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Aspectos da educaçao física, esporte e
cinema nos domínios da indústria cultural

   
*Mestre, CED / UFSC
**Mestranda, CDS / UFSC
(Brasil)
 
 
Fábio Machado Pinto*
fabiobage@terra.com.br  
Lana Gomes Pereira**
lanagp77@yahoo.com.br
 

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 80 - Enero de 2005

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1. Indústria cultural e as implicações do cinema

    O cinema pode ser compreendido por meio de duas dimensões: cinema enquanto um produto e constituinte da Indústria Cultural e o cinema enquanto arte. Mas, o que significa considerar o cinema enquanto produto e constituinte da Indústria Cultural? Para respondermos a esta pergunta refletiremos alguns elementos do conceito de Indústria Cultural tal qual encontramos na obra de ADORNO & HORKHEIMER (1985).

    Primeiramente, para ADORNO, a divisão entre cultura popular e cultura de massa ou cultura feita para e pela massa, serviu talvez, para evitar maiores confusões entre estes diferentes elementos da cultura. É preciso deixar claro que as críticas de Adorno não recaem somente sobre a cultura de massa, mas também sobre a de elite, pois as duas continham e contém elementos da barbárie. A partir de uma determinada cultura, para as massas, que ADORNO desenvolve o conceito de Indústria Cultural.

    A Indústria Cultural tem como característica a padronização de seus produtos, quase sempre idênticos, oferecidos à massa de consumidores com a função de padronizar os gostos, gestos, olhares, toques, sons etc. As variações que inusitadamente podem surgir nos produtos, ou na técnica de sua reprodução ou mesmo no conteúdo destes dois, são somente aparentes. Para ADORNO E HORKHEIMER (1985), a cultura e a arte entram num processo de produção de massa que permite sua repetição incessante, como no filme A Tempestade do Século, onde a principal idéia é de que o inferno é a eterna repetição incessante.

    Através da Indústria Cultural a cultura e a arte se configuram em diversão, numa espécie de simulacro do riso, e é também através desta diversão produzida em série de conteúdo aparente, que os consumidores são controlados. Isso acontece porque ela proporciona aos trabalhadores a distração necessária para que voltemos ao trabalho em melhores condições de executá-lo.

    O cinema, como produto número 1 desta diversão, constitui sua expansão nas necessidades do público, registrada pelo número de bilhetes vendidos, como é o exemplo do filme TITANIC, sucesso de bilheteria.

    Com a introdução do filme sonoro, por exemplo, abrem-se portas para uma nova forma de percepção. Segundo Adorno, há uma supervalorização do olhar com relação aos outros sentidos. Para ele essa hierarquização dos sentidos, é gerada pela regressão da audição, reflexo de uma crescente incapacidade de concentração em qualquer coisa. O indivíduo rejeita e substitui todo o desenvolvimento coerente por algo mais fácil que pode ser copiado e que reforça o status quo.

    Segundo ADORNO1, essas relações de hierarquização dos sentidos são fruto de uma reconciliação forçada entre indivíduo e sociedade. Esta reconciliação forçada, tem como origem a fetichização da mercadoria. A partir dos elementos que caracterizam a fetichização da mercadoria, podemos descrever algumas observações sobre a fetichização da técnica, já que nesta sociedade cujo modo de produção social é do capital, a técnica se torna mercadoria.

    Através desse processo a técnica ganha vida e o ser humano se reifica, assim acontece dos nossos sentimentos, emoções, afetividades serem trocadas e vendidas no mercado. O caráter fetichista da mercadoria, não vem do valor de uso, que se configura numa qualidade da mercadoria de ser útil, nem tão pouco do valor de troca, fruto da abstração de suas qualidades restando apenas a quantidade, ou no valor, que só acontece na troca, o caráter místico da mercadoria vem da forma mercadoria, assim temos para Marx (1985, p. )

    "O misterioso da mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio Trabalho como características objetivas dos próprios produtos de trabalho, como propriedades naturais, sociais dessas coisas e por isso, também reflete a relação social dos produtores como o trabalho total como uma relação social existente fora deles entre objetos."

