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Preocupações pedagógicas e profissionais de
formandos em Educação Física do sul do Brasil

   
Núcleo de Pesquisa em Atividade Física e Saúde
CDS /UFSC.
Programa de Mestrado em Educação Física
Universidade Federal de Santa Catarina
UFSC, Florianópolis, Santa Catarina
 
 
Mathias Roberto Loch | Giancarlo B. Machado Bruno
Elusa Santina Antunes de Oliveira | Juarez Vieira do Nascimento

mathiasufsc@yahoo.com
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O objetivo deste trabalho foi investigar as principais preocupações pedagógicas e profissionais de acadêmicos dos últimos semestres (7º e 8º) do curso de Educação Física (EF). A amostra deste estudo descritivo exploratório de corte transversal, foi constituída de 99 estudantes, sendo 45 homens e 54 mulheres, com média de idade de 23,81 anos (DP=3,9) de três Instituições de Ensino Superior (IES) do Sul do Brasil. Para a mensuração das preocupações pedagógicas, fez-se uso do Questionário adaptado de Matos et. al. (1991) que separa as preocupações em três domínios (preocupações consigo próprio, com a tarefa e com o impacto). Verificou-se que as mulheres apresentaram valores superiores em relação aos homens em todos os domínios, o que demonstra um maior nível de preocupação por parte das mulheres, sendo as médias estatisticamente diferentes na média geral dos domínios e também em relação aos domínios "preocupação consigo próprio" e "preocupação com a tarefa". Comparando-se o nível de preocupação dos sujeitos do estudo quanto à cada domínio, observa-se uma maior preocupação com o domínio " impacto", tanto no sexo masculino, quanto no feminino.
    Unitermos: Formação Profissional. Preocupações pedagógicas. Preocupações profissionais.

Os autores gostariam de agradecer aos professores José Carlos Mendes e
Carlos Eduardo Carvalho pelo auxílio na coleta de dados.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 80 - Enero de 2005

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1. Introdução

    A fase de formação inicial é entendida como o período durante o qual o professor adquire os conhecimentos científicos e pedagógicos e as competências necessárias para enfrentar adequadamente a carreira docente (Costa, 1994). Desse modo, operacionalmente considera-se que esta fase inicia com a entrada dos candidatos a futuros professores nos cursos de licenciatura e finaliza com a conclusão deste mesmo curso.

    Já a fase de entrada na carreira compreende o processo de indução que ocorre nos primeiros anos de ensino, sendo um período de transição entre a formação inicial e o desenvolvimento profissional contínuo, marcado por um momento que alguns chamam de choque da realidade (Nascimento e Graça, 1998; Smith, 1995).

    De fato, os estudantes do último ano dos cursos de licenciatura ou graduação em Educação Física (EF), se encontram em um período de transição entre o final da sua formação inicial e o início de suas carreiras profissionais.

    Evidentemente, a fase de entrada na carreira, assim como toda a progressão que supostamente ocorre na trajetória de cada profissional, não pode ser considerada meramente como um processo linear, contínuo ou hierárquico de seqüências de acontecimentos ou etapas (Nascimento e Graça, 1998).

    Além disso, não se pode ignorar a complexa trajetória da EF, tanto como área de conhecimento, quanto de intervenção profissional. Neste sentido, a investigação acerca das preocupações pedagógicas dos profissionais desta área, parece ser de fundamental relevância, haja vista a necessidade urgente de melhoria da prática profissional.

    Um importante passo para que isto possa realmente acontecer, pode ser dado a partir da investigação acerca das principais preocupações pedagógicas das pessoas ligadas à área, uma vez que, enquanto os acadêmicos ou os profissionais não perceberem que certos problemas pedagógicos são também seus problemas, o "círculo vicioso", referido por Costa (1994) ou o Ciclo de "auto-reprodução" mencionado por Crum, (1993) irá se repetir continuamente. Este "círculo vicioso" ou o "ciclo de auto-reprodução", diz respeito à prática profissional pautada somente em uma perspectiva "tradicionalista", que acaba concebendo o ensino de uma forma artesanal e ateórica, contribuindo para a "auto-reprodução" do fracasso da prática pedagógica na EF.

