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A eficácia do processo ofensivo em Futebol.
O incremento do rendimento técnico-táctico

   
*Pós-graduado em Desporto, Técnico de Futebol
Vitória Futebol Clube
**Licenciado em Desporto, Técnico de Futebol
Vitória Futebol Clube
***Professor Associado da Faculdade de
Motricidade Humana-UTL
(Portugal)
 
 
Nuno Guia*
nunoguia627@hotmail.com
 
Nuno Ferreira**
nunoferreira11@sapo.pt
 
César Peixoto***
cpeixoto@fmh.utl.pt
 

 

 

 

 
Resumo
    É consensualmente aceite que ao longo dos tempos o futebol foi sofrendo alterações tanto ao nível das regras como ao nível técnico, táctico e estratégico. Nos primórdios do jogo, as equipas apenas se preocupavam em marcar golos, não dando muita importância à defesa, era o chamado jogo anárquico, em que cada jogador procurava resolver as várias situações individualmente. Com o decorrer dos anos as equipas começaram a construir um bloco defensivo, o que veio contrariar o objectivo principal do jogo de então. Começou-se a colectivizar o jogo. Um novo conceito surgiu: o de jogo em equipa.
    Unitermos: Futebol. Análise do jogo. Processo ofensivo. Técnica. Táctica. Pedagogia. Ensino.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 79 - Diciembre de 2004

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Introdução

    O Futebol como actividade desportiva enquadra-se, em função das suas características, nos Desportos Colectivos. Apresenta um conjunto de indivíduos em interacção mútua com relações e interpelações coerentes e consequentes, com objectivos convencionados e funções específicas definidas. Salientam-se como principais características deste desporto a existência de um objecto de jogo (bola), a disputa complexa (individual/colectiva), as regras, a duração do jogo (tempo), as dimensões do terreno (campo/s) bem como as técnicas e tácticas específicas.

    Ao reconhecermos a existência de um espaço temporal e de um espaço de jogo, entendemos por táctica o momento pelo qual (no ataque ou na defesa) com ou sem bola, resulta uma disputa individual ou colectiva com um determinado adversário. Segundo Resa (1998) nos desportos colectivos todas as acções vêm determinadas pela solução táctica, num espaço em que se estabelecem relações, onde se integram todos os jogadores e onde existem confrontos activos e sucessivos.

    O jogador necessita de compreender, saber o que está a acontecer e como observar, caso contrário não saberá distinguir o importante do acessório, muito menos avaliar. Esta é uma matriz fundamental dos desportos colectivos - o tipo de conduta que se adquire, exige constantemente do jogador dois pressupostos: uma decisão (solução mental como variável a aplicar) e uma acção (ajuste mecânico-energético).

    O jogo de futebol pode ser muito mais que a técnica de dominar a bola e de a disputar, porque evidencia várias acções como a criação de linhas de passe, ocupar espaços livres, deslocamentos no espaço e até "enganar" os adversários. O futebol apresenta-se como um jogo que contém dois jogos num só, um jogo com bola e um jogo sem bola. O jogo com bola está relacionado com a realização consecutiva de acções, que dependem de um conjunto diverso de pressupostos como a coordenação e a agilidade, entre outros. O jogo sem bola, de elevada componente estratégica/táctica, tem seguido desde sempre os mesmos objectivos. Esta concepção salienta o futebol como um jogo altamente estratégico/táctico. Este eixo concorre para a importância da inteligência do jogador, sendo a sua percepção (realizar o melhor a cada momento) a melhor interpretação para uma solução no menor tempo possível (factor que conduz o seu comportamento táctico). A este propósito, Garganta & Cunha e Silva (2000) referem que o que faz o jogo é a transformação da causalidade em casualidade, ou seja aproveitar o momento.


Problema

    Vários autores vêm demonstrando nos seus estudos, através da análise do jogo de futebol, que de facto neste jogo não jogam onze contra onze, já que só existe um objecto no jogo (a bola)! O que farão todos os outros jogadores? Na realidade, realizam-se consecutivamente disputas corpo a corpo (1x1) com e sem bola, relações por binómios (2x2) e trinómios (3x3) com e sem bola, duelos em inferioridade numérica ou superioridade numérica (2x1; 1x2; 3x2; 2x3, etc.), em locais distintos do espaço de jogo. Em cada uma destas possibilidades racionais de jogo dá-se o desenvolvimento de acções quer defensivas quer ofensivas e a estratégia apresenta-se, para alguns autores, como a única parte sistematizável no jogo. Existem diferenças entre o Jogo e a execução de Jogadas, com múltiplos métodos de análise, de forma a compreender, para melhorar os intervenientes no processo de composição e enquadramento desse jogo, devendo reconhecer nessas variáveis a sua interdependência na organização dos seus conteúdos fundamentais.

