Projeto de Educação Física Adaptada em Clube Associativo de Campinas: um relato de experiência |
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*Mestranda em Atividade Física Adaptação e saúde, FEF/UNICAMP **Mestre em Atividade Física Adaptação e Saúde, FEF/UNICAMP ***DEAFA/FEF/UNICAMP (Brasil) |
Érika Coselli Vasco de Toledo* Rita Fátima da Silva** Prof. Dr. Paulo Araújo de Ferreira*** ritafatima@omega.fef.unicamp.br |
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Resumo |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 81 - Febrero de 2005 |
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Introdução
Existe desde o ano de 1999, na Sociedade Hípica de Campinas, uma modalidade chamada Atividades Especiais, que nasceu de uma soma de necessidades tanto dos pais quanto dos dirigentes em atender as necessidades dos seus filhos e sócios com necessidades especiais.Tem como objetivo promover a estes a interação social através de atividade física, lazer e recreação, explorando e aproveitando os espaços oferecidos pelo clube, além de proporcionar-lhes bem estar físico e mental. A proposta de trabalho consiste em atividades e jogos motores que são desenvolvidos de acordo com as necessidades de cada aluno. Atualmente dentro do programa de trabalho são oferecidas atividades complementares como natação, cama elástica e hipismo adaptado. As aulas são ministradas por uma equipe multidisciplinar: dois professores de Educação Física, uma Psicóloga e um Instrutor de Equitação. Foi realizada entrevista com um dos dirigentes do clube com a finalidade de resgatar o início do projeto; e com os pais dos alunos sobre os benefícios, as mudanças no contexto familiar e o significado desta prática na vida dos seus filhos. Os resultados deste trabalho são os benefícios alcançados como a auto-estima e autonomia que são relatados pelos próprios pais dos alunos, os quais enfatizam a importância da atividade física no desenvolvimento dos seus filhos e, conseqüentemente a interação destes na sociedade.
Objetivo geralPromover para o sócio com necessidades especiais, atividade física, lazer e recreação, aproveitando os espaços do clube, proporcionando a interação social através das relações inter-pessoais (aluno/professor/estagiário/sócios/funcionários...); e, a longo prazo visar a sua participação em aulas regulares oferecidas pelo clube, após ter desenvolvido suas capacidades e habilidades físicas, estando apto a praticá-las.
Programa de atividadesAs atividades diárias são realizadas conforme o planejamento, adaptadas de acordo com as necessidades de cada aluno e registradas pelos profissionais em forma de relatórios. Entendemos atividade adaptada,
"como a busca de adequação de meios para se executar uma tarefa diante da ausência ou da impossibilidade de se usarem os meios convencionais" Araújo (1998), pg18.
As aulas convencionais das Atividades Especiais consistem em aquecimento, desenvolvimento e descontração (relaxamento).
São realizadas nestas aulas, atividades e jogos motores com a utilização de diversos materiais e ambientes.
São utilizados os fundamentos, e os recursos materiais das diversas modalidades oferecidas pelo clube: futebol, basquetebol, voleibol, badminton, boccia, hóquei, tênis, raquetinha, tamboréu, ginástica rítmica, ginástica olímpica, atletismo além da sala de musculação, da natação e do hipismo.Também são realizadas atividades recreativas e artísticas.
Atividades complementaresA modalidade conta com três atividades complementares que são: a natação para o sócio com necessidades especiais, a cama elástica (utilizada na modalidade da ginástica olímpica), e o hipismo adaptado.
Objetivos específicos
Desenvolver atividades que favoreçam o desenvolvimento das habilidades e capacidades físicas;
Proporcionar através da atividade física, o bem estar físico e mental dos alunos;
Incentivar o aluno à prática de atividades físicas;
Respeitar a individualidade e as limitações de cada aluno;
Montar uma equipe de praticantes de basquetebol sobre rodas.
População envolvidaAtualmente os alunos das Atividades Especiais são sócios com necessidades especiais: especificamente pessoas em condições de deficiências físicas, mentais, visuais, auditivas e múltiplas, com exceções para alguns casos de patologias específicas.
Dentro do Departamento de Atividade Motora Adaptada da SHC, existe hoje no clube o "Programa Bem Viver", o qual está voltado para atender os sócios acima de 60 anos de idade em todas as modalidades. A modalidade Atividades Especiais possui um espaço para atender esta população que é o Poliesporte; o qual consiste em aulas de alongamento e caminhadas em grupo.
