O Treinamento Mental como uma variável significativa na performance de atletas e na aprendizagem de habilidades motoras |
|||
*Graduada em Educação Física pela ULBRA **Docente da Faculdade de Educação Física e Ciência do Esporte PUCRS. Docente do Pós Graduação da Universidade do Oeste de Santa Catarina - Xanxerê |
Prof.ª Ana Paula Schú de Souza* Prof. Ms. Roberto Mário Scalon** anaschu@via-rs.net (Brasil) |
|
|
|
|||
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 75 - Agosto de 2004 |
1 / 1
Introdução
O treinamento mental sendo originário da psicologia cognitivista, busca influenciar os pensamentos e as representações mentais dos atletas objetivando a melhoria da sua performance. No que diz respeito à aprendizagem de habilidades motoras segundo Magill (1998) a primeira etapa da aprendizagem motora envolve um alto grau de atividade cognitiva e muito dessa atividade está relacionada à questão sobre o que fazer com essa nova tarefa, assim o treinamento mental pode ajudar nas respostas referentes à performance sem a pressão que acompanha o desempenho físico da habilidade, além de ser benéfico na consolidação das estratégias e na correção de erros nas etapas finais da aprendizagem, que seriam as fases associativa e autônoma.
As demandas cognitivas vividas pelos atletas durante as situações de competição e a busca pelo domínio das emoções e sentimentos dentro desse contexto fazem do treinamento mental uma variável significativa que o faz estar incluso nos programas de treinamento de grandes atletas de alto rendimento, conforme pode - se observar dentro da bibliográfica científica atual, porém, aqui no Brasil ainda é bem pouco utilizado. Dessa forma torna-se importante o conhecimento teórico, bem como, o conhecimento da aplicabilidade de um programa de treinamento mental, para que possamos o inserir na qualificação do desporto brasileiro.
ConceitoÉ um trabalho dirigido ao condicionamento tanto da mente que pensa quanto da mente que sente, é parte do Treinamento de Capacidades Psíquicas, utilizado principalmente para incrementar a performance de atletas e se baseia no princípio de que podemos exercer domínio maior dos nossos pensamentos, dos sentimentos e conseqüentemente, do nosso comportamento (FLEURY,1998).
A imaginação de realizar uma ação em movimento denomina-se ação imaginada, ensaio mental ou visualização (GONZÁLEZ, 1996).
Recapitulação cognitiva de uma habilidade física na ausência dos movimentos físicos e explícitos (MAGILL, 1998).
Imaginação de forma planejada, repetida e consciente das habilidades motoras e técnicas esportivas (SAMULSKI apud FRANCO, 2000)
Procedimento na qual os indivíduos pensam sobre a realização da habilidade motora, na ausência de movimento observável. (SCHMIDT e WRISBERG, 2001)
A Prática Mental conforme Schmidt e Wrisberg (2001), é um procedimento de treinamento mental no qual os executantes pensam sobre os aspectos cognitivos, simbólicos ou processuais da habilidade motora, na ausência de movimento observável.
Breve históricoSegundo Tzachou-Alexandri apud Becker (1996) no período clássico, cinco séculos AC, em Atenas, nos ginásios existiam zonas com todas as facilidades para que treinadores e atletas realizassem " o treinamento, tanto do corpo quanto da mente " e segundo Santos apud Becker (1996) os filósofos Platão e Descartes davam grande importância à utilização de técnicas mentais, como recursos de aprendizagem e memorização.
O início do estudo científico das práticas mentais segundo Becker (1996) foi em 1892 com Jastrow que estudou os movimentos involuntários produzidos durante várias operações mentais.
Conforme Rúbio et al (2000) a Psicologia do Esporte Americana foi marcada nos anos 80 por uma produção voltada para o enfoque cognitivista, com especial atenção para as questões relacionadas com pensamentos e representações mentais em atletas, como eles mentalizam sua ação e qual a influência dessa mentalização no seu desempenho.
O trabalho realizado pela psicologia cognitiva do esporte fomentou um grande interesse pela representação mental de imagens, daí a chegar a conclusões como atletas que de forma natural se imaginam rendendo o máximo ou se estão treinados em se imaginar triunfando aprendem, em ambos os casos, como responder melhor às demandas vividas em situações competitivas. A conseqüência desse desenvolvimento é que a sugestão e as técnicas cognitivas converteram-se em uma parte substancial da maioria dos programas de treinamento.
