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Código mundial antidoping: ética
e fair play no esporte olímpico

   
*OAB/SC, CEVLEIS
**Prof.Dr., CEVLEIS, UFAM
(Brasil)
 
 
Álvaro Ribeiro*
alvaro@cev.org.br  
Alberto Puga**
pugaa@buriti.com.br
 

 

 

 

 

Trabajo presentado en el IV Forum Olímpico de la Academia Olímpica, Brasileña, en octubre de 2003

 
 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 72 - Mayo de 2004

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Introdução

    A nova ordem internacional no combate e prevenção ao doping, com o advento do Código1 (World Anti-Doping Agency, 2003), é reflexo do recente salto evolutivo dado pelo homem no domínio de novas tecnologias e da crescente tomada de consciência ética para o respeito aos Princípios Fundamentais da Carta Olímpica, ou seja, um posicionamento sobre a relação do doping com valores tais como o esforço próprio, o valor educativo do bom exemplo, o respeito aos princípios éticos fundamentais e o fair play.

    Este ensaio tem por objetivo abordar a ética e o fair play à luz do Código, da Agência Mundial Antidoping (AMA/WADA) do Comitê Olímpico Internacional (COI), e sua relação com a eqüidade e os princípios fundamentais da Carta Olímpica a partir da premissa de que é a "atitude ética, antes de tudo, um dever-ser no mundus sportivus, sem necessitar exacerbar distinções, diferenciações ou discriminações" (Puga, 2002). Sendo o doping fundamentalmente contrário ao espírito esportivo, pois não leva em conta os interesses de todos os que forem por ele afetados, sua ocorrência gera desigualdade. Destarte, o Código visa a proteção do direito fundamental dos atletas de participar de atividades esportivas isentas de doping e garantir a eqüidade e a igualdade de oportunidades no esporte e a preservação da saúde dos atletas.

    Com o escopo de consolidar o direito ao esporte sem doping e considerando-se que a razão de ser do esporte somente é respeitada quando todos os atores do esporte são responsavelmente solidários pelo fair play, o que pressupõe a consciência desta realidade, conclui-se que a formação de todos os atores do esporte deve fundamentalmente compreender e projetar todos os aspectos educacionais que encontrem fulcro na tecnologia da 'ética esportiva'.

    A iniciativa do ensaio se justifica porquanto a complexidade do tema aliada às novidades introduzidas pelo Código podem efetivamente representar aos atores do mundo esportivo o risco de violação de regra antidoping por falta de informação. Por outro lado, visa-se através desta proposta buscar a redução da incidência de atitudes que retirem do Esporte sua credibilidade, com todas as repercussões de ordem moral e econômica decorrentes.


1. Ética, Fair play e Educação

    Em que pese a necessidade da referência a conceitos relacionados à ética e à ética esportiva, não constitui objetivo deste ensaio o aprofundamento da discussão sobre esta que é uma das mais vastas áreas do conhecimento. Destarte, abordar-se-á o tema com as definições a seguir descritas.

    De todas as abordagens da Ética, para Singer (1993, p. 19) o que elas têm em comum é mais importante que suas divergências. Assim, "a ética se fundamenta num ponto de vista universal, o que não significa que um juízo ético particular deva ser universalmente aplicável", mas que, ao emitir-se juízos éticos, deve-se extrapolar eventuais preferências ou aversões para que se possa chegar ao juízo universalizável, "ao ponto de vista do espectador imparcial". E isto pressupõe a consideração eqüitativa de todos os interesses relevantes afetados por determinada decisão (ibid, pp. 19/20), ou, nas palavras de Kant (1991, pp. 84/85), "que possa ser tal máxima uma lei universal e, portanto, que a vontade, pela sua máxima, possa considerar-se a si própria ao mesmo tempo como universalmente legisladora".

