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Variabilidade no poder discriminatório das estatísticas
dos jogos de basquetebol equilibrados

   
*Departamento de Desporto da Universidade
de Trás-os-Montes e Alto Douro
** Faculdade de Ciências do Desporto e
Educação Física da Universidade do Porto
(Portugal)
 
 
Nuno Leite*
Jaime Sampaio*
Manuel Janeira**

ajaime@utad.pt

 

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 73 - Junio de 2004

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Introdução

    A identificação dos factores que levam uma equipa a ter supremacia no desfecho final dos jogos de basquetebol tem fascinado muitos treinadores e investigadores do basquetebol (para refs. ver Sampaio, 2000). Esta área de investigação, tem fornecido importantes contributos no sentido da identificação de um conjunto de estatísticas do jogo com poder separador entre as melhores e as piores equipas, avaliado em diferentes contextos. Porém, apesar do forte investimento que neste domínio tem sido realizado, parece evidente a impossibilidade dos autores em identificar uma noção abrangente de invariância, sustentada num conjunto de estatísticas com poder discriminatório entre a vitória e a derrota nas competições.

    O relevo evolutivo deste processo de análise do jogo é bem evidente em alguns dos estudos mais recentes identificados na literatura, orientados para a avaliação do comportamento das estatísticas do jogo no que diz respeito à (1) categoria, (2) tipo e (3) local dos diferentes jogos em análise. A partir deste entendimento de análise da performance dos jogadores e das equipas, os estudos realizados por Sampaio (2000) e por Janeira et al. (2001) apresentam-se como uma referência e muito particularmente como o resultado do caminho privilegiado de investigação que tem sido percorrido no basquetebol em Portugal. Estes estudos foram efectuados sobre uma mesma estrutura formal e "homogénea" do jogo de basquetebol.

    Contudo, a "estrutura formal inicial" do jogo de basquetebol, tem sofrido diversas modificações desde que foi inventado por James Naismith em 1891. Estas alterações, particularmente aquelas que se reportam aos parâmetros configuradores do jogo, i.e., o espaço, o tempo e as regras têm tido particular relevância na evolução do jogo.

    Recentemente a FIBA (2000) introduziu um conjunto de alterações no jogo com relevância particular para a regra 6 - artigo 39 do regulamento oficial do jogo de basquetebol. Com efeito, a partir da época desportiva 2000-2001, as equipas em posse de bola passaram a dispor de vinte e quatro segundos (em contraste com os trinta segundos anteriormente regulamentados) para efectuar uma tentativa de lançamento ao cesto.

    Desta forma, a alteração introduzida na estrutura formal do jogo poderá questionar o conhecimento "instituído" relativamente ao jogo de basquetebol. Com efeito, o investimento realizado pelos investigadores no estudo do jogo poderá ser seriamente abalado, não só pelas implicações que esta reformulação temporal terá do ponto de vista das exigências fisiológicas impostas aos atletas mas igualmente de um ponto de vista técnico, táctico e formativo. Mais concretamente o caminho privilegiado de investigação que tem sido percorrido no basquetebol, e que regularmente tem aportado significativos contributos no sentido da identificação de um constructo de estatísticas do jogo com poder separador entre as melhores e as piores equipas poderá ser neste contexto ser ameaçado esta nova formatação do jogo.

    Desta forma, sentimos a necessidade de confirmar as repercussões efectivas desta "mutação" temporal sobre o entendimento do jogo, a partir de um contexto muito próximo (Liga de Clubes de Basquetebol - Portugal). Recorrendo aos jogos equilibrados disputados na época desportiva 2000-2001, emerge para o presente estudo a necessidade de identificar e hierarquizar o menor lote de estatísticas que diferencie as equipas vencedoras das equipas vencidas em jogos equilibrados, disputados na fase regular e na fase do playoff, em função do seu local de realização (casa / fora).


Material e Métodos

    Para a realização do presente estudo recorremos às estatísticas de 209 jogos da LCB, disputados durante a época desportiva de 2000/2001. Destes jogos, 182 diziam respeito à fase regular e 27 à fase final (playoff).