Teorias explicativas sobre Treinamento MentalFranco (2000) afirma que é comprovado cientificamente, que um movimento imaginado e exercitado mentalmente produz microcontrações e conseqüentemente uma melhoria da coordenação neuromuscular, há um efeito fisiológico significativo, pois uma maior irrigação de sangue é constatada na musculatura envolvida.
Segundo Fleury (1998) a Teoria Psiconeuromuscular (PNM) afirma que existe relação neurofisiológica direta entre a experiência artificial imaginada e o desempenho real, quando uma pessoa imagina estar desempenhando determinada atividade pequenas quantidades de atividade neural podem ser medidas por todo o nosso corpo, em outras palavras, ao imaginar fortemente uma situação específica, pode-se criar marcas neurológicas que atuam como se o atleta estivesse vivendo realmente aquela experiência.
Conforme a autora acima citada a Teoria Simbólica do Aprendizado, que está intimamente relacionada à Teoria Psiconeuromuscular, parte do princípio que a imaginação pertence a um sistema de códigos que pode ajudar atletas a entender e aperfeiçoar seus movimentos, isso significa que os movimentos realizados pelo atleta, influenciados diretamente pela mente, são compostos de uma seqüência de atividades que pode ser desmembrada, observada e aprimorada. A grande maioria dos fundamentos de desportos em geral, podem ser aperfeiçoados através dessa teoria.
Utilização e vantagens do Treinamento MentalUtilização segundo Magill (1998) :
Aquisição de habilidades motoras;
Reaprendizagem de habilidades motoras;
Melhoria no desempenho de uma habilidade motora bem aprendida;
Programas de reabilitação.
Vantagens segundo Franco (2000) :
Diminui a carga física - menos cansaço;
Diminui a carga psíquica - situação sob total controle;
Eliminação de lesões físicas - sem risco;
Menor gasto de tempo;
Sem exigência de espaço adequado;
Sem exigências de condições físicas - casos de contusões;
Maior chance de concentração - não há estímulos perturbadores externos.
Benefícios do Treinamento Mental na aprendizagem de habilidades motoras (SCHMIDT e WRISBERG, 2001)
Pode envolver a prática de aspectos cognitivos, simbólicos e de tomada de decisão da habilidade;
Pode permitir ao aprendiz imaginar ações possíveis e estratégias, estimulando os resultados prováveis na situação real;
Pode ser acompanhado por atividade muscular mínima, muito longe da necessária para produzir a ação, que envolve os músculos que são utilizados durante o movimento real;
Pode auxiliar na focalização da atenção dos executantes nas dicas relevantes da tarefa, o que pode ser útil para a performance física subseqüente.
Os sistemas sensoriais e o treinamento mentalSegundo Suinn apud Becker (1996) durante uma sessão de treinamento mental é possível atuar sobre os sistemas sensoriais, em quatro dimensões distintas: visual, cinestésica, auditiva e emocional.
Dimensão visualPara Becker (1996) na dimensão visual o atleta imagina-se realizando a ação desportiva e pode produzir diferenças na perspectiva (interna X externa), isto significa que além das informações externas, a imaginação visual pela sua característica de colocar a atenção em todos os detalhes possíveis da ação (posição corporal, seqüência motora, etc) pode proporcionar ao praticante informação interna sobre modelos de ação motora.
Dimensão cinestésicaSegundo Hall, Rodgers & Bar; Suinn apud Becker (1996) esta dimensão trata da imaginação da percepção interna que o atleta vivência, antes, durante e depois da ação motora, e que juntamente com a dimensão visual é a mais utilizada pelos atletas. Os mecanismos proprioceptivos recebem informações importantes dos músculos, ossos e do sistema responsável pelo equilíbrio e os mecanismos interoceptivos recebem também informações das vísceras.
Dimensão AuditivaDurante a execução real das ações motoras, segundo Becker (1996), os atletas registram ruídos que ocorrem tanto em si mesmo, como no objeto ou objetos que maneja e no ambiente desportivo que o rodeia. A utilização da imaginação auditiva, somada às dimensões visual e cinestésica contribui para o aumento do rendimento dos atletas.
