Esporte e mídia: projeção de cenários futuros para a programação regional e global |
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*Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná **Universidade Estadual de Ponta Grossa (Brasil) |
Dr. Luiz Alberto Pilatti* lapilatti@pg.cefetpr.br Juliana Vlastuin** jvlastuin@brturbo.com |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 79 - Diciembre de 2004 |
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Introdução
Pouquíssimos fenômenos possuem a dimensão planetária do esporte. Inserido nos meios de comunicação o esporte torna-se um espetáculo sem igual, capaz de colocar mais de dois bilhões de pessoas numa mesma platéia. Por possuir uma linguagem universal, produzida por regras padronizadas, o esporte apresenta uma espécie de estética que se amolda perfeitamente à mídia. Um gol bonito é bonito aqui e em qualquer lugar do mundo. Com a inserção midiática, algumas das mais belas obras de arte produzidas pelos diferentes esportes passaram a fazer parte do cotidiano e da memória coletiva da humanidade. Quem não se lembra de dois lances produzidos em momentos da mais pura magia da genialidade de Pelé que não resultaram em gols? Quem não se recorda da dramática cena registrada na Olimpíada de Los Angeles, com a suíça Gabriele Andersen Scheiss completando a maratona feminina cambaleando? São tantas outras imagens.
Trata-se de um esporte novo. Diferente daquele que, na sua forma moderna, nasceu na Inglaterra do final do século XIX dentro das grandes escolas, reservadas às elites da sociedade burguesa, como um elemento diferenciador de classe e que, rapidamente, foi apropriado por classes proletárias e se difundiu para o resto do mundo, orquestrado pela bandeira do amadorismo que, em última instância, representava a manutenção dos ideais mais segregacionistas da elite burguesa.
Com a inserção midiática as pessoas, praticantes ou simplesmente admiradoras do esporte, passaram a fazer parte de um mundo que cresceu de modo impressionante a cada gol, a cada recorde nas quatro últimas décadas. O mercado esportivo está diretamente ligado a uma indústria mundial que envolve cifras bilionárias, uma indústria que alcança a todos que se ligam na emoção do esporte, em qualquer parte do planeta.
Foram os satélites que possibilitaram a apropriação do esporte pela indústria do entretenimento quando ligaram os continentes pela imagem, há aproximadamente 40 anos. O espetáculo esportivo, que antes acontecia apenas para o deleite das arquibancadas, foi globalizado. A televisão multiplicou a platéia de milhares para criar a audiência e o mercado de milhões. O produto é bom. O esporte fascina porque é uma verdade absoluta, uma realidade incontestável que acontece diante dos olhos do espectador. Esporte é confronto, é vontade, é talento, é derrota, é vitória, é a busca do limite e a certeza do inédito, como a jogada de um gol, nunca se sabe como será, até o instante em que é. O esporte não tem enredo, contagia o mundo com a espontaneidade, dá lucro com a emoção. O esporte vende de tudo e vende de vários modos. O esporte vende moda, vende estilo de vida, modismos, equipamentos, acessórios, idéias e necessidades.
A indústria do esporte cresceu e com ela a qualidade dos eventos e dos equipamentos esportivos. Os espetáculos esportivos estão cada vez mais elaborados, cada vez mais espetaculares e, ao mesmo tempo, mais ajustados ao formato exigido pela mídia. O esporte foi metamorfoseado definitivamente pelo dinheiro. Modificou-se tudo que foi necessário para seu novo formato, desde o ideal até as regras. Uma nova equação foi produzida: espetáculo esportivo mais mídia é igual a lucros milionários.
Os valores envolvendo o espetáculo esportivo se tornaram astronômicos. No entanto, a idéia de que o céu era limite parece estar sendo revista. Os valores tornaram-se tão elevados que parecem estar chegando no seu ponto de inflexão.
O objetivo do presente trabalho é visualizar possíveis cenários futuros do esporte na mídia. Para tal, será pensado tanto o esporte local como aquele que, no seu padrão moderno, assumiu a forma de espetáculo.
Do ponto de vista metodológico o presente estudo, que em função de seus objetivos pode ser classificado como exploratório, utilizou dois procedimentos técnicos complementares: a pesquisa bibliográfica e o estudo de caso.
