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A experiência de ver filmes na formaçao
inicial de professores de educação física

La experiencia de ver películas en la formación inicial de profesores de educación física
The experience of film watching in university building of physical education teachers

   
*Professor do Departamento de Metodologia de Ensino / CED / UFSC.
**Professora Mestranda do Programa de Pós-graduação do CDS / UFSC.
(Brasil)
 
 
Prof. Fábio Machado Pinto*
Profa. Lana Gomes Pereira**

fabiobage@terra.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
    Este trabalho visa levantar algumas possibilidades de utilização da linguagem cinematográfica, enquanto conhecimento na educação do corpo. Trata-se de uma experiência das aulas da Prática de Ensino em Educação Física que culminaram com a construção coletiva de um vídeo sobre as Olimpíadas desta Escola e a análise do filme Boleiros de Ugo Giorgetti. Ressaltamos, porém, a importância de um referencial estético articulado com a arte cinematográfica, bem como a realização de mais pesquisas sobre a temática.
    Unitermos: Educação. Cinema. Educação do corpo. Formação de professores. Futebol.
 
Resumen
    Este trabajo se propone levantar algunas posibilidades de utilización del lenguaje cinematográfico, en cuanto conocimiento en la educación del cuerpo. Se trata de una experiencia en las clases de Práctica de la Enseñanza en Educación Física, que culminaron con la construcción colectiva de un video sobre las Olimpiadas de esta Escuela y el análisis de la película Boleiros de Ugo Giorgetti. Resaltamos, sin embargo, la importancia de un referencial estético articulado con el arte cinematográfico, bien como la realización de más investigaciones sobre el tema.
    Palabras clave: Educación. Cine. Educación del cuerpo. Formación de profesores. Fútbol.
 
Abstract
    This paper aims to show up some possibilities of using cine language as knowledge of Body Education. It's related an experience of Physical Education Teaching, witch culminated in a collective video about a School "Olympic" Games and in an analyses of Ugo Giogetti's Film "Boleiros". We underline the central position of Aesthetics linked with the cinema, as well as the importance of more researches on this subject.
    Keywords: Education. Cinema. Education of body. Teacher building. Soccer.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 78 - Noviembre de 2004

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1. Introdução

    Se é essa perfeição que o futebol brasileiro vai atingir, e provavelmente atinja, organizado por firmas, companhias, e corporações especializadas, certamente vai se tornar só mais um espetáculo televisivo, pretexto para que nos seus intervalos sejam colocados os comerciais, as promoções e todo o arsenal de venda que os organizadores têm à sua disposição. Porque esse tipo de futebol não precisa de torcedores mas de consumidores. Esse futebol, será também, desse modo, inútil como fonte da qual se alimentam arte e artistas.1

    O filme Boleiros: era uma vez o futebol, de Ugo Giorgetti, foi objeto de nossa reflexão durante o segundo semestre de 2003, nas aulas de Prática de Ensino de Educação Física Escolar I e II, ministradas no curso de licenciatura em Educação Física da UFSC. Este texto trata de refletir técnica-teoricamente a utilização didática do cinema nas aulas de Educação Física, mas, sobretudo na formação inicial de professores de Educação Física.

    Cinema e esporte foram abordados de forma a dar novas cores a metodologia desenvolvida nesta disciplina, aplicada na forma de vídeo processo2 . Assim, iniciamos o semestre abordando o cinema a partir dos seus elementos constitutivos. Em uma oficina de Story Board desenvolvemos as técnicas de utilização da filmadora portátil, movimento e gravação, os enquadramentos possíveis, aspectos relacionados a iluminação, sonorização e outros. Por outro lado, abordamos o processo de produção de um vídeo amador: idéia, decupagem, pré-roteiro, roteiro e edição.

    Esta oficina preparou os estagiários para o uso da filmadora, mas também para a edição de um vídeo documentário que abordasse os aspectos mais significativos da realidade educacional. Esta atividade investigativa fez parte do que denominamos tradicionalmente de Análise de Conjuntura Educacional3 .

    O primeiro acontecimento importante, logo no início do estágio - mês de setembro de 2003 - foi a realização de um evento denominado de Olimpíadas, que parou as atividades disciplinares do Colégio por uma semana, dando lugar a um conjunto de atividades lúdicas e esportivas.