    A ética esportiva, ou fair play, é, por seu turno, influenciada por duas grandes tradições: as da ética e as do esporte. Isto porque o esporte tem tradições éticas próprias, uma lógica de competição própria e valores próprios aos quais os juízos éticos se relacionam de modo também particular (Wada, 2003). O fair play, enquanto elemento de Educação Olímpica e valor central do Olimpismo, pode também ser "referido como espírito esportivo, jogo limpo, legal, honesto, correto, propõe-se como uma estratégia de educação de valores éticos e morais" (Constantino, 2001. p. 261).

    Nesta ordem de idéias é possível compreender o fair play como algo que, muito além do respeitar das regras, "cobre as noções de amizade, de respeito pelo outro, e de espírito esportivo". É necessário entendê-lo como um "modo de pensar, e não simplesmente um comportamento" pois o desporto é uma "atividade sócio-cultural que enriquece a sociedade e a amizade entre as nações" sendo também considerado como uma atividade que, quando exercida de maneira leal, permite ao indivíduo conhecer-se melhor, exprimir-se e realizar-se; desenvolver-se plenamente, adquirir uma arte e demonstrar as suas capacidades. O desporto permite uma "interação social, é fonte de prazer e proporciona bem-estar e saúde, além de contribuir para o desenvolvimento da sensibilidade para com o meio ambiente" (Código de Ética do Conselho da Europa, 1992).

    No que tange ao Olimpismo, o artigo 2 dos Princípios Fundamentais do texto fundador do Movimento Olímpico indica que ele

"est une philosophie de la vie, exaltant et combinant en un ensemble équilibré les qualités du corps, de la volonté et de l'esprit. Alliant le sport à la culture et à l'éducation, l'Olympisme se veut créateur d'un style de vie fondé sur la joie dans l'effort, la valeur éducative du bon exemple et le respect des principes éthiques fondamentaux universels." (Charte Olympique, 2003, p. 9).

    Assim, parece irrefragável que a postura ética no esporte, e mais precisamente no Esporte Olímpico, por ter que ponderar sobre os interesses relevantes que serão afetados por cada atitude, não é inata, bem ao contrário, é adquirida.

    Com efeito, o ator do mundo esportivo deixado ao seu livre arbítrio e sem prévios condicionamentos culturais, educacionais e éticos, tende a agir pautado pelo respeito aos seus próprios interesses, estes sim influenciados, não raramente, pela compreensão deformada do ideário do esporte e pela supervalorização da vitória e, é claro, por eventuais interesses econômicos em jogo.

    Fato, aliás, que não se lhe deve recriminar com exclusividade, a partir do momento em que ele apenas reproduz um paradigma que reflete a distorção do juízo ético no Esporte Olímpico. Neste sentido, Todt (2001, p. 261) sustenta que os atletas do mundo inteiro "desconhecem o real sentido dos Jogos Olímpicos. A falta de referencial prático para uma outra postura dos atletas e a desinformação cultural sobre essa temática com certeza contribuem para isto". A postura ética no esporte passa, logo, pela abordagem educacional e cultural dos valores e princípios fundamentais do esporte, dos princípios éticos fundamentais e do fair play, na formação de todos os atores do esporte.


2.1. A questão do doping

    Hoje é pacífico que o doping acarreta problemas de ordem médica e ética. Já em 1967, por ocasião de sua chegada à presidência da Comissão Médica do COI, Alexandre de Mérode (Prince de Mérode) (apud Lapouble, 1999, p. 121) enumerara os princípios de base da luta antidoping, a saber: "défense de l'Ethique Sportive, protection de la santé des athlètes et mantien des chances égales pour tous". Poderíamos acrescentar, hoje, que além da ética esportiva, da proteção da saúde dos atletas e da igualdade de oportunidades, deve-se considerar os reflexos de ordem social que apresentam as condutas aditivas no esporte.

    Por outro lado, a dificuldade na identificação de novas substâncias, a evolução dos métodos, a banalização do consumo de medicamentos no esporte e a 'Lei do Silêncio' (Escande, 2003)2 que vigora no "mundo do doping", conjugados entre si, têm sido historicamente apontados por boa parte da doutrina como causas da sistemática defasagem dos exames antidoping.