Com o caso, pensou-se o espaço destinado à programação esportiva local dentro da caracterização televisiva de canais abertos e fechados da Cidade de Ponta Grossa-PR. Para isso, problematizou-se a questão da regionalização da cultura do esporte, tendo em vista o Projeto de Lei nº 256/91, um artigo institucional em tramitação final pelo Congresso, que trata da programação televisiva regional, a fim de propor o cumprimento de uma quantidade mínima de produção com enfoque regional. Através de uma estruturação das formas de acesso aos canais de televisão da cidade, elaborou-se uma classificação (cabo, parabólica, sky e tv aberta), a partir da qual realizou-se um mapeamento do tempo disponibilizado dentro da programação cultural local à transmissão de programas que enfatizassem o esporte na região dos Campos Gerais, tendo como instrumento de análise um levantamento detalhado sobre o que existe, dentro das temáticas locais, de programas específicos destinados ao esporte.
Analisa-se também os efeitos que tal medida, adotada pelo Congresso Nacional, irá exercer sobre as grandes matrizes com seus efeitos massificantes, dentro da atual programação oferecida pelas emissoras de TV em rede aberta.
Pretende-se assim, pelo processo de significação da comunicação através da preservação cultural e social de cada região à qual está embutida a programação esportiva, tornar a mesma um fator que enriqueça o relato na TV local, bem como contribua para tornar-se um fator integrante da identidade local das regiões.
Com a pesquisa bibliográfica foi colocado em exame o esporte espetáculo. Foi resgatado um pouco de uma história que é recente. Com o resgate foram observadas tendências futuras.
O esporte local na mídia: o caso da cidade de Ponta Grossa - PRDe acordo com a formas de acesso das operadoras de serviços de TV na cidade de Ponta Grossa, elaborou-se uma classificação, a partir da qual ilustrou-se a configuração do sistema televisivo local. Baseado na programação específica de cada inserção comercial, dividiu-se as possibilidades dentro da transmissão em sinal aberto e broadcast (broad = amplo, cast = emissão):
Inseridas dentro de tais possibilidades de acesso, destacam-se as operadoras dos serviços disponibilizados na cidade de Ponta Grossa. A Canbras é uma empresa operadora de TV por assinatura e internet via cabo, executando o sinal na região. Atualmente, a empresa está presente em 19 cidades no Brasil, atendendo cerca de 200.000 assinantes do serviço de TV por assinatura. Transmitidos através da Canbras existem dois canais com programação local: a TVM (Canal 14) e a TV Vila Velha (Canal 16). A TVM, o Canal do Momento, o qual conta com diversos programas que vão desde infantis a culinários e ainda uma revista eletrônica - TVM Revista - representa a única emissora eminentemente local, possuindo aproximadamente 15 mil assinantes, totalizando uma média 60 mil telespectadores.
A recepção de sinal via parabólica para a região de Ponta Grossa oferece 26 canais, incluindo canais culturais, filmes, músicas, noticiários e infantis, existindo apenas dois canais esportivos retransmitidos: a Band (Canal 13) e o NSC (Canal 51). Não há nenhum canal local produzido para o sinal via parabólica.
A Sky, TV por assinatura via satélite, leva ao ar mais de 150 canais e tem exclusividade na transmissão dos canais Globosat. Dividida em diversos pacotes de programação contendo filmes, músicas, notícias, séries, variedades e shows, conta com o pacote poliesportivo Sky, distribuído entre quatro canais: a ESPN Internacional (Canal 60); líder mundial nos esportes cobrindo diversos eventos ao redor do mundo, ESPN Brasil (Canal 70); primeira emissora ESPN criada fora dos Estados Unidos, SPORTV (Canal 39), com cobertura completa dos principais eventos esportivos do Brasil, campeonatos de futebol, entre outros, e SPORTV2 (Canal 38), não abrangendo nenhuma transmissão esportiva local.
A TV Educativa, canal 58 de Ponta Grossa, é um canal em rede aberta que tem um grande espaço para elaboração de uma programação local e que está em fase de reestruturação. Através do Jornal da TVE, destina-se um espaço de 10 min. para um comentário esportivo local da região. A TVM disponibiliza 1 hora semanal de sua programação para a transmissão do Programa Cia. do Esporte, relatando o que acontece em Ponta Grossa no segmento do esporte. A TV Vila Velha oferece uma faixa durante o Jornal Vila Velha para informações esportivas. Nos canais de TV aberta, praticamente inexiste programação destinada ao esporte local.
