Ética no esporte e na psicologia do esporte: reencontrando caminhos Ética en el deporte e en la psicología del deporte: reencontrando caminos Ethics in sports and sport psychology: rethinking new paths |
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Faculdade de Educação Física - UNICAMP (Brasil) |
Pedro José Winterstein winterstein@fef.unicamp.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 76 - Septiembre de 2004 |
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Introdução
O tema ética no esporte, em geral, ou na psicologia do esporte, em específico, parece não ser de muita relevância investigativa, principalmente quando examinamos os poucos trabalhos publicados no Brasil sobre o assunto. Deve haver diversas justificativas para este fato. Dentre elas, por se tratar da interdisciplinaridade de duas áreas da Ciência que possuem, individualmente, questões ainda por resolver, desde aquelas ligadas a aspectos epistemológicos até as de intervenção social.
Trata-se, no entanto, de importante assunto que tem conseqüências práticas, tanto na formação profissional, quanto na intervenção social, nas áreas da Psicologia do Esporte e da Educação Física Esporte.
Este trabalho tem o objetivo de verificar junto aos profissionais que atuam como psicólogos esportivos, a sua visão sobre os aspectos éticos da atuação profissional, fazendo uma análise dos pressupostos teóricos implícitos e explícitos em suas manifestações.
Como referencial teórico abordo em primeiro lugar, O conceito de Ética, em que procuro trazer para o diálogo alguns autores contemporâneos da filosofia e sua visão sobre o assunto. Em seguida trato da Ética no esporte. Apresento exemplos vindos do esporte e que nos impelem a uma reflexão da ética neste contexto, principalmente sob a ótica da Psicologia do Esporte. Em terceiro lugar está a Ética (na Psicologia do Esporte) a serviço de quem? Tomando os referenciais teóricos anteriormente desenvolvidos Reflito sobre a ética na Psicologia do Esporte hoje, tanto do ponto de vista da Pesquisa, quanto da intervenção, dialogo com os resultados obtidos no trabalho de campo, dando indícios de que esta ética que aí está precisa ser revista e reeditada.
Este estudo pode ser caracterizado como qualitativo e exploratório pois permite "ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado problema" e "pode servir para levantar possíveis problemas de pesquisa" (TRIVIÑOS, 1987: 109). É esperado, portanto, um recorte dos aspectos éticos, do ponto de vista dos psicólogos esportivos, que possa não só desvelar um panorama da área, como também suscitar novos problemas de pesquisa.
Para a coleta de dados elaborou-se um questionário constituído de quatro questões abertas, dirigidas a 14 psicólogos esportivos1 , escolhidos dentre profissionais da área. Estes foram contatados, por via eletrônica, e solicitados a responder as seguintes perguntas:
Quais aspectos éticos você considera importantes na área da Psicologia do Esporte.
Aponte 3 aspectos positivos e três aspectos negativos que você observa na atuação ética de Psicólogos Esportivos.
Quais princípios éticos os psicólogos esportivos devem considerar em sua atuação profissional?
Você considera importante o comportamento ético na sua atuação profissional? Porque?
Por fim, no que intitulo Por um comportamento ético na Psicologia do Esporte, pontuo minhas considerações finais na forma de alguns aspectos que devem e precisam ser considerados na construção de uma ética na Psicologia do Esporte.
O conceito de ÉticaPenso que seja necessário, em primeiro lugar, porque isto me parece fortemente cunhado no pensamento profissionalizante, refletir sobre o que não é ética. Ética não é reserva de mercado. Ética não é pretexto para esconder mazelas profissionais e irresponsabilidades de pares. Ética também não é o simples filosofar e induzir a dúvidas. "Ética, enfatize-se, desserve apenas para adornar a retórica; é algo que pode e deve pautar a conduta de um ser consciente" (ALONSO, 2002: 83).
Retomemos pois alguns conceitos clássicos de ética. Ética deriva do grego e significa em sua grafia original "costumes". Estamos falando, portanto, do comportamento humano, vinculado a um determinado grupo, ambiente ou cultura.
