efdeportes.com
Atividade física e dor psicossomática

   
Doutorando em Psicologia, Saúde e Qualidade de Vida-AWU
Professor do Centro de Ciências Tecnológicas-CCT
Universidade do Estado de Santa Catarina
 
 
João Francisco Severo Santos
joao_severo@ig.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O presente artigo procura investigar a relação existente entre nível de atividade física e dor psicossomática em uma amostra de 96 trabalhadores administrativos de uma empresa de fundição de grande porte (mais de 500 funcionários) situada a cidade de Joinville-SC. A coleta de dados ocorreu através de questionários padronizados e procurou-se realiza-la durante uma época do ano em que o fluxo de trabalho estivesse normal. Dentro das limitações do presente estudo concluíu-se que nesse grupo a prevalência de inatividade física está abaixo do esperado, mas a prevalência de queixas de dor somática é assustadora. Os dados coletados indicaram também que não há diferença significativa na prevalência de dor psicossomática entre os funcionários mais ativos e menos ativos fisicamente.
    Unitermos: Exercício físico. Dor somática. Trabalhadores.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 73 - Junio de 2004

1 / 1

Introdução

    No mundo do trabalho, a diminuição crescente dos empregos formais e conseqüente crescimento do mercado informal e do trabalho temporário, desperta insegurança no trabalhador em relação à sua capacidade e recursos para oferecer condições mínimas de subsistência a si e à sua família (TRACTENBERG, 1999).

    Segundo CAMON (2000), o ser humano é uma unidade dinâmica de corpo-mente-ambiente que forma um verdadeiro monobloco psicossomático reagindo incessantemente às relações e modificações do mundo interior e exterior. Assim uma pessoa adoece devido à qualidade das interações dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais.

    A dor é uma sensação desagradável, extremamente individual, que funciona como um alarme psicofísico. Ela tem um papel muito importante para manutenção da saúde, pois é um mecanismo de alerta que indica que algo está errado e merece a nossa atenção. Vários estudos psicológicos e antropológicos têm demonstrado que nas espécies superiores a dor não depende exclusivamente do grau de lesão orgânica e mesmo na ausência de uma lesão ou disfunção orgânica, a dor pode aparecer (BRANDÃO, 1993; MOON & SAUTER, 1996; YANCEY, 1988).

    A intensidade e o caráter da dor são também influenciados pelas experiências anteriores, as recordações que delas temos e a capacidade de compreender as suas causas e conseqüências. De acordo com BRANDÃO (op.cit.) e GRAEFF (1994), o estresse e a tensão são fatores que estimulam o organismo produzir hormônios e neurotransmissores que fazem a musculatura lisa e estriada se contrair podendo causar dores de intensidades variadas. A somatização e a hipocondria são exemplos típicos da interação emoção-dor corporal.

    A atividade física, dentro de uma concepção ampla, pode ser entendida como um comportamento humano natural, porém complexo e multideterminado que influencia e é influenciado por aspectos biopsicossociais (NAHAS, 2001). Logo, a atividade física pode atuar positivamente ou não no monobloco psicossomático humano.

    Atualmente, parece ser quase unânime entre os pesquisadores e a população em geral que o exercício físico, entendido aqui como uma atividade física sistemática e planejada, pode propiciar diversos benefícios para a saúde. De acordo com BARROS (1999) e BECKER JR (2000), vários estudos têm associado à prática de exercícios físicos, bem como níveis aumentados de atividade física, com a redução dos riscos de morbidade e mortalidade por todas as causas, bem como no controle de fatores de risco como: hipertensão arterial, alto nível de lipídios sanguíneos, resistência elevada à insulina, obesidade, baixa resistência ao estresse, depressão emocional leve e moderada, bem como dor somática.

    A associação entre estresse excessivo e dores corporais tem sido identificada em diversos estudos. Nesse contexto o exercício físico pode trazer benefícios profiláticos e até mesmo para o tratamento da dor somática, uma vez que este está fortemente associado à diminuição da tensão ocasionada pelo estresse excessivo (BECKER Jr, op.cit; NAHAS; op.cit; STEPTOE et al, 1996; STETSON et al, 1996).

