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Mitos e gêneros nos meandros da Educação Física
Myths and genders in the meanders of the Physical Education

   
Especialista em Treinamento Desportivo.
Mestrando em Educação nas Ciências. PPGEC / Unijuí.
 
 
Leandro Ferraz
prof.leandro@curitiba.org.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este trabalho trás uma revisão breve de Mito e Gênero no contexto da Educação Física e sua área de conhecimento. A importância de tratarmos dos mitos relacionados aos gêneros nas aulas de educação física e suas demais aplicabilidades. Enfocando alguns autores pertinentes desta área e proporcionando uma base literária para a compreensão dos caminhos que a educação física fez e faz na história, além de que, a construção dos mitos e as particularidades e identidades dos gêneros, homem e mulher, nos meandros do contexto de cultura do movimento humano. Espera-se salientar este debate, para que demais profissionais e acadêmicos possam indagar a importância da história na educação física e a constituição dos mitos produzidos no contexto histórico que, por ventura, venham ainda mais, caracterizar este cenário educativo.
    Unitermos: História. Mito e Gênero.
 
Abstract
    This work backs a brief revision of Myth and Gender in the context of the Physical Education and its knowledge area. The importance of we is about the myths related to the goods in the classes of physical education and its other applicability. Focusing some pertinent authors of this area and providing a literary base for the understanding of the roads that the physical education did and he/she does in the history, in addition, the construction of the myths and the particularities and identities of the goods, man and woman, in the intrigues of the context of culture of the human movement. He/she hopes to point out this debate, so that other professionals and academics can investigate the importance of the history in the physical education and the constitution of the myths produced in the historical context that, for luck, still come plus, to characterize this educational scenery.
    Keywords: History. Myth and Gender.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 80 - Enero de 2005

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Introdução

    Mitos e Gêneros nos Meandros da Educação Física trás uma abordagem histórica dos caminhos do Movimento Humano. A pertinência do tratamento dos gêneros e a criação e designação dos mitos em torno do Homem e da Mulher, faz com que refletimos sobre este assunto e demos importância ao contexto de representação histórica.

    Ao invés de trabalharmos diretamente com o tratamento de autores que significam e conceituam mito e gênero, vamos fazer uma busca no seio da Educação Física e no contexto do seu caminhar histórico, para um entendimento de como a Educação Física se preocupa e trabalha com sua história.

    Numa busca breve e rasteira, percebemos a importância de tratarmos dos gêneros em Educação Física e esportes, pois, vivemos num contexto escolar que, ainda hoje, polemiza se as aulas devem ser mistas ou separadas. A construção dos direitos e deveres sobre homens e mulheres perante a sociedade e suas atribuições ao corpo, estética e esporte faz-se valer na abordagem de como o gênero está representado e proposto.

    A mitologia antiga e sua produção na representação no mundo da Educação Física, assim como na produção do gênero, caracteriza o desenvolvimento e a evolução dos cuidados com o corpo, das praticas esportivas e na formação e deformação estética. O mito do homem forte e com capacidades inatas para tudo e o mito da mulher submissa e doente trás, nos meandros da história, a inter-relação entre Mito/Gênero/História.

    Nas interpretações literárias, direcionadas a área de conhecimento, vamos abordar como que os Mitos de Gêneros foram produzidos e representados na história para uma construção das Ciências do Movimento Humano, suas especialidades e contribuição para a formação humana.


Mitos e gêneros nos meandros da Educação Física

    As sociedades pré-históricas indo-européias tinham o caráter matriarcal. Portanto, quando tratamos de mitos devemos falar inicialmente sobre mitos femininos, pois, estas sociedades apenas conheciam deusas, como exemplo, Ártemis a deusa da natureza selvagem que reinava sobre bosques, montanhas e animais. O mito Ártemis foi destituído no ocidente perdendo seu caráter de força, caçadora e lutadora (Saraiva, 1999).

    Através de Prometeu podemos representar o Mito da superioridade humana. Prometeu foi enviado a Terra para criar um ser diferente dos demais, o ser humano, com a fidelidade do cavalo, a força do touro, a esperteza da raposa e a avidez do lobo. A mitologia do da superioridade masculina está bem representada em Hércules, em ser forte capaz de enfrentar qualquer obstáculo (Mitologia, 1973).