    Percebendo a importância deste evento, mobilizador de boa parte dos alunos, professores e alguns pais, lançamos o desafio de realizar uma ampla atividade de investigação do projeto de educação do corpo implícito e explicito na atividade. Assim, dividimos os 32 estagiários em 13 tarefas investigativas: três equipes ficaram responsáveis pelo registro de imagens relacionadas à abertura e encerramento do evento, as condutas disciplinares de professores, pais e alunos, as falas dos alunos e professores durante o evento, os momentos de jogos, as torcidas, a premiação etc. Foram conseguidos, também, junto a professores e ex-alunos, um conjunto de fitas de vídeo que registram antigas edições das olimpíadas do colégio.

    Este conjunto de imagens foi analisado e decupado pelos estagiários com o intuito, de num segundo momento, refletir sobre as possibilidades de edição de um vídeo tratando das olimpíadas, discutindo as imagens, músicas e outros sons, efeitos e montagem de um roteiro. Por fim, conseguimos editar o vídeo tendo como conteúdo os temas de investigação: a história das olimpíadas no Colégio, a disciplina dos alunos durante os jogos, as diferenças de programação no ensino fundamental - séries iniciais e 5a a 8a séries - e ensino médio, as solenidades de abertura e de encerramento, premiação, torcida, arbitragem, mas significativamente o que os alunos aprenderam com as olimpíadas.

     Na opinião dos estagiários o vídeo conseguiu alcançar seu objetivo ao captar um enquadramento da realidade que nos permite compreender a leitura feita por eles sobre a importância deste evento no contexto escolar.

    A produção e análise videográfica realizada foi potencializada por outra estratégia metodológica, a apresentação, discussão e sistematização de resenhas sobre filmes e textos relacionados ao tema vídeo e educação4 . Os filmes que utilizamos foram Boleiros de Ugo Giorgetti e Tiros em Colombine de Michael Moore. A apresentação do filme foi precedida de uma pequena fala sobre os aspectos gerais - autor, duração, prêmios etc. Foi indicado aos estagiários que fizessem anotações durante a apresentação, registrando as cenas mais importantes. Enquanto isso, observamos as reações do grupo durante as cenas.

    Depois da exibição, buscamos lembrar coletivamente, do roteiro, da trilha sonora, dos efeitos, dos diálogos, da mensagem do filme etc. Assim, procuramos debater os aspectos técnicos de conteúdo e forma, as idéias principais e o que poderíamos mudar no filme. Esta discussão foi o ponto de partida para que cada aluno desenvolvesse uma resenha pessoal, a qual foi reapresentada em sala de aula e, num segundo momento, incorporada à um texto único da turma de estágio.

    Esta análise, que apresentaremos a seguir, busca desenvolver as possibilidades de reflexão sobre a cultura corporal - neste caso o Futebol - através da exibição do cinema na Educação Física escolar. Realizada no âmbito da formação inicial de professores, a tematização da arte e dos meios de comunicação, têm o intuito de provocar as futuras gerações de professores para a força que estes fenômenos passaram a ter na formação do sujeito, e em conseguinte, da identidade do povo brasileiro.

    Cabe ainda, a pequena lembrança de que a formação em ambientes escolares que se pretende atual, deve procurar aperfeiçoar seus instrumentos teórico-metodológicos para compreender as particularidades e universalidades relacionadas as culturas que se entrelaçam nas salas de aula, nas quadras esportivas ou nos pátios escolares. A análise que segue é uma tentativa coletiva de trazer para o contexto da Educação Física, alguns aspectos importantes do futebol, fenômeno nacional que inebria milhões de corações, e que alcança todas as dimensões do ser humano. A análise coletiva de Boleiros teve como objetivo identificar os principais componentes do filme, bem como as possibilidades de utilização do cinema nas aulas de Educação Física.


2. Educacao do corpo e cinema

    Podemos observar que em sociedades audiovisuais5 como a nossa, o acesso ao cinema, e indo mais além, o domínio da linguagem cinematográfica nas suas singularidades, podem auxiliar e enriquecer a compreensão do corpo e sua educação na escola. E se compreendermos a educação imersa numa sociedade audiovisual, a interpretação filmística e sua apropriação adquirem relevância dentre os saberes escolares.