    Aliada a este retardo tecnológico, a exigência da auto-superação pode levar o atleta de alto rendimento a querer ser melhor do que realmente ele poderia pelo uso de doping. Sua existência sendo muitas vezes subordinada à hiper-valorização da vitória, ele se torna refém de um sistema no qual, pensa, é excluído quem não ganha. Ignora que, se no sentido estrito da palavra o esporte produz muito mais perdedores, num sentido mais amplo, quem pratica o esporte lealmente é sempre vencedor3 .

    O fracasso do atleta confrontado a seus limites, à impossibilidade de atingir o topo, enquanto outros chegam lá, é raramente levado em conta e não é objeto de um acompanhamento psicológico particular. O término da carreira esportiva é vivido por certos atletas como uma espécie de morte (Laure, 1995), o que coloca em evidência a imprescindibilidade da abordagem ética no mundo esportivo através da educação e formação dos atores do esporte. A Agência Mundial Antidoping e o Código. Em 5 de março de 2003, ao termo da Conferência Mundial sobre o doping no esporte, em Copenhague, o Conselho de Fundação da AMA/WADA adotou o Código após duas revisões realizadas a partir das observações feitas pelos signatários4 .

    Em junho de 2003 o Comitê Executivo da AMA/WADA adotou os Padrões Internacionais de laboratórios e de exames e, em setembro, os Padrões Internacionais de uso para fins terapêuticos e da Lista Proibida. Em 1º de janeiro de 2004 todos os Padrões Internacionais aplicáveis serão finalizados. Antes de agosto de 2004 (Jogos Olímpicos de Atenas) o Código e os Padrões Internacionais deverão ser adotados pelas Federações Internacionais na forma prevista em seus estatutos. Antes de fevereiro de 2006 o Código e os Padrões Internacionais deverão ser adotados pelos governos segundo seus processos legislativos internos.

    De Rose (2001), observa que na história da luta contra o doping, foram poucas as vezes em que modificações tão marcantes foram observadas em espaço de tempo tão curto. O autor preconiza, ainda, que a conjugação de esforços de governos e autoridades esportivas é imprescindível para o êxito daquela luta e que um desafio se impõe no tocante aos Estudos Olímpicos: "observar o problema do doping em novas perspectivas culturais, sociais, educacionais e legais". Efetivamente, o Código Mundial Antidoping é o mais rigoroso e abrangente instrumento de que se tenha notícia para a preservação e restauração do espírito esportivo quando da ocorrência de violação à regra antidoping.

    Se por um lado o Código propicia certa flexibilidade em relação a alguns procedimentos, à condição que seus princípios sejam respeitados, outras disposições devem ser recepcionadas ipsis literis (verbatim, no texto em inglês) por cada organização antidoping5 , a saber os artigos 1 (definição de doping), 2 (violação das regras antidoping), 3 (prova do doping), 9 (anulação automática dos resultados individuais), 10 (sanções individuais), 11 (conseqüência para as equipes) 13 (apelação, à exceção do item 13.2.2) e as definições.

    Em decorrência de sua adoção, modificações foram introduzidas na Carta Olímpica (alterações de 4 de julho de 2003), notadamente o artigo 45 (Código de Admissão), cuja redação determina que, para serem admitidos nos Jogos Olímpicos, os atores do esporte devem se adaptar à Carta Olímpica assim como às regras da Federação Internacional respectiva e, notadamente, respeitar o espírito de fair play e de não-violência, comportando-se de acordo com este entendimento, e respeitar o Código Mundial Antidoping, conformando-se a todos os seus aspectos.


2.2. Princípios Fundamentais e conceitos elementares

    O Código6 e o Programa Mundial Antidoping visam "proteger o direito fundamental dos atletas de participar de atividades esportivas isentas de doping, promover a saúde e garantir assim aos atletas do mundo inteiro a eqüidade e a igualdade no esporte" além de "velar pela harmonização, coordenação e eficácia dos programas nacionais e internacionais Antidoping em matéria de detecção, dissuasão e prevenção ao doping" (Intróito do Código).