    De acordo com Saraiva (1999), o patriarcado e a religião católica dominaram e promoveram a cultura masculina, desta forma, ocultando e reprimindo e uma constante transformação as possibilidades do ser feminino.

    Em se tratando de gênero, este usado desde a década de 1970, e teorizando as diferenças sexuais entre Homem e Mulher podemos identificar a construção social e compreender estas tais diferenças, sem que, haja uma separação na contextualização da história. O termo gênero determina uma rejeição ao biologicismo impregnado no "sexo" e "diferença sexual" (Soihet, 1997).

O gênero se torna, inclusive, uma maneira de indicar as "construções sociais" - a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. O "gênero" sublima também o aspecto relacional entre as mulheres e os homens, ou seja, que nenhuma compreensão de qualquer um dos dois pode existir através de um estudo que os considere totalmente em separado (Soihet, 1997, p. 279).

    Em meados do século XIX, com o surgimento da classe burguesa, procurou-se construir um "homem novo", que cuidasse dos seus aspectos mentais, intelectuais, culturais e físicos, e para isso são elaborados conceitos básicos do corpo e sua aplicação na força de trabalho; no campo, na fábrica, na família, na escola, a educação física é a expressão da nova sociedade de capital; é um conceito novo de ser, que deixa a preguiça e a imoralidade dos séculos passados para trás (Soares, 1994).

    Na modernidade surge a separação do ser humano da natureza, dualismo, que parece ser fundamental para a compreensão da gestação do indivíduo moderno como um ser independente e autônomo, desta forma, desconfigurando o caráter social do homem ao mundo. Há uma promoção, em ordem econômico-social, do individualismo, o qual transforma o indivíduo em objeto de conhecimento e instrumentaliza a dimensão corporal (Silva, 2001).

    Com a industrialização a partir da Revolução Industrial estabeleceu-se uma urbanização que empurrou os pobres para cinturões de miséria onde se proliferam as epidemias de cólera e tifo, que só provocaram preocupações quando atingiram as classes média e alta; início dessa forma a mobilização sanitária na Europa, sendo a Educação Física um dos instrumentos utilizados na educação higiênica. A industrialização produziu corpos dóceis; a falta de cuidados trouxe epidemias, mortalidade infantil e degeneração progressiva, o que provocou falta de homens até para as tropas do exército, pois eles não atingiam mais a altura mínima (Soares, 1994).

    Para a burguesia era importante encontrar outras causas que não as sociais para explicar a degradação física e intelectual da classe menos favorecida. Então a responsabilidade foi credenciada a alguns fatores, como os biológicos e físicos, pois os burgueses diziam que as classes populares levaram uma vida imoral, e isto é que refletia nos problemas e acidentes causados no trabalho. Desta forma para tentar resolver esse problema foram criados programas de habilitação, onde a mulher ocupara o papel de salvadora moral dos homens; ela deveria deixar o lar atraente para tirar seus maridos dos cabarés, das ruas, dos vícios (Soares, 1994).

    A Partir da Sociedade Industrial, as mulheres eram desprovidas de vantagens, no campo produtivo e no esporte, sendo que, eram privadas de chances e oportunidades em participar de eventos e práticas esportivas, pois, os preconceitos culturais colocaram o sexo feminino como debilitado e o esporte e trabalho prejudiciais à saúde da mulher (Saraiva, 1999).

    A transposição da mulher e sua imagem como um ser impotente e doente, fraco, teve sua abordagem na burguesia do séc. XIX, sendo desprovida dos cuidados do corpo, por ser progenitora, desta forma deformando sua formas corporais, além de ser considerada psicologicamente suscetível. Através dos princípios da razão, na desmitificação proposta pelo Iluminismo não contribuiu para a libertação, mas sim, na reafirmação e dominação incondicional do Homem (Saraiva, 1999).

    Com o passar dos tempos houve uma conscientização por parte da população e seus pensadores de que a força física dos homens interfere na sua prosperidade, assim começaram os "investimentos" na melhoria do campo na busca de um "bom animal", para discipliná-lo na sua função de produtos do sistema capitalista; para esta disciplinarização atuaram várias instituições sociais: os conceitos médicos são as bases do exercício físico na instituição escolar do século XIX, que procura desenvolver no homem suas aptidões naturais, seus talentos, e embora estas concepções não pareçam tão interligadas com o corpo, é nelas que será encontrada a preocupação com a educação física (Soares, 1994).