Desfecho final e categorias de jogos

    A vitória no jogo de basquetebol está exclusivamente associada ao facto de uma equipa converter, pelo menos, mais 1 ponto do que a equipa adversária. No entanto, as vitórias e as derrotas nos jogos expressam-se por diferenças pontuais que apresentam dispersões elevadas. De acordo com Sampaio (2000, p.136), este facto suscita o seguinte quadro de questões: "Será que todos os jogos apresentam características semelhantes? Ou mais especificamente, será que o constructo que determina o desfecho final de um jogo decidido por 2 pontos apresenta a mesma composição e as variáveis incluídas nesse constructo apresentam pesos semelhantes, relativamente ao constructo que determina o desfecho final de um jogo decidido por 30 pontos?"

    Mesmo a partir do conhecimento empírico podemos presumir que os factores determinantes do desfecho final dos jogos dependem da diferença pontual expressa no resultado final (para refs. ver Marques, 1990; Barreto, 1995; Mendes, 1996a; Sampaio, 1997). Embora a utilização deste tipo de metodologia seja relativamente consensual, os estudos disponíveis evidenciam algumas divergências, relativamente aos: (i) critérios de inclusão dos jogos nas respectivas categorias, (ii) ao número de categorias em estudo, e (iii) à designação dessas mesmas categorias (para mais refs. ver Sampaio, 2000). Com o intuito de prevenir o estabelecimento de barreiras menos acertadas na categorização dos jogos a partir de processos metodológicos insuficientemente sustentados, alguns autores recorreram a um estudo prévio de classificação automática (Análise de Clusters) para a definição das fronteiras que separam os diferentes tipos de jogos (Sampaio, 2000; Janeira et al., 2001, ver Quadro 1).

Quadro 1. Categorias de análise utilizadas nos estudos da literatura.

    Com este procedimento, os autores procuraram indagar de que modo os jogos tendem a associar-se naturalmente entre si em função das diferenças na pontuação final. A ideia foi a de definir fronteiras o mais rigorosas possível, de tal modo que os jogos pertencentes a um mesmo grupo fossem bastante semelhantes entre si e sempre mais semelhantes aos jogos do mesmo grupo do que a jogos de grupos diferentes (Sampaio, 2000). A partir deste quadro interpretativo da literatura, e à semelhança do que sucedeu com o estudo anteriormente realizado por Leite (2001), optámos por seguir no presente trabalho as mais recentes sugestões, realizando um estudo exploratório de classificação automática, do qual resultaram os seguintes valores de corte: (i) categoria 1 - Jogos Equilibrados (JE), com diferenças no resultado final inferiores ou iguais a 9 pontos; (ii) categoria 2 - Jogos Desequilibrados (JD), com diferenças no resultado final superiores a 9 pontos e inferiores ou iguais a 19 pontos; (iii) categoria 3 - Jogos Muito Desequilibrados (JMD), com diferenças no resultado final superiores a 19 pontos. Considerámos ainda as sugestões decorrentes do estudo de Leite (2001) particularmente no que diz respeito à importância da interpretação dos JE, já que nesta categoria de jogos será possível identificar vectores de corte sólidos na separação da vitória e da derrota em diferentes contextos (para mais refs. ver Leite, 2001).

    Os contextos a estudar decorrem igualmente das sugestões mais recentes da literatura (Sampaio, 2000; Janeira et al., 2001), em que os autores têm identificado diferentes vectores de corte para o desfecho final dos jogos (vitória vs. derrota), tendo em conta o tipo de jogo (fase regular vs. playoff) e o local do jogo (casa vs. fora). No Quadro 2 encontra-se a constituição final da amostra, onde se pode apreciar a distribuição absoluta e relativa dos jogos pelos níveis das variáveis independentes em estudo (tipo, categoria e local do jogo).

Quadro 2. Constituição final da amostra.


