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A avaliação visual em uma aula de
educação física em alunos com baixa visão

   
* Bacharel em Treinamento Esportivo pela Faculdade de
Educação Física da Universidade Estadual de Campinas.
Doutorando em Educação Física pela
Universidade Estadual de Campinas.
Coordenador Técnico de Atletismo
da Associação Brasileira de Desportos para Cegos - ABDC
** Doutor em Educação Física.
Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP.
Diretor técnico da Associação Brasileira de Desportos para Cegos - ABDC
 
 
Prof. Ms.Ciro Winckler de Oliveira Filho*
Prof. Dr José Júlio Gavião**

cirowin@fef.unicamp.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O desenvolvimento motor da pessoa com baixa visão é muito limitado pela sua capacidade de recepcionar os estímulos a sua volta. O professor que trabalha com este grupo deve ter conhecimento das variáveis que auxiliam e atrapalham no desenvolvimento do aluno. A proposta de teste desenvolvido neste trabalho propõe a construção de uma avaliação norteada pelo conceito da complexidade de informações no processo de aprendizagem, segundo Spit Arnolds. As características do teste baseiam-se nas condições que o professor e aluno encontram em sala de aula
    Unitermos: Avaliação visual. Aprendizado motor e baixa visão.

Artigo Publicado originalmente na Revista da SOBAMA. Numero 7 - volume 1 de 2002
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 69 - Febrero de 2004

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Introdução

    Diversos autores (Stanford, 1975; Jankowski & Evans, 1981; Hopkins, Gaeta, Thomas & McHill, 1987; Winnick, 1990; Castro, Costa, Freitas, 1992, William, Armstrong, Eves, Faulker, 1996) apontam, de maneira global, que as pessoas com deficiência visual quando têm suas capacidades físicas avaliadas apresentam resultados baixos quando comparados com resultados provenientes de avaliações relativas e em pessoas sem deficiência visual. Stanford (1975) associa o sedentarismo e a baixa eficiência motora à deficiência visual.

    Winnick (1990) aponta que os principais fatores causadores dos problemas de desenvolvimento motor é a dependência social1 causada pela baixa visão. Hopkins et al. (1987), em seus estudos sobre consumo máximo de oxigênio, afirmam que crianças com baixa visão apresentam resultados inferiores aos de crianças sem deficiência visual e superiores ao de crianças cegas. Esta condição ocorre devido às diferenças entre as capacidades visuais. O estudo de Williams et al. (1996) mostra que alunas com e sem deficiência visual inseridas em um programa de educação física escolar inclusiva e submetidas à estimulação adequada apresentaram resultados semelhantes na avaliação de sua capacidade aeróbica. Tais resultados apontam para a limitação nos estímulos visuais acarretando em um retardo no desenvolvimento motor que pode ser minimizado por uma estimulação adequada.

    Ao trabalhar com um cego tem-se claro que os estímulos visuais são irrelevantes, porém alunos com baixa visão podem e devem ser estimulados visualmente. No entanto, quais serão os estímulos visuais relevantes? Como realizar a melhor intervenção educacional e esportiva junto a estas pessoas sem conhecer o tipo de estímulo mais adequado?


Deficiência Visual

    A X Conferência Internacional de Classificação de Deficiências em 1993 apresentou duas classes dentro da deficiência visual: a cegueira e a baixa visão (OMS, 2001). Para definir-las seguiremos o seguinte critério biomédico: a cegueira é definida como acuidade visual inferior à 3/18 e 6/6 metros no melhor olho e com a melhor correção (OMS, 2001).

    No desporto adaptado para deficientes visuais ocorre a separação em três grupos: no primeiro ficam agrupadas as pessoas que não tem percepção luminosa indo até as pessoas que percebem uma fonte luminosa, mas não distinguem o formato de uma mão (classe B1). No segundo ficam agrupadas as pessoas que apresentam acuidade visual que vai da definição do formato de uma mão até a acuidade visual de 2/60 (metros) ou campo visual no máximo de 5 graus (classe B2). O terceiro grupo é formado por pessoas que apresentam acuidade visual entre 2/60 e 6/60 (metros) e campo visual entre 5 e 20 graus (classe B3) (IBSA, 2000).