Dimensão emocionalConforme Becker (1996) por mais que um atleta esteja preparado para uma competição, é impossível deixar de sentir a emoção relacionada ao movimento. A visualização das emoções que podem ocorrer em situações cruciais de uma competição, é uma técnica de imaginação, também utilizada na psicologia clínica chamada de Coping Imagery que significa imaginação pela superação, que pode levar a um melhor controle destes fatores por parte do atleta.
A posição corporal do praticante de treinamento mental (BECKER, 1996):
A posição corporal do praticante para a execução do treinamento mental pode ser de três maneiras:
Deitada
Para que o atleta fique mais acomodado é recomendada a posição deitada em decúbito dorsal, frontal ou, se preferir, na posição lateral.
Sentada
Esta posição pode facilitar que a execução da técnica realizasse uns momentos antes de entrar em quadra, por exemplo.
Em pé
A posição em pé permite ao praticante efetuar o treinamento mental dentro da competição, uns instantes antes que o atleta execute uma ação de grande responsabilidade.
Segundo o autor, as posições corporais dos praticantes de treinamento mental, que são utilizadas durante as sessões, são as que têm sido citadas pela literatura internacional porém, não vem sendo realizadas investigações científicas que possam determinar as possíveis vantagens de uma das posições em relação as demais.
Programa de treinamento mental (GONZÁLEZ, 1996):
A visualização psicológica é uma das técnicas mais eficazes que existe para a melhora das atuações de desportistas, muitos desportistas antes de uma competição imaginam mentalmente as ações e movimentos que deverão ser realizados.
Antes do ensaio mental se tornar um treinamento mental utilizado conscientemente, as pessoas o utilizam de forma natural (inconsciente) sem poder evitá-lo.
A diferença individual no nível de habilidade de desportistas é muito grande, e normalmente cada um adapta as instruções conforme a sua maneira de ser, já que este procedimento é mais efetivo que seguir ao pé da letra as instruções gerais da psicologia. Outra advertência importante a ser considerada é o nível de habilidade individual e o desporto praticado.
Existem algumas evidências de que os desportistas de maior habilidade beneficiam-se mais da visualização do que desportistas com menos habilidade.
Um grande número de técnicas psicológicas desenvolvem o emprego da combinação relaxamento - visualização, por estimar serem mais efetivas ambas as técnicas juntas, do que aplicadas separadamente.
A influência da forma de pensar do desportista na sua performanceMuitos desportistas e treinadores são convencidos de que a maneira de atuar do jogador é diretamente dependente da sua forma de pensar. Em outras palavras, existe uma continuidade necessária entre a maneira de mentalizar um movimento e a forma de realizá-lo. Se a mentalização de uma ação for realizada erroneamente, a execução desta mesma ação será realizada também erroneamente ou de forma inadequada.
As relações entre a mentalização e execução têm fundamento na investigação psicológica. Praticamente todos as fundamentações da orientação cognitiva da psicologia indicam que uma mentalização inadequada produz resultado desfavorável na sua execução da ação. O comportamento poderá ser modificado se houver alterações na conduta (pensamentos e cognições) do indivíduo.
As pesquisas têm corroborado amplamente que, um sujeito ao imaginar um movimento, produz algum tipo de atividade muscular, principalmente dos músculos envolvidos na realização do mesmo. A representação mental de um movimento tem repercussões musculares, porém o registro da atividade muscular que resulta da imaginação de um movimento é mais intensa em indivíduos que possuem hábito de exercitar este movimento. A imaginação, portanto, é o principal fator que inicia a ação muscular para preparar o desportista para a competição.
A utilização de biofeedbacks confirma de forma convincente a relação estreita entre os pensamentos e emoções relativos a uma atividade particular.
Para que a prática mental consiga os efeitos desejados, deve cumprir algumas condições. Consequentemente deve ser investigado quais variáveis asseguram o emprego positivo da visualização de imagens na execução, evitando aquelas condições onde a visualização pode ser menos efetiva.
Características das imagens para serem efetivasa) Orientação
Uma característica da mentalização que se considera importante é " a orientação da imagem" ". A orientação da imagem divide-se em imagem interna e imagem externa.
Imagem interna: é aquela produzida pelo próprio aspecto da mentalização e também é chamada de imagem cinestésica.
Imagem externa: ocorre quando uma pessoa vê a si mesma, como um observador, como se estivesse vendo-se em uma televisão.
