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Relacionamento entre torcidas organizadas e
a sociabilidade com os membros femininos

   
Graduada em Educação Física na Universidade Federal
do Paraná no início do ano de 2004
(Brasil)
 
 
Viviane Hansen da Silva
vivihs@terra.com.br
 

 

 

 

 
    As Torcidas Organizadas de Futebol são Associações compostas de membros de ambos os sexos para apoiar o seu time e buscar reconhecimento à nível estadual e nacional. A maioria dos Clubes Nacionais possui uma ou mais Torcidas Organizadas, e quando estes clubes são rivais é muito provável que as Torcidas também sejam. Nesse caso, atritos e discussões são comuns entre os Associados, e o conflito entre elas passa a ser visível. Porém, a intensa busca pela aceitação nacional, faz com que Torcidas Organizadas de Clubes diversos, que tenham "regras" similares, se sociabilizem e formem alianças, demonstrando que não só de rivalidade é feito o futebol brasileiro. A Torcida Organizada Os Fanáticos do Clube Atlético Paranaense, não é diferente, possui seus rivais e seus aliados e seus Associados do sexo masculino se preocupam com o relacionamento das mulheres Associadas com os membros as outras trocidas.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 79 - Diciembre de 2004

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Introdução

"(...) a essência do espírito lúdico é ousar, correr riscos, suportar a incerteza e a tensão. (...) A competição não se estabelece somente apenas por alguma coisa, mas também "em" e "com" alguma coisa. Os homens entram em competição para serem os primeiros em força e destreza, em conhecimentos ou riqueza(...)" (Huizinga, 1971, p. 59)

    O futebol por ser a modalidade esportiva mais difundida na sociedade moderna trás consigo padrões de sociabilidade que vão além da organização e racionalização dos campeonatos, onde os torcedores não devem ser vistos somente como espectadores, consumidores do esporte, e sim como participantes do espetáculo. E participantes de maneira extrema fazendo com que, em dia de jogos, boa parcela da cidade seja envolvida de maneira intensa para que seja visível o apoio ao time de preferência.

    Além do intuito de apoiar o time, as torcidas organizadas almejam reconhecimento não só a nível estadual, mas também no âmbito nacional. Esse reconhecimento pode ser adquirido de varias formas, entre elas através da sociabilidade própria das TO´s que "é regida por regras específicas de pertencimento, afinidade e oposição aos clubes e torcidas. Sociabilidade que também traduz a dimensão política da negociação, da hierarquia, conflito, prestigio e poder" (Toledo, 1996 p.112). Dentro dessa sociabilidade duas relações totalmente opostas permeiam as Torcidas Organizadas: a amizade e a inimizade.


Inimizade

    A rua é o espaço dos perigos, das interdições e da negociação para aqueles que vivenciam o papel de torcedores de futebol ou torcedores organizados. Uma primeira recomendação feita para aqueles que se tornam sócios das Torcidas Organizadas, precaução que também tem se generalizado entre torcedores comuns, consiste no cuidado com a camisa da torcida ou time preferido pois, como afirmam os torcedores, em dia de jogos não se pode ficar marcando bobeira com a camisa por aí sozinho (Toledo, 1996 p.73).

    Tais recomendações têm maior ênfase nos dias de clássico quando o poder público muitas vezes recomenda a não utilização de uniformes nas TO's, como foi o caso do clássico Atletiba1 disputado na Arena no dia 11/10/2003: "Apesar da recomendação insistente da policia militar, divulgada na mídia e reforçada pela diretoria de ambas as TO´s, poucos torcedores abriram mão de vestir a camisa da TO para ir ao clássico". (diário de campo Atlético x Coritiba, 11/10/2003).

    Porém, o que cabe ser ressaltado é que de todas as mulheres torcedoras que se encontravam na Sede momentos antes da partida nenhuma delas estava trajando alguma camisa que remetesse a TOF. Quando uma mulher percorre os arredores do estádio com a camisa do time, geralmente não é lesada fisicamente, mas não escapa de gracejos oriundos do sexo masculino.

Para além da crescente organização e racionalização dos campeonatos, e da necessidade e interesse em transformar os torcedores em apenas expectadores e consumidores de um produto chamado esporte, foi observado que a simples reunião de torcedores nas ruas, nos estádios em dias de jogos, faz com que a cidade seja utilizada e ocupada de maneira extremada, intensa e excessiva, tendo na potencialidade do confronto uma possibilidade sempre presente (Toledo, 1996 p.100).

    E muitas vezes as mulheres são envolvidas nesta intensa sociabilidade urbana. Entretanto, ao primeiro sinal de violência física, elas são afastadas do local, como neste caso anotado no diário de campo :"é briga, fica aqui senão pode sobrar pra você" (torcedor da TO Máfia Azul, do Cruzeiro-MG, me avistando sobre o perigo de um combate que iria ocorrer entre a TO Comando Azul, também do Cruzeiro-MG e a TO Os Fanáticos, me impedindo de ir até o local, Atlético x Cruzeiro, 13/09/2003).

    Portanto, o combate físico não ocorre somente nos clássicos, ele ocorre também quando são torcidas de outras cidades ou estados vêm assistir aos jogos do Clube. Já o outro extremo também ocorre: violência verbal e física envolvendo torcidas do mesmo Clube. "M. um diretor da Camisa 12, comentou certa vez que apesar do Palmeiras ser o grande rival dos corinthianos, ele, há 12 anos na torcida, nunca participou de brigas com aqueles. E, em tom velado, confessa que "(...) tem mais raiva dos gaviões do que qualquer outro (...)", que acham que "(...) somente eles é que são corinthianos (...)" (Toledo, 1996 p. 106). Algo semelhante ocorre entre a TO Os Fanáticos e a TO Ultras do Atlético1, porém para a maioria das mulheres a existência de outra facção não faz diferença, sendo que para elas o importante é acompanhar a TOF para torcer para o Clube.