    Temos aqui relações antagônicas que se configuram numa contradição interna: relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas. Desenvolve-se, desta forma, um processo de desensibilização gerado por um processo psicossocial de debilitação da individualidade. Tal debilitação é constituída na relação dos consumidores com a Indústria Cultural, que ao estandardizar e racionalizar instrumentalmente determinados objetos o faz também com os seres humanos.

    Evidentemente esse processo não é tão simples assim como parece, pois a dimensão subjetiva, segundo ADORNO, citado por JAY (1988, p.), fica subjugada à massificação da cultura, ou a uma única identidade. A tese de ADORNO & HORKHEIMER (1985) é a de que a democratização da cultura que construiria indivíduos mais conscientes, constrói na verdade indivíduos que tem a falsa experiência de ser reconhecido como "sujeito" por possuir bens de consumo. Os consumidores são passivos e não questionam suas vontades seus desejos, seus gostos, suas preferências, mas se sentem integrados pelo consumo.

    A primeira premissa é que nessa sociedade que tem como característica a administração e o espetáculo, o jovem, a criança, enfim o ser humano reificado tem medo, ou até mesmo, pavor de ser mais um no meio da multidão. Ele necessita ser reconhecido socialmente e para isso precisa portar um objeto que o reconheça como alguém diferente, como podemos observar nas próprias expressões dos jovens hoje: "Quero ser diferente como todo mundo". Os produtos à serem consumidos devem ter a "sua cara", ser personalizados, ser exclusivos. Os logotipos, por exemplo, dão a ilusão de identidade na sociedade, a educação então prima por uma adaptação do sujeito aos produtos da indústria cultural. ZUIN (2003)

    A função da Indústria Cultural se configura em desacostumar as pessoas de sua subjetividade, numa espécie de exaltação da camaradagem, fraternidade, assistência, bondade em função de uma culpa que a sociedade sente pelo sofrimento que causa.

    Segundo ADORNO & HORKHEIMER,

    Quanto menos promessas a Indústria Cultural tem a fazer, quanto menos ela consegue dar uma explicação da vida como algo dotado de sentido, mais vazia torna-se necessariamente a ideologia que ela difunde. Mesmo os ideais abstratos da harmonia e da bondade da sociedade são demasiado concretos na era da propaganda universal. Pois as abstrações são justamente o que aprendemos a identificar como propaganda. A linguagem que apela apenas a verdade desperta tão-somente a impaciência de chegar logo ao objetivo comercial que ela na realidade persegue. A palavra que não é simples meio para algum fim, parece destituída de sentido, e as outras parecem simples ficção, inverdades. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 138)

    O cinema - produto e constituinte da Indústria Cultural - está pautado em uma ideologia de esfera liberal, por meio da qual se torna mecanismo de controle da lógica dominante, gerando e desconstruindo necessidades nos espectadores, produzindo, dirigindo e disciplinando os gostos dos consumidores, que aos poucos vão se desacostumando de sua subjetividade. Os sujeitos tendo sua subjetividade danificada passam a exigir uma diversão cada vez menos complexa ou reflexiva.1

    Como conseqüência deste processo temos que o cinema conseguiu transformar os sujeitos de uma forma tão indiferenciada, que se comprazem com sua própria desumanização como algo humano, uma felicidade aconchegante faz com que os consumidores sejam objetos passivos, alterando a forma de percepção do sujeito.

    Os sujeitos já não conseguem distinguir mais os produtos da Indústria Cultural das obras de arte, pois aquilo que caracterizava a obra artística, como arte, a concretude da relação sujeito objeto por meio da contemplação, não é mais permitido. Segundo BENJAMIM (1969), o objeto é retirado de seu invólucro, o que permite a destruição da aura dos objetos artísticos aumentando e acelerando as possibilidades do sujeito não resistir à vontade de possuir o objeto, porque na sociedade capitalista as obras de arte vêm se tornando antes de tudo mercadorias.

