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As vagabundagens de Dioniso apresentadas
na tribo de skatistas streeters

   
* PPGEF/UGF,Lires-LEL - Famerc
** PPGEF/UGF; Lires-LEL
(Brasil)
 
 
Ms. Maria Regina de Menezes Costa*
ayelgina@aol.com  
Dr. Vera Lúcia Menezes Costa **
veralmc@globo.com
 

 

 

 

 
Resumo
    O estudo discute, na perspectiva do imaginário social, o conceito de tribo em Maffesoli (2000), sentidos de aventura e risco entre jovens skatistas streeters que o praticam como lazer. Captadas durante o estudo do giro pela cidade dessa tribo que parece querer se enquadrar fora do formalismo das práticas urbanas, adotando estilos próprios, singulares: de praticar os seus esportes e o sentido afetual desses ajuntamentos. A aventura e o risco assumem sentido de vertigem manifestadas na sensação corporal de medo/prazer; o lúdico aparece na exploração do espaço da cidade, criação e utilização de obstáculos; o sentido de autocontrole aparece aglutinado tanto ao empreendedorismo quanto ao sentido de expansão, o que pode ser indício de domínio do exercício dessa atividade que se realiza num meio urbano, cujas informações estão fora de seu controle, à mercê das variações do ambiente; a estrutura de sensibilidade do herói, guerreiro solar, vigilante constante, dominada pelo controle do espaço e da visão (Durand, 1989). O vôo, o pássaro e a liberdade surgiram como encadeamento semântico que deu pistas da simbologia que orienta as ações desses skatistas. Os símbolos reforçam a idéia da potência que move as ações dos praticantes gerando a força proxêmica e ecológica presente nas tribos. O mito pregnante de Dioniso vem dar suporte ao impulso lúdico, transgressor desnorteante e anônimo que aparece manifestado na trajetória desses jovens skatistas streeters pelas ruas da cidade. Eles se apresentam como novos arquitetos urbanos, amantes da cidade que os agasalha e que, ao mesmo tempo, desconfia de suas manobras.
    Unitermos: Skatistas streeters. Skateboard. Tribo. Espaço urbano. Imaginário social. Esporte-lazer.  

Abstract
    The study it argues, in the imaginary perspective of the social one, the concept of tribe in Maffesoli (2000), felt of adventure and risk between young skatistas streeters that they practise it as leisure. Caught during the study of the turn for the city of this practical tribe who seems to want to be fit outside of the formalism of the urban ones, adopting proper, singular styles: to practise its sports and the afetual direction of these crowdings. The revealed adventure and risk assume sensible of vertigo in the corporal sensation of medo/prazer; the playful one appears in the exploration of the space of the city, creation and use of obstacles; direction of self-control appears agglutinated in such a way to empreendedorismo how much to direction of expansion, what it can at the mercy of be indication of domain of the exercise of this activity that if carries through in an urban way, whose information are are of its control, of the variations of the environment; the structure of sensitivity of the hero, solar warrior, vigilant constant, dominated for the control of the space and the vision (Durand, 1989). The flight, the bird and the freedom had appeared as semantic chaining that gave tracks of the symbology that guides the actions of these skatistas. The symbols strengthen the idea of the power that moves the actions of the practitioners generating the proxêmica force and ecological gift in the tribes. The pregnante myth of Dioniso comes to give has supported to the playful impulse, transgressive anonymous desnorteante and that appears revealed in the trajectory of these young skatistas streeters for the streets of the city. They present themselves as new urban architects, loving of the city that agasalha and that, at the same time, distrusts of its maneuvers.
    Keywords: Skatistas streeters. Skateboard. Tribe. Urban. Social imaginary. Sport-leisure.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 74 - Julio de 2004