De acordo com o Projeto de Lei nº 256/91, de autoria de Jandira Feghali (PCdoB-RJ), apresentado em 13 de agosto de 1991, o qual regulamenta o artigo 221 da Constituição, estabelece-se percentuais para a produção artística, cultural e jornalística de cada localidade, no sentido de dar aos telespectadores uma maior visibilidade à publicidade e às manifestações artísticas mais diversas, características de cada região.
O Projeto determina que as emissoras de televisão aberta e as rádios dediquem à produção local 30% da programação apresentada entre 7h00 e 23h00, ressaltando a necessidade de estabelecer o gradualismo na consecução desse objetivo, de modo a não inviabilizar financeira e operacionalmente as emissoras de televisão.
A regulamentação do artigo 221 se constitui em uma proposta importante para o país, já que viabilizará a produção audiovisual fora do eixo Rio-São Paulo, representando desenvolvimento de mercados locais e também incentivo às culturas regionais, conseqüentemente com uma maior abertura aos acontecimentos esportivos específicos de cada localidade.
O Projeto de Lei nº 256/91, proposto por Jandira, já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas encontra-se "parado" na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para redação final. Só depois de ser liberado pelo CCJ poderá ser encaminhado ao Senado Federal. Segundo a deputada, o processo de discussão do Projeto de Lei foi bastante amplo para todos os interessados, inclusive às emissoras de TV, a fim de apresentarem propostas. Conforme afirmou Jandira Feghali, durante o 4o Fórum Brasil de Programação e Produção1, em São Paulo,
Procuramos um caminho de consenso e alteramos a proposta original para incorporar outros pontos de vista. Mas, percebemos que, grupos econômicos que se sentem possivelmente prejudicados pela proposta, agem de forma pouco aberta no Congresso, com o objetivo de travar o andamento do projeto (FEGHALI, 2004).
O prazo para as emissoras de TV se adaptarem foi estabelecido em dois anos e a punição passou a ser uma advertência em vez do cancelamento da concessão pública. Entende-se que a medida, se aprovada, criará um amplo mercado no país para a produção independente de vídeo e que os núcleos de televisão das instituições de ensino superior podem constituir-se em fornecedores de programação de qualidade às emissoras de suas regiões.
O Grupo Globo anunciou a criação da Globo S.A, uma holding que englobará os ativos em mídia do grupo, abrigando a TV Globo, Globosat, Globo.com, Som Livre, Sistema Globo de Rádio, Editora Globo, os jornais e as gráficas do grupo, além de administrar as participações do grupo nas empresas Net Serviços de Comunicação e Net Sky, atuando na coordenação estratégica, acompanhamento de desempenho, gestão financeira e controle orçamentário, de acordo com as determinações de um conselho de administração organizado pelo presidente da companhia. A mudança é o primeiro passo da implantação de um novo modelo de gestão para aproveitar as possibilidades abertas pela nova versão do Artigo 221 da Constituição.
Esporte-espetáculo e mídia: possibilidades futurasO espetáculo esportivo é, como já foi visto, um fenômeno multifacetado. Algumas das suas faces são visíveis, outras não. Esse argumento fica explícito na fala do sociólogo francês Pierre Bourdieu. O autor, ao discutir os Jogos Olímpicos, faz a seguinte manifestação:
O referencial aparentemente é a manifestação "real", isto é, um espetáculo propriamente esportivo, confronto vindo de atletas de todo o universo que realiza sob o signo de ideais universalistas, e um ritual, com forte coloração nacional, entrega de medalhas com bandeiras e hinos nacionais. O referencial oculto é o conjunto das representações desse espetáculo filmado e divulgado pelas televisões, seleções nacionais efetuadas no material em aparência nacionalmente indiferenciado (já que a competição é internacional) que é oferecido no estádio. Objeto duplamente oculto, já que ninguém o vê em sua totalidade e ninguém vê que ele não é visto, podendo cada telespectador ter a ilusão de ver o espetáculo olímpico em sua verdade. (BOURDIEU, 1997, p. 123).