    Neste sentido, todos os programas antidoping, nos termos do Código devem preservar o valor intrínseco do esporte, comumente qualificado de espírito esportivo, pois que este é a essência do Olimpismo, exortando todos os atores ao jogo franco, limpo. "O espírito esportivo valoriza a inteligência, o corpo e o espírito do homem, se distinguindo pelos seguintes valores: ética, fair play e honestidade; saúde; excelência no rendimento; caráter e educação; diversão e alegria; trabalho de equipe; dedicação e engajamento; respeito pelas regras e leis; respeito por si e pelos outros participantes; coragem; comunidade e solidariedade".

    Para o Código (Princípios Fundamentais), "o doping é fundamentalmente contrário ao espírito esportivo". Da mesma forma, "as regras antidoping, assim como as regras da competição, são regras do esporte e definem as condições para que cada modalidade esportiva possa ser praticada" (Comentários à Introdução).


2.3. Violações das regras Antidoping no Código

    O doping no Código é definido como "a ocorrência de uma ou mais violações das regras Antidoping, tais como enunciadas do artigo 2.1 ao artigo 2.8 do Código". Como ver-se-á a seguir, esta definição remissiva é ampla e procura ir além das inúmeras definições existentes atualmente. Isto porque, na leitura dos artigos 2.1 a 2.8 do Código, constitui violação das regras Antidoping:

a) A presença de Substância Proibida, de seus Metabólitos ou seus Marcadores em uma amostra corpórea do atleta;

"Para a questão das violações das regras antidoping que implicam a presença de uma substância proibida (de seus metabólitos ou marcadores), o Código utiliza a regra da responsabilidade objetiva inserta no CMAD e na grande maioria dos regulamentos antidoping existentes. Segundo este princípio, uma violação das regras antidoping ocorre quando uma substância proibida é encontrada em uma amostra corporal do atleta. Há violação uma vez que o atleta, intencionalmente ou não, fez uso de uma substância proibida ou dá prova de negligência ou de outro descumprimento às regras antidoping. Assim que um teste positivo é detectado em competição, os resultados do atleta são automaticamente anulados (artigo 9, Anulação dos resultados do atleta)".

"Entretanto, é possível para o atleta ver anuladas ou abrandadas as sanções que lhe serão impostas se ele for capaz de demonstrar que ele não cometeu falta alguma ou, ao menos, falta significativa (artigos 10.5. Anulação do período de suspensão na ausência de uma falta do atleta e 10.6. Abrandamento do período de suspensão na ausência de falta significativa do atleta)".

"A regra da responsabilidade objetiva por ocasião da descoberta de uma substância proibida em uma amostra fornecida pelo atleta, em harmonia com a possibilidade de modificações das sanções em função dos critérios enunciados, assegura um justo equilíbrio entre a aplicação efetiva das regras antidoping no interesse de todos os atletas em conformidade com o Código e a eqüidade, quando circunstâncias extraordinárias fizeram com que uma substância tenha sido encontrada no organismo de um atleta sem que tenha havido negligência ou descumprimento de regra de sua parte. É importante ressaltar que, se a determinação de uma infração a uma regra antidoping repousa sobre a regra da responsabilidade objetiva (strict liability, no texto em inglês), a decisão de impor sanções, ela, não repousa sobre esta regra. O fundamento da regra da responsabilidade objetiva foi bem explicada pelo Tribunal Arbitral do Esporte no 'Caso Quigley vs. UIT'".

"É verdade que a regra da responsabilidade objetiva pode se verificar injusta em um caso particular, como o de Q., no qual um atleta pode ter tomado um medicamento em razão de informações incompletas da bula ou de um conselho médico errôneo, pelo qual ele não é responsável, notadamente em razão de uma doença súbita em um país estrangeiro. Mas, se revela de um certo ponto de vista, também injusto que o atleta sofra uma intoxicação alimentar às vésperas de uma importante competição. Ora, num caso como no outro, as regras da competição não são modificadas para remediar esta injustiça. Ao mesmo título que uma competição não será adiada no aguardo do restabelecimento de um atleta, a proibição que incide sobre uma substância não será levantada em razão da acidentalidade de sua absorção. A competição, como a vida, comporta vicissitudes que dão lugar a várias formas de injustiça, sejam elas acidentais ou resultado de negligência de pessoas irresponsáveis, vicissitudes estas que a lei não pode corrigir".