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    Eu os convido a realizarmos uma trajetória pela cidade e observarmos as tribos de skatistas streeters. De que modo eles apresentam uma maneira singular de reapropriação do espaço público. Esses atores tecem condições determinantes do espaço que antes era vivido apenas como via pública, violentando os seus corpos e sua ânsia de criar, entrando num emaranhado de ruas que os faziam girar segundo as leis impostas pela arquitetura, não lhes permitiam uma identidade pessoal-local, tornando-os anônimos na multidão, transitando em alguns dos bairros por onde os skatistas adotam sentidos de pertencimento às tribos surgidas a partir de um vínculo social do estar junto, adotando linguajar, vestuário e características semelhantes aos dos outros atores. Mostraremos nessa trajetória as idéias de Michael Maffesoli, autor que nos dá o cimento necessário para decifrar as tribos surgidas a partir da emoção compartilhada ou do sentimento coletivo. Os skatistas streeters vão tecendo novas rotas, riscando com seus skates outros caminhos, transgredindo o ordenamento estabelecido nas ruas da cidade. Para esses jovens, a cidade não remete a formas específicas de utilização espacial burguesa, ela suscita práticas vibrantes com o deslizar dos seus skates. Como expressa Certeau (1994), a cidade é o "lugar de transformação e apropriação, objeto de intervenção, mas sujeito sem cessar a ser enriquecido com novos atributos: ela é ao mesmo tempo a maquinaria e o herói da modernidade" (p.175).

    Partindo desse contexto, os jovens skatistas agem como Ícaro, que, segundo Certeau (1994) elevou-se acima das águas e de lá observou Dédalo em labirintos móveis e sem fim. Pode ser que esses jovens também se elevem a uma altura tal, que, lá de cima, à distância, lhes permita observar esses labirintos de ruas lineares que antes os faziam apenas girar em torno do nada. Essa elevação os torna voyeurs da cidade. De praticantes ordinários da cidade eles se transformam em observadores divinos e se transportam às experiências poéticas e míticas do espaço, que antes viviam apenas como caminhantes, pedestres.

    Na música "Tribalistas" os autores mostram a trajetória do ethos que Maffesoli (2000) diz estar surgindo caracterizando a pós-modernidade. Podemos perceber uma mudança de paradigma, numa perspectiva da tradição francesa: o surrealismo, inserido numa perspectiva global, holística, que integra a vivência, a paixão e o sentimento comum, ligando a prevalência estética, a não-atividade política, às diversas formas de contemplação. Maffesoli faz uso da metáfora tribo porque permite dar conta do processo de desindividualização, da saturação da função que lhe é inerente, e da valorização do papel que cada pessoa é chamada a representar dentro dela. Para ele, a massa está em constante agitação; portanto, as tribos que nela se cristalizam tampouco são estáveis, as pessoas que se compõem podem evoluir de uma para outra. O que seria contrário à estabilidade induzida pelo tribalismo clássico. O neotribalismo é caracterizado pela fluidez, pelas reuniões pontuais e pela dispersão (p. 8). Por essa razão os autores da música alegam que os tribalistas podem se desintegrar num próximo momento, passando a outro ajuntamento, o que nos perceber que esses jovens talvez tenham herdada a errância de Dioniso que já foi herança das peregrinações de Zeus à terra.

    A tribo do grupo que constitui nosso objeto de estudo, a dos skatistas, parece apenas querer formar um pilar para uma construção sadia nas mentes dos praticantes de skate, livre do formalismo imposto pela indústria cultural, distinguindo-se dos demais jovens. Skatear pela cidade consiste em deslizar sobre pranchas saltando sobre bancos, calçadas, escadas, caixotes e tudo que se pode encontrar pelo caminho para usar como obstáculo. Eles parecem querer se enquadrar fora do formalismo das práticas urbanas, adotando estilos próprios, singulares: de praticar os seus esportes, de vestir-se, de falar um idioma próprio, usando linguajar específico atravessado por gírias e termos que só são compreendidas no convívio entre eles. Esse pilar pode estar servindo, nesse momento, apenas como pano de fundo para a construção da socialidade na pós-modernidade, época na qual está predominando, segundo Maffesoli (2000), o contato afetual, os fenômenos emocionais, a dominância imaginal. Esses grupos se ajuntam numa comunidade emocional adotando costumes, linguagens, gestos, vestimentas semelhantes e caracterizadores de suas passagens pelos locais.

    Percebe-se um vaivém constante que se estabelece entre a massificação crescente da atividade e o desenvolvimento dos microgrupos que o autor caracteriza como "tribos". Tratar-se-ia de uma tensão fundadora, que parece caracterizar a socialidade deste fim de século. Uma sociedade que difere da era da modernidade, que apresentava uma mutação qualitativa em relação ao passado. Trata-se de um novo vínculo social (ethos) surgindo a partir da emoção compartilhada ou de um sentimento coletivo. De acordo com Maffesoli (2000), o que melhor poderia caracterizar a pós-modernidade é o vínculo entre a ética (o laço coletivo) e a estética (o sentir comum). Não se trata de uma frivolidade da boemia artística, mas seria importante descobrir nessa coletivização de sentimentos o que pode vir a ser um dos fatores essenciais da vida social, que está em vias de re-nascer nas sociedades contemporâneas.

