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Mídia, cultura corporal e inclusão:
conteúdos da educação física escolar

   
Mestre em Pedagogia do Movimento FEF
Universidade Estadual de Campinas/ UNICAMP
Integrante do grupo de estudos Corpo,
Infância e Aprendizagem. FEF
Universidade Federal de Goiás
 
 
Cristina Borges de Oliveira
cristinborges@bol.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O presente texto pretende refletir sobre a Cultura Corporal e suas diferentes formas de manifestações e a ligação existente entre a educação física (EF) e a mídia. Adotamos como eixo norteador de discussão alguns elementos referentes ao papel da industria cultural e seus desdobramentos na EF o que vem interferir diretamente na práxis do educador dentro da área acadêmica em que atua. Dessa forma nosso objetivo, sem pretender esgotar o tema, é discorrer acerca das imbricações estabelecidas entre a Cultura corporal e suas distintas manifestações enquanto conteúdos válidos da área acadêmica EF e a mídia, destacando a perspectiva da celebração das diferenças e inclusão da diversidade humana. Neste sentido, esta perspectiva contempla as pessoas e grupos marginalizados como: homossexuais, deficientes, negros, pessoas portadoras de doenças degenerativas HIV, entre outros grupos, enquanto uma preocupação da Educação Física.
    Unitermos: Cultura Corporal. Mídia. Inclusão. Educação Física Escolar.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 77 - Octubre de 2004

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    Agosto de 2004! Ano de Olimpíadas e ParaOlimpíadas! O mundo inteiro se rende aos encantos e magia da dança de abertura, dos diferentes esportes, das ginásticas, das lutas, dos rompimentos de tempo, espaço, superação de limites. Verificamos também o enaltecimento de algumas modalidades e a não priorização de outras. A poderosa mídia tem grande parcela de responsabilidade nesse fato uma vez que por traz do momento mágico olímpico estão as redes midiáticas e seus patrocinadores exigindo reformas arquitetônicas, ditando regras, impondo horários, vestimenta, número de entrevistas dos atletas e a vitória a qualquer custo daqueles em quem investem. Mas o que se observa claramente é a tendência do ser humano em criar heróis, endeusar pessoas, mitificar nomes. Qual o papel da mídia nessa tarefa de criar e ditar padrões e modos de pensar, sentir e agir em variados níveis?

    Recorro aqui a Ianni (1999), ao entender que na era da globalização, a rede midiática representa a articulação entre várias instâncias hegemônicas, assumindo o papel de príncipe eletrônico. O príncipe é o arquétipo que possui a capacidade de construir hegemonias, simultaneamente, a organização, consolidação e desenvolvimento de soberanias. Tipo ideal criado por Maquiavel

O príncipe deveria ter uma tríplice missão: a) tomar o poder; b) assegurar a estabilidade política; c) construir a República unificada. Maquiavel viu em Lourenço Médici a figura desse príncipe. Deveria ser um herói trágico, impiedoso e astucioso, resoluto e frio, porque esta era a única maneira de controlar a instabilidade política e a perversão dos homens, a fim de que fosse instaurada a cidade justa. (JAPIASSÚ E MARCONDES 1996, pp 173).

    Como figura política, pessoa, o príncipe assume em Gramsci a identidade do partido político como intelectual orgânico à classe trabalhadora enquanto que atualmente a mídia assume a identidade de príncipe eletrônico - expressando segundo Ianni (1999: 9) "[...] a visão de mundo prevalecente nos blocos de poder predominantes, em escala nacional, regional e mundial, habilmente articuladas". Essas são as armas da globalização e, portanto, o papel da mídia é difundir essa visão em escalas cada vez maiores.

    Indiscutível é que aliados ou não, mas, - influenciados por uma poderosa mídia - as ginásticas, as danças os jogos, os esportes e as lutas enquanto conhecimento da cultura corporal construído e acumulado pela humanidade apresenta elementos populares históricos, e dessa maneira, se prestam a releituras, manipulações e adaptações regionais, locais, culturais econômicas, que atendam a todos os grupos, inclusive os marginalizados. Portanto, esses temas da cultura corporal - que estão sendo atualmente largamente difundidos pela mídia em função dos Jogos Olímpicos de Atenas 2004 e todo o interesse consumista e de valoração que se atrela ao esporte - se colocam como conteúdos válidos, contemporâneos da área acadêmica Educação Física escolar devendo ser refletidos/discutidos criticamente, sistematizados, apreendidos e, democratizado para o maior número de pessoas sem distinção de raça, orientação sexual, diferença biológica, classe social e religião.