"Por outro lado, parece louvável adotar como princípio de política antidoping a não reparação de uma injustiça acidental para com um indivíduo, criando-se uma injustiça proposital para com o conjunto dos concorrentes. É o que aconteceria se as substâncias que melhoram o rendimento esportivo fossem toleradas quando absorvidas por inadvertência. Aliás, em tal circunstância, é provável que os casos de abuso intencionais escapariam de qualquer forma de sanção por falta de prova da intenção de culpa. E é certo que a demonstração desta intenção implicaria em procedimentos dispendiosos que paralisariam as Federações, notadamente aquelas que têm recursos limitados para sua luta antidoping" (Comentários ao artigo 2.1.1 do Código WADA, 2003).

b) Uso ou Tentativa de Uso de uma Substância ou Método Proibidos: "A proibição do uso foi expandida a partir do conteúdo do CMAD, para que nele se incluíssem tanto as substâncias quanto os métodos proibidos" (Comentário ao artigo 2.3 do Código).

c) A recusa ou o não-comparecimento, sem justificação válida, a uma sessão de coleta de amostras após notificação conforme aos regulamentos Antidoping em vigor ou, ainda, o fato de evitar a coleta de amostra.

d) A violação das exigências em vigor sobre disponibilidade do atleta para os controles fora-de-competição, incluindo o não-fornecimento de informações exigidas sobre sua localização e o não-comparecimento aos exames marcados;

"Os controles fora-de-competição são essenciais para um Programa Antidoping eficaz. Sem informações precisas sobre a localização do atleta, tais controles são ineficazes e às vezes impossíveis. Este artigo, não encontrado na maioria dos regulamentos antidoping em vigor, exige que os atletas sujeitos aos controles fora-de-competição prestem e atualizem informações sobre seu paradeiro para que possam ser localizados sem aviso prévio para os controles fora-de-competição. As 'exigências em vigor' (applicable requirements) são definidas pela Federação Internacional a que pertencer o atleta e pela Organização Nacional Antidoping a fim de proporcionar certa flexibilidade em função de circunstâncias variáveis de acordo com o esporte e o país. A violação deste artigo pode ser fundada tanto na conduta dolosa como culposa pelo atleta".

e) A adulteração ou falsificação ou a tentativa de adulteração ou falsificação de qualquer elemento em qualquer fase do Exame Antidoping.

f) O porte ou a posse de Substância ou Métodos Proibidos.

g) O tráfico7 e de qualquer Substância ou Método Proibidos.

h)Administrar, tentar administrar, encorajar, incitar ou instigar, assistir ou de qualquer maneira ajudar ou dissimular a administração de Substância ou Método Proibidos a qualquer atleta, ou praticar qualquer outra forma de cumplicidade que implique em violação ou tentativa de violação de qualquer regra antidoping8 .


2.4. Critérios de Inclusão de substância ou método na Lista Proibida e monitoramento de outras substâncias

    Nos moldes dos artigos 4 e seguintes do Código, a inclusão de substância ou método na Lista Proibida deverá ser considerada se a Agência Mundial Antidoping entender que a utilização da substância ou método responde à pelo menos dois dos três critérios seguintes: a) melhora ou tem o potencial de melhorar o rendimento esportivo, segundo prova médica ou outra prova científica, efeito ou experiência farmacológicos, b) representa um risco real ou potencial para a saúde do atleta, segundo prova médica ou outra prova científica, efeito ou experiência farmacológicos, c) é contrária ao espírito esportivo, tal como descrito na Introdução do Código, por determinação da Agência Mundial Antidoping.

    A outra possibilidade de inclusão de uma substância ou método na Lista Proibida se dá quando a Agência Mundial Antidoping entender que, segundo prova médica ou outra prova científica, efeito ou experiência farmacológicos, a substância ou método tem o potencial de mascarar o uso de outras Substâncias e Métodos Proibidos.