    Algumas teorias entendem a educação do corpo de forma fragmentada e dicotômica, contudo, novas reflexões (entre outros, VAZ, 1999; SILVA, 2001) pensam o corpo de forma integrada e nas suas dimensões social, histórica, econômica, política, cognoscitiva, cultural e artística, mas também psicológica, biológica e física. A Educação Física necessita abrir espaço para todas estas expressões, para que o professor/mediador possibilite ao aluno/sujeito a ampliação dos modos específicos de apropriação da realidade.

    De acordo com MELLO (2003a), destacam-se questões sobre a educação para/pela sensibilidade e o sentido cognoscitivo, para então promovermos olhares mais tolerantes, potencialmente capazes de refletir a questão do prazer, por exemplo. Ainda, conforme o autor, a educação estética precisa ser vista em sua articulação com a ética, visando um modo específico de apropriação da realidade no qual o sentido cognoscitivo se destaque.

    Salientamos, não apenas a enorme presença das questões do corpo no cinema6 , mas também porque vivemos uma época em que a imagem, principalmente na educação do corpo vem ocupando na sociedade brasileira, lugar privilegiado. Estudar o cinema e seus imperativos educacionais pode nos ajudar a entender a realidade do tempo presente, bem como as possibilidades de superação dos seus principais impasses sociais, políticos e culturais.

    Assim como no cinema, o corpo7 também vem ocupando um espaço maior na sociedade contemporânea, ao mesmo tempo em que aumentam o número de abordagens teóricas - antes limitadas à área biológica - preocupadas com a temática. O corpo e sua educação têm sido longamente estudados por disciplinas como antropologia, filosofia e sociologia. O que, de certa forma, facilita o estudo da sua presença no âmbito do cinema. Porém, esta tarefa, ainda que importante, foi realizada por poucos pesquisadores. Cinema e educação do corpo são, portanto, fenômenos que ainda não tiveram a devida atenção no meio acadêmico.


2.1 boleiros em foco

    O Filme Boleiros: era uma vez o futebol tende para o humor e a leveza mesmo quando é sério, na tentativa de seguir a essência do futebol, onde figuram a firula, o drible, o toque de calcanhar, o gol de letra etc. os temas são abordados com ilustrações do tipo vinheta, um lance que ficou na memória, uma frase de um jogador, um momento particularmente empolgante de um campeonato, a atuação de um jogador ou juiz. O filme empolga pela forma como foi montado, recriando a maneira brasileira de contar os fatos do futebol. Mas de um dado futebol, que aos poucos deixa de existir, como lembra o próprio autor. "O que está surgindo diante de nossos olhos, e que talvez nos seja dado descrever e interpretar, é um novo futebol amoldado, domado e amansado pelas regras de um admirável mundo novo que também está se consolidando diante de nossos olhos."8

    Parece muito mais uma crítica contundente, mas também saudosista, de um tempo onde o futebol parecia aproximar os sujeitos, envolvendo-os afetivamente de forma a proporcionar uma experiência de lazer mais completa. Torcida, árbitros, treinadores e jogadores eram envolvidos muito mais pelo prazer de ver e jogar futebol do que pelos interesses que tem direcionado o futebol na atualidade.

    Não teria pessoalmente nada contra as mudanças que vejo surgir, todas elas movidas pelo dinheiro de patrocinadores e investidores, se algumas delas não agissem para extinguir algumas virtudes que eu acho fundamentais para o futebol e vitais para que este esporte continue sendo objeto de interesse de qualquer artista. Entre elas a irracionalidade e por conseqüência, a paixão, o imprevisível, o imponderável e o inesperado.9

    O roteiro mostra alguns amigos, ex-boleiros, ex-árbitos e amantes da bola que se reúnem num bar para tomar uma cerveja e relembrar antigas estórias. Esta cena torna-se o foco principal do filme, somente deixada de lado quando as histórias por eles contadas surgem na tela como momentos imaginados. A principal mágoa e, tema do bate papo, é o fato de se encontrarem em uma situação financeira difícil, mas também porque não brilham na mídia e nos gramados como no passado. Ao contrário, muitas vezes são humilhados, vistos exercendo atividades precárias, ou ainda pior, lutando com dificuldade pela sobrevivência.