Trata-se de um processo de transmutação simbólica. Segundo Bourdieu, sua compreensão perpassa a análise da construção social do espetáculo e também das manifestações que elas são cercadas. Na seqüência, a análise deveria ser focada na produção da imagem televisiva do espetáculo que aloca spots publicitários, tornando-se portanto um produto regido pela lógica do mercado. Com essa lógica, deve alcançar e cooptar da forma mais duradoura possível o público mais amplo possível. A demanda pelo consumo do espetáculo é a chave interpretativa do processo. Essa lógica produz um valor distintivo para os diferentes esportes. Em outros termos, quanto maior a demanda de um determinado esporte, maiores serão os lucros econômicos correlatos. O poder das organizações esportivas passa ser medido pelo sucesso televisual. Com essa lógica, falando dos Jogos Olímpicos, Bourdieu (1997) reconstrói a idéia do espetáculo esportivo como:
"instrumento de comunicação", isto é, o conjunto das relações objetivas entre os agentes e as instituições comprometidos na concorrência pela produção e comercialização das imagens e dos discursos sobre os Jogos: o Comitê Olímpico Internacional (COI), progressivamente convertido em uma grande empresa comercial com orçamento anual de 20 milhões de dólares, dominado por uma pequena camarilha de dirigentes esportivos e de representantes das grandes marcas industriais (Adidas, Coca-Cola etc.), que controla a venda dos direitos de transmissão (avaliados, para Barcelona, em 633 bilhões de dólares) e dos direitos de patrocínio, assim como a escolha das cidades olímpicas; (BOURDIEU, 1997, p. 125-126).
O "instrumento" coloca grandes companhias de televisão (principalmente as americanas) em concorrência por direitos de transmissão; multinacionais em concorrência pelos direitos mundiais de associação, em muitos casos exclusiva, de suas marcas com o produto espetáculo. Produtores de imagens em relação de concorrência têm seus trabalhos orientados para a construção da representação dos eventos. O espetáculo, com essa lógica, é construído duas vezes. Uma primeira vez pelos atores envolvidos no próprio espetáculo; uma segunda vez pelos produtores e reprodutores da imagem em discurso desse espetáculo que estão em confronto, orientados por pressões exercidas com as relações objetivas estabelecidas.
As perguntas que ficam são: existe um gargalo nesse processo de instrumentalização do espetáculo esportivo ou o céu é o limite? Se existe: qual é esse gargalo? E ainda: é possível pensar num cenário futuro?
Dessas, a pergunta que pode ser respondida com maior facilidade é a primeira. Certamente, existem limites. As transações multimilionárias, envolvendo transferências de jogadores, projetas para depois da Copa do Mundo de Futebol, realizada em 2002 na Ásia, acabaram não acontecendo. Tornou-se patente que a capacidade de pagamento de somas astronômicas para um número cada vez maior de jogadores estava se esgotando. Outros indicativos são facilmente percebidos em diferentes escalas.
Supondo que o gargalo exista, a pergunta seguinte, já colocada, torna-se procedente. Evidentemente, precisar limites desse gargalo é algo intangível. No entanto, de forma concreta, é possível pensar na direção do processo. Muitos estudiosos, de diferentes áreas, centraram seus estudos nesse terreno sinuoso em que o objeto em exame está situado.
Uma leitura linear produzida em diferentes períodos temporais permite visualizar a transmutação desse objeto. De um pequeno espetáculo local, extremamente restrito, ganhou a dimensão planetária. De algo amador, transformou-se num negócio profissional que deve movimentar, apenas em receitas diretas, mais de US$ 70 bilhões em 2005. As receitas indiretas são aproximadamente seis vezes maiores (KEARNEY, 2003).