Os estudos realizados não apresentam conclusões que possam ser confirmadas, parece que ambas, a imagem interna e a externa, podem melhorar a atuação e que sua efetividade depende do nível de habilidade do desportista e do tipo de tarefa a ser realizada.
b) Claridade (nitidez)
Outra característica importante da efetividade das imagens refere-se a claridade ou nitidez da imagem. A nitidez se refere à claridade da imagem produzida. Uma mentalização confusa do que se quer fazer, dificilmente trará uma execução satisfatória. Por exemplo: um jogador de basquete que visualiza um tiro livre sem ver claramente o aro da cesta, conseqüentemente na execução do movimento irá falhar.
c) Controlabilidade
Controlabilidade refere-se à capacidade da pessoa em alterar a imagem: aumentando-a, diminuindo-a ou vê-la em movimento. Trata-se de um fator decisivo para determinar a efetividade da imagem. O controle se refere a mudar a imagem conforme a vontade do desportista. Aprender a controlar as imagens de acordo com os desejos e necessidades, se não houver controle das imagens, haverá repetição de erros.
Convencer os desportistas da utilidade do treinamento mentalA experiência de grandes campeões:
Existe uma ampla evidência de desportistas que se serviram eficazmente do treinamento mental na melhora do seu rendimento. O melhor será oferecer exemplos do próprio desporto.
Fazer algumas demonstrações:
Demonstrar através de biofeedbacks que as imagens processadas no nosso cérebro influenciam na tensão muscular, na sudorese, na respiração, na temperatura e na freqüência cardíaca, por exemplo.
Usar expressões positivas:
Deve-se se expressar aos desportistas de forma positiva, o mais concretamente possível.
A expressão "não pode ficar nervoso " é recordar o nervosismo, enquanto que a frase "conserve a calma" sugere a imagem contrária.
Recomendações para a efetividade dos objetivos do treinamento mental
O relaxamento, se preceder a prática do treinamento mental, poderá ser mais efetivo;
Imaginar os movimentos ou tarefas de forma real, para conseguir uma imagem clara.
Focalizar a atenção em uma execução perfeita.
Utilizar a imagem para aprender diferentes estratégias para serem utilizadas ao decorrer do jogo.
Usar todas as modalidades sensoriais (visão, olfato, audição, tato e degustação) no treinamento mental.
Praticar o treinamento mental dentro de bases realistas, isto é, adaptando aos níveis do rendimento para melhorá-los.
Avaliar a habilidade de imaginar, qualquer procedimento é bom quando se consegue demonstrar os progressos.
Métodos de treinamento mentalO treinamento mental pode ser realizado através de exercícios, questionários e biofeedbacks, onde o local mais apropriado é o local dos treinamentos e o das competições. A prática deve ser individual e ter uma duração média de 15 minutos.
ConclusãoConclui-se que o treinamento mental é uma variável importante a ser considerada tanto para melhoria da performance atlética, quanto para a aquisição de habilidades motoras, mas que, deve ser como qualquer outro treinamento, planificado e planejado considerando, além das suas peculiaridades próprias para a sua eficiência a individualidade biológica e a especificidade do desporto ou habilidade motora objetivados.
Referências bibliográficas
BECKER, Benno Junior. El efecto de tecnicas de imaginacion sobre patrones electroencefalograficos, frecuencia cardiaca y en el rendimento de practicantes de baloncesto con puntuaciones altas e bajas en el tiro libre. Barcelona: Universidade de Barcelona, 1996. (Tese de Doutorado em Psicologia)
FLEURY, Suzy. Competência Emocional: O caminho da vitória para equipes de futebol. São Paulo: Gente, 1998.
FRANCO, Gisela Sartori. Psicologia no Esporte e na Atividade Física. São Paulo: Manole, 2000.
GONZÁLEZ, José Lorenzo. El Entrenamiento Psicológico en los Deportes. Madri: Biblioteca Nueva, 1996.
MAGILL, Richard A Aprendizagem Motora: Conceitos e Aplicações. São Paulo: Edgar Blücher,1998.
RUBIO, Katia. Psicologia do Esporte: Interfaces, pesquisa e Intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
SCHMIDT, Richard A. e Wrisberg, C. Aprendizagem e Performance Motora: Uma abordagem da aprendizagem baseada no problema. Porto Alegre: Artmed, 2001.
revista
digital · Año 10 · N° 75 | Buenos Aires, Agosto 2004 |