Há vários autores que consideram ética e moral como sinônimos, conceituando ética como a Ciência da Moral, e a moral sendo, portanto, objeto da Ciência Ética. Isto se justifica, a partir da origem grega de ethos e latina de mores que aparentemente tem o mesmo significado.
Ribeiro (2002) enfatiza que "quando falamos de ética (ou moral), consideramos as ações humanas do ponto de vista de aprová-las ou censurá-las" (p. 122), e mais adiante: "A ética examina a ação e não o conhecimento. Os atos podem ser morais ou imorais, mas o mesmo não se pode dizer do que conhecemos" (RIBEIRO 2002: 122). O mesmo autor, assim como Chauí (2002), enfatiza ainda a necessidade da ética lidar com a ação livre. A vontade é poder deliberativo do agente moral, "não pode estar submetida à vontade de um outro nem pode estar submetida aos instintos e às paixões, mas ao contrário, deve ter poder sobre eles e elas" (RIBEIRO 2002: 123).
É necessário considerar ainda que as ações livres são avaliadas e que há sobre elas um juízo de valor. Ribeiro (2002: 125) lembra que podemos "avaliar as ações segundo um metro fixo, definitivo, absoluto: são boas ou más". Cabe refletir se este metro fixo é válido de forma permanente e irrefutável, ou se os valores em que se baseia não são válidos somente "enquanto instituídos por um sujeito livre e humano (que é avaliador), e, portanto, mudam" (RIBEIRO 2002: 125).
Quando optamos pela primeira alternativa tornamo-nos meros repetidores de normas estabelecidas previamente e nos submetemos a elas, não pelo seu conteúdo moral, ou seja, por achá-las justas, mas sim, porque outras pessoas as determinaram.
Apontar para a segunda concepção de ética significa escolhermos a construção da ética pautada no exercício da cidadania ativa ou emancipatória, onde temos como ator um sujeito ético ou moral que deve atender aos seguintes pressupostos:
ser consciente de si e dos outros, isto é ser capaz de reflexão e de reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele;
ser dotado de vontade, isto é, de capacidade de controlar e orientar desejos, impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em conformidade com a consciência) e de capacidade para deliberar e decidir entre várias alternativas possíveis;
ser responsável, isto é reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e conseqüências dela sobre si e sobre outros, assumi-la bem como às suas conseqüências, respondendo por elas.
Ser livre, isto é, ser capaz de oferece-se como causa interna de seus sentimentos atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa (CHAUÍ, 2002: 337-338).
O que esperar, então, do sujeito ético no esporte e na psicologia do esporte na atualidade?
Acredito ser necessário um amplo movimento, principalmente daqueles segmentos interessados no desenvolvimento do esporte, e aqui destaco o nosso importante papel enquanto sociedade científica, no sentido de se pensar uma ética para a psicologia do esporte pautada no sujeito consciente, dotado de vontade, responsável e livre, e que enxergue seu mundo pessoal e social através das lentes da cidadania emancipatória, ou seja, que seja pautada na conquista e não na concessão de um Estado patrimonialista, que seja pautada também na autonomia, enquanto "posição de sujeitos (sociais, éticos, políticos) pela ação efetuada pelos próprios sujeitos enquanto criadores de leis e regras da existência social e política" (CHAUÍ, 1989: 302).
Ética no esporteNão nos faltam discussões a respeito da ética no esporte, pelo menos no mundo das torcidas e da mídia. Podemos acompanhar diariamente, nos comentários pelas ruas ou pelos jornais, escritos, falados e televisionados assuntos pertinentes à moral e à ética nos esportes. Poderíamos arrolar centenas de fatos que suscitariam polêmicas discussões a respeito. Vou lembrar algumas delas, a começar pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Futebol, as supostas falcatruas da Confederação Brasileira de Futebol, os chamados "gatos" do esporte, que falsificam carteiras de identidade para tirar proveito de uma idade menor, Rubinho ter que deixar Schumacher passar à frente para somar mais pontos no Mundial de fórmula 1 em 2003, ou ainda, a descoberta constante do uso de anabolizantes por parte de atletas de alto nível. A mídia prega a todo instante chavões morais e de fair play, quando ela mesma, na prática profissional de seus agentes, usa de meios inescrupulosos para manter seus níveis de audiência. O canibalismo da disputa pelos direitos de transmissão do futebol, por exemplo, não condiz com os princípios do fair play, como Bento.já nos chama a atenção quando diz que as emissoras de televisão "zurzem o desporto pelo atropelo de princípios éticos" enquanto que "na disputa pelas quotas de vendas e audiências fogem do plano do fair play como o diabo da cruz e não parecem nada incomodados com isso (s.d.: 7).