    O ponto comum em todas as histórias fictícias (porém facilmente observáveis no mundo real do futebol) talvez seja o fato de revelar a difícil tarefa que é chegar ao lugar desejado, se manter no topo, e, principalmente, o desafio de continuar a vida após a curta carreira de atleta10 .

    O filme ajuda a refletir sobre as glórias e as frustrações, confusões e trapaças, rituais e supertições, preconceitos que permeiam o universo futebolístico. Este universo é permeado de mitos como "quem é bom já vêm do berço", "craque não se faz já nasce pronto" ou "quem conhece sabe quem vai ser boleiro só pelo caminhar", e outros. Estes mitos ajudam, em grande parte, a consolidar uma racionalidade inatista e passiva, criando uma espécie de aura em torno dos ídolos como se fossem escolhidos por algo superior.

    Entre outras coisas, isso contribui na promoção da ilusão criada em milhões de garotos que sonham em tornarem-se grandes estrelas. O Futebol é talvez uma das poucas formas de mobilidades social prometida às classes populares. Milhões de garotos e garotas sonham em tornar-se um profissional da bola e fazer sucesso como as estrelas esportivas. Não são poucas as dificuldades encontradas pelos meninos que buscam tornar-se um grande jogador, existe um verdadeiro funil que torna o estrelato do futebol algo só comparado ao concurso lotérico.

    Contudo, o sonho de ser jogador contamina quase todo o garoto, ocupando um espaço cada vez maior nos jornais e telejornais, em filmes, nos horários nobres da TV, com informações e propagandas publicitárias. Todo torcedor passa a fazer parte deste grande espetáculo, não só como torcedores, mas consumidores de promessas de ser que nunca serão cumpridas.

    Muitas vezes temos como ídolos pessoas que nem parecem humanas de tão perfeitas. Achamos que as conhecemos e não paramos para pensar o que realmente é verdade de tudo aquilo que aparece na mídia sobre elas.11

     O sonho de se tornar um craque vem sendo cada vez mais notado entre jovens e crianças, principalmente quando trata-se de famílias pobres, que vêm no futebol a esperança de "melhorar de vida".12

    Não precisamos consultar os dados estatísticos para saber que para cada Ronaldinho existem milhares de atletas cuja situação econômica é bastante precária.

    Garotos tentam de todo o modo galgar esta pirâmide, a fim de escapar da dura vida que a pobreza impõe a estas pessoas.13

    O jogador de futebol é valorizado quando ganha jogos e campeonatos, mas extremamente pressionado e, até execrado, quando perde ou se machuca. Parece mesmo que o futebol não perdoa quem fracassa, é a vitória ou o esquecimento. O esquecimento talvez seja o pior dos temores dos jogadores. Uma indústria de corpos descartáveis, onde poucos alcançam o estrelato e a eternidade tão buscada.

    Durante a vida futebolística os corpos dos atletas são sugados na sua máxima possibilidade, em muitos casos, resultado de treinamentos mal aplicados e por profissionais despreparados, acabam encurtando a carreira profissional destes jogadores. O treinamento para o Futebol profissional exige muito dos atletas, somado as viagens e concentrações que tomam todo o tempo do jogador. Cansados e com pouco tempo os jovens acabam afastando-se das escolas. Isto aliado a falta de apoio nos clubes, que não pensam na formação intelectual de seus atletas, faz do Futebol um ambiente que não combina com a educação formal. Educar o corpo nos clubes futebolísticos parece se contrapor a educação escolar destes jovens, gerando problemas para estes num futuro onde o futebol deixa de ter uma função prioritária.

    Boleiros não trata da falta de perspectiva da maioria dos jogadores de futebol, com baixos salários, muitas vezes atrasados, sem amparo médico e social, tendo que jogar muitas vezes machucado, sujeito a intervenções médicas mal feitas etc. Boleiros não fala das peneiras e da promessa a milhares de crianças que nunca serão cumpridas.

    Mas Boleiros nos ajuda a pensar, com elementos relacionados a importância da formação na vida dos jogadores, que tendo findada sua carreira futebolística acabam na penúria. Se a carreira futebolística impõe dificuldades a participação dos jovens no ensino regular, neste caso deveríamos levar O Estatuto da Criança e do Adolescente mais a sério e exigir que as escolinhas fossem orientadas pelo princípio do trabalho educativo, atividades esportivas durante no máximo meio turno e obrigatoriedade da freqüência no ensino formal.

