A eficácia do processo ofensivo em Futebol. O incremento do rendimento técnico |
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*Pós-graduado em Desporto, Técnico de Futebol **Licenciado em Desporto, Técnico de Futebol ***Professor Associado da Faculdade de Motricidade Humana-UTL (Portugal) |
Nuno Guia* nunoguia627@hotmail.com Nuno Ferreira** nunomalaquias@netcabo.pt César Peixoto*** cpeixoto@fmh.utl.pt |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 69 - Febrero de 2004 |
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IntroduçãoDesde a origem até aos dias de hoje, a partir da história e da sistematização das actividades desportivas, os desportos colectivos constituíram-se numa forma de actividade física de elevada composição lúdica, assente em aspectos singulares de carácter formativo, social, educativo e intelectual.
O Futebol como actividade desportiva, enquadra-se em função das suas características nos Desportos Colectivos, apresenta um conjunto de indivíduos em interacção mútua com relações e interpelações coerentes e consequentes, com objectivos convencionados e funções específicas definidas. Salientam-se como principais características deste desporto a existência de um objecto de jogo (bola), a disputa complexa (individual/colectiva), as regras do jogo, a duração do jogo (tempo), as dimensões do terreno de jogo (campo/s) bem como as técnicas e tácticas específicas.
Conseguir bons resultados nos grandes eventos desportivos, torna-se cada vez mais difícil, as marcas estão mais altas, a competitividade aumentou e em algumas actividades estamos cada vez mais próximos dos limites biológicos e patológicos.
Segundo Peixoto (2000), a técnica é um dos factores do treino que maior importância tem no desempenho das actividades físicas e desportivas. A sua aprendizagem não é mais que um conjunto de condições (sub-sistemas), que permitem a realização individual das acções motoras necessárias para a prática da actividade quer entre indivíduos-comunicação quer através do próprio indivíduo de acordo com a situação ou contexto onde é aplicada a acção.
A técnica tem um grande significado, já que, sem o domínio da bola não pode haver domínio do jogo, porém também podemos afirmar que para que exista domínio do objecto do jogo, torna-se necessário o domínio do corpo do executante. Segundo Resa (1998) a técnica, nos desportos colectivos pode ser definida como a execução do movimento adaptado às condições da situação real de jogo e ao tipo somático do jogador, da forma mais funcional e económica possível, para a realização do objectivo do jogo.
Encontramos desportos, onde a utilização de um conjunto de técnicas depende da mudança da estrutura da actividade ou da competição (o atleta deve solucionar a técnica apropriada de acordo com o que acontece no desenrolar dessa actividade - prova). As acções motoras aqui utilizadas (técnicas) são optimizadas em função do tipo de resposta necessária (Dick, 1997; citado por Peixoto, 2000).
O jogo de futebol insere-se, indiscutivelmente, num quadro complexo, passível de mudança e de alterações permanentes, pelo que o devemos compreender. Uma das vias passa pela possibilidade de conhecermos as técnicas que lhe servem de fundamento e que consequentemente lhe poderão fornecer os factores de tendência para a sua inevitável evolução.
ProblemaActualmente, existem muitas formas de "investigar" o jogo com vários tipos de métodos, tendo em vista a possibilidade de mudar o seu aspecto e poder exercer um maior controlo sobre este. Podemos pensar, que não será possível dissecar o futebol sem que se tenha uma atitude de compreensão para com ele. "Mas se tudo é deixado ao acaso, se tudo é um jogo de dados quem é que introduz a ordem?" (Eigen & Winkler, 1989; citados por Castelo, 1994).
É devido a este entendimento evolutivo da realidade desta actividade que, com propriedade, se torna necessário que as variáveis presentes se desenvolvam, de acordo com um processo correcto e coerente de compreensão (observação) e interpretação (análise) do conteúdo do jogo de futebol.
As modalidades de estrutura complexa como os jogos desportivos requerem o domínio de várias técnicas diferenciadas, devido à variabilidade situacional, uma vez que nas competições se apresentam inúmeras conjunturas. Para estas actividades a técnica tem uma função com aspectos complexos e variados que não é possível definir com uma só expressão.
Porém, de uma forma simplificada, entendemos por técnica os movimentos efectuados de uma forma racional (para a tarefa motora que se tem em vista), para o domínio individual da bola e, consequentemente, do jogo, influenciando-se assim o nível cultural do mesmo.
Identificamos diferenciações entre o Jogo e a execução de Jogadas, com múltiplos métodos de análise, de forma a compreender e a melhorar os intervenientes no processo de organização e enquadramento do jogo, devendo reconhecer nessas variáveis a sua interdependência elaborando os seus conteúdos fundamentais. Como conteúdo fundamental, salienta-se a técnica, enquanto sistema especializado de acções motoras simultâneas, executadas sob condições que variam frequentemente devido às mais diversificadas situações que ocorrem na realização das jogadas.
