Discutindo objetivos de ensino para a educação física escolar |
|||
*Graduada em Ed. Física e Pedagogia, Mestre e Doutora em Educação, pesquisadora da Universidade São Judas Tadeu e Coordenadora do Grupo de Estudos de Educação Física Escolar do UNIFIEO, Osasco, São Paulo. **Membros do Grupo de Estudos de Educação Física Escolar do UNIFIEO, Osasco, São Paulo. |
Sheila Aparecida Pereira Dos Santos Silva* Ana Paula Kasteckas Daniel Aquino Santos | Barbara Baciega Hugo Cesar Nunes Da Silva | Cleyds Zwing sheila.silva@uol.com.br (Brasil) |
|
|
|
|||
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 76 - Septiembre de 2004 |
1 / 1
Introdução
O Brasil é um país de imensa riqueza cultural, fruto de sua diversidade populacional e enorme extensão territorial onde se enfrenta o problema da inexistência de orientações curriculares nacionais em níveis mais próximos da operacionalização. O argumento freqüentemente utilizado para justificar tal atitude tem sido o respeito à diversidade entre regiões e à autonomia didática daqueles que atuam na escola.
Além deste problema, ainda há uma grande parte de docentes que assumem o trabalho pedagógico com preparação acadêmica insuficiente, experiência didática mínima ou inexistente e, sem conhecimento sobre experiências de sucesso na condução curricular da Educação Física nas quais possam se inspirar.
Ao longo de 12 anos de leitura de relatórios de estágios de alunos de graduação em Educação Física pudemos verificar que este componente curricular apresentou pouco progresso em termos do que pode promover à educação dos alunos num claro descompasso com os progressos conceituais observados, notadamente na última década do século XX, na literatura da Educação Física.
Não temos dúvida que uma boa preparação profissional no que se refere aos aspectos conceituais, técnicos e éticos pode garantir ao professor as condições necessárias para a elaboração da proposta curricular de sua escola.
Eficácia da educação física escolar: o problemaAlém da situação problemática descrita, fatores como a falta de fixação do professor na escola, comunicação e discussão pedagógica insuficiente ou inadequada com os colegas de trabalho que ministram o mesmo componente curricular, diferenças nas fases da carreira profissional constatadas entre docentes da mesma escola, colaboram para uma Educação Física escolar ineficaz.
O quê entendemos, portanto, por um programa de Educação Física escolar eficaz?.
A resposta pode ser dada enfocando vários aspectos que tentamos convergir em apenas uma frase: Preparar seres humanos que adotem um estilo de vida ativo, por identificarem nas práticas motoras um significado que venha a atender às suas expectativas de qualidade de vida.
Nessa linha de pensamento, entendemos que a eficácia da Educação Física escolar poderia ser mensurada pela porcentagem de alunos e ex-alunos da educação básica que sistematicamente praticassem atividades motoras por, no mínimo, três vezes por semana1 mesmo após o término dos anos de escolarização.
Metodologia adotada na pesquisaCom o propósito de identificar e analisar propostas curriculares que definissem objetivos e/ou metas de trabalho por série escolar que pudessem vir a ser adaptados de maneira a se tornarem úteis e aplicáveis à realidade brasileira nos dispusemos a realizar uma análise de conteúdo do documento da National Association of Physical Education (NASPE) 2 que propõe objetivos, apresenta exemplos de estratégias de avaliação e conteúdos a desenvolver desde o jardim da infância, até o equivalente ao último ano do ensino médio brasileiro (High School), agrupados de duas em duas séries (que denominamos de graus).
Após a tradução do documento e identificação dos objetivos que servem como eixos curriculares nesta proposta, a análise ocorreu em duas etapas: a primeira visando a compreensão do que era proposto em cada grau de escolarização e a segunda visando a identificação da evolução de cada objetivo entre as diferentes séries de acordo com as metas de aprendizagem previstas para cada grau.
Na discussão dos resultados e conclusão, buscamos identificar as aproximações e diferenças existentes entre este documento norte-americano e as propostas espanhola e brasileira.
Evolução dos objetivos por grau: resultados e discussãoA respeito do conteúdo ministrado e de sua distribuição ao longo das séries, identificamos que há sete objetivos que podem ser identificados como eixos curriculares, pois permanecem desde o "Kindergarten" até o "Twelfth Grade", exceto no "Second Grade" onde são mencionados apenas seis deles, norteando o trabalho do professor.
Os objetivos mencionados são:
Demonstrar competência em muitas formas de movimento e proficiência3 em algumas formas.
Aplicar conceitos e princípios de aprendizagem e desenvolvimento de habilidades motoras.
Exibir um estilo de vida fisicamente ativo.
Adquirir e manter um nível elevado de saúde relacionada à aptidão física.
Demonstrar comportamento pessoal e social responsável em ambientes voltados à atividade física.
Demonstrar compreensão e respeito pelas diferenças entre as pessoas em ambientes voltados à atividade física.
Compreender que a atividade física promove oportunidades para divertimento, desafios, auto-expressão e interação social.
