Corporeidade do idoso e o processo civilizador |
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Professora do curso de Educação Física do Centro Universitário |
Helena Brandão Viana hbviana@uol.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 71 - Abril de 2004 |
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O envelhecimento é uma experiência heterogênea, isto é, que pode ocorrer de modo diferente para indivíduos e coortes que vivem em contextos históricos e sociais distintos. Essa diferenciação depende da influência de circunstâncias histórico-culturais, de fatores intelectuais e de personalidade e da incidência de patologias durante o envelhecimento normal. Talvez possamos compreender melhor a questão da corporeidade do idoso, refletindo sobre a transformação do comportamento humano no processo civilizador. Na Europa, a partir do final da Idade Média, o processo de civilização dos costumes, estudado por Elias (1998), se caracteriza por uma progressiva interiorização de normas que inclui: a valorização da percepção visual em detrimento dos demais sentidos, a criação de novas distâncias entre o mundo adulto e o universo infantil, a emergência de regras de pudor até então inexistentes e uma privatização intensa e ampla das manifestações corporais e dos sentimentos de cada um (SANT'ANNA, 1997).
Com o processo civilizador, a distância entre hábitos infantis e adulto aumentam cada vez mais. Porém as crianças não escapam da tortura e imposição de terem seus corpos modelados. Desde as primeiras horas do nascimento são enfaixados de maneira enrijecida de modo a moldar seus corpos como se fossem uma massa argilosa, que pudesse ser esculpida para submeter-se e satisfazer um padrão social esperado. Aos poucos, surge uma associação mais forte de sexualidade com vergonha e embaraço, e a correspondente restrição ao comportamento, se espraia mais ou menos uniformemente por toda a sociedade. O impulso sexual, como tantos outros, está sujeito a controle e transformação cada vez mais rigorosos.
Neste três últimos anos, no contato direto que temos com pessoas idosas, em um trabalho social que realizamos com a comunidade, detectamos um fato que despertou nosso interesse em analisar e estudar mais profundamente o assunto. Mais da metade (65%) dos idosos que entrevistamos no decorrer deste trabalho, que pertenciam à comunidade evangélica, não responderam a pergunta (escrita) sobre a sexualidade. Uma pergunta sobre quão satisfeitos eles estavam com sua vida sexual.
Esse grupo de idosos evangélicos, que trazem tatuados em seus corpos, uma filosofia de vida diferenciada, teve dificuldades em lidar com o assunto da sexualidade. Ao realizar um trabalho físico com eles, também se apresentou dificuldade nas dinâmicas onde os mesmos precisariam tocar uns aos outros, dando as mãos, ou abraçando ou mesmo expressando algumas emoções.
Importante se apresenta neste trabalho, o cuidado e o tato ao lidar com corpos idosos, que carregam dentro de si, marcas de um momento histórico ou filosofias de vida, onde o perceber seu próprio corpo era "proibido" ou recriminado. E diante desse fato, elaborar estratégias para que pessoas idosas, independentemente do que viveram em seus muitos anos já passados, possam encontrar plenitude em uma prática corporal, onde poderão perceber, vivenciar, apreciar e admirar seus próprios corpos.
Após dois anos de trabalho de consciência corporal, palestras, atividades lúdicas, percebemos a mudança no comportamento das idosas. Hoje elas aceitam as atividades que tem contato físico e aparentemente tem mais prazer nas atividades, e conseguimos manter conversas sobre assuntos ligados à sexualidade, contando inclusive com testemunhos de muitas delas sobre as mudanças da vida sexual delas ao longo de suas vidas.
Para tanto se faz necessário ao profissional, que lida com vidas humanas, inteirar-se da influência que a cultura, o processo histórico, a filosofia, a religião têm na vida de nós seres humanos, transformando nosso comportamento social e individual.
revista
digital · Año 10 · N° 71 | Buenos Aires, Abril 2004 |