    Com relação ao cinema, a obra de arte surge na montagem fragmentada da reprodução de um acontecimento. Chamaríamos isso de forma. A partir destas considerações passamos a observar que o cinema pode ser arte. Assim, temos, segundo SILVA (1999, p. 121), que o cinema para ADORNO ganha status de arte quando:

    "A estética do filme deverá antes recorrer a uma forma de experiência subjetiva, com a qual se assemelha apesar da sua origem tecnológica, e que perfaz aquilo que ele tem de artístico. [...] O filme seria arte enquanto reposição objetivadora dessa espécie de experiência (p. 102); o filme emancipado teria de retirar o seu caráter a priori coletivo do contexto de atuação inconsciente e irracional, colocando-o a serviço da intenção iluminista. (p. 105); A produção cinematográfica emancipada não deveria mais [...] confiar irrefletidamente na tecnologia, do fundamento do métier (p. 106); Como seria bonito se, na atual situação, fosse possível afirmar que os filmes seriam tanto mais obras de arte quanto menos eles aparecessem como obras de arte (p. 107)".

    Contudo, o que se faz presente hoje, segundo ADORNO é o fim da experiência, parece ser uma tarefa quase impossível nos distanciarmos do objeto, para que possamos refleti-los. Pois, a experiência coletiva contemporânea que vivemos é de um totalitarismo que liquida com o individual.

    A Indústria Cultural se configura precisamente em uma promessa que não pode ser cumprida. O cinema vem como representante desta promessa, e é fácil confundirmos a vida com o cinema. Falar de cinema é falar também da crítica de ADORNO à Indústria Cultural, onde o filme é o carro chefe deste conceito.

    O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da Indústria Cultural. A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme. […] A vida não deve mais tendencialmente, deixar-se distinguir do filme sonoro. ADORNO & HORKHIEMER (1985, p. 118 e 119)

    Mas a desconfiança de ADORNO vai além, pois o olho é mais adaptado ao mundo racionalista burguês do que o ouvido, dotado de resíduos arcaicos que evitam sua total absorção no mundo administrado. É preciso destacar a crítica adorniana a um determinado tipo de filme: a produção cinematográfica Hollyoodiana. ADORNO escreve com EISLER (1994) Composing for the films, suas razões estavam ligadas às questões musicais, mas, depois escreve Tranparencies on Films (1996), um ensaio sobre o novo cinema Alemão. Nesse ensaio já dá indícios de reconsiderar o cinema enquanto arte.

    De acordo com SILVA (1999), podemos tirar alguns elementos das obras de Adorno que enfocam de certa forma (direta e indiretamente), para pensarmos as vicissitudes do cinema mais crítico e emancipatório e eventualmente como arte. Como já observamos as críticas que ADORNO remete ao cinema, dizem respeito a um cinema como produto e constituinte da Indústria Cultural, nomeadamente os que teve acesso durante o exílio nos Estados Unidos nos anos 40. Podemos perceber de acordo com SILVA (1999, p. 118 e 119),

    "Esta negligência parece ter perdurado até o fim da vida de Adorno, e seria talvez um álibi pouco convincente atribuí-la a uma suposta dificuldade de acesso, no exílio americano, aos filmes de maior significação estética produzidos no mundo (e nos Estados Unidos) até então. Sugiro, antes, admitirmos a ausência em Adorno do ímpeto de conhecer bem a história do cinema, por falta de gosto pela coisa. Em decorrência disso, seu esquema geral de abordagem do cinema pode ser visto como uma operação de sinédoque, aquela figura retórica na qual se toma a parte pelo todo. A meu ver, Adorno teria tomado, desde aqueles textos até os do início dos anos 1960, a parte hollyoodiana do cinema pelo seu todo."