    Cumpre ressaltar que "nenhum dos três critérios é, sozinho, suficiente para determinar a inclusão da substância na Lista Proibida. Utilizar, a melhora potencial como critério exclusivo incluiria, por exemplo, o treinamento físico e mental, a carne vermelha, a superdosagem de carne vermelha e o treinamento na altitude. O risco para saúde incluiria o tabagismo. Exigir os três critérios também não seria satisfatório. Por exemplo, o recurso à tecnologia de transferência genética com o objetivo de incrementar sensivelmente o rendimento esportivo deve ser proibido por ser contrário ao espírito esportivo, ainda que não seja nocivo. Da mesma forma, o abuso potencialmente prejudicial de certas substâncias sem justificativa médica, em razão da crença equivocada de que elas possam melhorar o rendimento esportivo, é certamente contrário ao espírito esportivo, quer esta esperança seja realista ou não" (Comentário ao artigo 4.3 do Código).


2.5. Gestão de resultados

    No sentido de preservar o atleta, o Código estabelece alguns princípios que deverão ser observados no que diz respeito à gestão dos testes positivos detectados. Assim, "Cada organização antidoping responsável pela gestão dos resultados deverá dotar-se de um procedimento com vistas à instrução preliminar (pre-hearing) nos casos de potenciais violações das regras antidoping, de acordo com os princípios insculpidos nos artigos 7 e seguintes do Código.

    Destaque para o artigo 7.5, que estabelece Princípios Aplicáveis às Suspensões Provisórias, como a seguir descrito e caracterizado: A suspensão provisória somente poderá ser aplicada se for concedida ao atleta: a) a possibilidade de uma audiência prévia antes da imposição da suspensão provisória; ou b) a possibilidade de uma audiência preliminar nos termos do artigo 8, logo após a imposição da suspensão provisória. Se a suspensão provisória for imposta com base no resultado adverso da Amostra A e a Amostra B subseqüente não confirmar este resultado, o atleta não estará sujeito à nenhuma medida disciplinar e toda sanção que lhe tiver sido previamente imposta deverá ser revogada. Quando o atleta ou sua equipe tiverem sido excluídos da competição e a análise da Amostra B (Contraprova) não confirmar o resultado da Amostra A (Prova), o atleta poderá ser reintegrado à competição, se isto não comprometer o prosseguimento da competição.


2.6. Direito à audiência justa

    Os princípios a serem adotados em relação à audiência prevista no artigo 8 do Código, asseguram a toda Pessoa9 acusada de violação às regras Antidoping, entre outros: a) a realização da audiência em prazo razoável e por um tribunal justo e imparcial; b) o direito de ser representada por pessoa, ou conselho, de notório saber na matéria, às suas expensas, c) o direito de produzir provas, inclusive de requerer a intimação e o interrogatório de testemunhas por telefone, cujo deferimento ficará a critério da instância responsável pela realização da audiência; d) o direito a um intérprete e; e) o direito a uma decisão por escrito, motivada e em prazo razoável.


2.7. Educação e Pesquisa

2.7.1. Princípio Básico e Objetivo Primordial

    O princípio básico para os programas de educação e informação, nos termos do artigo 18.1, é o de preservar o espírito esportivo tal como descrito na Introdução do Código, a fim de evitar seu desvirtuamento pela ocorrência de doping e assim implementar políticas de dissuasão dos atletas quanto ao uso de Substâncias e Métodos Proibidos.

2.7.2. Programa e Atividades

    Toda Organização Antidoping deve, segundo o artigo 18.2, planejar, implementar e monitorar programas de informação e educação. Os programas devem prestar aos Participantes10 informações precisas e atualizadas sobre os seguintes pontos, ao menos: a) Substâncias e Métodos da Lista Proibida; b) Conseqüências do doping para a saúde; c) Procedimentos dos Exames Antidoping e e) Direitos e responsabilidades dos atletas Ademais, os programas devem promover o espírito esportivo, com o objetivo de estabelecer um ambiente livre de dopagem e que influencie positivamente todos os atores do esporte. A comissão técnica deve educar e aconselhar o atleta sobre as políticas e regras Antidoping adotadas em conformidade ao Código.