    A técnica pressupõe a eficiência relativamente à fluidez do movimento, o que significa que deve estar ligada às possíveis alterações consecutivas do jogo, relativamente ao posicionamento dos colegas de equipa, dos adversários e do espaço em que as acções decorrem, estando, desta forma, relacionada com os aspectos tácticos. Segundo Teissie (1970; citado por Castelo, 1996), as qualidades técnicas de um jogador não se apreciam somente quanto à forma, mas também e necessariamente, quanto ao momento, orientação e velocidade de execução do procedimento técnico, que assim deverá responder eficazmente à situação momentânea do jogo.

    Se o modelo de jogador precede o modelo de jogo adoptado, então necessitamos de um instrumento de observação que seja eficiente e que ajude o treinador a desenvolver o rendimento no jogador de futebol. Este, por sua vez, apresenta um conjunto de acções que se integram no âmbito das movimentações individuais, que são um meio determinante no jogo para se atingir os objectivos. Pressupõe a eficiência do movimento, ajustando-se a alterações sucessivas de outros (colegas e adversários) e de espaços em que decorrem as acções. O problema do espaço é fundamental na resposta à variabilidade situacional, em que as acções para o prosseguimento dos objectivos passam pela criação, ocupação e exploração dos espaços livres.


Objectivos

    Este estudo faz um enfoque, particularmente, na fase de ataque (considerando o processo ofensivo) com base nos conteúdos técnico-tácticos do ataque. O nosso estudo recai sobre os Jogadores e o tipo de passe (curtos e longos), os deslocamentos sem bola e as progressões com bola, quanto à distância percorrida e ao local do espaço em que ocorreram. O jogo de futebol evolui no interior de um campo circunscrito e as combinações espaciais implicam um número infinito de possibilidades, existindo "zonas de terreno significativas e interligadas" em função da utilização, da dimensão e das limitações do seu uso. Para isso dividimos o espaço/campo em corredores de jogo (divisão longitudinal do espaço de jogo em três partes iguais), e em sectores de jogo (divisão transversal do espaço de jogo em três partes iguais).

    O instrumento de medida foi elaborado por nós a partir da análise dos conteúdos técnico-tácticos relevantes do jogo. Temos como base metodológica a observação sistemática. Utilizámos o método indirecto já que todos os dados foram registados através de filmagem em vídeo e, em simultâneo, foi utilizado o método directo por meio da técnica de registo de ocorrências.

    Deste modo, foi elaborado um protocolo, definido relativamente aos conteúdos aqui descritos, que nos permite entender melhor os objectivos do estudo.



Quadro 1 - Protocolo de observação


Amostra

    A amostra estudada pertence a uma equipa de futebol de onze, do Vitória Futebol Clube, integrada no escalão competitivo de juniores-C (iniciados) na época de 2002-2003, disputando o campeonato nacional série-E, cuja observação foi realizada durante 15 jogos consecutivos com as seguintes características: média de idades = 14 anos. Este estudo considera e descrimina o posicionamento dos jogadores, por sectores, no espaço de jogo, a saber: defesas, médios e atacantes. Em relação aos médios distinguimos entre defensivos e ofensivos uma vez que neste estudo e nesta equipa a distribuição dos jogadores apresenta diferenças. Portanto, consideramos no sector do meio-campo como médios defensivos os mais recuados e como médio ofensivo o mais avançado no espaço para melhor percebermos as diferenças.


Resultados obtidos

    Os resultados obtidos pressupõem encontrar uma relação entre o número de contactos e os passes curtos/longos certos por posição, bem como entre os deslocamentos sem bola e as progressões com bola, utilizando para o efeito a divisão do campo em corredores e sectores



Quadro 2 - Número de contactos por posição

    O número de contactos com maior eficácia, tanto nos passes curtos (84,9% e 96,6%), como nos longos (38,7% e 69,1%), são os efectuados a dois contactos. No entanto, os médios defensivos apresentam maior eficácia a mais de três contactos (89,1% - curtos e 57,1% - longos) enquanto que, os defesas laterais são mais eficazes nos passes longos a mais de três contactos (63,6%).