Muitos estudos permitem a leitura mencionada. Um conjunto significativo de artigos contidos no Journal of Sports Economics, disponível no Portal Capes (http://www.periodicos.capes.gov.br)2, são particularmente interessantes para acompanhar essa evolução. Trata-se de um processo que apresenta uma tendência de queda no crescimento. Alguns artigos produzidos por autores brasileiros também são bastante interessantes, entre eles pode-se citar o trabalho apresentado pelo economista Marcelo Weishaupt Proni no número inicial da Revista Conexões (1998). Com título Marketing e Organização Esportiva, Proni (1998) ilustra o crescimento do espaço que, seguindo as premissas de Bourdieu, pode ser chamado de campo esportivo. A projeção dos cenários, ainda que diferentes do atual, mostrou-se correta. O fato perspectiva que o campo em exame é extremamente mutável.
Estabelecida a direção do processo, torna-se vital para os desdobramentos propostos expor, ainda que de forma impressa, o gargalo existente e uma projeção futura. O estudo apresentado por A. T. Kearney na Revista HSM Management, O jogo está começando (jul-ago 2003), é particularmente útil para tal fim.
Kearney (2003, p. 37) vê o esporte como um setor próspero, que possui um público diversificado em todo o mundo. Para o autor "os esportes se consolidaram como valioso nicho da programação de lazer, disputado pela mídia eletrônica em batalhas cada vez mais complexas diante da proliferação de plataformas e canais de TV". Os equipamentos esportivos se tornaram ou, em muitos casos, ainda estão se tornando, centros de entretenimento multimídia. Nesses centros pode-se assistir aos jogos, fazer compras e comer em restaurantes luxuosos. Para Kearney (2003, p. 37),
Os esportes vivem um boom, figuram entre os segmentos de crescimento mais rápido na área da mídia e do entretenimento. Em todo o mundo, o setor do esporte gerou uma receita superior a US$ 54 bilhões em 2001. Tal valor deve crescer mais de 7% ao ano no próximo quadriênio, e a receita direta deve chegar a US$ 73 bilhões em 2005. O maior mercado está nos Estados Unidos, embora a América Latina e o bloco Europa, Oriente Médio e África registrem maiores crescimentos.
Além disso, o esporte beneficia segmentos afins - de turismo e publicidade até equipamentos, roupas, games e alimentação -, movimentando indiretamente em 2001 US$ 370 bilhões em todo o mundo, dos quais US$ 155,7 bilhões só na América do Norte.
Para trabalhar com cenários futuros, Kearney (2003) transformou os geradores de receitas em elementos centrais de análise. Para o autor, o boom do setor deve-se ao crescimento de fluxos não-tradicionais de arrecadação dentro das categorias tradicionais. As categorias de arrecadação tradicionais, como venda de ingressos, direitos de transmissão e patrocínio, permanecem como as mais importantes. Contudo, na direção do decrescimento mencionado, as mesmas dependem menos de táticas administrativas convencionais e mais de originalidade e inovação.
A venda de ingressos, para a maior parte das organizações esportivas, deve aumentar 10% até 2005. Para ilustrar, Kearney cita o exemplo do Manchester United, clube inglês de futebol, que fatura mais com venda de ingressos do que os direitos de transmissão e patrocínio combinados. Outro dado apresentado é da associação de federações internacionais de desportos que estimou que, "no futuro próximo, a receita mundial com ingressos ultrapassará em US$ 7 bilhões o valor referente a direitos de transmissão" (KEARNEY, 2003, p. 37).
Os camarotes VIP em modernos estádios são responsáveis pela transformação. O exemplo colocado por Kearney é da Nathional Footbal League (NFL), liga de futebol americano, onde empresas alugam camarotes por até US$ 150 mil anuais, em contratos que têm periodicidade variável de cinco a dez anos. Com uma lotação próxima de 90%, a demanda por esses espaços luxuosos está longe de diminuir. Os camarotes comuns também têm se mostrado uma opção interessante. Além disso, de uma forma geral, os preços dos ingressos vêm crescendo continua e consideravelmente. Nos últimos dez anos o preço médio dos ingressos cresceu mais de 60%. Para KEARNEY (2003, p. 38):
A receita com ingressos, contudo, só aumentará se a demanda persistir, e as pessoas só continuarão comprando enquanto extraírem valor dos ingressos. Ao elevar os preços, as organizações esportivas mudaram o perfil do público freqüentador de estádios e ginásios. O novo consumidor de esportes é um torcedor disposto a pagar por uma proposta de valor. Para satisfazê-lo, as empresas esportivas abraçam uma filosofia consagrada há tempos no setor de entretenimento: oferecem pacotes completos de lazer. As arenas esportivas deixaram de ser amontoado de assentos ao redor de um campo ou quadra - são plataformas de marketing multimídia.