Numa primeira abordagem destes objetivos, buscamos identificar a abrangência educativa da proposta, considerando o comportamento humano sob as dimensões física, motora, cognitiva e afetivo-social, tendo resultado nos seguintes pontos:
Ao final do 12ºgrau os objetivos estão voltados a formar o indivíduo para um estilo de vida ativo.
Não são exclusivamente voltados para o desenvolvimento da aptidão física, mesmo sendo ligados a ela, evidenciando que esta representa a especificidade da Educação Física.
Trazem uma visão que a atividade física proporciona desenvolvimento pessoal nos domínios: físico (4ºobjetivo), motor (1º objetivo), cognitivo (2º e 7ºobjetivos) e afetivo (3º, 5º e 6º objetivos).
Nos chamou a atenção que o maior número de objetivos sejam de ordem afetivo-social.
Os objetivos afetivo-sociais podem ser classificados em atitudes: a) em relação a si mesmo (3º); b) em relação aos outros (6º) e c) misto dos dois tipos anteriores (5º).
A Educação Física é afirmada como área voltada ao desenvolvimento da saúde: física, psicológica e social: a) Física - isto se destaca no 4º objetivo quando se refere à aptidão física; b) Psicológica - implicitamente no 7º objetivo ao referir-se ao divertimento, desafio e auto-expressão; c) Social - nos 5º, 6º e 7º objetivos ao mencionar interação social e respeito pelas diferenças.
No aspecto Motor, nos pareceu corroborar a proposta da abordagem desenvolvimentista encontrada em Gallahue (2001) para a fase motora especializada ou fase de movimentos culturalmente determinados. Com muita freqüência utilizam a expressão "atingir padrão maduro de movimento".
No 2º objetivo evidencia-se que o desenvolvimento de competências motoras e a manutenção de estilo de vida ativo estão ligados à posse de conhecimentos sobre a motricidade de forma aplicada e significativa, o que nos pareceu coincidir com a proposta espanhola e com a brasileira, no que e refere aos conhecimentos sobre o corpo.
No 1º objetivo evidencia-se a diferença entre competência (ser capaz de...) e proficiência (ser bom em ... , ser habilidoso em...).
Na análise da evolução proposta para cada objetivo4 , grau a grau, a intenção foi apropriar-se do continuum elaborado pela NASPE para que se chegasse a um juízo a respeito da possibilidade do mesmo ser utilizado na realidade brasileira, mesmo que nesta utilização não houvesse correspondência exata com os graus de escolarização estabelecidos no Brasil. Isso por entendermos que a busca dos sete objetivos ocorre simultaneamente e que o professor deve ter capacidade para avaliar o progresso de seus alunos em cada um deles e adequar sua intervenção para que todos tenham condições de progredir no seu próprio ritmo.
É muito comum afirmar que a educação física norte-americana é orientada apenas pela busca da aptidão física. A análise realizada dos objetivos da educação física escolar e de sua evolução durante os doze graus de ensino evidencia uma preocupação que, sem dúvida alguma, privilegia o desenvolvimento das habilidades motoras, desde as simples, até às mais complexas e aplicadas em situações de competição, cooperação, recreação, vertigem ou auto-expressão, em função do desenvolvimento da aptidão física, mas não se restringe a estes aspectos.
Aspectos socioculturais e atitudinais são muito evidentes, sendo perceptível a preocupação com a multiculturalidade, provavelmente devido ao problema da intolerância racial sabidamente existente nos Estados Unidos. Mesmo que objetivos semelhantes em termos de tolerância social sejam colocados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais brasileiros, o Brasil não enfrenta problemas tão evidentes de racismo como os enfrentados no outro país.
O trabalho analítico através da classificação que estabelecemos em objetivos cognitivos, afetivo-sociais, físicos e motores resultou em algumas dificuldades uma vez que estes aspectos apresentaram-se mesclados na descrição que, numa primeira aproximação, nos pareciam claramente distintos. Em outras palavras, objetivos que nos pareciam eminentemente afetivo-sociais continham descrições de comportamentos que classificamos como pertencentes ao domínio cognitivo. Talvez possamos interpretar esta constatação inferindo que, para que ocorra o desenvolvimento de atitudes de respeito e cooperação, é preciso que o aluno tenha conhecimento das razões ou dos códigos sociais que condicionam as atitudes desejáveis.
Dois aspectos destacaram-se em nossa análise por permearem a maior parte da proposta educacional norte-americana: o engajamento progressivo do aluno na prática de atividades física e o desenvolvimento de sua autonomia para a continuidade da prática mesmo além do horário ou da vida escolar.