    As diferentes e multifacetadas expressões da cultura corporal devem ser tratadas na escola como conteúdo importante, metodologicamente distribuído no tempo e adaptado às condições espaciais e materiais concretas de cada comunidade, e ainda avaliando-se se os conhecimentos referentes aos temas abordados foram realmente apreendidos em suas múltiplas possibilidades, a partir da perspectiva que contempla uma pedagogia crítica, criativa e emancipatória - que aponte os problemas, e coletivamente encontre soluções - construindo, assim, a possibilidade de um conhecimento contextualizado e transformador.

    Vale a pena destacar que as diferentes mídias se apresentam como importantes veículos de difusão das variadas formas e manifestação da cultura corporal o que não pode ser totalmente desprezado em termos de conhecimento. No entanto, devemos refletir que a industria cultural, as redes midiáticas, servem a interesses que não contemplam somente a perspectiva da transformação social em que estamos empenhados. De acordo com Brach (2003), o que se pode constatar, na disputa entre o impulso globalizante da doutrina neoliberal é o arrefecimento da regionalidade, da celebração e inclusão das diferenças culturais, do resgate histórico de uma comunidade "[...] de políticas cujo o alvo seja o social e presenciamos um deslocamento das atenções públicas para as exigências do mercado que se impõe como um valor quase sagrado, de força absoluta e sobrenatural" (BRACH, 2003, pp. 88).

    A definição de Inclusão que tem sido perspectivada e propagada nos Documento Oficiais é aquela que compreende - convidar a que se aproximem aqueles que estiveram historicamente excluídos ou deixados de lado -. Esta bem intencionada conceituação/perspectiva pode a princípio parecer um grande avanço, no entanto destacamos uma evidente fragilidade: Quem tem autoridade ou direito de convidar outros? Dialeticamente, quem está promovendo a exclusão? Já é tempo de nós reconhecermos e aceitarmos que, todos nós nascemos dentro de uma dada sociedade/comunidade. O sol brilha pra todos, portanto é complicado apenas convidar outros a se incluírem. Torna-se nossa responsabilidade enquanto sociedade civil mudarmos as atitudes e repensarmos valores a fim de removermos todas as barreiras que sustentam a exclusão de grupos marginalizados, conscientes que não temos autoridade para convidar outros a se incluírem. Mas, todos somos responsáveis no processo de solidariedade e luta/pleito organizado em busca dos direitos sociais, culturais, educativos e econômicos, direitos de cidadão/ã brasileiro/a.

    Então é fundamental que os cursos de formação de professores, instituições de Educação superior e básica, entre outros, venham associar esforços para que se avance no processo de conhecimento da realidade social sob uma ótica crítica e totalizante. Não adianta mais - os profissionais de EF que atuam nas instituições superiores - apenas dominarem o discurso crítico e seus referenciais das ciências humanas e sociais. Faz-se mister interferir no contexto escolar concretamente tendo como ponto de partida os saberes acumulados tanto pelas universidades e seus centros de pesquisa e formação de professores quanto por aqueles professores que se encontram atuando nas redes públicas e privadas, mas que, de certa forma, não tem acesso à universidade. Essa tarefa de ensinar deve ser assumida se entendendo o sujeito do processo educativo aluno/aprendiz, concretamente, a partir de uma ótica totalizante, rompendo com a perspectiva que compreende o sujeito aluno/aprendiz de forma abstrata.

    É preciso que o conhecimento produzido nas universidades por seus intelectuais ultrapasse o encastelamento em que se encontra e dialogue com as escolas de educação básica e seus professores, para que dessa forma se inicie a diminuição do fosso existente entre universidade e sociedade, teoria e prática, entre a escola do futuro, os alunos do futuro e a realidade atual concreta e as necessidades específicas atuais do processo ensino-aprendizagem. Para tal, é urgente lançar sobre as multifacetas da cultura corporal e seus variados temas e modernizações, outros olhares perspectivando estabelecer inter-relações com o desenvolvimento da sociedade capitalista historicamente construída, ou seja, pensar no contexto amplo onde as relações, educativas, esportivas, sociais, econômicas e culturais ocorrem, onde a mídia e suas distintas formas atuam como formadores de idéias e opiniões influenciando toda uma cultura.

