Envelhecimento, exclusão e morte: resenha do livro A solidão dos moribundos... de Norbert Elias |
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I.E.S. Jaroso de Cuevas del Almanzora, Almería *Mestre em Educação Física FEF/UNICAMP Delegada Regional em Goiás da Sobama 2002/2003 Integrante do grupo de estudos Corpo, Infância e Aprendizagem FEF/UFG **Mestre em Educação Brasileira FE/UFG Profa Assistente na Faculdade de Educação Física Universidade Federal de Goiás Coordenadora do Grupo de Estudos Corpo, Infância e Aprendizagem FEF/UFG |
Profa Cristina Borges de Oliveira Profa. Rubia-Mar Nunes Pinto rubia@fef.ufg.br (Brasil) |
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Ano V, n.2 com a temática Melhor Idade. Publicação semestral da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFG dezembro 2003. p 40-41 - ISSN 1677-9037 |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 75 - Agosto de 2004 |
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Elias propõe várias reflexões que permeiam a questão da solidão dos moribundos sendo que uma delas é oportuno ressaltar aqui, qual seja: "Seria falso sugerir que os problemas específicos do estágio da civilização na relação dos saudáveis com os moribundos, dos vivos com os mortos, são um dado isolado. O que surge aqui é um problema parcial, um aspecto de um problema geral da civilização em seu estágio presente (p.32)". Elias aponta, com bastante propriedade ao longo dessa obra, que faz se mister entender a questão central do isolamento dos moribundos a partir da compreensão da mudança que acompanha os distintos estágios alcançados pelo desenvolvimento da humanidade.
Assim, o problema da morte e do envelhecimento - e em conseqüência, o problema do abandono e exclusão dos velhos - somente podem ser compreendidos a partir da noção de que a experiência da morte varia de uma sociedade para outra e que, portanto, tal experiência foi/é apreendida não sendo, pois, algo natural e/ou universal. Não é exatamente o fato biológico de morrer que varia uma vez que essa experiência é um dado inevitável da vida biológica, experiência corriqueira em todas as espécies vivas e em todos os momentos do processo civilizatório. O que varia é a consciência da morte, a qual é possível somente para os seres humanos. É essa consciência que se transforma no curso do desenvolvimento social.
O sociólogo alemão afirma que a problemática em questão não é só a morte, mas, principalmente, o significado de partida antecipada que assume o envelhecimento nas sociedades industrializadas. De acordo com o autor de A Solidão dos Moribundos, a maneira mais antiga dos humanos enfrentarem o fim da vida é evitando a idéia da morte, afastando e reprimindo tal pensamento ou incorporando a fé inabalável na imortalidade. Sob este ponto de vista, o velho, o moribundo representa, uma clara evidência da finitude da vida, evento que os seres humanos modernos parecem não aceitar. O medo de morrer, o pavor do fim da vida é o sentimento que, fragilizando as pessoas, faz que com se estabeleça o afastamento dos velhos e moribundos separando as pessoas que envelhecem das outras.
Elias (p. 19) destaca que, nas sociedades modernas, a morte é vista com um dos maiores perigos biopsicossociais na vida dos indivíduos. Nessas sociedades, a morte sempre aparece como uma violência e por isso vai sendo empurrada para os bastidores da vida social. Em outros momentos da civilização, como na Idade Média, pode-se perceber que a morte era muito menos oculta, mais presente e familiar, embora, não mais pacífica. O espetáculo da morte, inclusive, provocava sentimentos de prazer, alegria e catarse nos indivíduos, os quais eram sustentados pela ausência de identificação entre aqueles que morriam e os que assistiam ou promoviam sua morte.
Elias afirma que a exclusão dos moribundos ocorre com maior incidência nas sociedades mais avançadas porque nessas sociedades existe um espaço de identificação social maior do que em outros tempos históricos. Isto quer dizer que somos, atualmente, muito mais sensíveis em relação ao sofrimento e ao espetáculo da morte do que os homens e mulheres que viveram na Antiguidade e na Idade Média. "Se compararmos aos da Antiguidade, nossa identificação com outras pessoas e nosso compartilhamento de seus sofrimentos e morte aumentaram (p.9)". Essa identificação acaba por instalar, nas pessoas, um sentimento de desconforto e constrangimento diante dos que envelhecem e morrem e, finalmente, provocar o rompimento dos laços afetivos do velho com as pessoas com as quais ele se relacionou, às vezes, por toda a vida.