    Segundo SILVA (1999), A inflexão no seu pensamento se verifica principalmente nos textos de PERLINE (1974, p.174 a 185) e nos textos de HANSEN (1981, p. 82) e na conferência FREIZER (ano). Para este autor o filme seria arte enquanto uma reposição objetivadora da experiência subjetiva. Como na sociedade contemporânea o conceito de experiência é banalizado e a vivência vem substituir essa idéia. EISLER e ADORNO contrapõem o potencial estético do cinema ao uso empobrecido que a Indústria Cultural faz dele.

    ADORNO & HANSEN, por exemplo, defendem a construção de uma relação de tensão entre imagem e música nos filmes, em função das necessidades e das significações dramáticas em jogo em cada um, mas com sentido de impedir a confusão entre o filme e a realidade. JAY (1998) lembra que para ADORNO a visão de imagem e som são elementos conflitantes, mas cabe à montagem e à música explicitar esta heterogeneidade ao invés de escondê-la.

    A dialética de ADORNO também facilitou sua inflexão, pois considera que a ideologia da Indústria Cultural contém o antídoto do seu próprio veneno. E foi, partir da experiência estética desestetizada, que percebeu o antídoto mais provável contra a reificação. Assim, a combinação da dialética de experiência estética e filosofia crítica podem revelar o conteúdo de verdade da obra de arte, assim como a necessidade de dar voz ao sofrimento é uma condição de toda verdade.


2. Educacao física, esporte e cinema. Boleiros em foco

    Se é essa perfeição que o futebol brasileiro vai atingir, e provavelmente atinja, organizado por firmas, companhias, e corporações especializadas, certamente vai se tornar só mais um espetáculo televisivo, pretexto para que nos seus intervalos sejam colocados os comerciais, as promoções e todo o arsenal de venda que os organizadores têm à sua disposição. Porque esse tipo de futebol não precisa de torcedores mas de consumidores. Esse futebol, será também, desse modo, inútil como fonte da qual se alimentam arte e artistas.3

    O filme Boleiros: era uma vez o futebol, de Ugo Giorgetti, foi objeto de nossa reflexão durante o segundo semestre de 2003, nas aulas de Prática de Ensino de Educação Física Escolar I e II, ministradas no curso de licenciatura em Educação Física da UFSC. Este texto trata de refletir técnica-teoricamente o cinema nas aulas de Educação Física.

    Cinema e esporte foram abordados de forma a dar novas cores a metodologia desenvolvida nesta disciplina, aplicada na forma de vídeo processo4. Assim, iniciamos o semestre abordando o cinema a partir dos seus elementos constitutivos, com o objetivo de preparar os estagiários para o uso da filmadora, mas também para a edição de um vídeo documentário que abordasse os aspectos mais significativos da realidade educacional. Esta atividade investigativa fez parte do que denominamos tradicionalmente de Análise de Conjuntura Educacional5.

    A produção e análise videográfica realizada foi potencializada por outra estratégia metodológica, a apresentação, discussão e sistematização de resenhas sobre filmes e textos relacionados ao tema vídeo e educação6. Os filmes que utilizamos foram Boleiros de Ugo Giorgetti e Tiros em Colombine de Michael Moore. Ressaltamos as possibilidades de reflexão sobre a cultura corporal - neste caso o Futebol - através da exibição do cinema na Educação Física escolar. No âmbito da formação inicial de professores, a tematização da arte e dos meios de comunicação, têm o intuito de provocar as futuras gerações de professores para a força que estes fenômenos passaram a ter na formação do sujeito, e em conseguinte, da identidade do povo brasileiro.