EventosA cada dois meses é realizado um evento de confraternização unindo os alunos das Atividades Especiais com os demais alunos do clube; e também com alunos de outras instituições. Geralmente os eventos acontecem nas dependências internas do próprio clube, ou em outras instituições.
MetodologiaFoi realizada entrevista semi-estruturada a fim de obter depoimentos dos dirigentes sobre o início do projeto; e dos pais dos alunos em relação aos benefícios, as mudanças no contexto familiar e o significado desta prática. Utilizamos o recurso da gravação integral das entrevistas em fita cassete, para, posteriormente, realizarmos a transcrição literal das respostas.
Como recurso metodológico, adotamos as entrevistas semi-estruturadas, por serem, na pesquisa qualitativa, um dos principais meios que o investigador tem para a coleta de dados, segundo leituras de autores como Lakatos e Marconi (1991). Foi ouvido um dos dirigentes do clube; e sete pais de alunos.
ResultadosInício do projeto -depoimento de um dos dirigentes da SHC
"Foi bem rápido esse processo. Teve início em 1999, e quando nós fomos checar o público (demanda de aluno), as famílias já tinham um certo relacionamento fora daqui. Assim a multiplicação foi muito rápida, e com isso, muita gente ficou sabendo".
"A aceitação foi muito boa e muito rápida. Nasceu de uma conversa, brotou e o negócio foi crescendo e automaticamente foi se justificando. Os demais sócios apoiam, acham bonito, comentam".
Benefícios alcançados - depoimento dos pais
Sujeito 1 "Os benefícios que traz, é uma melhor qualidade de vida, uma integração social, alegria do deficiente poder participar de atividades com outros alunos".
Sujeito 2 "Deu para esse menino muito auto estima, pois como ele é trabalhado com fono, t.o. (terapia ocupacional), e psicopedagoga, muitas vezes ele não conseguia mostrar o que ele sabia, então essa modalidade ajudou ele a correr, a pular corda, a lançar a bola com o taco...coisas que ele nunca fez. Mostrou pra ele que ele consegue também fazer, mesmo que não igual a uma pessoa normal, mas está chegando, ele vai chegar".
Sujeito 3 "Enquanto a este projeto na vida do meu filho, eu acho que ele só teve a ganhar desde começo até agora. Hoje ele tem o clube como a casa dele. Conhece todos os cantos, as modalidades, todos os esportes, e eu acho que só acrescentou em benefícios físico, mental, afetivo, social. Englobou tudo e ajudou ele mais ainda".
Sujeito 4 "Desde que ele começou aqui no clube, ele teve uma mudança de vida tremenda. Está até saído, conhece todo mundo, tornou-se super popular. Quem o viu, o conheceu desde pequeno, estranha até de ver essa mudança. Realmente é uma mudança radical".
Sujeito 5 "Meu filho está mais solto, isso se deu através da escola mais o clube; ele fala do clube na escola. Os benefícios é o conjunto do dois no desenvolvimento dele, seja no físico, social ou mental."
Sujeito 6 "Para ele foi realmente um fato muito importante e interessante, e para nós também. O comportamento dele mudou muito porque, hoje em dia, se ele estiver com fome, levanta e mesmo faz. Antes precisava dar tudo na mão dele. Agora ele está independente, vai lá e faz. Mudou até no estudo. De primeiro ele tinha preguiça pra tudo, parecia má vontade. Agora não, chega em casa estuda, e está indo bem na escola".
Mudanças no Contexto FamiliarSujeito 1 "Houve mudança no sentido de até obrigar os pais a saírem da "toca", porque acabou tendo um vínculo com o clube, e eles acabam cobrando. Você vir participar é muito importante".
Sujeito 2 "Ele tornou-se mais fácil de lidar, mais cooperativo, pega meu chinelo, coloca o copo na pia...Está mais independente".
Sujeito 3 "Ele tem o clube como sua segunda casa e enquanto à família, eu acho que tudo que ele trouxe, que vem buscando, que vocês estão estão passando para ele, eu acho que de alguma forma ele passa pra gente em casa, pra família dele. Só dá vontade dele vir pra cá. Vocês o deixam a vontade e através disso, vocês vão colhendo coisas dele, vão trabalhando melhor".
Sujeito 4 "Ele sempre foi muito fechado, e sempre teve muito medo de ser criticado, de errar, e desde que começou a freqüentar o clube, começou a ter uma auto-estima, a ter mais confiança em si, a conversar mais em casa, a ter um relacionamento melhor com os irmãos. Está mais aberto, saindo mais, acho que refletiu na parte familiar".