A avaliação

    Para a elaboração desta proposta de avaliação da capacidade visual serão tomadas como base as necessidades sugeridas pela Organização Mundial de Saúde e questões educacionais que permeiam a área esportiva. No entanto é muito importante criar procedimentos de fácil acesso e aplicação tendo em vista a realidade dos institutos que realizam a intervenção educacional com o portador de deficiência visual (escolas públicas, clubes esportivos e associações de cegos) e na maior parte das vezes não apresentam condições para ter a intervenção médica.

    As propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais indicam que os processos de avaliação de pessoas com necessidades educacionais especiais devem observar os aspectos de desenvolvimento (biológico, intelectual, motor), nível de competência curricular e estilo de aprendizagem (Brasil, 1998). No âmbito pedagógico deve-se partir do procedimento com o aluno (sócio-histórico) (Demo, 2001). Para o indivíduo com baixa visão deve-se avaliar, em primeiro lugar, quais estímulos lhe são pertinentes para compreender o comportamento de seu receptor visual e, em seguida, poder ser avaliado os aspectos motivacionais, histórico e de desenvolvimento.

    Na integração entre o sistema sensorial (visual) e o motor, o aluno melhora a qualidade dos movimentos através da melhor coordenação nesta relação (Gallahue, 2001). Segundo o mesmo autor esta aptidão para o conhecimento é ligada a maturação física e mental. Os elementos pré-requisitos para o aprendizado são a motivação e um ambiente rico. No domínio da aprendizagem visando a qualidade do processo, saber quanto o aluno aprende é fundamental (Demo, 2001). Ao trabalhar com o aluno de baixa visão é preciso identificar quais estímulos apresentam capacidade de influir neste processo, podendo assim ter-se instrumentos para identificar se a performance motora é limitada devido à ausência de elementos pré-requisitos para o aprendizado ou devido à uma estimulação inadequada, ou ambas.

    A avaliação do sistema visual pode ser realizada através de testes objetivos (observação da aparência do olho, reação pupilar, ocorrência de nistagmo, estrabismo e torção), subjetivos (requerem a participação ativa da criança-teste de acuidade, campo e contraste visual)2 e observação de comportamentos (quando esta variável apresenta um ambiente padronizado e graduado este passa a ser um teste subjetivo) (Lindestedt, 1998). Outro tipo de teste que pode ser realizado é a avaliação do comportamento visual durante os esforços físicos (Oliveira Filho, 2002).

    As avaliações objetivas e subjetivas são comuns dentro da literatura médica e educacional. Porém, as observações de comportamento nem sempre apresentam estrutura, principalmente na área da educação física.


A avaliação funcional da visão

    Os resultados da avaliação oftalmológica são muito importantes para o desenvolvimento de um trabalho eficiente no campo pedagógico. No entanto estas avaliações se não mostram a funcionalidade de visão ou referenciais de aplicação dentro de uma aula de educação física, dão importantes subsídios para o trabalho pedagógico. O principal objetivo deste estudo é propor uma avaliação funcional da visão. A mensuração da capacidade visual deve ser realizada de maneira que mais se aproxime da prática encontrada nas aulas de educação física ou dentro do treinamento de um atleta.

    Esta proposta de avaliação foi baseada em uma ordem de complexidade do processo de aprendizado motor proposta por Spit Arnolds (conforme citado por Rodrigues, 1991), onde a variação na dificuldade do comportamento motor ocorre na situação do sujeito e do meio. No plano mais simples estariam o sujeito e o meio estáticos. Acrescendo dificuldades no processo, um dos elementos estará em condições dinâmicas e o outro em condições estáticas (meio ou sujeito). No nível de maior dificuldade, estará o sujeito e o meio em condições dinâmicas.

    Para contextualizar a proposta aqui discutida utilizamos elementos do futebol de salão. Foram criadas situações nas quais se consegue aferir estímulos que sejam pertinentes a condição visual do aluno.