* * * * * *

    O Filme Boleiros: era uma vez o futebol tende para o humor e a leveza mesmo quando é sério, na tentativa de seguir a essência do futebol, onde figuram a firula, o drible, o toque de calcanhar, o gol de letra etc. os temas são abordados com ilustrações do tipo vinheta, um lance que ficou na memória, uma frase de um jogador, um momento particularmente empolgante de um campeonato, a atuação de um jogador ou juiz. O filme empolga pela forma como foi montado, recriando a maneira brasileira de contar os fatos do futebol. Mas de um dado futebol, que aos poucos deixa de existir, como lembra o próprio autor. "O que está surgindo diante de nossos olhos, e que talvez nos seja dado descrever e interpretar, é um novo futebol amoldado, domado e amansado pelas regras de um admirável mundo novo que também está se consolidando diante de nossos olhos."7

    Parece muito mais uma crítica contundente, mas também saudosista, de um tempo onde o futebol parecia aproximar os sujeitos, envolvendo-os afetivamente de forma a proporcionar uma experiência de lazer mais completa. Torcida, árbitros, treinadores e jogadores eram envolvidos muito mais pelo prazer de ver e jogar futebol do que pelos interesses que tem direcionado o futebol na atualidade.

    Não teria pessoalmente nada contra as mudanças que vejo surgir, todas elas movidas pelo dinheiro de patrocinadores e investidores, se algumas delas não agissem para extinguir algumas virtudes que eu acho fundamentais para o futebol e vitais para que este esporte continue sendo objeto de interesse de qualquer artista. Entre elas a irracionalidade e por conseqüência, a paixão, o imprevisível, o imponderável e o inesperado.8

    O roteiro mostra alguns amigos, ex-boleiros, ex-árbitos e amantes da bola que se reúnem num bar para tomar uma cerveja e relembrar antigas estórias. Esta cena torna-se o foco principal do filme, somente deixada de lado quando as histórias por eles contadas surgem na tela como momentos imaginados. A principal mágoa e, tema do bate papo, é o fato de se encontrarem em uma situação financeira difícil, mas também porque não brilham na mídia e nos gramados como no passado. Ao contrário, muitas vezes são humilhados, vistos exercendo atividades precárias, ou ainda pior, lutando com dificuldade pela sobrevivência.

    O ponto comum em todas as histórias fictícias (porém facilmente observáveis no mundo real do futebol) talvez seja o fato de revelar a difícil tarefa que é chegar ao lugar desejado, se manter no topo, e, principalmente, o desafio de continuar a vida após a curta carreira de atleta.9

    O filme ajuda a refletir sobre as glórias e as frustrações, confusões e trapaças, rituais e supertições, preconceitos que permeiam o universo futebolístico. Este universo é permeado de mitos como "quem é bom já vêm do berço", "craque não se faz já nasce pronto" ou "quem conhece sabe quem vai ser boleiro só pelo caminhar", e outros. Estes mitos ajudam, em grande parte, a consolidar uma racionalidade inatista e passiva, criando uma espécie de aura em torno dos ídolos como se fossem escolhidos por algo superior.

    Entre outras coisas, isso contribui na promoção da ilusão criada em milhões de garotos que sonham em tornarem-se grandes estrelas. O Futebol é talvez uma das poucas formas de mobilidades social prometida às classes populares. Milhões de garotos e garotas sonham em tornar-se um profissional da bola e fazer sucesso como as estrelas esportivas. Não são poucas as dificuldades encontradas pelos meninos que buscam tornar-se um grande jogador, existe um verdadeiro funil que torna o estrelato do futebol algo só comparado ao concurso lotérico.

    Contudo, o sonho de ser jogador contamina quase todo o garoto, ocupando um espaço cada vez maior nos jornais e telejornais, em filmes, nos horários nobres da TV, com informações e propagandas publicitárias. Todo torcedor passa a fazer parte deste grande espetáculo, não só como torcedores, mas consumidores de promessas de ser que nunca serão cumpridas.