    Outro aspecto considerado importante e que possivelmente irá influenciar na percepção sobre as preocupações pedagógicas dos profissionais da área é a própria característica da intervenção profissional. Para Betti (2001), esta ação parece ser muito simples e não deixa transparecer, em um primeiro momento, quais são os conhecimentos que estão fundamentando aqueles procedimentos pedagógicos. Esta característica reforça ainda mais a urgência da "fuga" do "círculo vicioso" da prática pedagógica em EF, tendo em vista que o profissional de qualquer área precisa justificar a sua atuação, afinal ele se justifica, segundo Nahas e De Bem (1997), principalmente por sua competência técnica, que é exclusiva de sua categoria profissional. Isto não quer dizer que o profissional de EF deva se limitar aos conhecimentos específicos, haja vista as possibilidades de trabalhos conjuntos com outras áreas de conhecimento, o que acaba por exigir conhecimentos e visões ampliadas.

    Nesta perspectiva, o objetivo deste estudo foi investigar as principais preocupações pedagógicas dos formandos (acadêmicos dos 7º e 8º semestre) em EF de três instituições de ensino superior do Sul do Brasil, bem como identificar quais os principais campos de atuação mais desejados.


2. Procedimentos metodológicos

    Este estudo caracteriza-se como sendo do tipo descritivo exploratório, de corte transversal.

    A amostra, de caráter intencional, foi constituída de estudantes de 7ª e 8ª fase de três instituições de ensino superior do Sul do Brasil, sendo uma do Rio Grande do Sul (Universidade Federal de Pelotas - UFPEL), uma de Santa Catarina (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC) e uma do Paraná (Unidade de Ensino Superior do Vale do Iguaçu - UNIGUAÇU).

    O instrumento utilizado constou de informações pessoais e demográficas, que procuraram caracterizar os participantes do estudo. Para a mensuração das preocupações pedagógicas, fez-se uso do questionário adaptado de Matos et. al. (1991), mesmo instrumento utilizado por Farias (2000), que apresenta uma escala de preocupações (não preocupado, um pouco preocupado, moderadamente preocupado, muito preocupado, extremamente preocupado), e separa as preocupações em três categorias (preocupações consigo próprio, preocupações com a tarefa e preocupações com o impacto).

    As preocupações consigo próprio referem-se às questões relacionadas com o controle e monitoramento exercido pelo professor sobre os seus alunos, bem como ao fazer pedagógico, de modo a obter uma avaliação favorável do seu ensino (questões 3,7,9,13 e 15). Já as preocupações com a tarefa referem-se às questões relacionadas à falta de material para ensinar, ao demasiado número de tarefas e ao número muito grande de alunos em cada turma (questões 1,2,5,10 e 14). Por fim, as preocupações com o impacto estão direcionadas às questões sociais dos alunos, nomeadamente em incentivar os alunos que se encontram desmotivados e em ir ao encontro às necessidades dos diferentes tipos de alunos (questões 4,6,8,11 e 12) (Farias, 2000).

    Na análise individual das questões, assim como em relação a cada um dos três domínios, optou-se por utilizar com duas medidas de tendência central (especificamente moda e média) e uma medida de dispersão (desvio padrão).

    Para a análise estatística, adotou-se arbitrariamente, uma escala de 1 a 5, sendo o "não preocupado" correspondente a 1 ponto, o "um pouco preocupado" a 2 pontos, e assim sucessivamente, até o "extremamente preocupado", que corresponde a 5 pontos. Assim, quanto mais próxima era a média e a moda obtida de um, menor é o nível de preocupação com a questão ou com o domínio, e quanto mais próximo for o valor de cinco, maior é o nível de preocupação.

    A tabulação dos dados foi realizada no Programa Excel para Windows e a análise foi realizada no Programa SPSS versão 11.0., constando de estatística descritiva e análise de variância. Adotou-se um nível de significância de p 0,05.


3. Apresentação e discussão dos resultados

Caracterização da amostra

    Fizeram parte da amostra 99 estudantes de EF do último ano, sendo 45 homens e 54 mulheres, com média de idade de 23,81 anos (DP=3,9 anos) de três universidades do Sul do Brasil, especificamente, UFPEL, UFSC E UNIGUAÇU.

    A tabela 1 apresenta a distribuição da amostra segundo instituição:

Tabela 1. Distribuição da amostra segundo instituição

    Quanto às demais características levantadas, destaca-se que 62,2% dos formandos participou de algum projeto de extensão (em pelo menos um semestre, e sem contar os estágios obrigatórios), 75,8% referiram trabalhar atualmente (sendo que destes 73,3% trabalham na área e 26,7% trabalham em outras áreas) e 92,7% pretendem trabalhar na área no próximo ano.

    Quando dividida a amostra por sexo, observa-se uma maior participação em projetos de extensão por parte das mulheres do que entre os homens (69,8% e 53,3%, respectivamente). As mulheres se mostraram com maior vínculo atual com a área, pois 78,4% das mulheres que referiram estar trabalhando atualmente o fazem na área, enquanto que entre os homens este percentual foi de 68,4%.

