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Percepções sobre o lazer na
população ribeirinha do baixo Rio Madeira

   
LEL - Laboratório de Estudos do Lazer , UNESP/ Rio Claro
SPQMH - Sociedade de Pesquisa Qualitativa
em Motricidade Humana, UFSCar/ São Carlos
 
 
Janaina de Freitas Munhoz
janaina_munhoz@ hotmail.com
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Os adventos da Modernidade modificaram a estrutura social e o tempo, antes vivenciado naturalmente, durante a modernidade, passou a ditar o ritmo das atividades do cotidiano. A atual sociedade globalizada herdou esse estilo de vida, no entanto, existem, ainda, comunidades que vivem o tempo de uma forma diferenciada, como por exemplo, as localizadas no baixo Rio Madeira, que foram o foco deste estudo. Na tentativa de desenvolver essas comunidades surgiu o projeto NAPRA (Núcleo de Apoio à População Ribeirinha da Amazônia). O objetivo deste trabalho foi conhecer que relações esta população ribeirinha estabelece com o trabalho e o lazer. Para a realização deste estudo foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas. Os dados foram analisados descritivamente, e chegou-se à conclusão de que o tempo é medido pelas tarefas, não sendo regido pelo relógio, desta forma, não existe o binômio trabalho-lazer, a concepção de lazer dessas comunidades é baseada somente na questão da atitude, ou seja, se há divertimento e ou descanso, pode ser considerado lazer. Nesse sentido, percebe-se que estas comunidades vivem um continumm entre produção e festa, próprio de uma comunidade rural.
    Unitermos: Lazer. Trabalho. Intregação.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 81 - Febrero de 2005

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Introdução

    O projeto NAPRA (Núcleo de Apoio à População Ribeirinha da Amazônia) surgiu em 1993, por iniciativa de quatro estudantes da Faculdade de Ciências médicas da Universidade de São Francisco.

    Atualmente, o NAPRA tem um caráter multidisciplinar e conta com estudantes e profissionais de diversas áreas de estudo.

    O projeto é desenvolvido em julho, na região ribeirinha do baixo Rio Madeira, a 100km de Porto Velho, do distrito de São Carlos de Jamari até o distrito Calama,.

    A única forma de se locomover na região é pela hidrovia e, portanto, o NAPRA utiliza um barco hospital, com consultório odontológico e médico, farmácia e laboratório.

    A presente pesquisa foi desenvolvida durante uma semana no barco hospital, quando este atendeu às comunidades entre São Carlos de Jamari e Calama.

    A população local trabalha na agricultura e a farinha e o fumo são o que garantem algum dinheiro para a família. Eles também plantam feijão, banana e criam galinha para a própria subsistência.

    Estas condições peculiares é que instigaram este estudo, no sentido de investigar as sensações e emoções que permeiam o espaço de trabalho e não trabalho desta população.


Revisão de literatura

    Foi a partir da revolução industrial que começou a dicotomização do tempo dispendido para o lazer e para o trabalho.

    Segundo Dumazedier (2001)

O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou, ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (p. 34).

    Marcellino acrescenta que o lazer se desenvolve no tempo disponível. E para o tempo ser disponível para o lazer é preciso ter tempo livre e atitude. A pessoa precisa querer fazer a atividade prática ou contemplativa e realmente vivenciá-la.

    Para outros autores como Marin (1996), Pinto (2003) e Alves (2003) o lazer está mais relacionado à atitude e não ao tempo, pois estes analisam o lazer por meio do lúdico.

    Na sociedade urbana o tempo é uma mercadoria a ser gasta e primeiramente deve-se emprega-lo com atividades produtivas, sendo condenado o fazer nada (BRUHNS, 2000, 5-31).

    No campo, o tempo é medido diferente. Marin (1996), ao relatar a vida cotidiana das colonas de Vale Vêneto, esclarece que este é medido pelas tarefas e não pelo relógio.

    Com as comunidades do baixo Rio Madeira, o cotidiano é bem semelhante ao relatado por Marin (1996) em Vale Vêneto. Os ribeirinhos não têm energia elétrica, então quando está de trabalhar na lavoura ou em casa. Existe a época de plantar, colher e da chuva (quando o trabalho na roça fica impraticável).


Objetivo

    O objetivo deste trabalho foi identificar que relações esta população ribeirinha estabelece com o tempo destinado ao lazer e ao trabalho.