    Para Maffesoli (2000), o tribalismo é um movimento vitalizante da sociedade, pelo qual se encontram formas para reencantar o mundo. "Nas massas que se difractam em tribos, ou nas tribos que se agregam em massas, esse reencantamento do mundo tem como cimento principal uma emoção ou uma sensibilidade vivida em comum" (p.42).

    A "galera"1 do skate street se agrupa por suas afinidades, pelo gosto da aventura e do risco nas manobras realizadas pelas ruas da cidade e dentro dessas galeras nascem as "tribos". Para esses jovens, arriscar-se em manobras traz a sensação de um prazer extraordinário, experimentado na vertigem (ilînx). Eles se apresentam como os "novos" urbanos, que, com seus modos displicentes e arrojados, surgem como arquitetos de idéias. Com as suas aventuras, vão engendrando caminhos, construindo obstáculos, vendo a cidade como uma amante pronta para abraçá-los, mostrando-lhes as curvas e as linhas desse espaço, repletas de incertezas e mistérios. Suscitados por novos desafios, vão-lhe ao encontro com seus carrinhos. Com esse modo de viver, esses jovens vão ressignificando o espaço público, criando lugares, revitalizando a modernidade, desenvolvendo outros olhares, recriando a cidade na vivência dos deslizamentos de suas aventuras.

    Maffesoli junta-se a Durkheim ao sublinhar o fato de a estética do "nós" ser um misto de indiferenças e de energias pontuais. Fala da natureza social dos sentimentos, enfatizando a sua eficácia, e escreve sobre a proximidade do bairro e a sua misteriosa força de atração, que faz com que alguma coisa tome corpo. Nesse quadro exprime a paixão, onde as crenças comuns são elaboradas ou procura-se a companhia daqueles que pensam e que sentem como nós.

    Maffesoli (2000) vai falar de uma comunidade emocional, em que a multiplicidade do eu e a ambiência que ela induz serve de pano de fundo à reflexão. Essa comunidade seria a ligação entre a emoção partilhada e a comunalização aberta, suscitando a multiplicidade dos grupos nos quais os laços sociais são constituídos, que seria o fio condutor que percorre todo o corpo social. Deixa de existir, portanto, aquele sentido de territorialização antes encontrado no corpo do grupo.

    Mas esses jovens skatistas streeters trazem para o cenário urbano algumas das suas piruetas e malabarismos, demarcando os seus espaços apoiados num sentimento comum que é a relação existente entre os seus corpos e o carrinho do skate. Esses atores parecem estar caracterizando o que Maffesoli diz estar surgindo a partir dessa emoção compartilhada entre a ética, o laço coletivo, e a estética, o sentir comum, o ethos da pós-modernidade. Podemos assim perceber a prevalência do simbólico, que integra ao mesmo tempo a razão e os sentidos (in Rouanet e Maffesoli, 1994). Esses jovens se deslocam pelas ruas, fazem manobras corporais com seus skates utilizando-se do que encontram pela frente, transformando tudo em obstáculos, mas vivem as fantasias dos heróis que habitam em seus interiores, ultrapassam a dimensão física com seus vôos maravilhosos para depois pousarem suave e equilibradamente com seus skates no chão. Com isso, fazem mais do que deslocar-se com skates; desafiam obstáculos, revivem heróis escondidos, disciplinam-se, autocontrolam-se, equilibram-se. São vencedores. No estético há a idéia de teatralidade, do jogo das aparências, a corporalidade, o que podemos perceber na tribo desses jovens skatistas. Segundo a raiz grega, o estético tem a ver com a descoberta de alguma coisa conjuntamente, com uma emoção comum. Maffesoli diz que o estético se caracteriza por um "processo"; assim, a ética da estética favorece uma atitude agregativa encontrada entre eles.