    Muitas vezes temos como ídolos pessoas que nem parecem humanas de tão perfeitas. Achamos que as conhecemos e não paramos para pensar o que realmente é verdade de tudo aquilo que aparece na mídia sobre elas.10 O sonho de se tornar um craque vem sendo cada vez mais notado entre jovens e crianças, principalmente quando trata-se de famílias pobres, que vêm no futebol a esperança de "melhorar de vida".11 Garotos tentam de todo o modo galgar esta pirâmide, a fim de escapar da dura vida que a pobreza impõe a estas pessoas.12

    O jogador de futebol é valorizado quando ganha jogos e campeonatos, mas extremamente pressionado e, até execrado, quando perde ou se machuca. Parece mesmo que o futebol não perdoa quem fracassa, é a vitória ou o esquecimento. O esquecimento talvez seja o pior dos temores dos jogadores. Uma indústria de corpos descartáveis, onde poucos alcançam o estrelato e a eternidade tão buscada.

    Durante a vida futebolística os corpos dos atletas são sugados na sua máxima possibilidade, em muitos casos, resultado de treinamentos mal aplicados e por profissionais despreparados, acabam encurtando a carreira profissional destes jogadores. O treinamento para o Futebol profissional exige muito dos atletas, somado as viagens e concentrações que tomam todo o tempo do jogador. Cansados e com pouco tempo os jovens acabam afastando-se das escolas. Isto aliado a falta de apoio nos clubes, que não pensam na formação intelectual de seus atletas, faz do Futebol um ambiente que não combina com a educação formal. Educar o corpo nos clubes futebolísticos parece se contrapor a educação escolar destes jovens, gerando problemas para estes num futuro onde o futebol deixa de ter uma função prioritária.

    Boleiros não trata da falta de perspectiva da maioria dos jogadores de futebol, com baixos salários, muitas vezes atrasados, sem amparo médico e social, tendo que jogar muitas vezes machucado, sujeito a intervenções médicas mal feitas etc. Boleiros não fala das peneiras e da promessa a milhares de crianças que nunca serão cumpridas. Mas Boleiros nos ajuda a pensar, com elementos relacionados a importância da formação na vida dos jogadores, que tendo findada sua carreira futebolística acabam na penúria.

    Para os personagens do filme a única saída para os ex-jogadores é o próprio futebol, retornar como treinadores, comentaristas, técnicos, professor em escolinhas, entre outros. Do contrário acabam em situações complicadas de sobrevivência.

    Os atletas devem ter a consciência de que o esporte é uma carreira curta, limitada pela idade, e que precisam se preocupar e planejar seu futuro, caso contrário correm o risco de ficar sem perspectivas e na miséria.13

    Por fim, o filme pode ser um "ponta pé inicial" para se refletir sobre a cultura corporal, sobretudo às relações entre o Futebol e os imperativos da indústria cultural, os quais já expomos de forma introdutória. Neste caso, o papel da Educação Física Escolar no estudo e esclarecimento sobre a vida dos trabalhadores da bola, sobre as finalidades mercadológicas que envolvem o mundo futebolístico, etc. Mas, principalmente, das reais possibilidades de se chegar a ser um nome de destaque nos campos de futebol e, da força que estes nomes exercem na formação da subjetividade dos sujeitos.


3. Consideraçoes finais

    Em sociedades como a nossa, o acesso ao cinema, e indo mais além, o domínio da linguagem cinematográfica nas suas singularidades, podem auxiliar e enriquecer a compreensão do corpo e sua educação na escola. É assim, que a interpretação filmística e sua apropriação adquirem relevância dentre os saberes escolares.

    De acordo com MELLO (2003a), destacam-se questões sobre a educação para/pela sensibilidade e o sentido cognoscitivo, para então promovermos olhares mais tolerantes, potencialmente capazes de refletir a questão do prazer, por exemplo. Ainda, conforme o autor, a educação estética precisa ser vista em sua articulação com a ética, visando um modo específico de apropriação da realidade no qual o sentido cognoscitivo se destaque.