    Para os personagens do filme a única saída para os ex-jogadores é o próprio futebol, retornar como treinadores, comentaristas, técnicos, professor em escolinhas, entre outros. Do contrário acabam em situações complicadas de sobrevivência.

    Os atletas devem ter a consciência de que o esporte é uma carreira curta, limitada pela idade, e que precisam se preocupar e planejar seu futuro, caso contrário correm o risco de ficar sem perspectivas e na miséria.14

    Por fim, o filme pode ser um "ponta pé inicial" para refletir sobre a cultura corporal, sobretudo a falta de uma política ou um programa social bem estruturado voltado ao esporte brasileiro. Ou ainda, sobre o papel da Educação Física Escolar no estudo e esclarecimento sobre a vida dos trabalhadores da bola. Possibilidades de ensino que podem contribuir na formação destes possíveis atletas, com saberes relacionados ao treinamento esportivo, aos seus direitos trabalhistas, noções de política e esporte, sexualidade e esporte, questões históricas, técnicas e táticas do futebol, entre outras, mas principalmente das reais possibilidades de se chegar a ser um nome de destaque nos campos de futebol e, da força que estes nomes exercem na formação da subjetividade dos sujeitos.

    O fato é que precisamos mostrar para as crianças que a educação é o caminho, o futuro, e o esporte pode ser o grande auxiliar ou até mesmo a razão de ser do estudo.15


2.3 experiência de ver filmes: algumas considerações sobre cinema na escola

    O cinema pode ser compreendido por meio de duas dimensões: cinema enquanto um produto e constituinte da Indústria Cultural e o cinema enquanto arte. Estas duas dimensões podem ser identificadas como antagônicas, mas muita obras que são cultura de massa possuem valor estético, como as músicas de Madona, os Filmes de Spielberg etc. Temos que o cinema, assim como o esporte competitivo são fenômenos sócio-históricos culturais que possuem como objetivo atualmente, promover o Espetáculo numa sociedade administrada.

Segundo ADORNO & HORKHEIMER,

    Quanto menos promessas a Indústria Cultural tem a fazer, quanto menos ela consegue dar uma explicação da vida como algo dotado de sentido, mais vazia torna-se necessariamente a ideologia que ela difunde. Mesmo os ideais abstratos da harmonia e da bondade da sociedade são demasiado concretos na era da propaganda universal. Pois as abstrações são justamente o que aprendemos a identificar como propaganda. A linguagem que apela apenas a verdade desperta tão-somente a impaciência de chegar logo ao objetivo comercial que ela na realidade persegue. A palavra que não é simples meio para algum fim, parece destituída de sentido, e as outras parecem simples ficção, inverdades. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 138)

    Este fenômeno, cinema - produto e constituinte da Indústria Culural - está pautado em uma ideologia de esfera liberal, por meio da qual se torna mecanismo de controle da lógica dominante, gerando e desconstruindo necessidades nos espectadores, produzindo, dirigindo e disciplinando os gostos dos consumidores, que aos poucos vão se desacostumando de sua subjetividade. Os sujeitos tendo sua subjetividade danificada passam a exigir uma diversão cada vez menos complexa ou reflexiva.16

    Como conseqüência deste processo, que também é conseqüência da difusão dos movimentos de massa, temos que o cinema conseguiu transformar os sujeitos de uma forma tão indiferenciada, em funções sociais, que as vítimas não se lembrando mais de nenhum conflito, se comprazem com sua própria desumanização como algo humano, uma felicidade aconchegante, faz com que os consumidores sejam objetos passivos, alterando a forma de percepção do sujeito.

    Os sujeitos já não conseguem distinguir mais os produtos da Indústria Cultural das obras de arte, pois aquilo que caracterizava a obra artística, como arte, a concretude da relação sujeito objeto por meio da contemplação, não é mais permitido. Segundo Benjamim (1969), o objeto é retirado de seu invólucro, o que permite a destruição da aura dos objetos artísticos aumentando e acelerando as possibilidades do sujeito não resistir à vontade de possuir o objeto, porque na sociedade capitalista as obras de arte vêm se tornando antes de tudo mercadorias.