Definição das variáveis em estudo

    Para a realização deste estudo optámos por seguir as sugestões apresentadas por Sampaio (2000), agrupando as estatísticas segundo a sua natureza, em dois grupos distintos: estatísticas primárias e estatísticas secundárias. Contudo, com vista à resolução da presente problemática o conjunto de estatísticas primárias adquire substancial relevo.

    Estatísticas primárias - O conjunto de estatísticas primárias considerado para análise obedeceu às sugestões da FIBA (Trninic et al., 1997). A sua constituição inclui treze estatísticas, definidas da seguinte forma: Assistências (A); Desarmes de lançamento (DL); Faltas cometidas (FC); Lançamentos de 2 pontos convertidos (L2C); Lançamentos de 2 pontos falhados (L2F); Lançamentos de 3 pontos convertidos (L3C); Lançamentos de 3 pontos falhados (L3F); Lances-livres convertidos (LLC); Lances-livres falhados (LLF); Roubos de bola (RB); Ressaltos ofensivos (RO); Ressaltos defensivos (RD) ; e Perdas de bola (PdB).


Recolha de dados

    As estatísticas dos jogos foram obtidas a partir dos registos realizados por técnicos experientes da empresa InforDesporto. Por este facto, foi impossível testar a sua fiabilidade. Todavia, estas observações e registos merecem a maior credibilidade.


Procedimentos Estatísticos

    A análise estatística foi realizada de forma independente para cada uma das categorias de jogos que resultaram da classificação automática (Análise de Clusters) e consistiu na comparação dos valores médios de cada estatística do jogo, face à vitória ou derrota, através da Análise de Variância (ANOVA) de medidas independentes. No que diz respeito à análise multivariada, procedeu-se à análise da Função Discriminante (FD) no sentido de identificar, através dos coeficientes canónicos estruturais (CCE), as estatísticas do jogo que mais contribuíram para separar maximalmente as vitórias e as derrotas em cada subamostra de jogos. Consideramos como relevantes para a interpretação dos compósitos lineares os |CCE| 0,30 (Tabachnick & Fidell, 1989). O nível de significância foi mantido em 5%.


Resultados e Discussão

Desfecho final dos jogos

    Os Quadros 3 e 4 expressam os principais resultados da FD e os respectivos CCE das funções encontradas na categoria de jogos equilibrados, em jogos disputados na fase regular e na fase de playoff. Contrariamente ao que sucede em JD e JMD onde tudo contribui para afastar as equipas, nos JE é bem visível a nitidez discriminatória de um constructo de estatísticas com poder separador entre a vitória e a derrota. Em nenhuma das restantes categorias de jogos foi visível este poder discriminatório das estatísticas do jogo.

Quadro 3. Valores dos CCE da função discriminante para os jogos equilibrados disputados na fase regular.


Valor discriminatório |CCE|>0,30

Quadro 4. Valores dos CCE da função discriminante para os jogos equilibrados disputados no playoff.


Valor discriminatório |CCE|>0,30

    Tal como se torna evidente pelos quadros anteriores apenas na subamostra de jogos disputados na fase regular emergiu um conjunto de resultados onde é evidente o poder discriminatório das estatísticas associadas aos lançamentos e aos ressaltos (%L3F, %LLC, %RD e %RO). Através do Quadro 5 podemos observar, resumidamente, as relações (variâncias e invariâncias) que se poderão estabelecer entre os constructos dos estudos em referência.

Quadro 5 - Comparação dos constructos obtidos no presente estudo e nos estudos de Sampaio
(2000) e Janeira et al. (2001), em jogos equilibrados disputados na fase regular.

    Os nossos resultados estão igualmente de acordo com a literatura, na perspectiva da sua interpretação mais abrangente (Pim, 1981; Mendes, 1996a; Sampaio, 1997, 2000; Cachulo, 1998; Janeira et al., 2001). Apesar dos diferentes constructos separadores da vitória e da derrota descritos na literatura não apresentarem uma sobreposição indiscutível entre eles, nem tão pouco com os nossos resultados, ressalta em praticamente todos eles a ideia comum de lançar ao cesto para marcar pontos e ressaltar para recuperar ou manter a PB.