    O estudo revelou-nos ainda, no que se refere aos grupos de jogadores e os passes curtos/longos certos, verificam-se diferenças altamente significativas entre os defesas laterais e o médio ofensivo, entre os defesas laterais e os atacantes laterais e entre os defesas laterais e o atacante central. Existem ainda diferenças significativas entre os médios defensivos e o médio ofensivo e entre os médios defensivos e o atacante central, sendo que os primeiros acertam mais passes que os segundos.

    No vínculo entre os grupos de jogadores e os passes curtos/longos falhados, existem diferenças altamente significativas entre os defesas laterais e o atacante central, entre os defesas laterais e o médio ofensivo, entre os defesas centrais e o médio ofensivo, entre os defesas centrais e os atacantes laterais, entre os defesas centrais e o atacante central, entre os médios defensivos e o médio ofensivo, entre os médios defensivos e os atacantes laterais e entre os médios defensivos e o atacante central, sendo que os segundos falham mais passes (curtos e longos) que os primeiros.

    Procuramos também aferir os deslocamentos sem bola e as progressões com bola em conformidade com a distância percorrida e o local do espaço de jogo em que ocorreram (sectores e corredores). A fig. 1 apresenta-se como uma forma facilitadora da leitura dos quadros 3 e 5, em relação à quantificação das ocorrências.


Figura 1 - Divisão do espaço em sectores e corredores


Quadro 3 - Deslocamentos sem bola


Quadro 4 - Total de deslocamentos sem bola por sectores e corredores

    O maior número de deslocamentos sem bola é de 10 metros (92,9%), 20 metros (7,0%) e mais de 20 metros (0,1%). A média por jogo desses deslocamentos é de 86,3; 6,5 e 0,1 respectivamente. O sector mais utilizado é o do meio campo (698 ocorrências; 50,1%), em comparação com o do ataque (356; 25,5%) e o da defesa (339; 24,4%). O corredor mais utilizado é o central (589; 42,3%) enquanto no corredor lateral esquerdo (417; 29,9%) e no corredor lateral direito (387; 27,8%).


Quadro 5 - Progressões com bola


Quadro 6 - Total de progressões com bola por sectores e corredores

    O maior número de progressões com bola é de 10 metros (87,6%), 20 metros (11,6%) e mais de 20 metros (0,8%). A média por jogo desses deslocamentos é de 14,1; 1,9 e 0,1 respectivamente. O sector mais utilizado é o do meio campo (124 ocorrências; 51,5%) em comparação com o do ataque (116; 48,1%) e o da defesa (1; 0,4%). O corredor mais utilizado é o corredor lateral direito (103; 42,7%) enquanto no corredor lateral esquerdo (74; 30,7%) e no corredor central (64; 26,6%).


Considerações

    Do exposto acima torna-se fundamental ter em atenção os seguintes aspectos: Na ligação com o processo do jogo (técnico-táctico) constatamos que o passe curto está associado ao sucesso e o passe longo ao erro, possivelmente devido à superfície de contacto utilizada à distância e à relação que se produz entre os instrumentos.

    Verificamos que os defesas laterais apresentam maior índice de sucesso nos passes curtos e longos certos em relação ao médio ofensivo, atacantes laterais e atacante central. Igualmente, os médios defensivos revelam maior eficácia, nestes tipos de passe, em relação ao médio ofensivo e ao atacante central, devido ao facto de possuírem mais espaço e tempo disponível.

    Concluímos, também, que os defesas laterais falham menos passes curtos e longos em relação ao médio ofensivo e ao atacante central. Igualmente os defesas centrais e os médios defensivos apresentam menor índice de insucesso nos mesmos tipos de passe em relação ao médio ofensivo, atacantes laterais e atacante central, pois têm a iniciativa do jogo em largura e/ou profundidade.

    Observamos que existe uma diferença elevada entre os deslocamentos sem bola e as progressões com bola, sendo o valor dos primeiros altamente superior. Em relação ao sector de jogo mais utilizado, tanto nos deslocamentos sem bola como nas progressões com bola, a equipa progride e desloca-se mais pelo sector do meio campo. Quanto aos corredores de jogo, nos deslocamentos sem bola o mais utilizado é o corredor central, enquanto que nas progressões com bola são os corredores laterais.