    Para Silva (2001), a "dominação do corpo" através da transformação do conhecimento e do que pode ser mensurável, tem sua desvalorização na fonte experimental e no poder de alterá-lo. Nesse sentido inicia-se uma abordagem ao corpo como construção humana, do homem, o qual disseca anatomicamente e expõe seus detalhes, suas partes, fragmenta o seu ser.

    O trato com o corpo, a preocupação com a estética e a contribuição da medicina teve seu inicio na Modernidade com sustentação da técnica e a modelagem da racionalidade, levando o Homem à procura de um corpo perfeito.

    Desta forma, transformando os modelos e padrões de estética para um pressuposto de felicidade (Silva, 2001).

    Em uma nova perspectiva de futuro e de felicidade, aliado a uma utopia de mundo e de condição social e de supremacia do homem cabe-nos salientar que ...

... ao "Super-homem" do futuro caberia uma nova Terra que seria explorada de maneira alegre e audaz; ao "super-homem" dessas ciências cabe a eterna busca por esse ideal que parece se transformar em um novo arquétipo da felicidade humana (Silva, 2001, p. 53)

    O mito do Homem como "Deus-Pai-Racional-Dominador" teve sua ascensão nos ginásios de esporte, onde o mesmo praticava o culto ao corpo forte e resistente, o qual a sensibilidade e os gestos graciosos não tem vez. Assim, a sociedade burguesa impõe ao mundo Moderno a deformação social perante o patriarcalismo, o Homem como racional, superior e incontestável, por mais que esta superioridade e racionalidade não sejam reais (Saraiva, 1999).

    Com o fenômeno esportivo crescente e a inserção da Mulher no campo do trabalho, a situação da representação social e imagem do sexo feminino teve suas contradições. No campo esportivo a determinação de modalidades esportivas "específicas" a Mulher ficou bem declarada pelos gestos graciosos e suaves, além dos esportes que pouco ou não causariam riscos à saúde (Saraiva, 1999).

    A luta da mulher contra a mitologização e a negação ao sexo frágil se dá a partir do século XX, quando há um desenvolvimento da expressão corporal e uma sensibilização do corpo, desmitificando os tabus do corpo e dos movimentos sobre normas estéticas rígidas e masculinizadas (Soares, 1994).

    Para a classe dominante, ou seja, os liberais, os exercícios físicos fazem parte da educação, que passa a ser considerada instrumento de ascensão social e capaz de proporcionar igualdade de oportunidades. Para Alísio Ramos, Johan Basedow foi o pedagogo que criou a primeira escola que incluiu a ginástica no currículo, com a mesma importância das disciplinas teóricas. A conseqüente ampliação escolarização primária foi um dos mecanismos de ação do "corpo social", o exercício físico como educação. A partir disso a ginástica introduzida na escola estimulou uma vaidade, que começara a tratar de um território até então proibido pela religião, que se trata do corpo, através da atenção ao corpo e valorização e avanço da educação (Soares, 1994).

    A Educação Física, sendo esta filha do liberalismo, explanou suas regras para os esportes modernos, surgidos na Inglaterra: das oportunidades a todos de vencer e perder pelo seu próprio esforço; do positivismo absorveu a concepção do homem formado pelas características genéticas e hereditárias, e que precisa ser "adestrado" (Soares, 1994).

    Em meados de 1800 foram criadas diferentes formas de encarar os exercícios físicos, provindos dos países mais desenvolvidos e que depois se espalharam pelo resto do mundo, inclusive no Brasil. A ginástica passa a ter papel científico, desempenhando importantes funções na sociedade industrial através de correções posturais, mostrando suas relações com a medicina, relações estas que se mantém até hoje, e que fez parte de um grande mercado de trabalho aos profissionais da área.

    Em se tratando da parte colonial, as questões de saúde começam a dar preocupações; medidas de higiene são tomadas, mas elas só abrangem às elites, fato que só começa a modificar-se no Império, quando a família burguesa passa a fazer parte da "pedagogia higiênica" (Soares, 1994).