Pensando nos velhos e moribundos, isso significa que, atualmente, eles também são empurrados para os bastidores e excluídos do convívio social. Os cuidados e a proteção dos velhos e moribundos, antes atribuição da família e circulo de amigos e vizinhos, foi sendo transferido para a esfera estatal e, cada vez mais, pautado pelo conhecimento científico. O convívio com parentes, amigos e vizinhos nestes contextos pode ser, inclusive, proibido ou dificultado por interferirem no trabalho dos profissionais da saúde. Nesse processo, o velho é isolado do contato social com pessoas com as quais, às vezes, conviveu por grande parte de sua vida. Assim, a rede de atendimento institucional aos idosos, sustentando-se na possibilidade de retardamento da morte biológica, afasta familiares e parentes e provoca uma espécie de morte social do velho.
O que Elias nos instiga a pensar é que a aversão dos adultos contemporâneos a tudo aquilo que lembre a idéia da morte é uma característica da homogeneidade do padrão dominante do atual estágio da civilização. Relembra nossos medos de infância e de como a morte aparece em associação com o assassinato e que as fantasias e ritos individuais e coletivos em torno da morte são, em sua grande maioria, assustadores. Como conseqüência muitas pessoas, especialmente ao envelheceram, vivem secreta ou abertamente em constante terror da morte. A angustia, a depressão e o sofrimento causados por essas fantasias e pelo medo da morrer, podem ser tão intenso, as fantasias podem ser tão reais quanto à dor física de um corpo em deterioração.
Encobrir a morte da consciência é, reconhece Elias, uma tendência muito antiga na história da humanidade, porém, mudaram os modos usados para esse encobrimento mudaram. Se antes, as pessoas recorriam com mais paixão e intensidade à idéia da continuidade da vida em outro lugar - fantasia coletiva ainda significativa - atualmente, os avanços científicos que permitem o prolongamento da vida e a possibilidade de institucionalizar os cuidados com os velhos e moribundos, são as formas mais comuns para encobrir o processo de envelhecer e morrer.
Elias conclui essa obra reafirmando que a morte biológica não é o maior pesadelo. O pior pode ser a dor dos moribundos e a incomensurável a perda sofrida pelos vivos quando morre uma pessoa amada. A grande tarefa que ainda temos pela frente, de acordo com Elias, é enfrentar os terrores que, emocionalmente, alimentamos sobre envelhecer e morrer opondo-lhes a realidade de uma vida biológica que tem fim. Nas palavras do autor: "A morte não tem segredos. Não abre portas. É o fim de uma pessoa. O que sobrevive é o que ela ou ele deram às outras pessoas, o que permanece na memória alheias" (p.77)
Elias nos leva a refletir sobre os inúmeros terrores que envolvem o fato de envelhecer e morrer ressalvando, no entanto, que o constrangimento social e a áurea de desconforto que freqüentemente cerca a esfera da morte em nossos dias é de pouca serventia para uma mudança de valores a atitudes frente à questão. O que poderia ser feito para assegurar às pessoas maneiras fáceis e pacíficas de morrer ainda está por ser descoberto, mas existem alguns meios para se mudar a atitude frente à morte: a amizade e solidariedade dos vivos e o "sentimento dos moribundos de que não causam embaraço aos vivos (p.76)".
Concluindo, o livro do sociólogo alemão Norbert Elias apresenta-se interessante para o pensamento educacional brasileiro, principalmente, por propor uma ampliação das explicações conhecidas sobre o isolamento dos velhos e dos moribundos nas sociedades urbanas. Em especial, o livro permite que possamos entender que o abandono e isolamento dos idosos em nossa sociedade não podem ser explicados unicamente a partir da idéia de que idoso é improdutivo economicamente. É preciso, então, considerar os aspectos emocionais que interferem no abandono dos velhos e moribundos. Neste sentido, é preciso que compreendamos aquilo que Elias chama de auto-imagem - o modo como as pessoas se vêem, se percebem - do ser humano que vive nas modernas sociedades industrializadas e urbanas e que não inclui a idéia do envelhecimento e da morte.
O afastamento dos velhos e moribundos do convívio social é o sinal mais evidente da não-identificação entre os jovens e os que estão envelhecendo e morrendo. Se essa não-identificação é apreendida, pode também ser alterada, o que coloca um papel fundamental para a educação das novas gerações. Atualmente, o pavor da morte e de tudo que lhe é associado é ensinado, muito cedo, às crianças: os pais e professores evitam falar da morte, de pessoas que morrem ou estão morrendo; as crianças, asa vezes, são impedidas de verem pessoas mortas e de vivenciarem as emoções provocadas pela morte. A possibilidade de transformar a relação dos jovens com os velhos e moribundos passa, necessariamente, pela superação do ocultamento da morte durante a infância e pela inserção da criança em relações afetuosas e de amizade com as pessoas que se encontram próximas do fim da vida.
Bibliografia
Elias, Norbert. A solidão dos moribundos seguido de envelhecer e morrer. Rio de Janeiro/RJ; Jorge Zahar, 2001.
revista
digital · Año 10 · N° 75 | Buenos Aires, Agosto 2004 |