Se o modelo de jogador precede o modelo de jogo adoptado, então, necessitamos de um instrumento de observação que seja eficiente e que ajude o treinador a desenvolver o rendimento no jogador de futebol. Daí, em competição torna-se vital aferir, com precisão, a execução técnica dos jogadores que permita orientar adequadamente o exercício de treino às necessidades de cada um, no âmbito da sua função e missão.
ObjectivosEste estudo, considera o processo ofensivo, com base nos conteúdos técnicos e tácticos do ataque. Mais propriamente nas acções individuais ofensivas que têm por objectivo a conservação/progressão da bola, e nas acções técnico-tácticas do ataque que têm por objectivo a comunicação. Deste modo, centramo-nos na recepção/controlo da bola e no passe enquanto acções individuais ofensivas. Assim consideramos pertinente analisar o número de contactos com a bola, diferenciando o jogo a um contacto, dois contactos, três contactos e mais de três contactos, integrando o tipo de passe em função da distância percorrida (curtos e longos) e dos certos e falhados. Para isso dividimos o espaço/campo em corredores de jogo (divisão longitudinal do espaço de jogo em três partes iguais), e em sectores de jogo (divisão transversal do espaço de jogo em três partes iguais).
Figura 1 - Sub-Fases do Processo Ofensivo
HipótesesAo procurarmos perceber, de que forma o número de contactos se apresenta ou não, directamente relacionado, quanto à apreciação da qualidade do jogo de futebol, com base nos conteúdos que nesta circunstância foram considerados essenciais, levantámos as seguintes hipóteses:
Existem diferenças significativas entre os passes curtos certos e os passes longos certos?
Existem diferenças significativas entre os passes curtos falhados e os passes longos falhados?
Qual o número de contactos usado nos passes curtos/longos certos com mais eficácia?
Material e métodosO instrumento de medida foi elaborado por nós a partir da análise dos conteúdos técnico-tácticos relevantes do jogo, que se definiram no sentido de fazer face aos objectivos do estudo. Temos como base metodológica a observação sistemática, utilizamos o método indirecto, já que, todos os dados foram registados através de filmagem em vídeo, e em simultâneo foi utilizado o método directo por meio da técnica de registo de ocorrências.
Deste modo apresentamos a seguir o protocolo definido relativamente aos conteúdos presentes na grelha de observação.
Quadro 1 - Protocolo de observação
AmostraA amostra estudada pertence a uma equipa de futebol de onze, do Vitória Futebol Clube, integrada no escalão competitivo de juniores-C (iniciados) na época de 2002-2003, disputando o campeonato nacional série-E, cuja observação foi realizada durante 15 jogos consecutivos com as seguintes características: média de idades = 14 anos. Este estudo considera e descrimina o posicionamento dos jogadores no espaço de jogo, a saber: defesas, médios e avançados. Em relação aos médios distinguimos entre defensivos e ofensivos uma vez que neste estudo e nesta equipa a distribuição dos jogadores apresenta diferenças. Portanto, consideramos no sector do meio-campo como médios defensivos os mais recuados e como médio ofensivo o mais avançado no espaço para melhor percebermos as diferenças.
EstatisticasNos procedimentos estatísticos, utilizamos a correlação r de Pearson, e para comparação o teste T de Student (2x2). Os dados são apresentados de acordo com parâmetros de tendência central (média) e em percentagens. Para efeitos de interpretação e análise dos resultados utilizamos o grau de probabilidade de erro igual ou inferior a: 0.05 a 0.01 - * (significativa); 0.01 a 0.001 - ** (muito significativa); <0.001 - *** (altamente significativa).
Resultados
Quadro 2 - Número de passes curtos e longos certos
Quadro 3 - Relação entre os passes curtos e longos certosEm relação à primeira hipótese, verificam-se diferenças altamente significativas entre os passes curtos certos e os passes longos certos, sendo os primeiros mais eficazes (F"29,52 ***). Os passes curtos apresentam maior índice de êxito do que os passes longos.
Quadro 4 - Número de passes curtos e longos falhados
Quadro 5 - Relação entre os passes curtos e longos falhadosRelativamente à segunda hipótese, não existem diferenças significativas entre os passes curtos falhados e os passes longos falhados (F"1,262). Tanto se falham os passes curtos como os passes longos.
No que concerne à terceira hipótese, o número de contactos com maior eficácia, tanto nos passes curtos (84,9% e 96,6%), como nos longos (38,7% e 69,1%), são os efectuados a dois contactos. No entanto, os médios defensivos apresentam maior eficácia a mais de três contactos (89,1% - curtos e 57,1% - longos) enquanto que, os defesas laterais são mais eficazes nos passes longos a mais de três contactos (63,6%).