Amizade

    Embora imaginemos que não possa existir maneira pacífica de torcedores organizados de times opostos se relacionarem e de existirem diferenças nas organizações das TO´s pelo Brasil afora, algumas "se assemelham quanto à morfologia interna evidenciada por níveis sócio-econômicos e culturais bastante congruentes" (Toledo, 1996 p.105).

    Apesar de, não totalmente compreendida, "...a preferência pelos clubes (dos outros) entre torcedores organizados é mediada por uma outra trama de sociabilidade existente. Trama que se revela numa preferência mais permanente, que se estabelece e se reafirma (ou não) a cada jogo, nos encontros e desencontros pelos estádios de futebol." (Toledo, 1996 p.109)

    A TOF conta atualmente (em 2003) com pelo menos oito TO´s co-irmãs em todo o Brasil3. Essas alianças se devem à sociabilidade "que evoca a esfera da reciprocidade, poder e prestigio" (Toledo, 1996 p.105) das mesmas e pode ser quebrada a qualquer momento. Segundo M.P. membro da diretoria da TOF a torcida já quebrou aliança por falta de respeito às mulheres dentro da própria Sede da TOF: "Não admitimos desrespeito. O fato de desrespeitarem nossas mulheres reflete em toda a TO".

    Uma das funções das Torcidas co-irmãs é dar hospitalidade à outra, quando esta é visitante e vem até a cidade assistir uma partida, seja de qual time for. E jogo de torcida co-irmã vira sempre festa, e a presença feminina aumenta principalmente pela aparente ausência de conflitos pelas ruas:

Cheguei na Praça Afonso Botelho (mais conhecida como praça do Atlético) exatamente 13:10. Os ônibus da Máfia Azul (num total de três), a torcida organizada do Cruzeiro haviam chegado a pouco e notava-se a presença um grande contingente de pessoas trajadas de azul, sendo recepcionadas por torcedores da TOF em frente à Baixada e aos poucos se dirigindo a Sede (Diário de Campo, Atlético x Cruzeiro, 13/09/2003).

    Em meio das trocas de "panos"4 feitas pelos torcedores na sede, da mistura do ritmo das baterias, as mulheres associadas vão chegando e aos poucos misturam-se aos torcedores para aguardar o início do jogo.

    Ao final do jogo todos se dirigem a Sede, e apesar da derrota do time da casa o clima é de alegria e união. A troca de panos continua e um maior número de mulheres está presente, segundo elas "dar uma olhada nos mineirinhos" (Diário de Campo Atlético x Cruzeiro, 13/09/2003).

    Só olhar mesmo, porque nenhuma delas ousou conversar com alguns que passavam, olhavam e ainda teciam alguns comentários sobre elas.

    A única exceção que chamou mais atenção foi uma torcedora alheia a esse grupinho que "aparentando estar alcoolizada estava conversando com todos. Pediu até que eu tirasse uma foto dela (com a minha câmera) com um torcedor cruzeirense que nem ela e nem eu sabíamos quem era. A foto ficou comigo e na hora ela nem se preocupou como iria vê-la posteriormente (ver anexo 10)" (Diário de Campo, Atlético x Cruzeiro, 13/09/2003).

    O que vale ressaltar é que o respeito era mútuo e a união prevaleceu em todos os momentos.


Notas

  1. Nome dado ao clássico envolvendo o Clube Atlético Paranaense e o Coritiba Foot Ball Club.

  2. Torcida Organizada com menor número de associados, fundada em 1992 e extinta em 2000. Segundo eles devido às perseguições sofridas pelos torcedores da TOF, que, em contrapartida, se defendem alegando que a Ultras aliou-se com a Império Alviverde, maior TO do Coritiba Foot Ball Club - o maior rival do Clube Atlético Paranaense, após estes o defenderem em uma briga no Estádio do Coritiba. Hoje, 2003, a TO Ultras do Atlético está aos poucos se inserindo novamente no âmbito futebolístico.

  3. Gaviões Alvinegros do Figueirense-SC, Falange Azul do Londrina-PR, Leões da Fabulosa da Portuguesa-SP, Fiel Força Tricolor do Botafogo-SP, Máfia Azul do Cruzeiro-MG, Os Imbatíveis do Vitória - BA, Leões da Tuf do Fortaleza - CE, Remoçada do Remo -PA.

  4. Os torcedores trazem mochilas repletas de material da sua TO para trocar por material da TO alheia.


Referências

  • A REVISTA VIRTUAL DAS TORCIDAS ORGANIZADAS. Informações sobre as torcidas co-irmãs. Disponível em http://www.brasilultra.com.br. Acesso em agosto de 2003.

  • DA SILVA, Viviane Hansen. Pesquisa de campo. Curitiba, 22 jul.2003. Entrevista com M.P, na Sede da Torcida Organizada Os Fanáticos, em 22 de jul. de 2003.

  • DA SILVA, Viviane Hansen. Diário de Campo. Curitiba, jul à out de 2003.

  • TOLEDO, Luiz Henrique. Torcidas Organizadas de Futebol. Campinas: Autores Associados/Anpocs, 1996.

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