    Desse modo, podemos ver as tribos de skatistas streeters se apropriando de um modo individual, muito próprio, do espaço urbano, re-desenhando os caminhos, tecendo condições determinantes do espaço que antes era vivido apenas como via pública, esquadrinhada pela urbanização, a qual violentava os seus corpos e sua ânsia de criar. Esses atores trazem para o público um novo layout da arquitetura urbana. Eles singularizam os caminhos, redesenhando-os. Eles param bruscamente diante de algum obstáculo, vivo ou inerte, desviam com um jogo corporal desequilibrador, para em seguida retomar o caminho. Às vezes seguem adiante, às vezes retornam, fazem algumas piruetas e depois seguem, vão em busca de outros horizontes. Esses atores falam de sentimentos, de paixão pelo skate nas expressões de seus cotidianos. Falam de um calor humano, uma corrente que nos leva a pensar que talvez esteja aí o fundamento mais simples da ética comunitária. Podemos associar a esses jovens as imagens de alto astral, de curtição e de espontaneidade.

    A aventura e o risco que se apresentam nesse esporte se manifestam nos discursos com sentidos de exploração do espaço e de vertigem. As sensações de medo/prazer surgem quando exploram o espaço urbano da cidade.

    O desconhecido os desafia, provoca medo e, ao mesmo tempo, remete-os ao prazer inigualável que é conferido ao elemento radical. Essas sensações também são conferidas quando os streeters criam outros modos de usar os obstáculos para as manobras, suscitando-lhes o aspecto lúdico nessas criações. Qualquer coisa, qualquer obstáculo pode provocá-los na rua: uma mureta, um banco, uma pessoa que passa, alguns degraus da entrada de um edifício, o corrimão de uma escada, tudo pode se tornar, aos seus olhos e à sua vontade, um objeto lúdico.

    Os símbolos identificados nas falas desses jovens são: o vôo, o pássaro, e a liberdade.

    Voar é elevar-se, tendo uma estreita relação com os valores de superioridade de poder e de força. Nos mitos, Ícaro, e nos sonhos, o vôo, exprimem um desejo de sublimação, de busca de uma harmonia interior, de ultrapassagem de conflitos.

    O vôo do pássaro serve de símbolo de comunicação entre o céu e a terra. O pássaro, símbolo do mundo celeste, opõe-se à serpente, símbolo do mundo terrestre. A imagem do pássaro está sempre associada à superioridade.

    Uma constelação de mitos se revela nos discursos e ações desses jovens. Apolo, com sua postura lúdica equilibrada, mais racionalizada, presente nos acertos e correções das manobras, na luta pelo desempenho eficaz. Mas o mito pregnante que nos foi revelado nos discursos2 desses jovens é Dioniso, que vem dar suporte ao impulso lúdico transgressor, desnorteante e anônimo que aparece manifestado na trajetória desses jovens skatistas streeters pelas ruas da cidade. É por Dioniso que esses jovens deixam de fazer uso de pipes3 mascarando o mito de Apolo surgido no auto-controle das manobras e se lançam em loucas aventuras, deslizando pelas ruas da cidade. Dioniso herdou de Zeus a errância. Trata-se de um deus ambulante, resulta da peregrinação de Zeus à Terra (Querolim, 2003). Filho de Sêmele e Zeus, nasceu da coxa de Zeus após a morte de sua mãe. Afastado do convívio dos deuses, foi criado em Nisa, de onde vem a origem do seu nome, pois Dioniso significa "Zeus de Nisa". Por ter nascido da coxa de Zeus, um dos atributos de Dioniso é a força. Traz a marca de vontade, de potência, atributo encontrado entre os praticantes de skate quando voam em suas manobras, ou ganham o espaço, desafiando o tempo, o espaço e as normas de convívio social (Brandão, 1999).

    A trajetória desses jovens está impregnada das manifestações de Dioniso ao atingirem o êxtase em suas manobras radicais, podendo sair de si, num estado de semiconsciência próprio da condição humana. O entusiasmo, as transgressões vividas nas falas desse atores colocam em evidência a penetração do mito de Dioniso manifestado como estilo de vida. Vagabundeiam pela terra, mas estão voltados para o céu, para a liberdade.

    Dioniso retorna a Tebas, sua cidade natal, como um estrangeiro excêntrico, para ser bem recebido. Seu surgimento na cidade traz inquietação em seus habitantes. Ele, com suas experiências, põe em risco toda uma estrutura de valores. Em relação aos outros deuses, é visto como um outsider, um "fora da lei", é anárquico, instaura a (des)ordem. É o deus da démesure, da quebra da ordem social e política.