Estes fatos, entretanto, parecem causar cada vez menos espanto e indignação às pessoas, inclusive a ponto de os responsáveis, ao serem julgados, quer pela opinião pública, quer pela justiça esportiva ou comum, serem declarados inocentes. Os atos cometidos passam, então, a ser considerados normais e incorporados aos usos e costumes vigentes e, por analogia, passam a ser éticos.
Como vimos anteriormente, a ética não é estanque e rígida porque os valores humanos não o são. O esporte fica então na encruzilhada, entre o que Bento denomina, teoria moral: "um sistema de normas e princípios ancorados numa ética descritiva e normativa, destinada a balizar a actuação individual" (p. 8), a tradição moral: que "evoca a moral vivida no passado, válida e vigente até o momento de colisão com imposições e interesses do presente" (Bento, s.d.: 8) e a moral viva: que "inspira e emerge do comportamento atual. Não é uma criação do livre arbítrio, porquanto se baseia em experiências e convicções individuais" (Bento, s.d.: 8) e que evoca novamente a questão da liberdade do indivíduo.
Resta-nos avaliar alguns pontos contraditórios para delinear novas perspectivas para uma ética no esporte.
Temos um esporte que se profissionaliza cada dia mais e se submete às regras do mercado do trabalho economicamente produtivo e que, se por um lado se distancia da puritana ética protestante do trabalho, por outro, e pelos mesmos motivos, cerceia as liberdades individuais, o livre arbítrio e a possibilidade do ser humano se reconhecer no produto de seu próprio trabalho, cedendo lugar aos interesses do rendimento individualista, das vantagens econômicas e da perversidade da desestruturação trabalhista. Quais são as preocupações éticas com o fim da carreira esportiva? Os segmentos sociais que cuidam do esporte estão preocupados em como será a vida dos cidadãos, que lutaram vários anos para melhorar e manter altos índices de performance, estiveram no foco da mídia e, de repente, vivem no anonimato e muitas vezes na miséria?
Não quero me referir apenas ao âmbito do alto rendimento, que é sem dúvida o desaguadouro de inúmeras mazelas éticas, mas também à iniciação esportiva e à descoberta de talentos.
Cito, como exemplos, dois temas importantes: Um que diz respeito ao papel dos pais. Até que ponto pode se considerar ética a participação dos pais no desenvolvimento esportivo de seus filhos. Os pais estão conscientes e conversam com seus filhos a respeito das conseqüências positivas e negativas da prática esportiva? Os pais permitem a livre escolha da prática esportiva de seus filhos? As crescentes expectativas de trabalho no esporte, criadas por pais e filhos, que levam ao sonho da riqueza e do sucesso, são compatíveis com a realidade do mundo esportivo?
O outro tema é o das assim denominadas "peneiras", que freqüentemente mandam de volta para casa centenas de jovens decepcionados e frustrados por não terem conseguido um "lugar ao sol", como a que vimos recentemente na televisão, no caso específico do futebol, inclusive com a participação de renomados técnicos nacionais.
Quem se "pre-ocupa" e ocupa com todos aqueles que passaram pelas grossas redes da peneira? Quais são os reflexos deste descarte?
Parece-me que a Psicologia tem um papel ético fundamental neste e em muitos outros temas que dizem respeito ao esporte. Enquanto área que se dedica ao estudo das emoções e dos sentimentos humanos, sua função me parece primordial na condução isenta e responsável de ações que minimizem o sofrimento humano no esporte. Não basta discutir modernas técnicas psicológicas para a melhoria da performance no esporte, se não centrarmos nosso esforços no ser humano que o pratica.