Método

    O estudo foi realizado por meio de uma abordagem qualitativa, para possibilitar maior compreensão dos fenômenos no contexto social (RICHARDSON, 1989).

    Foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre a temática em questão e uma pesquisa exploratória. Utilizou-se uma entrevista estruturada, o que favoreceu a compreensão dos temas a serem estudados (RICHARDSON, 1989).

    Os dados foram analisados de forma descritiva, utilizando-se a técnica de análise de conteúdo temático (RICHARDSON, 1989).


Resultados

    Nessas comunidades, o momento de lazer não está mais relacionado a tempo disponível, mas com atitude. Para a comunidade, o tempo de lazer e o tempo de trabalho não são distintos. Este dado pode ser comprovado quando se perguntava a eles o que mais gostavam de fazer, eles respondiam que era o trabalho, pois sentiam prazer em alguns afazeres. Alguns também diziam que não gostavam de fazer algumas tarefas relacionadas ao seu trabalho. A melhor forma de fazê-los entender o tempo livre era utilizar o termo folga.

    Marin (1996) e Almeida Filho (2003) também observaram uma primazia do trabalho nas populações que estudaram, que se localizam no meio rural.

    Almeida Filho (2003), ao citar Marin esclarece porque o tempo de trabalho e de não trabalho não se dissocia no meio rural.

A maior parte dos divertimentos na vida das pessoas do campo se dá 'na própria residência, ou na de vizinhos, em meio aos trabalhos (e neles), do que propriamente fora do âmbito doméstico. (...) Desde a mais tenra idade confundem-se ali o trabalho e a diversão (p.90).

    Para estas comunidades é por meio do trabalho que conseguem seus alimentos e conseqüentemente garantem sua sobrevivência. Portanto, mesmo que não haja uma dicotomia acentuada entre trabalho e diversão, eles só podem se entregar a afazeres não produtivos e que trazem satisfação pessoal quando terminam seus afazeres.

    É neste momento de folga que eles lêem, jogam futebol, dançam, visitam um amigo ou parente, vão à missa, brincam com as crianças, ouvem o futebol no rádio, descansam, entre outras atividades corriqueiras que podem proporcionar prazer.

    Mas, esta proximidade entre trabalho e diversão não quer dizer que não existe lazer. Estes somente não dissociam seu tempo entre trabalho e não trabalho, e as pessoas experimentam a todo tempo diversão e afazeres. Considerações finais

    Com base nos resultados do estudo, pode-se inferir que o trabalho e o lazer estão no cotidiano da vida da população alvo do estudo sem uma distinção clara de tempo.

    Os membros desta comunidade trabalham para sobreviver e, mesmo com a obrigação de o fazer, encontram divertimento e prazer. Muitas tarefas não os fazem sentir prazer, mas não podem deixar de realiza-las.

    O estudo de comunidades como estas nos fazem refletir sobre a possibilidade de não dissociação entre o trabalho e o lazer, o que para nossa sociedade está ficando cada vez mais difícil de visualizar. O cotidiano e a simplicidade destas pessoas têm muito a nos ensinar e precisamos buscar este entendimento.


Referências bibliográficas

  • ALVES, Vânia. Uma leitura antropológica sobre a educação física e o lazer. In: WERNECK, Christianne; ISAYAMA, Hélder (Org). Lazer, recreação e educação física. Belo Horizonte: Autêntica Editora, p. 83-114, 2003.

  • ALMEIDA FILHO, Japson. O lazer do meio rural: rompendo com o preconceito. Catavento. Maceio - AL. 2003.

  • BRUHNS, Heloisa. Lazer e motricidade: dialogando com o conhecimento. In: BRUHNS, Heloisa (Org). Temas sobre lazer. Campinas - SP. Editora Autores Associados, p.5-31, 2000.

  • DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva. 3a ed. 2001.

  • MARCELLINO, Nelson. Lazer e educação. Campinas - SP. Papirus. 9a ed. 2002.

  • MARIN, Elizara. O lúdico na vida: colonas do Vale Vêneto. Dissertação de mestrado, Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, Campinas: 1996.

  • PINTO, Leila. Inovação e avaliação: desafios para as políticas públicas de esporte e lazer. In: WERNECK, Christianne; ISAYAMA, Hélder (Org). Lazer, recreação e educação física. Belo Horizonte: Autêntica Editora, p. 243-264, 2003.

  • RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1989.

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