    Não podemos apenas reproduzir os modelos ditados pela mídia que advoga, equivocadamente, que o esporte de alto rendimento é sinônimo de Educação Física correspondendo assim a todos os conteúdos que compõe a Cultura Corporal. Vale a pena aqui destacar Brach (2003, p. 88) quando aponta que: "As relações entre educação física e esporte são geradoras de tensões já que se constituem em dois universos simbólicos, distintos, nem sempre compatíveis".

    Contextualizar os temas da cultura corporal enquanto conteúdo válido e fundamentalmente necessário para a formação do indivíduo nos obriga, também, destacar à sua atualidade expressa nas inúmeras variações que atendem a objetivos diversos, diferentes pessoas em distintos ambientes considerando a inegável quantidade de praticantes. Por sua vez, - as temáticas recorrentes da cultura corporal - devem ser tratados na escola como conteúdos curriculares e não puramente enquanto atividades práticas sem nenhum tipo de reflexão requerendo uma metodologia motivadora e criativa ao contrário do modelo punitivo como tradicionalmente é desenvolvido quando surgem apenas como reflexo da esportivização excessiva da Educação Física.

    Desmistificar a utilização de tais temas ginástica, esportes individuais e coletivos, dança, lutas e enfim suas variações mais modernas, adaptando o conhecimento à realidade local, social, econômica, individual e coletiva, aponta para uma possibilidade contra-hegemônica em torno da temática Cultura Corporal e seus distintos temas enquanto conhecimento válido e coerente da Educação Física escolar, evidenciando o sentido e o significado de objetivar a conquista de um trabalho educativo de qualidade social que inclua a diversidade humana celebrando suas diferenças e democratizando o conhecimento.

    Importante entender porque as modernas variações de distintos temas da cultura corporal podem ou devem ser praticados somente em espaços requintados, seletivos, envoltos em uma áurea de sofisticação que torna tal prática como privilegio de poucos e, sendo, os conteúdos tratados de forma a-crítica e descontextualizada da realidade, praticados por corpos aparentemente saudáveis, eficientes e normais onde se exclui a diferença e a diversidade humana. Importante também identificar o caráter excludente que tais temas podem exercer dependendo da perspectiva em que se trabalha.

    Por que não investir na Educação Física escolar sem a pretensão de formar atletas, mas de possibilitar para muitos alunos/aprendizes o conhecimento de diferentes temáticas da Cultura corporal apresentando seus limites e possibilidades, a sua contemporaneidade enquanto conteúdo eminentemente válido, contextual, portanto, que deve estar presente nas propostas curricular da Educação Física Escolar.


Referencias bibliograficas

  • BRACH, V. & ALMEIDA, F. Q de. Política de Esporte Escolar no Brasil: A pseudovalorização da Educação Física. In Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas/SP, v. 24, n.3, maio 2003. pp 87-101.

  • GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de janeiro/RJ: Civilização Brasileira. 1995 10a ed.

  • IANNI, O. O príncipe eletrônico. In: Revista Cultura Vozes, São Paulo/SP, 1999, pp. 05-29.

  • JAPIASSÚ H. & M. DANILO. Dicionário Básico de Filosofia. 3a. ed revista ampliada. Jorge Zahar. RJ 1996.

  • OLIVEIRA, C. B. Semana de Ginástica: um olhar superador. In Revista Pensar a Prática 2, n. 1e 2, FEF/UFG Goiânia, jun/jun 1998/1999. pp 179-186

  • _________________________. Aproximações exploratórias sobre educação, educação física e sociedade: adversidades de um currículo. In Revista Pensar a Prática vol.4, FEF/UGF, jul/jun. 2000/2001. pp 99-114

  • ________________________. Inclusão educacional: intenções de um projeto em curso. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol.23, no. 02 Campinas/SP, 2002, pp. 31-42.

  • _________________________.Políticas Educacionais Inclusivas para criança deficiente: Concepções e veiculações no Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. 1978/1999. Faculdade de Educação Física - Universidade Estadual de Campinas/SP -UNICAMP, 2003 (Dissertação de Mestrado).

  • SOARES, Carmen Lúcia, et al. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Ed Cortez, 1992.

  • VYGOTSKY, L. S A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos superiores. 4a. edição, São Paulo, Martins Fontes, 1991.

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revista digital · Año 10 · N° 77 | Buenos Aires, Octubre 2004  
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