Ética (na Psicologia do Esporte) a serviço de quem?Vivemos momentos de mudanças sociais exacerbadas e ágeis que afetam as tecnologias, os hábitos, as profissões e, como não poderia deixar de ser, o esporte.
A Psicologia do Esporte, enquanto uma área que deve buscar a melhoria das condições humanas da prática esportiva não está, é claro, alheia às mudanças do contexto esportivo nacional e internacional. Se por um lado, de certo modo, ela se aproveita deste importante crescimento do fenômeno esportivo contemporâneo, de outro, o ignora.
Na Psicologia do Esporte, seja no âmbito da pesquisa, quer no da intervenção ou da formação profissional, deve-se estar atento às formulações preestabelecidas que determinam os denominados "procedimentos éticos" reguladores das relações profissionais entre os sujeitos envolvidos.
Neste sentido, é necessária uma discussão crítica e madura que não se restrinja à reserva de mercado ou à imposição de regras cartoriais.
No momento em que boa parte das investigações - responsáveis e de qualidade - sobre psicologia do esporte tem sua origem em núcleos de pesquisa da Educação Física e Esporte, parece não ser justa a acusação de desvio profissional imputada a seus participantes.
Não basta, portanto, submeter projetos de pesquisa às respectivas comissões de ética, quando os interesses, tanto dos membros destas comissões, quanto dos próprios investigadores, se pautam em critérios muitas vezes escusos e corporativistas.
No trabalho de intervenção na Psicologia do Esporte já nos surpreendemos com inúmeros fatos que, embora tenham a participação de profissionais tidos como habilitados, se mostraram constrangedores para seus personagens, principalmente atletas, inclusive olímpicos, além de ludibriar a opinião pública. Contratar psicólogos em fase final de campeonato dá a impressão de que aspectos psicológicos são os responsáveis únicos e exclusivos pelo bom desempenho esportivo, acobertando, às vezes outros problemas muito mais relevantes, além de que, a necessidade de respostas rápidas possa atribuir à psicologia, equivocadamente, efeitos "esotéricos e miraculosos".
Será ético anunciar a Psicologia como ferramenta milagrosa contra os males da baixa performance de um indivíduo ou de uma equipe? Ou ainda, a Psicologia do Esporte não se isenta, a partir de sua intervenção, dos aspectos psicológicos mais gerais do sujeito esportista?
Até que ponto é ético o treinamento psicológico de controle da dor no esporte? Qual é o grau de liberdade dado ao sujeito esportista na decisão sobre o trabalho psicológico, principalmente naquelas modalidades esportivas caracterizadas pelo autoritarismo e pelos contratos rígidos? Como os psicólogos esportivos vêem alguns aspectos éticos em sua área de atuação
Quando perguntados sobre quais aspectos éticos consideram importantes na área da Psicologia do Esporte os profissionais respondentes desta pesquisa se manifestaram da seguinte forma:
"O sigilo é importante, o respeito e a relação somente profissional, estudar e procurar prestar o seu serviço da melhor maneira possível, ser claro e honesto em relação aos seus objetivos no seu trabalho".
"Os princípios éticos da Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte (ISSP) estão contidos no código de ética do Psicólogo e eu considero todos importantes para o exercício da profissão".
Pode-se verificar, portanto uma preocupação, de um lado moralista e normativa, agravada por uma forte carga de ingenuidade, e por outro, mencionam-se conceitos bastante vagos de sigilo e honestidade.
Conforme argumenta Ribeiro (2002), a crença de que existe uma tábua de valores pronta e acabada é uma questão fundamental na discussão da ética e da moral. Assume-se como verdade a norma estabelecida por outros, excluindo "qualquer dignidade humana no sentido de ser o homem quem pauta sua aventura neste mundo: ele, melhor dizendo, nós, passamos de meros repetidores de escolhas e definições que nos antecedem" (RIBEIRO, 2002: 126).
Baseando-se nesta concepção corre-se o risco de não se conseguir "distinguir quem cumpre a lei por acha-la justa, ou por achar justo obedecer a ela, e quem obedece a ela somente por medo do castigo" (RIBEIRO, 2002: 126), ou ainda nas palavras de Alonso (2002) "o homem é um ser dotado de um órgão ética que opera com liberdade" (p. 93).