    Os skatistas deslizam pelas ruas quebrando rotinas, surpreendendo transeuntes, brincando com obstáculos parados, vivos e/ou móveis. Esse procedimento contraria a ordem estabelecida dos lugares apropriadamente construídos para a prática desse esporte de lazer. Vernant (2000) nomeia Dioniso como uma figura desnorteante, desconcertante, anônima, fala de um deus epidêmico que, como uma doença contagiosa quando aparece, seu culto se espalha como uma onda. É ameaça à polis aristocrática, ao status vigente. Seus seguidores, tomados pelo êxtase, pelo entusiasmo, pela transgressão, põem em risco todo um estilo de vida (Brandão, 1999). Dioniso é força viva que impulsiona o drama satírico. Em parte, o mito conservou intacto os elementos primitivos: transgressão, transformação, êxtase, entusiasmo, também encontrados nas práticas outsiders dos skatistas streeters.

    Baseado nesse contexto de retorno à cidade natal é que podemos enquadrar esses jovens skatistas streeters, quando eles se apropriam da cidade em momentos empreendedores, olhando com outros olhares a urbanização imposta pela arquitetura. Podemos apresentá-los à sociedade como os "novos arquitetos urbanos", renovando o olhar esquadrinhado das pessoas, desnorteando-as com suas manobras, às vezes, despercebidas por elas. Esses atores realizam novos traçados, trafegam em contramão, utilizam-se de calçamentos e meios-fios para a criação das manobras. Contrário a Apolo e aos outros deuses do Olimpo, Dioniso, enquanto deus do descomedimento, mobiliza suas forças num fluxo para fora, viabilizando a criação artística. Com arte e malabarismo, esses atores realizam manobras corporais que, criativamente, desafiam o tempo e o espaço diante de obstáculos que se apresentam à sua frente.

    O jovem skatista streeter sabe que é racional, que é mortal, ainda que arrebatado pelas manhas de Dioniso. Ele não pode ser tomado pela "cegueira da razão", tem que respeitar o métron e não ultrapassá-lo, porque isso significa realizar atos contra si mesmo e, um passo além, as garras da Moira podem fechar-se sobre ele, o "destino cego" (Brandão, 1999), a interrupção da vida.

    A forma de jogar com o corpo nas manobras, com a imaginação, tende ora para a paidia, ora para o ludus. A paidia, quando esses atores criam e superam os obstáculos, realizam proezas; e o ludus, que significa o pólo normalizador que se integra e metamorfoseia a paidia quando eles se autocontrolam e autodisciplinam, nos momentos de treinamento solitário, na autoperfeição das manobras.


Conclusão

    O estudo desmitifica a idéia de que esses jovens skatistas streeters pareçam loucos ou meio-vagabundos. Eles buscam a liberdade de ação, transgredindo as normas vigentes na sociedade, procurando viver a prática limpa de skate, demonstrando seus encantamentos pela cidade, assim como os seus modos de contestação representados pelo esporte escolhido. Talvez a maior contribuição desses jovens para a sociedade pós-moderna seja propiciar momentos de reflexão sobre nossos estilos de vida sempre a favor da ordem e limitadores da criatividade e singularidade.

    Para a Educação Física e para as autoridades do governo, fica a contribuição do imaginário social de um grupo de jovens que, conduzindo-se como "fora da lei", como outsider, manifesta o potencial do aprendizado de um estilo de vida conduzido como uma aventura da existência. Essa compreensão pode facilitar a proposição de políticas públicas de esporte e de lazer para a juventude.


Notas

  1. Galera: Quando os jovens agrupam-se com amigos da escola, do condomínio ou do mesmo bairro. Esse convívio territorial remete a uma espécie de família. As "galeras" se formam a partir desse convívio territorial.

  2. Esse artigo faz parte de uma pesquisa que foi tomada como base para minha Dissertação de Mestrado na UGF, que tem como tema: Aventura e Risco no Skateboard - Street:Um Estudo do Imaginário Social de Jovens Skatistas, defendida em janeiro de 2004.

  3. Pipes: Local em formato de U onde os jovens praticam o esporte.


Bibiografia consultada

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