    Grosso modo, os resultados mostram a existência de um grupo de estatísticas associados aos lançamentos (%L3F e %LLC), que se distinguem pela regularidade de presença nos constructos definidos e que confirmam a sua importância no âmbito da performance diferencial. De facto, o sucesso ou insucesso nos lançamentos tentados apresenta-se como a medida final de todo o processo ofensivo, já que constitui a única forma de alcançar o objectivo ofensivo do jogo: marcar pontos. O que ressalta desta análise é que, independentemente das alterações ocorridas, o lançamento continua a constituir-se como um elemento determinante na performance dos jogadores e das equipas.

Estatísticas comuns (fase regular)

a) Lançamentos de 3 falhados (%L3F)

    De acordo com os nossos resultados, as equipas que venceram os JE em casa e fora falharam menos 4 lançamentos de três pontos (±12 pontos), facto que está associado a um inferior número de tentativas de concretização, i.e., as equipas que venceram tentaram e falharam menos lançamentos de três pontos.

    A introdução da regra dos 24 segundos promoveu significativas alterações na dinâmica do jogo de basquetebol. De acordo com Leite (2003a), a diminuição do tempo disponível para lançar ao cesto conduziu ao aumento do valor médio de PB por jogo. Perante tão significativo aumento do ritmo a que se disputaram os jogos (+12 PB por jogo relativamente à época desportiva 1999-2000), os treinadores foram confrontados com a necessidade de repensarem a forma de conceber o ataque, nomeadamente na importância atribuída aos diferentes momentos da transição ofensiva. De facto, foi concedida nesta fase do jogo maior liberdade aos jogadores para a execução de lançamentos de longa distância, inclusivamente em situações de inferioridade numérica.

    Por outro lado, relembrando que no presente estudo apenas analisámos JE, os maiores valores na %L3F das equipas derrotadas, poderão estar igualmente associados aos riscos que as equipas em desvantagem nos momentos finais destes jogos correm, com o intuito de reduzirem a desvantagem no marcador. Neste sentido, a aproximação ou o afastamento das equipas no marcador (equilíbrio/desequilíbrio do jogo) poderá ser explicado em função do sucesso ou do insucesso em lançamentos de três pontos. Ou seja, os menores valores obtidos nas %L3F por parte das equipas que venceram os JE poderão ser explicados pelo seguinte quadro argumentativo: (i) em primeiro lugar, parecem reflectir um superior nível na preparação táctica colectiva das equipas, consubstanciado na selecção dos sistemas ofensivos (Sampaio, 2000); (ii) por outro lado, estes resultados poderão estar relacionados com o facto de as equipas vitoriosas possuírem jogadores mais eficazes neste tipo de lançamento (contudo, não podemos dissociar desta evidência matemática - aumento do número de lançamentos de três pontos - a qualidade dos jogadores) e; (iii) finalmente, os valores identificados parecem reflectir a necessidade sentida, pelas equipas em desvantagem no marcador nos momentos finais dos JE, de recuperar mais rapidamente, conduz as equipas a tentativas mais frequentes (sem sucesso) de lançamentos de três pontos.

b) Lances-livres convertidos (%LLC)

    Os resultados do presente estudo comprovaram ainda que as equipas que venceram os JE (independentemente do local de realização) converteram mais lances-livres (LL). A este facto está ainda associada uma superior %LL, i.e., as equipas que venceram os jogos executaram com superior eficácia os LL de que dispuseram.

    Habitualmente, os treinadores e investigadores atribuem a este aspecto do jogo um carácter decisivo relativamente à vitória e à derrota das equipas em jogos mais equilibrados (Musselman, 1969; Koppett, 1973; Paladino, 1980; Schulze, 1981; Pim, 1986; Schuetzle, 1988; Goldstein, 1994; Krause & Hayes, 1994).

    Os nossos resultados mostram, em primeira instância, o facto de a regra dos 24 segundos de ataque não ter dissipado a importância desta estatística nos constructos separadores das equipas. Paralelamente, os nossos resultados parecem fazer sobressair a importância desta estatística do jogo no contexto da avaliação da performance diferencial em basquetebol.