O senso comum parece tomar conta das preocupações éticas, não se notando um aprofundamento teórico que pudesse denotar uma postura mais crítica e autônoma diante do problema. Conforme se poderá observar, respostas pouco fundamentadas ou carentes de bases teóricas, permeiam também os relatos seguintes.
Interpelados a apontar três aspectos positivos e três aspectos negativos que consideram ligados ao comportamento ético de Psicólogos Esportivos, citam, como pontos positivos, a par da dificuldade em enumerá-los, aspectos mais gerais da profissão. De um lado, os aspectos éticos positivos são atrelados à atualização e aperfeiçoamento profissional, conforme se pode verificar na seguinte resposta:
"Os profissionais estão procurando se especializar, a atuação do Psicólogo do Esporte deve estar melhor do que no início da Psicologia do Esporte aqui no Brasil".
Por outro lado, surge a alentadora preocupação, ainda que tênue, em dar voz ao sujeito esportista buscando seu consentimento nas técnicas psicológicas utilizadas. Um dos respondentes coloca como aspecto positivo, "priorizar o respeito ao cliente como ser humano, deve haver honestidade e humildade no reconhecimento dos próprios limites, observação do sigilo profissional e o consentimento dos clientes com relação às práticas pertinentes".
Reforça-se, portanto, a idéia da "ética que lida com um tipo de ação, que é a ação livre" (RIBEIRO, 2002: 123). Talvez seja este um aspecto de extrema relevância na Psicologia do Esporte e que nos remete à dúvida do quanto, atletas e técnicos, estão conscientes do que, realmente, significa um acompanhamento psicológico no esporte (SAMULSKI, 2002).
As respostas referentes aos aspectos negativos mostram também uma discussão bastante acirrada nos últimos tempos, acerca da delimitação da atuação profissional não só na psicologia em geral mas, principalmente, entre professores de educação física / técnicos e psicólogos do esporte. A visão corporativa, predominante nos conselhos profissionais de diversas áreas não é diferente na Psicologia do Esporte, conforme se observa no depoimento seguinte:
"Há uma confusão entre a atuação do Educador Físico e do Psicólogo do Esporte, Perdidos em relação a sua atuação, o que faço e como faço, alguns Psicólogos do Esporte estarem envolvidos pessoalmente com profissionais do seu campo de trabalho, isto é, com o seu próprio atleta, por exemplo, os profissionais ainda não estão especializados, até engenheiro pode ser Psicólogo do Esporte".
Há, de forma recorrente, um desconforto causado pela necessidade de sigilo por parte do psicólogo e que interfere na comunicação com quem, via de regra, tem o contato direto com o atleta, ou seja, o técnico, já que muitos psicólogos trabalham apenas numa fase de diagnóstico, não atuando com intervenção direta, observado na seguinte resposta:
O conceito de "sigilo profissional" pode ter várias interpretações. Pode tratar-se de sigilo nas informações colhidas na intervenção junto ao sujeito esportista, que portanto são confidenciais, e não devem ser transmitidas a outras pessoas, mas também pode se referir à omissão de informações em situações de erro, falha ou exercício inadequado da profissão."o sigilo retarda um pouco o desenvolvimento de certas situações, já que o atleta pode trazer informações ao psicólogo que, se fossem passadas ao treinador, ajudariam o mesmo a compreender melhor o comportamento do atleta".
Quando pergunto sobre quais princípios éticos os psicólogos esportivos devem considerar em sua atuação profissional as respostas repetem o que já havia sido mencionado na primeira pergunta, ou então os respondentes se remetem aos mesmos princípios éticos de outras áreas da psicologia.
Há, portanto, a ratificação da necessidade e importância de princípios éticos enquanto normatização externa e também da visão romântica (e ingênua) de, por exemplo, "prestar o seu serviço da melhor maneira possível", e que a norma rígida da ética não prevê acomodações possíveis que possam incluir especificidades nos diversos campos de atuação.