Um exemplo típico dessas transformações, no futebol brasileiro, é o do Clube Atlético Paranaense (CAP), que investiu na construção de um dos mais modernos estádios de futebol brasileiros, a Arena da Baixada. Além disso, elevou substancialmente o valor dos ingressos de seus jogos. O fato produziu revolta em sua torcida. Tornou-se aparente uma certa inadequação entre o novo produto ofertado (mais caro) com o valor agregado ao ingresso pelas opções de entretenimento e os valores tradicionais do esporte que sempre atraíram espectadores. Na ótica de Kearney (2003), nem mesmo a ascensão do sportainment permite a um clube ou uma empresa correr o risco de sacrificar os seus tradicionais torcedores em detrimento de novos públicos. O CAP acabou recuando.
Estratégias como vendas de ingressos para empresas e carnês acompanham a otimização dos preços dos ingressos. A variação de preços conforme a demanda e dependendo de vários fatores é outra estratégia presente no cenário mutável dos esportes. Para Kearney (2003, p. 39-40),
Os clubes esportivos e times profissionais também têm examinado o mercado de revenda de ingressos - alguns querem estabelecer um relacionamento diferente com a rede de distribuição de ingressos; outros almejam leiloar ingressos pela Internet (a venda on-line para grandes eventos pode chegar a US$ 4 bilhões em 2004). O ideal é que os torcedores paguem preços diferenciados para o mesmo jogo, dependendo de quando e onde comprem seus ingressos.
Os dirigentes com visão empresarial mais ousada tentam alavancar a geração de receitas em suas arenas esportivas na baixa estação.
Os direitos de transmissão, segundo Kearney (2003), entre os geradores de receitas, ocupam o segundo lugar no ranking. Organizações capazes de se adaptar às novas regras do mercado podem vislumbrar um aumento de 5% ao ano nesse segmento. Na verdade, o dado não é novo. O economista Luiz Nassif (1999) anteviu o processo. Para o autor:
A pouca familiaridade da imprensa esportiva com temas econômicos e da imprensa econômica com temas esportivos e o fato de na negociação estar envolvida a controvertida Traffic impediram a real avaliação do contrato firmado pelo Sport Club Corinthians Paulista com o fundo de investimentos norte-americano HMTF (Hicks, Muse, Tate & Furst), do americano Thomas Hicks. Trata-se de uma revolução similar à inauguração do estádio do Maracanã, em 1950. É o início efetivo de uma era de profissionalismo no futebol que parecia nunca mais chegar.
O acordo entre o Corinthians e a HMTF, já sob a égide da Lei Pelé, muda completamente essa relação e reescreve a história do futebol brasileiro.
Antes dele, havia apenas acordos de patrocínio, muitas vezes utilizados como modo de evasão de tributos. O mais conhecido dos acordos - do Palmeiras com a Parmalat - acabava criando um conflito de interesses insolúvel. À Parmalat interessava basicamente a visibilidade da sua marca. Por isso, tinha pleno interesse em reduzir o máximo possível os custos de transmissão pela televisão. E, para ter sua marca veiculada, ainda era obrigada a comprar cotas de patrocínio. A parte do leão acabava ficando com as televisões.
Agora mudou o jogo. O fundo não quer patrocínio, mas ganhar dinheiro com o próprio futebol. Suas fontes de receita serão a arrecadação dos jogos, os direitos de transmissão, a exploração da marca, em produtos licenciados e na venda de jogadores. E a ambição é dar visibilidade mundial aos seus parceiros - tarefa fácil com o país de maior tradição futebolística do mundo.
Para tanto, o HMTF fez investimentos pesados para a realidade brasileira e pequenos para a sua. De cara, pagou jóia de R$ 7 milhões, depois outra tranche de R$ 14 milhões. Além disso, comprometeu-se a bancar pelos próximos dez anos todo o custo do departamento de futebol, incluindo divisões inferiores, em um desembolso de R$ 2,5 milhões mensais.