    A Tabela 2 apresenta os campos de atuação profissional pretendidos pelos formandos (neste caso, mais de uma resposta era possível):

Tabela 2. Funções profissionais pretendidas pelos formados

    Na Tabela 2 verifica-se que a escola é o campo de atuação profissional mais desejado pelos alunos investigados (55,2% pretendem trabalhar como professor de EF no próximo ano, ou seja, no ano posterior à formatura). Separando por sexo, verifica-se que 68,6% das mulheres querem trabalhar em escolas, enquanto que entre os homens este percentual é de apenas 40%.

    O segundo campo de atuação mais mencionado foi a academia, citado por 36,5% dos alunos investigados. O percentual de homens que citou pretender trabalhar em academias no próximo ano foi maior do que entre as mulheres (42,2% e 31,4% para homens e mulheres respectivamente). O mesmo aconteceu em relação às outras funções que foram mais mencionadas por homens do que pelas mulheres, sendo esta diferença bastante elevada quanto às escolinhas de esporte e no treinamento esportivo, e menores quanto à "personal trainner".


Preocupações mais e menos valorizadas

    As tabela 3 e 4 apresentam respectivamente, os resultados de moda (Mo), média (Me) e desvio padrão (DP) das três preocupações mais e menos valorizadas, considerando todo o grupo.

Tabela 3. Preocupações mais valorizadas, considerando todo o grupo

Tabela 4. Preocupações menos valorizadas, considerando todo o grupo

    Individualmente, a preocupação mais valorizada foi "ir ao encontro às necessidades dos diferentes tipos de aluno" (x= 3,86 pontos, mo= 4, DP= 0,97), seguido por "se cada aluno obtém o que necessita" (x= 3,77 pontos, mo= 4 e DP= 0,96) e "diagnosticar os problemas de aprendizagem dos alunos (x= 3,66, mo= 4 e DP= 1,13). Chama a atenção, principalmente o fato de as três preocupações mais valorizadas fazerem parte do domínio "Preocupação com o impacto".

    Os resultados são parecidos com um estudo português que buscou comparar o tipo e o grau de preocupações de professores experientes e em situação de estágio (Matos, 1993). Naquela ocasião, o item "ir ao encontro às necessidades dos alunos" foi também o que apresentou um maior grau de preocupação.

    A preocupação menos valorizada foi "em fazer bem quando estou sendo observado (x= 2,73, mo= 3 e DP= 1,30), sendo a segunda e a terceira preocupação menos valorizadas respectivamente "trabalhar com muitos alunos todos os dias (x= 2,86, mo= 2 e DP= 1,32) e "demasiado número de tarefas de ensino" (x= 2,93, mo= 3 e DP= 1,32).

    Ao que diz respeito as preocupações menos valorizadas, os resultados são diferentes do já mencionado estudo de Matos (1993), onde o item menos valorizado foi "trabalhar sob pressão boa parte do tempo" (x= 2,42 e DP= 1,05), seguido por "ser aceito e respeitado por outros colegas (x= 2,84 e DP= 0,84) e "demasiado número de tarefas de ensino (x= 2,86 e DP= 094). Quando os resultados dos dois estudos são comparados, verifica-se apenas que o item "ser aceito e respeitado por outros colegas" é comum entre os três itens menos valorizados.

    Dividindo-se a amostra por sexo, observou-se que as mulheres apresentaram médias superiores aos homens em praticamente todas as preocupações, exceção feita à "falta de material para ensinar" (x=3,18 para homens e 2,96 para as mulheres).


Resultados dos domínios

    A tabela 5 refere-se às médias e respectivos desvios padrões de cada domínio, de modo geral e separando por sexo.
Tabela 5. Domínios, geral e separados por sexo


1 diferença estatisticamente significativa (p=0,026)
2 diferença estatisticamente significativa (p=0,011)
3 diferença não significativa (p=0,289)
4 diferença estatisticamente significativa (p=0,22)

    Observando-se a tabela 5, verifica-se que as mulheres apresentaram valores superiores em relação aos homens quanto aos domínios. Isto demonstra um maior nível de preocupação por parte das mulheres, sendo as médias estatisticamente diferentes na média geral dos domínios e também em relação aos domínios "preocupação consigo próprio" e "preocupação com a tarefa". No domínio "preocupação com o impacto", a média também foi superior entre as mulheres, mas não houve diferença estatisticamente significativa.

    Estes resultados são parecidos com os encontrados no estudo de Matos (1993), que também observou uma maior preocupação por parte das mulheres do que entre os homens.