Volto a um ponto recorrente e que parece ser central nesta discussão. Há uma visão predominante e equivocada da necessidade normativa e que Ribeiro (2002) contesta ao afirmar que "não podemos mais propor um rol do que é certo e do que é errado, a fim de que as pessoas simplesmente o repitam em suas vidas" (p. 144).
Quando interpelados quanto à importância do comportamento ético na atuação profissional fica claro, novamente, que a ética, ou aquilo que os profissionais da área entendem por ética, é alguma coisa que, antes de ser vista como ampliadora de horizontes, ponto de partida, disseminadora de perspectivas profissionais é delimitadora, cerceadora, fiscalizadora e se destina, principalmente, a resolver problemas e dilemas advindos da má conduta profissional.
A responsabilidade social, que poderia ser uma preocupação ética legítima dos psicólogos do esporte, é vista como possível atrelagem a normas pré-estabelecidas, conforme se verifica na seguinte afirmação:
"...a ética delimita, de forma positiva, a atuação profissional, controlando excessos que possam advir da conduta dos maus profissionais, atuar dentro do seu campo de conhecimento, respeitar os clientes, respeitar outros profissionais, procurar desenvolver a profissão, ter responsabilidade social".
Neste sentido, pelo que se pode depreender das discussões realizadas, é necessário repensar a ética na Psicologia do Esporte. Isto significa, inicialmente, um esforço de reavaliação da ação profissional ética desprendido de idéias corporativas e normativas.
Por um comportamento ético na Psicologia do EsporteUm comportamento ético na Psicologia do Esporte deve se constituir, a partir do domínio do conhecimento, para a melhoria da condição humana e não da simples melhoria da performance.
Um comportamento ético na Psicologia do Esporte deve se pautar no sujeito moral e não na visão absoluta e determinista das normas pré-estabelecidas.
Edgar Morin, em seu texto A ética do sujeito responsável, afirma: "A restauração do sujeito comporta a exigência do auto-exame, a consciência da responsabilidade pessoal, e o encargo autônomo da ética (auto-ética)" (MORIN, 2000).
O mesmo autor apresenta ainda algumas idéias-guia que a ética política deveria conter. Aproveito-me de quatro delas para reforçar o meu ponto de vista do que é necessário a uma Ética na Psicologia do Esporte.
A ética da religaçãoA noção de religação engloba tudo aquilo que faz comunicar, associar, solidarizar e fraternizar; ele se opõe a tudo que fragmenta, desloca, disjunta (corta qualquer comunicação), reduz (ignorância do outro, do vizinho, do humano, egocentrismo, etnocentrismo). A religação deve ser concebida como a religião do que religa, fazendo frente à barbárie que divide" (MORIN, 2000: 72).
Sugiro, então, em prol do avanço científico, tecnológico e humanizador da área, um pensar na religação. A união de esforços, de conhecimento, de pessoas e profissões. Diferente do esforço capitalista e atomizador que imputa aos seres humanos que é necessário suplantar o outro a qualquer preço. A vitória no esporte, neste sentido, não deve estar vinculada à trapaça, à humilhação, à falta de solidariedade, à arrogância. A vitória deverá, quando ocorrer, ensinar, isto sim que ela somente é possível pelo esforço coletivo de muitos.
A ética do debate"A regra do debate é inerente às instituições filosófica, científica e democrática. A ética do debate vai mais longe ainda: exige a primazia da argumentação e a rejeição da anatematização. Longe de descartar a polêmica, ela a utiliza, mas rejeita todos os meios vis, todos os julgamentos de autoridade, assim como quaisquer tipos de rejeições pelo desprezo, quaisquer insultos sobre as pessoas" (MORIN, 2000: 73).
Princípios éticos na Psicologia do Esporte não devem, portanto, formular julgamentos de autoridade, que sirvam para encobrir erros, desprezar ou insultar profissionais: pesquisadores, psicólogos ou técnicos, mas que também não optem pelo silêncio medíocre da conivência. As imposições devem dar lugar ao diálogo aberto e responsável, sempre privilegiando, não só o sujeito que pratica esporte, como também, os profissionais envolvidos no meio-ambiente esportivo.
