Análises e reflexões para a pedagogia do esporte. Resenha do filme Momentos decisivos (Hoosiers), do diretor David Anspaugh (1987) |
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Bacharel em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Estudante do curso de Pós-Graduação da Faculdade de Educação Física da Unicamp Mestrando em Pedagogia do Movimento (F.E.F. - Unicamp) |
Rubens Venditti Júnior rubensjrv@yahoo.com (Brasil) |
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Texto publicado originalmente na revista Movimento & Percepção, v. 1, n.º 3, 2003 |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 75 - Agosto de 2004 |
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Este texto é uma tentativa de análise do filme "Momentos Decisivos"(1987)1 , através da ótica do técnico/professor no que diz respeito a questões muito discutidas em nossa área profissional dentro da Pedagogia do Esporte. É um modo diferente de analisar, discutir e refletir as praxis dentro da Educação Física, bem como suas influências nos aspectos social, psicológico e ambiental.
Um primeiro enfoque aparente no filme diz respeito ao "conviver com as diferenças", com as individualidades (de cada público e sujeitos) e as diversas funções, aplicações e manifestações do fenômeno esportivo, dentro de toda sua pluralidade (BENTO, 1999) e multiplicidade (PAES, 2002): o esporte permite a participação de toda a comunidade em seu processo (o idoso, a família, a religião, a escola etc.).
No decorrer do filme, são diversas as possibilidades e atitudes de Inclusão Social possibilitadas através do esporte. A filosofia do "coach" a este respeito sempre permite abrir um leque de oportunidades, permitindo novas chances para estes indivíduos, possibilitadas através do processo esportivo2 e da sensibilidade do técnico.
Dentro do mesmo aspecto inclusivo, pode-se notar que há a inclusão do talento esportivo, na figura do melhor jogador da escola que decide retornar aos treinamentos. E o mais importante é que esta inclusão é permitida sem que haja a exclusão dos que não são talentos 3 , como o caso do jogador mais baixo do time que antes era uma espécie de sparring e somente participava dos treinos, além de ter sido o roupeiro da equipe. A família também passa a ser incluída no processo, não apenas como mera espectadora dos jogos, mas como atuante na equipe4 .
Todas estas oportunidades surgem através do "jogo possível" (PAES, 2002), que preconiza através da ludicidade a facilitação pedagógica do esporte (em sua multiplicidade e pluralidade) e o equilíbrio entre: a) os referenciais metodológicos, indo além do técnico-tático; e também b) os princípios e valores humanos necessários ao desenvolvimento da personalidade de crianças e jovens, que podem ser desenvolvidos através da pedagogia do esporte.
Assim, todos foram, de alguma forma e com determinadas funções e responsabilidades, incluídos no sistema, através da atuação e intervenção do Agente Pedagógico (PAES, 2003) e suas ações diretas ou indiretas.
Podemos notar as influências do ambiente no processo em análise e dois focos de observação, importantes para nossas reflexões:
Esporte sendo um facilitador do ambiente, "com funções de mediador pedagógico e catalisador de possibilidades" (VENDITTI Jr., 2003); e
"Agente Pedagógico" - na figura do coach, técnico, preparador e professor de Educação Física- seu executor e o principal sujeito para esta intervenção.
Um fator fundamental na atuação do Agente Pedagógico está na sensibilidade que este necessita para notar as qualidades e potencialidades na individualidade e trazer assim benefícios na coletividade, construindo assim uma equipe esportiva (com identidade coletiva e coesão grupal) dentro do respeito e convívio com as diversas individualidades, personalidades, diferenças, qualidades e limitações de cada elemento do grupo5 .
"TIME, TIME, TIME... NINGUÉM É MAIS IMPORTANTE QUE NINGUÉM! " - todos são iguais, embora deva haver respeito às individualidades e características de cada elemento, mas os tratamentos nunca podem ser diferentes. O técnico foi quem otimizou as diversas potencialidades da equipe6 .
Permitiu que sua liderança se ampliasse a partir do momento que estabeleceu novas lideranças funcionais no grupo e experiências que possibilitassem tomadas de decisões, soluções de problemas7 , sempre pensados de forma coletiva e altruísta.
Dentro desta perspectiva de lideranças, experiências de sucesso e responsabilidades que o técnico atribuiu em diversos momentos8 , também enfoca-se a "força da palavra", ou persuasão verbal (BANDURA, 1977; 1986) do agente pedagógico, pois uma vez conquistada a confiança no grupo, sua palavra é respeitada ("sua palavra passa a ser lei").