Entre as demais propostas da HMTF está a construção de um estádio multiuso para 40 mil pessoas, comportando de jogos de futebol a bailes, que ao final do contrato será doado ao clube. Essa tendência praticamente está levando à desativação dos grandes estádios - tipo Morumbi ou Maracanã - que ficaram inviáveis com o advento da televisão. Nos próximos meses, o simbólico estádio de Wembley será demolido para dar lugar a um estádio multiuso.
Contratações
No seu primeiro lance, o grupo americano investiu R$ 45 milhões na compra ou aluguel de novos jogadores - mais do que todos os demais clubes paulistas juntos. Para conferir estabilidade ao seu negócio, a única exigência do fundo foi a indicação do diretor de futebol, para livrar o negócio em si de injunções políticas.
Com o dinheiro recebido, o Corinthians está terminando três centros de treinamento.
Além disso, receberá 15% do que for faturado. Na venda de jogadores revelados pelo Corinthians, o lucro será repartido meio a meio. Sobre a valorização de jogadores que eles adquirirem, recebe 15%.
O primeiro exemplo do estilo HMTF se deu na negociação dos direitos de televisionamento com a Skynet, da Globo - canal pago. Enquanto os demais clubes negociavam em bloco, aceitando luvas fixas, os americanos pularam fora e passaram a negociar em separado. No caso do pay-per-view (em que cada telespectador paga pelo direito de assistir ao jogo), não aceitam mais luvas genéricas, mas exigem percentuais sobre a venda para cada telespectador.
O lance levou a Globo a sair correndo, pagando luvas adiantadas para os demais clubes, antes que explodisse um leilão oneroso.
Para Kearney (2003, p. 40), "a mudança começa pelos acordos de longo prazo. Na era da economia digital, esses contratos provavelmente se extinguirão, por dois fatores: a escassez de dólares do mercado publicitário e a percepção de que os direitos de transmissão estão superestimados". Nos Estados Unidos, tal qual no Brasil, as principais redes vêm abrindo mão de contratos para não perder dinheiro. Essas redes estão tendo prejuízos com as transmissões esportivas.
O fato acaba produzindo mudanças. Os canais abertos passaram a transmitir apenas jogos e eventos principais. Os demais eventos passaram a fazer parte das programações por assinatura. Diferentemente dos canais abertos, os canais por assinatura não dependem totalmente da receita publicitária. O relacionamento pode ser direto entre os canais e os times.
Com a diminuição da arrecadação dos valores com os direitos de transmissão, o desafio presente é busca de novas fórmulas. Kearney (2003) sugere que avanços recentes apontam para a possibilidade de transmissão do conteúdo por formas distintas, a partir de diferentes plataformas.
A principal delas é, indiscutivelmente, a Internet. O volume de informações é muito grande e o tempo médio de visitação das páginas esportivas é um dos mais altos da Internet (KEARNEY, 2003, p. 42). O fato tem produzido uma transformação dos sites. O formato baseado em informações vem ficando de lado para adoção de um modelo que gere receita.
Os caminhos são variados. Pode-se comprar na Internet desde vídeos editados, segundo instruções do comprador, até o caminho da televisão digital, adotado pela NBA. A idéia é que o espetáculo esportivo chegue à TV, computadores, telefones celulares e PDAs. A NBA também está inovando na direção de captar e vender seus ativos digitais. A imagem que o cliente desejar pode ser adquirida.
A digitalização de imagens é o caminho seguido pela NFL. Todo acervo acumulado desde 1933 está sendo passado para o meio digital produzindo um material com possibilidades inclusive comerciais (KEARNEY, 2003, p. 42). O serviço de mensagens instantâneas é outro produto novo.
Na verdade, no que se refere a contratos de transmissão, os mesmos são cada vez mais curtos. Todos correm alguns riscos. Alguns dados que convergem nessa direção são apresentados por Kearney (2003, p. 44). Para o autor:
Na próxima temporada, a NBC vai trocar o prestigiado basquete da NBA pelo arena football (futebol americano de quadra, disputado numa área quatro vezes menor do que um campo tradicional). A rede de TV nada pagará pelos direitos de transmissão, dividindo riscos e receitas com os times da nova modalidade. Como parte interessada no desenvolvimento desse esporte, a NBC assumiu a possibilidade de atrair o público com o perfil desejado. No futuro mundo da banda larga, os clubes poderão transmitir jogos em seus próprios canais e manter para si o dinheiro ganho com publicidade, em vez de vender direitos de transmissão para as redes de TV.