    Face à totalidade destes considerandos, podemos concluir que a capacidade de executar com eficácia os LL (nos momentos mais diversos do jogo e independentemente dos factores que os rodeiam - e.g. tipo, local e ritmo dos jogos) adquiriu um carácter ainda mais decisivo no sentido de discriminar a vitória e a derrota nas competições. Para além disso, as alterações às regras do basquetebol, recentemente introduzidas em Portugal, deverão ser igualmente consideradas nesta discussão centrada na importância dos LL. Relembrando aquilo que referimos anteriormente, a regra dos 24 segundos conduziu à proliferação de JE. Considerando que o jogo foi "partido" em quatro períodos de dez minutos e que em qualquer destes períodos, a partir da quarta falta, as equipas passam a ser penalizadas com dois LL (anteriormente a esta reestruturação regulamentar, em cada parte do jogo, após a sétima falta de equipa todas as faltas cometidas por essa mesma equipa eram punidas com dois lances-livres), podemos concluir que os níveis de eficácia nesta estatística adquiriram ainda maior relevo na diferenciação das equipas.


Estatísticas específicas (fase regular)

c) Ressaltos ofensivos (%RO)

    Dos resultados deste estudo emergiu a associação entre os ressaltos ofensivos (RO) e o desfecho final dos jogos. Ou seja, as equipas que venceram os jogos fora conquistaram menos RO que as equipas derrotadas. Esta evidência poderá estar associada ao facto das equipas vencedoras falharem menos lançamentos de dois e três pontos e de converterem mais lances-livres. Deste modo, o número de bolas disponíveis para o RO (para as equipas vencedoras) é menor, o que conduz, inevitavelmente, a valores inferiores nesta estatística no confronto com as equipas derrotadas.

    Neste sentido, a regra dos 24 segundos parece ter influenciado a estatística %RO, já que o aumento do seu valor médio em JE acentua a sua importância na separação da vitória e da derrota. Esta separação é feita à custa da menor %RO conquistados pelas equipas vitoriosas, o que poderá ser um contra-senso. Todavia, esta evidência confirma a opinião de Sampaio (2000), segundo a qual a implementação da regra dos 24 segundos originaria um maior número de lançamentos precipitados, com a inevitável diminuição dos níveis de eficácia (principalmente nos lançamentos de longa distância), conferindo ao ressalto uma importância acrescida neste "novo jogo".

d) Ressaltos defensivos (%RD)

    Os resultados do nosso estudo permitem-nos concluir igualmente que as equipas que venceram os jogos fora do seu recinto conquistaram mais ressaltos defensivos (RD) relativamente às equipas derrotadas, facto a que está associado igualmente um superior número de lançamentos de campo e LL falhados por parte destas equipas. A associação entre a eficácia dos lançamentos e a capacidade de conquistar RD tem-se revelado determinante para o sucesso no jogo de basquetebol, encontrando-se bastante bem documentada na literatura (para mais refs. ver Sampaio, 2000).

    Tal como temos vindo a argumentar, a introdução da regra dos 24 segundos promoveu a ocorrência de importantes alterações na dinâmica do jogo de basquetebol. De facto, a redução do tempo de ataque conduziu ao aumento do ritmo dos jogos (traduzido pelo acréscimo do valor médio das PB por jogo). Deste modo, a capacidade revelada pelas equipas que actuam na condição de visitantes de capturar mais RD está associada ao superior número de lançamentos falhados pelas equipas adversárias, facto que parece reflectir-se no constructo separador da vitória e da derrota em jogos desta natureza. Afecto à conquista de um superior número de RD está ainda a possibilidade que é concedida às equipas que dominam a "luta nas tabelas", designadamente na tabela defensiva, de controlarem o ritmo do jogo de acordo com os seus interesses particulares.