    No primeiro nível (Teste 1) o meio e os sujeitos estão estáticos e têm o contraste, acuidade e campos visuais testados.

    Para isto, com o auxílio de uma fita métrica, a quadra de jogo é marcada com uma linha reta e marcas a cada 0,5 metro, totalizando 20 metros (Linha 1). O aluno com baixa visão deve ser colocado no início da linha e o avaliador coloca a bola sobre as marcações feitas a cada 0.5 metro. A cada acerto do avaliado, a bola é deslocada até a distância onde o mesmo não a percebe mais 4 A distância deve ser anotada em uma planilha.5 Deve-se testar ainda neste procedimento a capacidade de perceber uma bola de cor branca de bolas com cores de diferentes e de contrastes ao da quadra esportiva. A cada troca de posição da bola é interessante que o avaliado permaneça de olhos fechados. O teste é realizado com os dois olhos abertos.

    O teste do campo de visão visual deve ser feito com o aluno distante um metro e paralelo à linha marcada no teste anterior. O aluno deve fixar um ponto no centro do seu campo visual e, para isto, deve ser colocado um objeto para fixação do seu foco visual (e.g., um cone). O teste tem como objetivo identificar onde o avaliado percebe o desaparecimento da bola. A bola deve ser colocada sob a linha marcada a cada 0,5 metro e distanciando-se da região central para as extremidades. Este teste deve ser realizado do lado esquerdo e do lado direito, com ambos os olhos abertos. A distância de percepção deve ser anotada. O teste pode se repetir com distâncias superiores entre o sujeito e a linha onde a bola está colocada.

    O teste com o sujeito estático e o meio dinâmico é semelhante ao anterior (Teste 2). O meio dinâmico a ser considerado é a bola. Como no teste anterior, este se repete em todas as suas características. A única exceção é que a bola é rolada sobre a linha em diferentes velocidades para a aferição da acuidade visual dinâmica. A distância em que ocorre a percepção da bola deve ser indicada como a sua capacidade visual para aquela condição. O procedimento de contraste se repete, porém com a bola em movimento. O teste de campo visual dinâmico é realizado com o mesmo posicionamento que o do estático e a bola é rolada em diferentes velocidades para a percepção da sua entrada no campo visual. Este teste requer uma grande atenção por parte do avaliador para identificar onde está o ponto de observação do objeto e a correta anotação.

    No teste com o meio estático e o sujeito dinâmico (Teste 3) a estrutura física é a mesma dos testes anteriores. No teste de acuidade visual a bola é colocada no final da linha 1. O aluno desloca-se em três velocidades diferentes (andando, trotando e correndo) sobre a linha e verificando a qual distância consegue ver a bola. O teste de contraste visual tem a mesma estrutura visual com o sujeito em deslocamento.

    A única exceção é a utilização de bolas de várias cores. Para o teste de campo visual, uma nova linha perpendicular é marcada a partir do centro da linha de 20 metros (linha 2). Esta nova marcação tem referenciais de distância a cada 0,5 metro ao longo de 10 metros. O aluno deve percorrer esta linha perpendicular nas três velocidades sugeridas e apontar quando consegue ver a bola que está posicionada sobre a linha de 20 metros. Neste último estágio, para a marcação dos resultados na planilha, são analisados os posicionamentos do aluno durante o deslocamento e a posição em que a bola foi visualizada.

    A cada acerto na posição da bola deve-se aumentar a distância dela em relação ao centro até que não haja mais percepção visual. Testar os lados direito e esquerdo do campo visual.

    O último nível de dificuldade proposto no teste de visual indica que meio e sujeito devem estar em condições dinâmicas (Teste 4). Para isto, no teste de acuidade visual, o sujeito deve iniciar seu deslocamento de uma extremidade da demarcação e a bola deve ser rolada a partir do outro lado. Ao ocorrer a visualização o fato deve ser anotado. Repetir este procedimento com o sujeito andando, trotando e correndo.