No campo esportivo, a chave é aumentar a receita e atrair mais público. A necessidade produz estratégias diferenciadas nas organizações para conquistar novas fronteiras. Trata-se de um esforço de captação de novos torcedores em qualquer parte do planeta. A fonte de arrecadação tende a ser cada vez mais mundial. As equipes esportivas estão se tornando cada vez mais transnacionais. O time de futebol do Real Madrid é um, entre muitos exemplos notórios. As estratégias de exportação estão cada vez mais presentes nas diferentes modalidades. A FIFA foi pioneira na criação de estratégias inovadoras para abrir novas fronteiras.
Depois da internacionalização dos esportes, através da industria dos esportes, para captar e capitalizar dividendos para seus cofres, a indústria passou a trabalhar na promoção da marca. Esse é o caminho para encher estádios, vender produtos licenciados, vender jogos televisionados, vender produtos pela Internet (KEARNEY, 2003). O Manchester United talvez seja o maior referencial nesse sentido. Mais que um time de futebol é uma marca que vende desde café até cartão de crédito. O marketing do clube é global.
Outro elemento considerado por Kearney (2003) é o patrocínio. As organizações sempre dependeram do patrocínio para sobreviver. Os valores envolvidos são cada vez mais elevados. As estratégias voltadas para essa que é a terceira maior fonte de arrecadação tem, igualmente, ganhado contornos inovadores. Existe uma associação estreita com as outras duas fontes.
Considerações finaisNo decorrer do século vinte, o mais capitalista de todos os séculos, o esporte tornou-se um fenômeno sócio-cultural cingido de alto grau de relevância e complexidade. Nele, o predomínio do capital metamorfoseou radicalmente signos e a própria sociedade, em muitos de seus segmentos, com transformações dessemelhantes. O esporte é um dos fenômenos inculcados por essas premissas.
A inserção midiática desse fenômeno, agora conformado como espetáculo, pode ser lida de maneira cada vez mais inovadora. Por um lado, as possibilidades de crescimento dependem muito de uma associação com a televisão e de estratégias novas. O gargalo existe, mas a inovação produz um permanente cenário novo. O pano de fundo são somas astronômicas. Por outro lado, as modificações locais e globais produzem um quadro distinto que, em curto espaço de tempo, deve produzir novos ajustes.
A receita então, seria confrontar a idéia dessa disparidade. Isso não quer dizer que o telespectador deixaria de acompanhar o que acontece no resto do país ou no mundo mas, substancialmente, derrubaria a falsa impressão do telespectador de estar conectado com o todo, dentro do universo simbólico da produção midiática.
Notas
Para maiores detalhes, disponível em: http://www.jandira.org.br (Acesso em 01 jun. 2004)
Para maiores detalhes, disponível em: http://www.periodicos.capes.gov.br .(Acesso em 01 jun. 2004)
Referências
BETTI, M. A janela de vidro: esporte, televisão e Educação Física. 1997. 278f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão; seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
BRASIL. Lei nº 256/91 de 13 de agosto de 1991. Estabelece percentuais para a produção artística, cultural e jornalística de cada localidade. Brasília DF.13 ago. 1991. Disponível em: http://www.jandira.org.br (Acesso em 01 jun. 2004).
KEARNEY, A. T. O jogo está começando. HSM Management, v. 39, p. 37-46, jul.-ago. 2003.
NASSIF, Luís. Uma Revolução no Futebol. Folha de São Paulo, 13 ago. 1999.
PORTAL BRASILEIRO DA INFORMAÇÃO CIENTÍFICA. 2004. Disponível em: http://www.periodicos.capes.gov.br (Acesso em 01 jun. 2004).
PRONI, Marcelo Weishaupt. Marketing e Organização Esportiva: elementos para uma história recente do esporte-espetáculo. Conexões: educação, esporte, lazer. Campinas, v. 1, n. p. 74-84, jul.-dez. 1998.
revista
digital · Año 10 · N° 79 | Buenos Aires, Diciembre 2004 |