    O exercício físico também é associado com medidas de saúde global e bem-estar psicológico no trabalho. No entanto, isso depende da metodologia empregada. Parece que as dores aumentam conforme aumenta a intensidade, duração, freqüência e natureza da atividade física, sendo indicados exercícios de baixa intensidade (BARROS, op.cit; SOLOMON, 1984; STEPTOE, op.cit).

    Toda via há lacuna muito grande na literatura no que se refere à prática de exercícios físicos ou níveis de atividade física e dores psicossomáticas, principalmente entre trabalhadores. Por isso o objetivo desse artigo é verificar se há associação entre atividade física habitual e dor somática entre funcionários administrativos de uma grande empresa de fundição situada em Joinville-SC.


Metodologia

    O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritiva de cunho correlacional que busca verificar se há associação entre nível de atividade física habitual e dor psicossomática (MARTINS & SANTOS, 2003; THOMAS & NELSON, 2002).

    A amostra foi constituída de 96 funcionários do sexo masculino, com idade entre 17 e 53 anos de idade (média: 29,76±8,28), de funções administrativas de uma empresa de fundição situada na cidade de Joinville, selecionados por conveniência. Um dos critérios de inclusão na amostra era a inexistência de lesões físicas diagnosticadas. Essa empresa tem um afetivo de aproximadamente 800 funcionários em todas as funções e atua tanto no mercado nacional como internacional.

    Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados questionários e escalas: o questionário de atividades físicas habituais de Pate (NAHAS, 2001), o protocolo de estudo e registro clínico da dor e a escala CR10 de BORG (2000).

    Utilizaram-se escores acima de 12 pontos como ponto de corte para determinar se o sujeito era suficientemente ativo fisicamente e escores acima de 3 pontos na escala de BORG para determinar se a dor percebida pelo sujeito era desconfortante.

    Os dados foram coletados, com a autorização da empresa, no próprio local de trabalho, no decorrer de uma semana do mês de junho de 2002, mês em que a empresa tende a ter seu ritmo de trabalho estabilizado.

    Os dados foram tratados por meio da estatística descritiva, em termos de proporção percentual, qui-quadrado e correlação simples de Pearson a um nível de significância de P<0,05.


Discussão dos resultados

    Os resultados serão apresentados segundo os seguintes organizadores: nível de atividade física habitual, desconfortos corporais percebidos nos últimos sete dias, relação entre idade e prática de atividade física; desconfortos relatados e atividade física.

    Dos 96 indivíduos estudados, 35 foram classificados como insuficientemente ativos, ou seja, uma prevalência de 36,5%. A tabela e o gráfico abaixo demonstram a freqüência e percentual de funcionários ativos e inativos fisicamente de acordo com a faixa etária.

Tabela 1. Prevalência de inatividade física segundo a faixa etária.

Gráfico 1. Freqüência de inatividade física segundo a faixa etária.

    Essa prevalência é bem inferior à encontrada no estudo de BARROS (1999), onde foi encontrada uma prevalência de 51% de funcionários insuficientemente ativos numa amostra representativa de trabalhadores da industria catarinense.

    Dos 98 funcionários que participaram da pesquisa, 52 alegaram sentir dores sem motivo orgânico diagnosticado, mas apenas 08 apresentaram dores com uma intensidade desconfortante. A tabela abaixo demonstra a freqüência e a prevalência de dor somática entre os funcionários.

Tabela 2. Freqüência e Prevalência de dores somáticas segundo a faixa etária.

    A tabela acima revela uma alta prevalência de dor psicossomática nesses trabalhadores, uma vez que um dos critérios de inclusão era a falta de um diagnóstico de doença ou lesão física. Percebe-se que essa prevalência é elevada em todas as faixas etárias, sendo 54,2% a prevalência total de queixas nesse grupo.

Tabela 3. Prevalência de dor conforme a intensidade.

    Percebe-se que apesar da alta prevalecia de percepção de dor entre os funcionários, apenas 12,9% dos que tem dor relatam uma intensidade moderada ou forte, ou seja, desconfortante, isso representa 8,34% da amostra estudada.

Tabela 4. Relação de freqüências entre as categorias associadas.

    Ao utilizarmos o teste qui-quadrado para verificarmos a associação entre as duas variáveis (atividade física e dor), chegamos a um valor estatisticamente insignificante (X2 = 0,37 e C = 0,09) ao nível mínimo de confiabilidade de 95% o que não rejeita a hipótese nula, ou seja, de acordo com os dados coletados nessa amostra, não existe diferença e nem associação significativa entre nível de atividade física e percepção de dor.