    Com relação ao cinema, a obra de arte surge na montagem fragmentada da reprodução de um acontecimento. Chamaríamos isso, de forma. A partir destas considerações passamos a observar que o cinema pode ser arte, entretanto é necessário esclarecer que o movimento que tentaremos provocar é de uma dialética entre forma e conteúdo para entendermos as ambigüidades deste fenômeno. Assim, temos, Segundo SILVA (1999, p. 121), o cinema para ADORNO ganha status de arte quando:

    "A estética do filme deverá antes recorrer a uma forma de experiência subjetiva com a qual se assemelha apesar da sua origem tecnológica, e que perfaz aquilo que ele tem de artístico. [...] O filme seria arte enquanto reposição objetivadora dessa espécie de experiência (p. 102); o filme emancipado teria de retirar o seu caráter a priori coletivo do contexto de atuação inconsciente e irracional, colocando-o a serviço da intenção iluminista. (p. 105); A produção cinematográfica emancipada não deveria mais [...] confiar irrefletidamente na tecnologia do fundamento do métier (p. 106); como seria bonito se na atual situação, fosse possível afirmar que os filmes seriam tanto mais obras de arte quanto menos eles aparecessem como obras de arte (p. 107)".

    Contudo, o que se faz presente hoje, segundo ADORNO é o fim da experiência, parece ser uma tarefa quase impossível nos distanciarmos do objeto, para que possamos refleti-los. Pois, a experiência coletiva contemporânea que vivemos é de um totalitarismo que liquida com o individual.

Segundo DUARTE (2002), citando BOURDIEU (1979),

    A experiência das pessoas com o cinema contribuiu para desenvolver o que se pode chamar de "competência para ver" isto é, uma certa disposição, valorizada socialmente, para analisar, compreender e apreciar qualquer história contada em linguagem cinematográfica. Entretanto, o autor assinala que essa competência não é adquirida apenas vendo filmes; a atmosfera em que as pessoas estão imersas - que inclui, além da experiência escolar o grau de afinidade que elas mantêm com as artes e a mídia - é o que lhes permite desenvolver determinadas maneiras de lidar com os produtos culturais, incluindo o cinema. (DUARTE, 2002, p. 13).

    Ao refletirmos essas múltiplas dimensões, percebemos que o cinema que chega na escola em grande medida atende aos interesses da lógica dominante. Assim, a interpretação filmística necessita de um referencial teórico e de elementos metodológicos capazes de identificar a forma e o conteúdo do filme que contribua numa educação estética tendo a arte como conhecimento17 .

    As artes e as linguagens estéticas abrem espaço para a experiência estética e a ampliação da compreensão do real. Entretanto, esbarramos numa cultura escolar onde impera a superficialidade, o comodismo e a falta de perspectiva. Os Currículos e o fazer são comprometidos por uma instituição que se limitou a cumprir o simples papel de incluir, quando na verdade ela possui uma carga reprodutora e excludente, já que se baseia numa hierarquização de saberes que andam afastados da cultura popular. A escola está separada da vida, das teorias dos conceitos, das artes. A produção cinematográfica neste contexto pode significar uma tentativa de conciliar a escola com outras linguagens, não só as imagéticas, mas também, a sonora, auditiva, olfativa, táteis, gustativas, mais próximas da complexidade da vida.

    Para GOULART (2003, p.159) é possível reinventar a escola através do cinema porque este permite uma reflexão sobre o ser humano na sua universalidade. Considera que as condições sociais são indispensáveis para criarmos um espaço de diálogo de conhecimentos. A educação escolar deve propor uma espécie de passagem do cotidiano da escola para a educação do cotidiano.


Conclusão

    A preocupação deste artigo é refletir e compreender as possibilidades de articulação entre um determinado tipo de educação e um determinado tipo de cinema. Não estamos propondo a escolarização ou didatização do cinema, pois este é importante para a educação dos educadores, independentemente de ser uma fonte de conhecimento e de servir com recurso didático pedagógico.

    A relevância da articulação entre cinema e educação se dá pela formação para a sensibilidade, para desenvolver as capacidades cognoscitivas de alunos e educadores. Para DUARTE (2002, p 17), "ver filmes, é uma prática social tão importante do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto a leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais."