A ética da compreensão"A compreensão é complementar à explicação; esta utiliza os métodos adequados para conhecer os objetos enquanto objetos, e tende sempre a desumanizar o conhecimento dos comportamentos sociais e políticos; a compreensão permite conhecer o sujeito enquanto sujeito e tende sempre a re-humanizar o conhecimento político. Acrescentemos a isso que a compreensão é necessária a tudo aquilo que possa tornar as relações humanas menos imbecis e ignóbeis" (MORIN, 2000: 73).
Por outro lado, não devemos correr o risco de confundir compreensão com condescendência. O caminho para a compreensão deve ser sempre crítico.
Para estarmos abertos à compreensão devemos nos despojar dos ceticismos e das certezas absolutas, pecado original da ciência. Se em outras áreas a compreensão é importante, no lidar psicológico ela é essencial. Precisamos, portanto, transportar a compreensão, essencial ao nosso agir, para o comportamento ético. Do mesmo jeito que lidamos com a complexidade dos fenômenos psicológicos, precisamos lidar com a das relações pessoais e sociais que envolvem o conjunto profissional da Psicologia do Esporte.
A ética da magnanimidade:"Contra a ética atroz da vingança e a ética impiedosa da punição, o que importa é tornar exemplar a ética da magnanimidade. Esta última, ilustrada em tempos passados pelos atos soberanos de clemência, como o de Augusto por Cinna, foi ilustrada em tempos recentes por Vaclav Havel que, quando eleito presidente, afirmou para seus delatores: "Desde o momento que me tornei presidente forneceram-me a lista de colegas que haviam me denunciado, mas eu a perdi logo depois do meio dia". "(...) O retorno da barbárie encontra-se claramente evidente pela renovação do ciclo infernal do ódio impiedoso, que transforma em inimigos todos aqueles que fazem parte de uma mesma etnia, religião, classe, nacionalidade, mantendo ativo o ciclo terrorismo/tortura. O único meio capaz de tentar quebrar esse ciclo infernal é a irrupção da magnanimidade, da clemência, da generosidade, da nobreza" (MORIN, 2000: 73).
A intolerância tem sido o motivo maior dos conflitos mundiais. A diferença de etnia, de religião, de nacionalidade, de partido político ou de equipe esportiva de preferência, é, em muitos casos, a origem das agressões físicas, das retaliações e de conflitos bélicos. Conviver com a diversidade exige busca pela compreensão e o entendimento.
Se desejarmos mudar algo em nossas ações, devemos partir, inicialmente, de uma análise de nossas próprias convicções e, a partir delas, procurar compreender os outros.
A prática profissional ética, na pesquisa ou na intervenção, não se coaduna com a intolerância.
Nota
1. Estabeleceu-se como critério para participação na pesquisa que os entrevistados fossem Psicólogos que estivessem atuando diretamente na intervenção com praticantes de alguma modalidade esportiva.
Referências
ALONSO, F.R. Requisitando os fundamentos da ética. In: J.A.A. COIMBRA (Org.). Fronteiras da Ética. São Paulo: Senac, 2002. p. 75-119).
BENTO, J. Ética e desporto - tradições e contradições. Manuscrito não publicado. S.d.
CHAUÍ M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática,2002.
CHAUÍ, M. Cultura e democracia. São Paulo: Cortez1989.
MORIN, E. A ética do sujeito responsável. In : E.A. CARVALHO; M.C. ALMEIDA; N. FIEDLER-FERRARA; N.N. COELHO; E. MORIN. Ética, solidariedade e complexidade. São Paulo: Palas Athena, 2000. p. 64-77.
RIBEIRO, R.J. Ética, política e cidadania: revisitando a vida pública. In: J.A.A. COIMBRA (Org.). Fronteiras da Ética. São Paulo: Senac, 2002. p. 121-145.
SAMULSKI, D. Psicologia do Esporte. Barueri: Manole, 2002.
TRIVIÑOS, A.N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais. A pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
revista
digital · Año 10 · N° 76 | Buenos Aires, Septiembre 2004 |