    Salientamos, não apenas a enorme presença das questões do corpo no cinema14, mas também porque vivemos uma época em que a imagem, principalmente na educação do corpo vem ocupando na sociedade brasileira, lugar privilegiado. Estudar o cinema e seus imperativos educacionais pode nos ajudar a entender a realidade do tempo presente, bem como as possibilidades de superação dos seus principais impasses sociais, políticos e culturais.

    Assim como no cinema, o corpo15 também vem ocupando um espaço maior na sociedade contemporânea, ao mesmo tempo em que aumentam o número de abordagens teóricas - antes limitadas à área biológica - preocupadas com a temática. O corpo e sua educação têm sido longamente estudados por disciplinas como antropologia, filosofia e sociologia. O que, de certa forma, facilita o estudo da sua presença no âmbito do cinema. Porém, esta tarefa, ainda que importante, foi realizada por poucos pesquisadores. Cinema e educação do corpo são, portanto, fenômenos que ainda não tiveram a devida atenção no meio acadêmico.


Notas

  1. Apud JAY (1988)

  2. A subjetividade danificada vem se construindo porque na contemporaneidade, o conceito (razão) é banalizado, reificado, o sujeito é educado pelas informações e acaba tendo uma pseudo-formação. A experiência, nesta sociedade, não é mais permitida, o tempo é o do efêmero, um tempo acelerado. E o conceito de vivência vem como reação a este fenômeno.

  3. Cf GIORGETTI (1999, p. 21)

  4. Cf FERRÉS, J. (1996). O videoprocesso caracteriza-se pelo envolvimento dos alunos no processo de produção do vídeo. Os alunos passam a sujeitos ativos, planejando, registrando imagens, elaborando roteiros, avaliando. Assim, implica em participação, criatividade, compromisso e dinamismo dos alunos. O vídeo pode se converter num brinquedo, um instrumento lúdico que possibilita um aprendizado criativo do trabalho em grupo. A pesquisa é outra estratégica pedagógica que pode ser enriquecida pelo videoprocesso, tanto na captação das informações, quanto na sua socialização. A utilização desta modalidade pode ser reinventada a cada dia.

  5. Cf PINTO, F. M. (2002). Trata-se de uma etapa inicial de estágio, onde os estagiários são mediados a realizarem uma primeira investigação tendo como instrumentos a entrevista, a observação participante, os registros de caderno de campo e videográfico e as análises de documentos.

  6. FERRÉS (1996)

  7. GIORGETTI (1999, p. 18)

  8. GIORGETTI (1999, p. 18)

  9. Parte da resenha do estagiário Caio Casseli Martins (2003).

  10. Parte da resenha da estagiária Patrícia Domingos dos Santos.

  11. Parte da resenha da estagiária Helena Pereira.

  12. Parte da resenha do estagiário Cleber Pereira Heimberg.

  13. Parte da resenha da estagiária Gabriela Medeiros de Almeida.

  14. MELLO (2003), ao analisar 3416 filmes de longa metragem brasileiros, verificou que 134 tocam o tema do esporte. Isso pode contribuir significativamente para entendermos como esporte e cinema se constituem, interligados, como fenômenos da modernidade. O autor busca responder algumas questões sobre a relação lazer e cinema: que papel deve ocupar o profissional do lazer neste contexto, ou, como educar pelo e fundamentalmente para o cinema, como superar a visão superficial, dispersa e casual para outra, crítica e orientada.

  15. Vários dos trabalhos do Núcleo de Estudos e Pesquisa Corpo, Educação e Sociedade têm se ocupado da temática, que vem sendo trabalhada, internamente, nos grupos de estudo "Escola" e "Indústria Cultural".


Bibliografia

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  • BENJAMIN, V. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In: A Idéia do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1969.

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  • ZUIN, A. A. S. O corpo como publicidade ambulante. 2004.

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