Daí a importância de se trabalhar dentro desta Pedagogia com a formação integral, a transmissão de valores, pois os alunos e atletas se espelham e respeitam muito a palavra do coach. Uma outra característica importante do técnico é que este soube colocar "força" na palavra dos outros elementos da equipe.9
"O primeiro passo para tomar a decisão correta é decidir que decisão tomar". A convicção -através do controle situacional, do próprio conhecimento e sabedoria, estabelecimento de metas e objetivos e domínio sobre as metodologias (teórico e prático)- é fundamental para o Agente Pedagógico poder atuar com consistência, eficácia e eficiência10 . Destacamos também a importância para a flexibilidade nas idéias e comportamentos, além de habilidades no relacionamento interpessoal e aspectos intrapessoais, dentro da perspectiva das inteligências múltiplas (GARDNER apud BALBINO, 2001) no processo educacional esportivo.
A partir do momento em que o Agente Pedagógico engendra sua metodologia na Aprendizagem Social - defendida por diversos pesquisadores (VIGOTSKI, 1998; BANDURA, 1986; dentre outros)- deixando de enfocar apenas o gesto motor e padrões esportivos, associado a PAES(1996) "o importante não é o jogo e sim quem joga", pode-se observar o estabelecimento de novas relações, fortalecimento de amizades já existentes, além da co-educação; na qual ocorre não um sentido único de transmissão hierárquica de conhecimento (do professor para o aluno), mas sim uma troca na relação professor-aluno e no processo ensino-aprendizagem, que passa a ser de "mão dupla".11
Discutamos aqui também o equívoco em dirigir as propostas somente no âmbito físico. Deve haver um equilíbrio e harmonia no ambiente, para que se atue dentro de uma perspectiva integral, transpondo fatores puramente bio-físicos ou técnico-táticos. São eles: o psicológico/emocional; o social/cultural; o biológico/individual; o físico-espacial/ambiental. Havendo esta harmonia na abordagem, pode-se concluir que o Esporte pode estruturar, transformar e modificar o ambiente.
Outra proposição a ser destacada foi a importância do esporte na sociedade, como no caso daquela pequena comunidade norte-americana. No filme percebemos a amplitude do fenômeno esportivo, do ponto de vista sócio-cultural, através do envolvimento e participação da comunidade.
O esporte, em sua pluralidade, deve ser considerado um fenômeno cultural e que participa e influencia a vida das pessoas. E o agente pedagógico - o profissional de Educação Física - é o elemento principal deste processo, daí sua importância no ambiente escolar e na formação humana destes indivíduos aos quais se aplicam suas intervenções.
Sendo o profissional o principal agente pedagógico do processo, é importante realçar dois pontos fundamentais:
buscar permanentemente o conhecimento, através de discussões, pesquisas, capacitações, especializações e reciclagem para acompanhar as transformações e ressignificações do esporte moderno, utilizando a universidade como fórum de discussão do esporte de maneira científica .
trabalhar com o aspecto psicológico e as emoções- uma vez que estamos trabalhando com seres humanos, não devemos nos ater simplesmente aos aspectos racionais e bio-físicos do esporte.
Uma vez pensado o ser humano de maneira integral, a convicção, o respeito, o amor e a dedicação por parte do agente pedagógico, é fundamental para o Desenvolvimento Humano, terminologia utilizada por Krebs (1995), dentro da perspectiva da Teoria Ecológica dos Sistemas.
Este mesmo Agente precisa estar ciente dos aspectos do Movimento, Pensamento e Sentimento (PAES, 2003), contextualizados dentro da realidade social e da matriz filosófica de suas atividades (valores e princípios), todos em harmonia e equilíbrio com o ambiente e as características dos indivíduos (PAES, 2003). Os princípios devem ser transmitidos e estarem integrados com as atividades. São eles: a cidadania, a participação (que é a essência da cidadania) e a criticidade.
Pensada assim, a Pedagogia do Esporte estrutura-se de forma holística e integral, de maneira plural (BENTO, 1999) e proporcionando a estimulação de múltiplas inteligências (GARDNER, 1995), que não apenas a puramente motora ou cinestésico-corporal: há o desenvolvimento das inteligências musical; verbal; naturalista; espacial; lógico-matemática; inter e intrapessoal valorizando o ser total (BALBINO, 2001).
Possibilitando o desenvolvimento humano, seu foco fica nos praticantes e sujeitos da intervenção - seres que se movem, pensam e sentem; transformando-se e transcendendo. Além de serem simples seres, passam a se tornar muito mais humanos, humanizados e conscientes de seu tempo, espaço e sociedade.
Uma vez aplicada desta forma, a Educação Física permite transformações em diversas amplitudes e segmentos, além de também possibilitar sua auto-transformação e desenvolvimento. Passa a ser considerada e reconhecida enquanto ciência, conhecimento e participante da vida cotidiana social, cultural e individual de seus praticantes.