Sujeito 5 "Ele fala do clube em casa com a boca cheia e conta para a avó o que ele fez na cama elástica. Ele quer por a camiseta do clube, ele curte o clube. Ele ganhou bastante e vai ganhar mais ainda!"
Sujeito 6 "Melhorou muito porque antes ele era nervoso em casa. Desde que começou no clube está melhor fisicamente e mais tranqüilo com a família.Todos adoram ele em casa".
Significado da práticaSujeito 1 "Significa uma integração social, que é muito importante para ele. Normalmente eles se sentem marginalizados, e é uma coisa que eu acho que deve ser trabalhado muito nisso, embora já houve um melhoramento em comparação com épocas passadas".
Sujeito 2 "Significa que a nossa esperança é que ele se torne uma pessoa independente quando se formar adulto. Então é um trabalho que você tem que ir passo a passo,ou seja, a educação física é muito importante, a escola é muito importante, o social é muito importante, pois ele convive com outras pessoas que são normais, como também as que tem limitações. É lindo que ele esteja mais sociável".
Sujeito 3 "Eu acho que é o entrosamento da pessoa portadora de deficiência, de qualquer deficiência, ao clube, as pessoas, esse entrosamento, essa ligação, essa coisa boa".
Sujeito 4 "Significou muita coisa, porque desde pequeno ele tem problema. Infelizmente não foi dado um diagnóstico correto. Ele não conseguia aprender a ler e a escrever. Então não chegamos a conclusão, e com isso durante anos ele se recolheu, não tinha confiança em si, era muito tímido, não se relacionava com ninguém, sempre ficava num canto. Desde que ele começou no clube, isso mudou".
Sujeito 5 "Ele se familiarizou com o clube, vai numa boa e fica contente. Ele está na sociedade, independente de estar na sociedade, ele não é discriminado, embora eu acho que existem pessoas, talvez pc (paralisia cerebral), que estejam dentro de casa, fechados para não estarem no clube, porque todo mundo olha, bobo é ele, porque o meu prazer, é o prazer do meu filho, principalmente quando ele consegue realizar um objetivo e fica feliz, contente!"
Sujeito 6 "Representa uma coisa muito importante para todos nós, vocês nos deram muita força, todos aqui do clube. Significa que tudo que ele fazia antes, agora faz melhor, está mais independente".
Considerações finaisEste trabalho mostra a importância e a necessidade de se ter um programa de Educação Física Adaptada em clubes, pois faz com que sócios com necessidades especiais possam desfrutar das mesmas oportunidades que o clube proporciona através da atividade física e do lazer, obtendo uma melhora na sua qualidade de vida, e conseqüentemente no convívio social. Acreditamos que isto tenha sido possível porque ao aluno foi possibilitado o conhecer este corpo, senti-lo, toca-lo, experimenta-lo, dentro de uma atmosfera segura e respeitosa onde as exigências estão de acordo não somente com as capacidades, mas com as vontades e gostos daquele que o faz (o aluno). Os resultados deste trabalho mostram um aumento da auto-estima e da autonomia dos alunos após um trabalho realizado com dedicação, e são surpreendentes na medida em que se percebe a evolução deles, principalmente ao ouvir os depoimento dos pais que enfatizam a importância da atividade física na vida de seus filhos, a qual proporciona a interação dos filhos e dos pais na sociedade. Os alunos estão alcançando a autonomia após estarem inseridos no projeto. Assim podemos pensar após leitura de Tavares (2003) que:
"A mudança corporal decorrente de percepções e movimentos disponibilizados a partir de uma intervenção profissional significativa abre novos caminhos na existência das pessoas ampliando suas possibilidades de novas percepções e movimentos, novas alternativas para optar em cada circunstância da vida. IIsso implica antes de mais nada, dinamizar um processo de desenvolvimento da imagem corporal." pg
Referências bibliográficas
ARAÚJO, Paulo Ferreira. Desporto Adaptado no Brasil: origem, institucionalização e atualidade. Brasília: INDESP, 1998.
LAKATOS, Eva M.; MARCONI, Maria A. Fundamentos de metodologia científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.
TAVARES, Maria da Consolação G. C. Imagem corporal: conceito e desenvolvimento. Barueri, SP: Manole, 2003.
revista
digital · Año 10 · N° 81 | Buenos Aires, Febrero 2005 |