ConclusõesConstatou-se que, o passe curto está associado ao sucesso enquanto que o passe longo ao erro, possivelmente, devido à superfície de contacto utilizada, à distância e à relação que se produz entre os instrumentos. Para além do tipo de passe, a equipa é mais eficaz quando utiliza os dois contactos, pois evita a pressão da equipa adversária, tornando-se um jogo com elevado nível de êxito, onde as perdas da posse da bola diminuem. Verificámos que, os médios defensivos e os defesas laterais (passes longos) apresentam maior competência no jogo a mais de três contactos, devido ao facto de se encontrarem em zonas de menor concentração defensiva.
Por meio da observação (compreensão e interpretação) utilizada na competição, o diagnóstico centra-se na análise dos dados e permite-nos, no treino, a prescrição de exercícios técnicos com uma identidade e uma especificidade próximas da realidade competitiva.
As invariantes estruturais do jogo são determinantes porque definem a sua qualidade. Podemos afirmar que, com a diminuição do número de contactos aumenta o espaço, diminui o número de jogadores no centro do jogo e aumenta a qualidade da execução. Com o aumento do número de contactos diminui o espaço, aumenta o número de jogadores no centro do jogo e diminui a qualidade da execução.
A análise comparativa do rendimento por posição (no campo e durante o jogo) tende a ser mais eficaz quando os jogadores incidem num determinado número de contactos e quando relacionados com o tipo de passe (curtos e longos). Sabe-se, que a dimensão geométrica e numérica-estática do sistema de jogo se encontram ligadas às funções e às missões dos jogadores. Não existe nenhum sistema de jogo que possa compensar a carência técnica, a ausência de códigos básicos de ordem nas acções dos jogadores, ou a incapacidade física e mental. É sabido que o protagonismo e a consequente valorização das técnicas, em termos genéricos no alto rendimento desportivo, não se apresentam semelhantes em todas as actividades desportivas. Contudo, no que se refere ao Futebol a técnica assume-se como o instrumento a que se recorre, frequentemente, para resolver as mais variadas situações com que os jogadores se deparam. Concomitantemente com a definição dos conteúdos técnicos relevantes, viabilizamos o crescimento qualitativo do jogador, fomentamos o desenvolvimento da equipa e promovemos a qualidade no jogo. Por isto, nós consideramos como recomendações as seguintes situações, as quais concluímos com o nosso estudo:
Jogo a dois contactos - possibilita:
Jogo de velocidade elevada com deslocamentos automáticos constantes, de grande variabilidade e flexibilidade ao nível posicional;
Passa a existir a sensação de organização dentro da estrutura colectiva da equipa, o que pressupõe a existência de um plano de jogo previamente elaborado.
Com a criação de linhas de passe, o jogador, já deve saber o que vai fazer se a bola entrar, em antecipação permanente;
Com a recepção, a bola deve ficar pronta para ser jogada de imediato, após o passe torna-se obrigatório o deslocamento para cobertura ofensiva e/ou mobilidade;
Promove a auto-eficácia através da percepção de controlo emocional e pelos pensamentos positivos que daí resultam. Os jogadores passam a estar motivados para o sucesso porque o jogo começa a ter continuidade, o que promove o encadeamento devido à segurança que surge devido à qualidade do passe.
Jogo a mais de três contactos - possibilita:
Recorre-se à condução de bola, devido ao fecho das linhas de passe. Começando a ser alternativa o passe longo; (Joga-se frequentemente a mais de três contactos quando se retarda a entrega da bola e se anulam linhas de passe simples);
Começa a ser solução a alternância dos corredores de jogo, ou então e devido à concentração defensiva e com a redução da profundidade ofensiva, torna-se alternativa o passe atrasado, para promover a circulação e a nova tentativa de construção ofensiva do jogo no outro corredor lateral;
O aumento do número de contactos deve ser uma estratégia para um determinado jogador, numa determinada zona do terreno, num timing adequado, torna-se um recurso; (Justifica-se o aumento do jogo para mais de três contactos se com isso conseguirmos aumentar a sua objectividade)
Bibliografia
Castelo, J. (1994). Futebol - Modelo Técnico-Táctico do Jogo. Ed. F.M.H. - U.T.L. Cruz Quebrada. pp. 18-20.
Peixoto, C. (2000). A Técnica, como factor condicionante. Revista Ludens. Ed. F.M.H. - U.T.L. Cruz Quebrada. Vol. 16, N.º4, Out.-Dez., pp. 21-24.
Resa, Á. (1998). Aplicaciones del Análisis y Evaluación de la Técnica en Baloncesto. Educación Física y Deportes. N.º 54. pp. 37-43.
revista
digital · Año 10 · N° 69 | Buenos Aires, Febrero 2004 |