    Sampaio (2000) refere que as diferentes estratégias adoptadas pelas equipas nos momentos da transição (ofensiva ou defensiva), para imporem o seu jogo ou para condicionarem o do adversário, decorrem da capacidade evidenciada de conquista de um superior número de ressaltos. Neste domínio, uma equipa que garanta "segurança" na sua tabela tem possibilidade de acelerar ou desacelerar o jogo (através de contra-ataques e/ou ataques rápidos), em função da estratégia adoptada pelos treinadores (Barreto, 1995).

    Concluindo, os resultados do nosso estudo apontam claramente no sentido de que as equipas vencedoras fora do seu recinto são mais eficazes na captura de RD, o que reflecte, muito possivelmente, uma interpretação ajustada a finais de JE. De facto, as equipas que se encontram em vantagem nos momentos finais dos JE disputados fora têm a possibilidade de, por um lado (i) evitarem segundos (ou mais) lançamentos, cujos níveis de eficácia são normalmente mais elevados, por outro lado (ii) precaverem a sobrecarga de faltas da equipa que defende (Mikes, 1987b, 1988a; Alderete & Osma, 1998a; Wissel, 1998), e ainda (iii) imporem o ritmo de jogo que mais lhes convém, face às circunstâncias dos jogos.

    Seguidamente, procuraremos realizar uma interpretação conjunta destes resultados. A Figura 1 dá-nos uma panorâmica das interacções que se estabelecem entre as estatísticas com poder discriminatório nas subamostras de JE disputados em casa e fora na fase regular.


Figura 1. Representação gráfica das interacções que se estabelecem entre as estatísticas do jogo com poder discriminatório na separação das equipas face ao desfecho final, em jogos disputados em casa e fora na fase regular (Redesenhado a partir de Sampaio, 2000).

    A vitória das equipas que jogaram em casa assentou fundamentalmente na eficácia nos domínios dos lançamentos de longa distância e da linha de LL. Por outro lado, a vitória das equipas que jogaram fora radicou igualmente na magnitude destas estatísticas, embora associadas à conquista de ressaltos (convém lembrar igualmente que em ambos os casos os constructos identificados são de sinal negativo para a %L3F e de sinal positivo para a %LLC. No caso exclusivo dos jogos que foram vencidos pelas equipas que jogaram fora, foram a maior %RD e a menor %RO que se associaram às anteriores estatísticas para formar o vector de corte separador entre a vitória e a derrota).


Conclusões

    Em suma, os resultados do nosso estudo permitiram identificar algumas alterações conceptuais no jogo de basquetebol a partir da introdução desta nova temporalidade da fase ofensiva das equipas (para mais refs. ver Leite 2003a). Contudo, essas alterações não se expressam num lote de estatísticas com poder discriminatório para a separação entre a vitória e a derrota. Apesar deste facto, os nossos resultados possibilitaram a identificação de um constructo de estatísticas com poder discriminatório no desfecho final em JE. A identificação de vectores de corte constituídos por estatísticas do jogo associadas aos lançamentos e aos ressaltos acentuam o poder associativo e separador destas estatísticas na vitória e da derrota nas competições. De um modo mais objectivo, refira-se o seguinte:

  1. as equipas que venceram os JE disputados em casa falharam menos lançamentos de três pontos (%L3F) e converteram mais lances-livres (%LLC);

  2. por outro lado, as equipas que venceram os JE disputados fora falharam menos lançamentos de três pontos (%L3F), converteram mais lances-livres (%LLC), conquistaram mais ressaltos defensivos (%RD) e menos ressaltos defensivos (%RO).

    Contudo, este facto foi apenas identificado nos jogos disputados na fase regular. Ou seja, as alterações ocorridas na estrutura do jogo disputado no playoff a partir da introdução da regra dos 24 segundos não se expressam segundo um lote de estatísticas com poder discriminatório para a separação entre a vitória e a derrota. Esta questão remete-nos para a necessidade interpretativa do jogo, a partir das estatísticas da EC, particularmente sensíveis para a interpretação longitudinal da dinâmica do jogo.


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Outro artigos de Jaime Sampaio
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