Considerações finais

    Buscou-se demonstrar que é desejável, para a preservação e restauração do fair play, a disseminação a todos os atores do esporte dos valores protegidos pelo Código, bem como a assimilação dos instrumentos que representam a garantia do direito ao esporte sem doping.

    O intuito de conservar a credibilidade do esporte, "gangrenada pela dopagem" (Zermatten apud Bento, 2001, p. 49) representa, além do objetivo precípuo de tornar viável o Espírito Esportivo, ou exatamente por aí, uma atitude racional visando à manutenção do mundus sportivus ele mesmo, quer sob o ponto de vista da perpetuação do círculo virtuoso do esporte, quer pela não cessação dos efeitos econômicos e sociais de si decorrentes.

    Para tanto, aponta Bento (2001, p. 48) que a educação com todos os seus meios e instrumentos "carecem de ser repensados sob o primado de uma ética apostada em ampliar os círculos da solidariedade em diminuir as bandas da ignorância moral e do egoísmo". Isto porque "o desporto só o é por ser idealista, por perseguir ideais justificados no contexto ético e cultural" (id. p. 50).

    Neste contexto, cabe-nos questionar se qualquer compreensão do desporto ou das regras e normas a ele aplicáveis, que se afaste daquela noção, pode representar, efetivamente, a abertura a um processo de aviltamento paulatino dos valores intrínsecos ao Esporte Olímpico?


Notas

  1. O Código Mundial Antidoping é referido neste ensaio simplesmente como Código.

  2. Omerta, no texto em francês.

  3. Alusão à inscrição "qui joue loyalement est toujours gagnant " / "fair play: the winning way ", inserta no Code d'Éthique Sportive du Conseil de l'Europe (1992).

  4. "Signatories: Those entities signing the Code and agreeing to comply with the Code, including the International Olympic Committee, International Federations, International Paralympic Committee, National Olympic Committees, National Paralympic Committees, Major Events Organizations, National Antidoping Organizations and WADA" (World Anti-Doping Agency, 2003).

  5. Antidoping Organization: A Signatory that is responsible for antidoping rules for initiating, implementing or enforcing any part of the Doping Control Process. This includes, for example, the International Olympic Committee, International Paralympic Committee, other Major Events Organizations that conduct Test at their Events, WADA, International Federations and National Antidoping Organizations" (World Anti-Doping Agency, 2003).

  6. Todos as citações do Código são traduções livres do primeiro autor a partir do texto original em inglês, que prevalece sobre a versão francesa, nos termos do artigo 24.1 do Código, em caso de divergência entre as versões. Elas não foram formatadas de acordo com as normas vigentes em razão de não ter havido, até o presente momento, a publicação da versão do Código em língua portuguesa.

  7. "Trafficking: to sell, give, admnister, transport, send, deliver, or distribute a Prohibited Substance or Prohibited Method to an Athlete either directly or through one or more third parties, but excluding the sale or distribution (by medical personnel or by Persons other than na Athlete's Support Personnel) of a Prohibited Substance for genuine and legal therapeutic purposes" (World Anti-Doping Agency, 2003).

  8. O rol de núcleos que definem uma violação de regra antidoping com fulcro neste artigo não é exaustivo posto que qualquer meio eficaz utilizado com o fim de fazer outrem violar ou tentar violar uma regra antidoping aqui se enquadra. Preserva-se assim a integridade do sistema, evitando subterfúgios derivados de eventual não previsão de uma situação específica que, embora não tenha sido contemplada expressamente no Código, atenta contra seus princípios.

  9. "Person: a natural person or an organizationor other entity" (World Anti-Doping Agency, 2003).

  10. Participants: Any Athlete or Athlete Support Personnel (World Anti-Doping Agency, 2003).


Referências

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