No objetivo de desenvolvimento da autonomia para a prática de atividades físicas é onde se percebe a importância da transmissão de conteúdos conceituais para o estudante. Esta busca da autonomia pode ser notada a partir do 6º Grau quando se propõe que o aluno seja capaz de compreender e aplicar princípios da prática de atividades físicas e condicionamento físico para aumentar a própria performance. No 8º grau este objetivo é mencionado de forma idêntica. No 10º grau, percebe-se que há continuidade da busca deste objetivo quando é mencionado que aluno deve saber integrar, autonomamente, conhecimentos científicos, físicos e táticos, que lhe permitam melhorar seu desempenho na modalidade esportiva escolhida. No 12º grau, que retrata o objetivo final da educação física escolar, expressa-se claramente que o aluno deverá possuir autonomia para identificar os princípios que regem o condicionamento físico, o treinamento esportivo e a prática de modalidades esportivas individuais e coletivas e aplicá-los na aprendizagem e desenvolvimento de atividades físicas, mesmo que para ele sejam desconhecidas, através de um programa pessoal.
Quando se analisa a busca do engajamento do aluno em atividades físicas, é possível identificar objetivos nesta linha desde o início da escolarização quando se menciona que o aluno deve começar a praticas atividades físicas fora da escola, continuando no 4º grau ao recomendar-se que pratique estando consciente da conseqüente melhora de suas habilidades motoras, no 6º e 8º graus mencionando-se a necessidade da prática diária e, ainda, com a inclusão de metas para o alcance da aptidão física que no 10º e 12º graus não deverão mais aparecer isoladas, mas incorporadas a um programa de desenvolvimento da aptidão. Ao final da escolarização, espera-se que o aluno sinta-se fortalecido para manter e melhorar a própria aptidão física.
Por curiosidade do grupo de pesquisadores, procurou-se identificar as menções feitas ao desenvolvimento da criatividade dos alunos e percebeu-se que foram poucas podendo citar apenas no 6º grau o objetivo de "combinar habilidades motoras de forma criativa" e, no 8º grau, "criar atividades desafiadoras".
ConclusãoA proposta curricular americana abrange desde o kindergarten (equivalente à etapa de Educação Infantil brasileira) até o 12º grau (equivalente ao Ensino Médio brasileiro) e encontra-se estruturada através de propostas de objetivos específicos agrupados para duas séries consecutivas em cada bloco.
Possui como eixos norteadores sete objetivos gerais que percorrem toda a escolarização, à exceção do 5º e 6º graus que possuem apenas seis objetivos, sem que qualquer justificativa tenha sido apresentada para a ausência de um dos objetivos gerais.
Os eixos norteadores da Educação Física Escolar propostos contemplam as dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais ligadas à prática de atividades motoras, porém, nem sempre apresentando uma clara indicação de progressividade ou aumento da complexidade da abordagem dos conteúdos a cada dois graus de escolarização. Foi perceptível que as dimensões históricas das atividades motoras e práticas esportivas não são recomendadas, porém, destaca-se a importância da discussão cultural sobre elas. Esta análise propicia a identificação do modelo da aptidão física como base para a confecção da proposta, no entanto com o cuidado de não ignorar a dimensão cultural dos conteúdos, sem nos permitir, no entanto, qualquer inferência sobre a base epistemológica desta abordagem.
Numa rápida comparação com a proposta curricular espanhola (Ministério da Educação e Cultura) e brasileira (Parâmetros Curriculares Nacionais), percebeu-se um maior nível de detalhamento grau a grau na proposta americana o que, na nossa interpretação, fornece diretrizes mais objetivas para o trabalho do professor. Na proposta espanhola e brasileira, por outro lado, se expressa mais claramente a preocupação em destacar uma orientação sócio-cultural na abordagem dos conteúdos de ensino. Acreditando na possibilidade de contribuir com uma nova visão de ensino nas escolas, melhorando a qualidade de vida, e atendendo as necessidades dos nossos alunos, Como conclusão, podemos afirmar que a proposta norte-americana pode ser adaptada à realidade brasileira pois nos pareceu útil no sentido de organizar, principalmente, os conteúdos referentes ao conhecimento sobre o corpo e o desenvolvimento das habilidades motoras, mesmo considerando que apresentam um nível incipiente de sistematização.
Concluímos, ainda, que a apresentação sistematizada de objetivos educacionais contribui para que o professor tenha clareza em relação à evolução de seu trabalho no meio escolar, bem como facilita a avaliação da eficácia do ensino por parte da instituição escolar, dos alunos, dos pais e do próprio professor de Educação Física.
Notas
No que estamos de acordo com programas que visam à promoção da saúde através da prática de atividades motríceas, a exemplo do Programa Agita São Paulo.
Organização norte-americana que congrega profissionais de Educação Física.
Interpretamos o termo competência como ser capaz de... e o termo proficiência como ser habilidoso em...
Os quadros analíticos referentes a este trabalho podem ser solicitados à autora pelo e-mail: sheila.silva@uol.com.br ou prof.sheila.silva@usjt.br
Referências bibliográficas
BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Vol. Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1998.
GALLAHUE, David L.; OZMUN, John C. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. São Paulo, Phorte, 2001.
NASPE - National Association for Sport and Physical Education. Moving into the future national standards for Physical Education: a guide to content and assessment.St Louis. Mosby, 1995.
MEC - Ministerio de Educación y Ciencia. Primaria: Área de Educación Física. Madrid. 199?.
revista
digital · Año 10 · N° 76 | Buenos Aires, Septiembre 2004 |