    A Proclamação da Republica não mudou muita coisa no que diz respeito ao meio social do povo em geral; ela representou, apenas para a elite, a libertação de idéias, de sentimentos, atitudes; entretanto a higiene (a Ginástica como parte dela), continuou a integrar as propostas pedagógicas. Em escritos publicados em 1902, estão destacada a importância da ginástica nas escolas: "os exercícios ao ar livre são necessários ao desenvolvimento da musculatura (sendo úteis às crianças e adolescentes), ao desenvolvimento da destreza, agilidade, velocidade e força, preciosos em todas as classes da sociedade". Como sabemos é imprescindível a prática de exercícios físicos nas escolas, principalmente nos primeiros anos, onde se dá toda para o desenvolvimento da criança, especificamente o motor. A escola é vista como o sítio que propicia a introdução de hábitos de viver sadiamente, hábitos que compõem o ideal de educação higiênica da qual a escola é o caminho mais viável economicamente para ampliar a rede higiênica a todos da sociedade (Soares, 1994).

    Um quadro de "planejamento familiar", foi imposto no Brasil e tinha por objetivo propiciar nascimentos de "bons exemplares da espécie"; a mulher tinha atenção especial, assim como foi citado no início do trabalho, com a diferença que no caso brasileiro seu papel não era "recuperar" seus maridos, e assim gerar filhos robustos e saudáveis, o que nos leva a concluir que havia busca de um aperfeiçoamento da raça, a eugenia, muito presente na política brasileira. A formação física da mulher abrangia trabalhos manuais, jogos infantis, ginástica educativa e os esportes menos violentos; no caso das mulheres, as medidas eugênicas visavam à construção de um corpo capaz de suportar a tarefa de reprodução. Pode-se concluir que a educação física, para muitos, é tida como elemento de educação eugênica (Soares, 1994).

    A escola passou a ser espaço de homogeneização, por resultados de fichas médicas, pedagógicas, testes psicológicos e de escolaridade. Mas hoje, o que se vê na prática não é isto, pelo menos não na maioria das escolas, onde o que se pede para que o aluno participe da prática esportiva é apenas um atestado médico que muitas vezes não foi fruto de um verdadeiro exame. A educação física que teve início nos ideais burgueses e aplicado através dos médicos higienistas integra um conjunto de procedimentos de disciplinarização do corpo e da mente, é tida como sinônimo de saúde física moral; ajudou na formação de uma nova figura de trabalhador, que fosse adequada à ordem burguesa que surgia na época: um homem mais produtivo, disciplinado e fisicamente ágil (Soares, 1994).


Considerações finais

    A importância da História na Educação Física, o tratamento dos gêneros, dos mitos e suas inter-relações precisam ser conscientizadas. Esta breve revisão literária procura contribuir na perspectiva de apreender o sentido histórico da/na Educação Física.

    Esta busca literária nos trouxe a importância de trabalharmos com o Mito, não somente a mitologia antiga, mas as diversas denominações de mito e suas contribuições na historiografia da educação, em especial da educação física.

    Pouco se fala, mas muito está caracterizado. A história da Educação Física e da Educação se constitui, também, de tratamento de gênero e de mito. As transformações históricas, as reformas de pensamento, as teorias e os paradigmas lançados, de qualquer forma, tratam indiretamente, mas, trazem em seu contexto alguma coisa, pelo menos, de gênero,pois, visam separar o ser humano e, de mito, pois, visam achar algo superior que de respaldo a sociedade.

    Esperamos contribuir, desta forma, trazendo a importância da História, enfocando os Gêneros e a produção dos Mitos no seio da Educação Física. A pertinência deste trabalho é a conscientização dos discentes para com a historiografia, de onde vem, como venho, quem o trouxe ... .


Referências bibliográficas

  • MITOLOGIA. São Paulo-SP, Editora Abril Cultural, 1973.

  • SARAIVA, Maria do Carmo. Co-Educação Física e Esportes: Quando a diferença é mito. Ijuí-RS, Editora Unijuí, 1999.

  • SILVA, Ana Márcia da. Corpo, Ciência e Mercado: reflexões acerca da gestação de um novo arquétipo de felicidade. Campinas-SP, Autores associados, 2001.

  • SOARES, Carmem Lúcia. Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas-RS, Autores Associados, 1994.

  • SOIHET, Rachel. História das Mulheres. In: Ciro Flamarion Cardoso & Ronaldo Vainfas (Org.) Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Campus-RJ, Editora Campus, 1997.

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