    Outra medida de associação foi utilizada para verificar se há correlação significativa entre nível de atividade física (pontuação de 0 a 50) e intensidade da dor (pontuação de 0 a 11) e novamente obteve-se um resultado estatisticamente insignificante ao nível de p=0,05. Foi encontrada uma correlação negativa muito fraca entre as duas variáveis (r = -0,16) para essa amostra, isso vai contra o que se esperava em relação a essas variáveis e o relatado na maioria dos estudos.


Conclusões

    De acordo com os dados obtidos e evidentemente, dentro das limitações desse estudo, podemos concluir que a prevalência de funcionários insuficientemente ativos para obter benefícios para a saúde nessa empresa é muito significativa (36,5%), porém está abaixo da prevalência encontrada em outros estudos (±51%) populacionais. Já a prevalência de queixas de dores sem diagnóstico físico é assustadora (54,2%) e está presente de forma significativa em todas as faixas etárias.

    Os dados acima, embora superficiais, os indicam que embora a atividade física seja um comportamento positivo para o gerenciamento do estresse e seus transtornos de ordem psicossomática, ela não pode ser considerada um remédio para os problemas relacionados ao trabalho, pois esses comportam uma esfera muito delicada que evolve principalmente as relações de poder e motivação dentro da organização (salários, benefícios, planos de carreira, clima organizacional, políticas de relacionamento, higiene e segurança física e emocional do trabalhador).

    A conclusão final desse humilde estudo é que, ao menos para essa amostra, não há associação significativa entre nível de atividade física e percepção de intensidade de dor, ou seja, parece que nesse grupo a atividade física não é um fator de alívio das dores somáticas ou ela esta atualmente servindo como um estabilizador desse sintoma, isto é, se essas pessoas fossem menos ativas a prevalência de dor intensa poderia ser maior.


Biliografia

  • BARROS, M (1999). Estilo de vida e hábitos de lazer dos industriários de Santa Catarina. SESI-DR.

  • BECKER Jr, B (2000). Manual de psicologia do esporte & exercício. Porto Alegre: Novaprova.

  • BORG, G (2000). Escalas de Borg para a dor e o esforço percebido. São Paulo: manole.

  • BRANDÃO, R (1993). Dores crônicas. In: Neurobiologia das doenças mentais. São Paulo: Lemos, 145-159.

  • CAMON, V.A.A (org.)(2000). Psicologia da saúde. São Paulo: Pioneira.

  • GRAEFF, G.F(1984). Neurofisiologia da dor. In: Drogas psicotrópicas e seu modo de ação. São Paulo: EPU-EDUSP.

  • MARTINS, J.P & SANTOS, G.P (2003). Metodologia da pesquisa científica. Rio de Janeiro: grupo palestra.

  • MOON, S. D, SAUTER, S. L (1996). Psychosocial Aspects of musculoskeletal disorders: in office work. London: Taylor& Francis.

  • NAHAS, V (2001). Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida: conceito e sugestões para um estilo de vida ativo. Londrina: Midiograf.

  • SOLOMON.H (1995). O mito do exercício. São Paulo: 3° ed. Manole.

  • STEPTOE A, WARDLE J, POLLARD TM, CANAAN L, DAVIES GJ (1996). Stress, social support and health-related behavior: a study of smoking, alcohol consumption and physical exercise. Journal of Psychosomatic Research; 41(2): 171-80.

  • STETSON BA, RAHN JM, and DUBBERT PM, WILNER BI, MERCURY MG (1996). Prospective evaluation of the effects of stress on exercise adherence: in community-residing women. Health Psychology; 16(6): 515-20.

  • THOMAS. J. R & NELSON. J. K (2002). Métodos de pesquisa em atividade física. Porto Alegre: Ed. artmed.

  • TRACTENBERG, L (1999). A Complexidade das Organizações: Futuros desafios para o psicólogo frente à reestruturação competitiva. In: Psicologia, Ciência e Profissão. São Paulo: 19 (1), 14-29.

  • YANCEY, R (1988). Deus sabe que sofremos. Miami: Vida.

Outro artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
http://www.efdeportes.com/ · FreeFind
   

revista digital · Año 10 · N° 73 | Buenos Aires, Junio 2004  
© 1997-2004 Derechos reservados