    Comparando-se o nível de preocupação dos sujeitos do estudo, quanto à cada domínio especificamente, observa-se uma maior preocupação com o impacto das tarefas, tanto no sexo masculino, quanto no feminino. Resultados similares foram encontrados no já mencionado estudo de Matos (1993) e também em Farias (2000), que em um estudo que procurou verificar as preocupações pedagógicas de professores de EF da rede escolar de ensino, que se encontravam em diferentes ciclos de desenvolvimento profissional, de Florianópolis, SC, observou-se uma maior preocupação "com o impacto" em todos os ciclos profissionais.


4. Considerações finais

    Considerando a permanente exigência de aprimoramento da atuação profissional nas diversas áreas de intervenção profissional em Educação Física, a investigação a respeito das preocupações dos profissionais dessas áreas torna-se um importante aspecto para que esta melhoria possa ser efetivada.

    Neste estudo, que buscou investigar as principais preocupações pedagógicas de estudantes formandos (de 7º e 8º semestre) em EF de três diferentes instituições de ensino superior do Sul do Brasil, alguns aspectos ficaram bastante evidenciados.

    Destaca-se o fato de a escola ser o campo de atuação mais desejado pelos investigados neste trabalho, principalmente pelas mulheres, enquanto que os demais campos de atuação profissional foram mais mencionados entre os homens, principalmente em relação às escolinhas de esportes e ao treinamento esportivo.

    Quanto às preocupações individualmente, observou-se que as mulheres apresentaram um maior nível de preocupação em praticamente todos os itens, o que pode apontar um interessante tema de estudo para as pessoas preocupadas com a questão da formação profissional da área.

    Ainda em relação às preocupações de modo individual, um interessante aspecto é que os dois itens mais valorizados são comuns em ambos os sexos (especificamente "ir ao encontro às necessidades dos diferentes tipos de aluno" e "se cada aluno obtém o que necessita").

    Mesmo com as limitações deste estudo, pode-se observar uma tendência bastante clara a uma maior preocupação com o impacto das tarefas, do que em relação às outras duas preocupações (consigo mesmo e com a tarefa), tanto de modo geral, quando separados por sexo, o que condiz com outros estudos, realizados com sujeitos que apresentavam características diferentes. Vale ressaltar, que observou-se uma tendência significativamente maior de preocupação por parte das mulheres, tanto de modo geral, quanto em relação aos domínios preocupação consigo próprio" e "preocupação com a tarefa".

    Com os resultados encontrados neste estudo, sugere-se a realização de investigações com acadêmicos/profissionais que se encontram em outros estágios de suas carreiras, se possível em acompanhamentos longitudinais que possam detectar as modificações tanto na formação inicial (durante toda a graduação) quanto no decorrer da carreira profissional. Além disso, recomenda-se aos investigadores e àqueles envolvidos na elaboração de propostas curriculares, que levem em consideração as preocupações pedagógicas dos profissionais que atuam ou irão atuar na prática pedagógica e profissional em diferentes ambientes educacionais, de modo a propor currículos que tenham um maior impacto nesta atuação.


Referencias bibliográficas

  • Betti, M. (2001). Perspectivas na formação profissional. In: Moreira, W. W. Educação Física e Esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas. Papirus Editora. 6ª edição.

  • Costa, F. C. (1994). Formação de professores: objectivos, conteúdos e estratégias. Revista da Educação Física/UEM, 5(1): 26-39.

  • Crum, B. (1993). A crise de identidade de Educação Física: ensinar ou não ser, eis a questão. Boletim da Sociedade Portuguesa de Educação Física, 7(8): 133-148.

  • Farias, G. O (2000). O percurso profissional dos professores de educação física: rumo à prática pedagógica. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.

  • Matos, Z. Gomes, P.B., Graça, A , Queirós, P. (1993) Comparação do tipo e grau de preocupações de professores em situação de estágio. In: Bento, J. e Marques, A. A ciência do desporto, a cultura e o homem. Porto: FCDEF/UP.

  • Nahas, M. V. e De Bem, M. F. L. (1997). Perspectivas e tendências da relação teoria e prática na educação física. Revista Motriz 3(2), dez.

  • Nascimento, J.V. do e Graça, A.(1998). A evolução da percepção de competência profissional de professores de Educação Física ao longo de sua carreira docente. In: Actas do VI Congresso de Educacion Física e Ciências do deporte dos Paises de Lingua Portuguesa.

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revista digital · Año 10 · N° 80 | Buenos Aires, Enero 2005  
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