, lateralidade e coordenação ficou evidente também em várias professoras.

    Sobre esta questão, tomando como referência a consciência corporal, Freitas (1999: 87) vai nos dizer que é o corpo que nos possibilita a dialética da consciência e do mundo, que torna viável a presença de um sujeito intencional, enquanto que a consciência permite que o corpo se torne um corpo vivo, um corpo humano, um corpo no mundo, fazendo com que temos consciência do mundo por causa do nosso corpo. Portanto, as dificuldade encontradas nos alunos e professoras, em relação a consciência corporal, que trás subjacente a ela a lateralidade e a coordenação, trazem a tona os limites dessa mediação com o mundo concreto, os bloqueios que dificultam o processo ensino-aprendizagem.

    Quanto à idade motora avaliada através da bateria, os resultados indicaram idade motora em nível médio ou médio inferior de acordo com classificação indicada pela bateria de testes empregada. Este atraso no desenvolvimento pode ser uma das causas no atraso no processo de escolarização destas crianças.

    No que se refere ao trabalho com os docentes e outros profissionais da escola, dois tipos de resistências ficam evidenciados. Num primeiro momento, a resistência era relativa à valorização do corpo no processo de escolarização, com a tradicional valorização das atividades cognitivas em detrimento das atividades físicas. Ao final do processo de intervenção, quando os dados foram apresentados, socializados com a equipe da escola, houve um impacto muito grande quanto à necessidade de resolver os problemas no contexto da escola com uma mudança de atividade quanto à relação entre o problema cognitivo e o domínio do corpo. Este segundo momento levou o corpo docente à consciência de que embora considere importante a atividade física na escola ele não sabe como empreendê-la. Os professores reconhecem deficiências em sua formação profissional, e não têm idéia de como solucionar.

    Esta situação é confirmada por Colello (1993: 59) ao assinalar que tradicionalmente a escola tem desconsiderado a atividade motora das crianças, tendo desde os primeiros dias de aula restrições ao seu modo de ser e agir. Neste contexto, até mesmo as aulas de educação física infantil parecem se conformar com uma atividade puramente recreativa ou de desenvolvimento muscular nas quais o movimento parece ter um fim em si mesmo. Na sala de aula, os professores dedicam-se à promoção de atividades padronizadas, como o desenho da escrita, entre outras coisas. Embora reconheçam a importância da atividade física, não sabem como organizar este trabalho à luz de novas propostas. Porém, o primeiro passo para mudança no status quo foi dado com o reconhecimento de que o problema precisa ser atacado de frente.


Conclusão

    A iniciativa deste projeto partiu de um pedido de assessoria (consultoria) da E.M.E.I.E..F. Apparecida Luca de Moore à Unesp, tendo sido estabelecida uma parceria entre estas duas instituições, garantindo a filosofia de ensino, pesquisa e extensão que norteia o trabalho da universidade. Para os problemas levantados inicialmente, foram apontadas algumas soluções que foram imediatamente implantadas, resolvendo parcialmente os problemas levantados.

    Todo o processo de avaliação foi desenvolvido pelos docentes, estagiários e bolsistas da UNESP, o que demandou um tempo razoável, sem que o número de crianças avaliadas fosse representativo do universo da escola. Com isso, a intervenção direta em sala de aula e nas aulas de Educação Física se restringiu a alguns meses, com poucos resultados para os problemas levantados.

    Porém, esta intervenção nos permitiu compreender que a falta de exploração do ato motor, de modo consciente e intencional, tem o seu fundamento na concepção dicotômica do homem que lamentavelmente prejudica a "educação de corpo inteiro". Neste visão, quando a totalidade do organismo é fragmentada em corpo e mente não há como evitar a excessiva valorização das atividades intelectuais em detrimento das atividades físicas. Dessa forma, há necessidade de se redescobrir o corpo, pois se ele, em sua compreensão mais ampla, é linguagem não há como "excluí-lo" do processo de alfabetização. Enfim, resgatar a motricidade humana nos parece o primeiro passo para a (re)integração do corpo na escola, pois não se passa da atividade simbólica (representações mentais), do mundo concreto com o qual o sujeito se relaciona sem a atividade corporal - o elo de ligação. Portanto, propomos a corporeidade como um novo paradigma capaz de romper com o modelo cartesiano por não apresentar mais a distinção entre a essência e a existência, ou seja, a razão e o sentimento. De forma que o homem deixou de ter um corpo e passou a ser um corpo. (Freitas, 1999)

    Os problemas enfrentados em 2002, durante o desenvolvimento do projeto, não foram de fácil solução e muitos deles somente serão resolvidos a longo prazo. O empenho de todos os envolvidos no projeto desenvolvido (docentes, administradores e bolsistas, pesquisadores) foi crescendo na medida em que os resultados confirmavam a importância deste tipo de trabalho na escola e sua contribuição no trabalho pedagógico e educacional. Assim, dados os primeiros passos e vencida esta primeira etapa, se tornou imperativo dar continuidade ao trabalho, buscando ampliar este trabalho para outros alunos e docentes. Nesta nova etapa os professores precisarão receber uma atenção especial.


Referências

  • COLELLO, S. M. G. Alfabetização e motricidade: revendo essa antiga parceria. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 87, p. 58-61, nov., 1993.

  • FREITAS, G. G. O esquema corporal, a imagem corporal, a consciência corporal e a corporeidade. Ijuí, RS: Editora UNIJUÍ, 1999, 96 p.

  • NEWELL, K. M. Constraints on the development of coordination. In: WADE, M. G., WHITING, T. A. (Ed.), Motor Development in Children: aspects of coordination and control. Netherlands: Nijhoff, 1986. p. 341 - 360.

  • PELLEGRINI, A. M. A atenção no processo ensino-aprendizagem. In: Alfabetização: aspectos teóricos e práticos. 1 ed. Rio Claro: IB/UNESP, 1999.

  • PELLEGRINI, A. M., BARELA, J. A. O que o professor deve saber sobre o desenvolvimento motor de seus alunos. In: Alfabetização: assunto para pais e mestres. 1 ed. Rio Claro: IB/UNESP, 1998, p.94.

  • PELLEGRINI, A. M., HIRAGA, C. X., ANDRADE, E. C., CAVICCHIA, M. C. Preferência manual: assimetria no desenvolvimento motor. In: MICOTTI, M. C. (org.). Alfabetização: a produção do saber. 1ª ed. Rio Claro: Gráfica Cruzeiro/IB, 2003.

  • ROSA NETO, F. Manual de avaliação motora. Porto Alegre: Artmed, 2002.

  • WILLIAMS, H. G. Body awareness characteristics in perceptual-motor development. In: A Textbook of Motor Development, C. B. Corbin (Ed.), 1973, Wm. C. Brow Company.

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