Portanto, caro leitor ou cinematófilo, desfrute desta odisséia a respeito das indagações pertinentes à Educação Física e à Pedagogia do Esporte.
Este filme serve como aperitivo para despertar acaloradas e sadias discussões a educadores e pesquisadores da área acadêmica... Quem sabe até um banquete?! Bon Apetit!!!
Notas
"Momentos Decisivos - HOOSIERS" (1986, 1987), direção: David Anspaugh. 115 minutos. Inglês. E.U.A. : MGM Inc.
Um exemplo é a questão do idoso ou pessoa de terceira idade - antigo técnico da equipe e também alcoólatra - convidado pelo técnico a ser assistente novamente, o que permite o trabalho e readequação social de pessoas estigmatizadas com vícios e preconceitos, valorizando-a e devolvendo-lhe funções sociais e auto-estima. E, através do esporte surge uma destas possibilidades de inclusão e participação social dinâmica - "Dar a eles uma nova chance ! " é a fala de Gene Hackman, no papel de técnico da equipe.
Permite a integração de quem sabe jogar com quem quer aprender. "O aluno não precisa aprender para jogar e sim jogar para aprender". (PAES, 2002, p. 95).
Exemplos: o pai que era o motorista do time e tinha o micro-ônibus; pais que queriam participar de alguma maneira no time (alguns até espaçosos demais!); outros pais e toda a comunidade decidindo se o técnico ficaria ou não (votação comunitária para a permanência dele na equipe).
Equilíbrio entre os referenciais metodológicos e aspectos técnico-táticos, agregando a estes os princípios filosóficos e desenvolvimento de valores humanos (cooperação, participação, autonomia, convivência e co-educação, dentre outros). A preocupação está em quem joga, com os sujeitos, não apenas no jogo ou na modalidade desenvolvida (PAES, 2002).
Possibilitou que se manifestassem através de estímulos e situações propícias de ambiente, usufruindo no coletivo - dentro dos objetivos do grupo- daquelas melhores qualidades e características individuais, sempre com enfoque na coletividade da equipe.
Destacamos também o espaço para o trabalho com as inteligências múltiplas e solução de problemas dentro da Pedagogia do Esporte (BALBINO, 2001).
Exemplos: deixou seu assistente sozinho no jogo para vencer a frustração de derrotas anteriores e a insegurança do mesmo; assegurou que o jogador faria a cesta de lance livre, no momento decisivo da partida final, e depois iriam fazer uma jogada coletiva; dentre outros.
Quando ele deixa que o melhor jogador assuma para si a responsabilidade do final do jogo, decidindo autonomamente e não sendo uma ordem ou imposição do próprio técnico, isto é de uma sensibilidade fenomenal.
Uma ocorrência interessante é que o Agente Pedagógico se transforma, além de transformar o ambiente, pois as tomadas de decisões foram sendo cada vez mais modificadas no decorrer do processo: no início o coach era autoritário e rígido, foi cedendo aos poucos tornando-se mais democrático e possibilitando a participação e integração com o grupo.
Ocorre a troca entre as pessoas do ambiente e entre este e as pessoas. Surgem valores e oportunidades propícias de ambiente ao desenvolvimento e alterações de comportamento; que trazem, conseqüentemente, mudanças no próprio ambiente.
Referências bibliográficas
BALBINO, H. F. Jogos Desportivos coletivos e os estímulos das Inteligências Múltiplas. 2001. 142 f. Dissertação (mestrado)- Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.
BANDURA, A. Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral change. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1977.
____________.Social Foundations of thought & action: a social cognitive theory. New Jersey: Prentice-Hall, Inc. 1986.
BENTO, J. O. et. al. Contextos da pedagogia do desporto. Lisboa: Livros Horizonte, 1999.
GARDNER, H. Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
KREBS, R. J. Desenvolvimento humano: teorias e estudos. Santa Maria: Casa Editorial, 1995.
PAES, R. R. Pedagogia do esporte e os jogos coletivos. In: De ROSE Jr., D. (Colab.). Esporte e atividade física na infância e adolescência: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 89-98.
__________. Pedagogia do esporte - FEF/Unicamp (pós-graduação). Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003 (Apostila).
VENDITTI Jr., R. Fichamento técnico do filme Momentos Decisivos (Hoosiers), de David Anspaugh (1987). In:: PAES, R.R. Pedagogia do esporte- FEF/Unicamp (pós-graduação). Campinas, 2003 (Apostila).
VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
revista
digital · Año 10 · N° 75 | Buenos Aires, Agosto 2004 |