    A partir desta perspectiva realizamos uma experiência com os alunos da Prática de Ensino em Educação Física Escolar, onde pudemos perceber o quanto a imagem em movimento e som vem ocupando espaço cada vez mais significativo na formação do sujeito, ou poderíamos falar de uma semi-formação dos jovens.

    O cinema indústria contribui para uma educação do corpo pautada na conformação de padrões estéticos pré-estabelecidos por uma sociedade imersa no mundo que vive de aparência. Entretanto cabe ressaltar que Adorno vê que a Indústria Cultural produz o antídoto do seu próprio veneno e é por dentro da mesma que o cinema enquanto arte se expressa de forma tímida e quase imperceptível. Para isso é preciso desmistificar o cinema e sua linguagem, que camufla a contradição imagem, movimento e som em prol da confusão entre o que é real e o que não é real, causando no consumidor uma confusão entre a vida e o filme, o espectador confunde o cotidiano como prolongamento do filme que está em cartaz.

    Assim, para utilizarmos a linguagem cinematográfica enquanto conteúdo, precisamos ter em mãos uma teoria estética que nos possibilite realizar análises filmísticas que tematizem o "corpo" e sua educação. Seja, desmistificando o cinema enquanto produto e constituinte da indústria cultural, seja promovendo o cinema enquanto arte.


Notas

  1. Cf GIORGETTI (1999, p. 21)

  2. Cf FERRÉS, J. (1996). O videoprocesso caracteriza-se pelo envolvimento dos alunos no processo de produção do vídeo. Os alunos passam a sujeitos ativos, planejando, registrando imagens, elaborando roteiros, avaliando. Assim, implica em participação, criatividade, compromisso e dinamismo dos alunos. O vídeo pode se converter num brinquedo, um instrumento lúdico que possibilita um aprendizado criativo do trabalho em grupo. A pesquisa é outra estratégica pedagógica que pode ser enriquecida pelo videoprocesso, tanto na captação das informações, quanto na sua socialização. A utilização desta modalidade pode ser reinventada a cada dia.

  3. Cf PINTO, F. M. (2002). Trata-se de uma etapa inicial de estágio, onde os estagiários são mediados a realizarem uma primeira investigação tendo como instrumentos a entrevista, a observação participante, os registros de caderno de campo e videográfico e as análises de documentos.

  4. FERRÉS (1996)

  5. DUARTE (2003:14)

  6. MELLO (2003), ao analisar 3416 filmes de longa metragem brasileiros, verificou que 134 tocam o tema do esporte. Isso pode contribuir significativamente para entendermos como esporte e cinema se constituem, interligados, como fenômenos da modernidade. O autor busca responder algumas questões sobre a relação lazer e cinema: que papel deve ocupar o profissional do lazer neste contexto, ou, como educar pelo e fundamentalmente para o cinema, como superar a visão superficial, dispersa e casual para outra, crítica e orientada.

  7. Vários dos trabalhos do Núcleo de Estudos e Pesquisa Corpo, Educação e Sociedade têm se ocupado da temática, que vem sendo trabalhada, internamente, nos grupos de estudo "Escola" e "Indústria Cultural".

  8. GIORGETTI (1999, p. 18)

  9. GIORGETTI (1999, p. 18)

  10. Parte da resenha do estagiário Caio Casseli Martins (2003).

  11. Parte da resenha da estagiária Patrícia Domingos dos Santos.

  12. Parte da resenha da estagiária Helena Pereira.

  13. Parte da resenha do estagiário Cleber Pereira Heimberg.

  14. Parte da resenha da estagiária Gabriela Medeiros de Almeida.

  15. Parte da resenha da estagiária Greice K. Cipriane.

  16. A subjetividade danificada vem se construindo nesta sociedade, porque na contemporaneidade, o conceito (razão) é banalizado, reificado, o sujeito é educado pelas informações e acaba tendo uma pseudoformação. A experiência, nesta sociedade, não é mais permitida, o tempo é o do efêmero, um tempo acelerado. E o conceito de vivência vem como reação a este fenômeno.

  17. A arte só se realiza enquanto conhecimento quando ela é criação, e para isso ela prioritariamente não pode ser cópia de uma determinada realidade.


Bibliografia

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