    Verificamos que existe um grande aumento no número de ocorrências de progressões com bola do sector defensivo para o sector do meio campo. No entanto, deste sector para o sector atacante há uma ligeira diminuição no número de acções. Identificamos também grande aumento no número de ocorrências de deslocamentos sem bola do sector defensivo para o sector do meio-campo. Assinalámos, ao mesmo tempo, grande diminuição do número de acontecimentos deste sector para o sector atacante.

    Com a progressão no espaço de jogo, existe um acréscimo de dificuldade na execução e consequentemente no aumento do número de insucessos. As invariantes estruturais do jogo são determinantes porque definem a sua qualidade.

    Podemos afirmar que, diminuindo o número de jogadores no centro do jogo, aumenta o espaço e o tempo de execução, logo o aumento do número de passes certos. Com o aumento do número de jogadores no centro do jogo, diminui o espaço e o tempo de execução, daí o aumento dos passes errados. No jogo táctico, devemos tentar estabelecer uma relação directa entre todos os jogadores da equipa.


Aplicação

    Dirigimo-nos para o processo de ensino-treino, o qual, será uma conjuntura determinante para se melhorar a intervenção no jogo. Nesse pressuposto, nós consideramos como recomendações finais as seguintes situações que podem simplificar o ensino do jogo:


Jogo a dois contactos - possibilita:

    Jogo de velocidade elevada com deslocamentos automáticos constantes, de grande variabilidade e flexibilidade ao nível posicional;

    Passa a existir a sensação de organização dentro da estrutura colectiva da equipa, o que pressupõe a existência de um plano de jogo previamente elaborado.

    Com a criação de linhas de passe, o jogador, já deve saber o que vai fazer se a bola entrar, em antecipação permanente;

    Com a recepção, a bola deve ficar pronta para ser jogada de imediato. Após o passe, torna-se obrigatório o deslocamento para cobertura ofensiva e/ou mobilidade;

    Promove a auto-eficácia através da percepção de controlo emocional e pelos pensamentos positivos que daí resultam. Os jogadores passam a estar motivados para o sucesso porque o jogo começa a ter continuidade, o que promove o encadeamento devido à segurança que surge consubstanciada na qualidade do passe.


Jogo a mais de três contactos - possibilita:

    Recorre-se à condução de bola, devido ao fecho das linhas de passe. Começando a ser alternativa o passe longo; (Joga-se frequentemente a mais de três contactos quando se retarda a entrega da bola e se anulam linhas de passe simples);

    Começa a ser solução a alternância dos corredores de jogo, ou então e devido à concentração defensiva e com a redução da profundidade ofensiva, torna-se alternativa o passe atrasado, para promover a circulação e a nova tentativa de construção ofensiva do jogo no outro corredor lateral;

    O aumento do número de contactos deve ser uma estratégia para um determinado jogador, numa determinada zona do terreno, num timing adequado, torna-se um recurso; (Justifica-se o aumento do jogo para mais de três contactos se com isso conseguirmos aumentar a sua objectividade)


Bibliografia

  • Castelo, J. (1996). Futebol - A Organização do Jogo. Ed. Autor. pp. 273.

  • Garganta, J. & Cunha e Silva, P. (2000). O Jogo de Futebol: Entre o Caos e a Regra. Revista Horizonte. Vol. XVI. N.º 91. pp. 5-8.

  • Guia, N., Ferreira, N., Peixoto, C. (2003). The Efficiency of Football Offensive Process. Increase Technical Performance. Book of Abstracts - Science & Football; 5th World Congress. Faculty of Human Kinetics of Lisbon - Portugal. Ed. Gymnos. Madrid. pp. 50-51.

  • Guia, N., Ferreira, N., Peixoto, C. (2003). The Efficiency of Football Offensive Process. Increase Technical-Tactical Performance. Book of Abstracts - Science & Football; 5th World Congress. Faculty of Human Kinetics of Lisbon - Portugal. Ed. Gymnos. Madrid. pp. 253-254.

  • Peixoto, C. (1997). Sistemática das Actividades Desportivas. Modelos e Sistemas de Análise do Desempenho Desportivo. Ed. F.M.H. Cruz Quebrada. Lisboa.

  • Resa, Á. (1998). Aplicaciones del Análisis y Evaluación de la Técnica en Baloncesto. Educación Física y Deportes. N.º 54. pp. 37-43.

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