    O teste do campo visual deve ocorrer semelhantemente ao teste anterior (meio estático e sujeito dinâmico) e, para isto, o sujeito deve posicionar-se ao fim da linha perpendicular (linha 2) e iniciar seu deslocamento nas três velocidades.

    A bola deve ser rolada inicialmente apenas de um lado da linha. O aluno deve apontar no momento em que percebe a presença da bola. Ao concluir a avaliação em um dos lados do campo visual deve-se realizar do outro lado. Com os resultados obtidos no teste de campo visual estático, o procedimento para o teste dinâmico deve ser dimensionado para que não hajam problemas em alcançar o real propósito da avaliação (Ver detalhes na figura 1).


Conclusão

    A sugestão de criação de um teste visual funcional no esporte e na educação física decorre do empirismo dominante na prática motora junto a alunos com baixa visão. Especificamente na área esportiva, o problema tem relação com os apontamentos feitos por Oliveira Filho (2002) onde a avaliação funcional de atletas com baixa visão não é realizada em virtude de sua complexidade e dificuldade de procedimento. A avaliação funcional não é realizada no desporto competitivo para deficientes visuais devido a complexidade de elaboração.

    Além disso, a ausência de instrumentos específicos de testes complementa o problema. No desenvolvimento deste texto foi apresentada uma proposta para a avaliação da capacidade visual. Foram oferecidos subsídios práticos de tal avaliação e argumentos de sua necessidade para uma intervenção pedagógica adequada, particularmente onde se incorporam estímulos visuais nas estratégias de ensino.


Referências bibliográficas

  • Brasil. Secretaria de Educação Fundamental (1998) Parâmetros curriculares nacionais: Adaptaçõe Curriculares. Brasília: MEC/SEF/SEESP.

  • Castro, J. M.; Costa, O. & Freitas, F. (1992). Avaliação da capacidade aeróbica da pessoa cega por medida direta de VO2 máximo. Revista portuguesa de Cardiologia, 11, 525-529.

  • Demo, P. (2001). Pesquisa e informação qualitativa: Aportes metodológicos. Campinas: Papirus.

  • Gallahue, D.L. (2001). Compreendendo o desenvolvimento motor: Bebês, crianças, adolescentes e adultos. São Paulo: Phorte.

  • Hopkins, W. G.; Gatea, H., Thomas A.C. & McHill, N. (1987) Physical Fitness of Blind and Sighted Children. European Journal Applied Physiology, 56, 69-73.

  • IBSA (2000). Classification B-1. B-2 and B-3. http//:www.ibsa.es/rules/rules. [acesso: 28 de Novembro de 2000]

  • Jankowski, L.W. & Evans, J.K. (1981). The exercise capacity of blind children. Journal of Visual Impairment and Blindness, 75, 248-251.

  • Lindestedt, E. (1988). Avaliação de Visão - Preparo aplicação de testes. Um guia para profissionais especializados em crianças deficientes visuais (Apostila).

  • Oliveira Filho, C.W. (2002). A Variação da Acuidade Visual durante Esforços Físicos em Atletas com Baixa Visão. Dissertação de Mestrado, Universidade de Campinas,

  • OMS. (2001). CIDDM 2: Clasificación Internacional del Funcionamiento. La Discapacidad y la Salud. http// www.who.ch/icidh. [Acesso: 1 de abril de 2001].

  • Rodrígues, D. (1991) Métodos e estratégias em educação especial. Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana Universidade Técnica de Lisboa.

  • Stanford, B.A. (1975). Cardiovascular endurance training for blind persons. The New outlook for the blinds, 68, 248- 211.

  • Williams, C.A., Armstrong, N., Eves, N., Faulker, A., (1996) Peak Aerobic Fitness of Visually impaired and sighted adolescent girls. Journal of Visual Impairment Blinds 90, 495-500.

  • Winnick, J.P. (1990). Adapted Physical Education and Sports. Illinois: Human Kinetics.

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revista digital · Año 10 · N° 69 | Buenos Aires, Febrero 2004  
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